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trabalho realizado para o segundo semestre do curso de direito - Direito Penal
Tipologia: Notas de estudo
1 / 31
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Gustavo Tepedino
Sumário: 1. Introdução: a personalidade como objeto
de situações jurídicas subjetivas. A configuração
dogmática dos chamados direitos da personalidade; o
debate em torno do objeto do direito. 2. Características,
classificações e delimitação dos direitos da
personalidade. Personalidade e direitos humanos:
necessidade de superação da dicotomia entre o direito
público e privado. 3. Fontes dos direitos da
personalidade. Crítica às concepções jusnaturalistas. 4.
Teorias pluralista e monista: crítica. 5. A insuficiência
das orientações doutrinárias tradicionais. A pessoa
humana como valor unitário e sua proteção integral. A
cláusula geral de tutela da personalidade no
ordenamento brasileiro. Os direitos da personalidade
no Código Civil de 2002. A diversidade axiológica das
relações patrimoniais e extrapatrimoniais. Os
chamados direitos da personalidade das pessoas
jurídicas.
1. Introdução: a personalidade como objeto de situações jurídicas subjetivas. A
configuração dogmática dos chamados direitos da personalidade; o debate em torno
do objeto do direito
Poucos temas revelam maiores dificuldades conceituais quanto os chamados direitos
da personalidade. De um lado, os avanços da tecnologia e dos agrupamentos urbanos
expõem a pessoa humana a novas situações que desafiam o ordenamento jurídico,
reclamando disciplina; de outro lado, a doutrina parece buscar em paradigmas do passado
Professor Titular de Direito Civil e ex-Diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro - UERJ.
as bases para as soluções das controvérsias que, geradas na sociedade contemporânea, não
se ajustam aos modelos nos quais se pretende enquadrá-las.
Com efeito, o direito romano não tratou dos direitos da personalidade aos moldes hoje
conhecidos. Concebeu apenas a actio injuriarum, a ação contra a injúria que, no espírito
prático dos romanos, abrangia qualquer “atentado à pessoa física ou moral do cidadão”,
hoje associado à tutela da personalidade humana.
1
A categoria dos direitos da personalidade constitui-se, portanto, em construção
recente, fruto de elaborações doutrinárias germânica e francesa da segunda metade do
século XIX. Compreendem-se, sob a denominação de direitos de personalidade, os direitos
atinentes à tutela da pessoa humana, considerados essenciais à sua dignidade e integridade.
2
Em síntese feliz, observou-se que “o homem, como pessoa, manifesta dois interesses
fundamentais: como indivíduo, o interesse a uma existência livre; como partícipe do
consórcio humano, o interesse ao livre desenvolvimento da `vida em relações'. A esses dois
aspectos essenciais do ser humano podem substancialmente ser reconduzidas todas as
instâncias específicas da personalidade”.
3
Perduraram, todavia, por muito tempo, hesitações da doutrina quanto à existência
conceitual da categoria, expandindo-se dúvidas no que tange à sua natureza e conteúdo,
bem como no que concerne à extensão da disciplina aplicável.
Destacam-se, antes de mais, as chamadas teorias negativistas (Roubier; Unger; Dabin;
Savigny; Thon; Von Tuhr; Enneccerus; Zitelmann; Crome; Iellinek; Ravà; Simoncelli,
1 Ebert Chamoun, Instituições de Direito Romano , Rio de Janeiro, Forense, 1951, p. 398. Para uma
percuciente análise da gênese e evolução histórica da tutela da personalidade, desde a antiguidade oriental, v.
R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade , Coimbra, Coimbra Editora, 1995, p. 26 e ss. Cf.,
ainda, sobre o tema, Elimar Szaniawski, “Direitos da Personalidade na Antiga Roma”, in Revista de Direito
Civil , vol. 43, p. 28 e ss. e, especialmente, pp. 37 e 38.
2 Para o exame da configuração dogmática dos direitos da personalidade, v. E. H. Perreau, “Des droits de la
personnalité”, in Revue trimestrielle de droit civil , 1909, p. 33 e ss. Fundamental, ainda, no direito francês,
Pierre Kayser, Les droits de la personnalité: aspects théoriques et pratiques , in Revue trimestrielle de droit
civil , 1971, p. 30 e ss. V., também, além das obras ulteriormente referidas ao longo do texto, Davide
Messinetti, “Personalità (diritti della)”, in Enciclopedia del diritto , vol. XXXIII, Milano, Giuffrè, 1983, p. 355
ss.; Ezio Capizzano, “Vita e integrità fisica (diritto alla)”, in Novissimo digesto italiano , vol. XX, Torino,
UTET, 1975, p. 999 e ss; e, do mesmo autor, “La tutela del diritto al nome civile”, in Rivista di diritto
commerciale , 1962, p. 249 e ss.; Adolfo di Majo Giaquinto, “Profili dei diritti della personalità”, in Rivista
trimestrale di diritto e procedura civile, 1962, p. 69 e ss., todos com ampla bibliografia italiana, francesa e
germânica.
3 Giorgio Giampiccolo, “La tutela giuridica della persona umana e il c.d. diritto alla riservatezza”, in Riv.
trimestrale di diritto e procedura civile, 1958, p. 458.
Em outras palavras, não se considerava a proteção jurídica da personalidade revestida
dos característicos do direito subjetivo, limitando-se à reação do ordenamento contra a
lesão — o dano injusto —, através do mecanismo da responsabilidade civil. Daí
decorreriam situações objetivas, não já o direito subjetivo, figura jurídica autônoma e
preestabelecida pela lei ou pela vontade das partes, que assegura poderes ao titular não
apenas para protegê-lo contra lesões mas para que possa dispor livremente do próprio
direito.
Muitas foram as críticas antepostas às teorias negativistas. Atacou-se sua premissa. É
que a personalidade, a rigor, pode ser considerada sob dois pontos de vista. Sob o ponto de
vista dos atributos da pessoa humana, que a habilita a ser sujeito de direito, tem-se a
personalidade como capacidade, indicando a titularidade das relações jurídicas. É o ponto
de vista estrutural (atinente à estrutura das situações jurídicas subjetivas), em que a pessoa,
tomada em sua subjetividade, identifica-se como o elemento subjetivo das situações
jurídicas.
De outro ponto de vista, todavia, tem-se a personalidade como conjunto de
características e atributos da pessoa humana, considerada como objeto de proteção por parte
do ordenamento jurídico. A pessoa, vista deste ângulo, há de ser tutelada das agressões que
afetam a sua personalidade, identificando a doutrina, por isso mesmo, a existência de situa-
ções jurídicas subjetivas oponíveis erga omnes.
7
Dito diversamente, considerada como sujeito de direito, a personalidade não pode ser
dele o seu objeto. Considerada, ao revés, como valor, tendo em conta o conjunto de
atributos inerentes e indispensáveis ao ser humano (que se irradiam da personalidade),
constituem bens jurídicos em si mesmos, dignos de tutela privilegiada.
Nesta direção, lecionava em 1942 o professor San Tiago Dantas: “A palavra
personalidade está tomada, aí, em dois sentidos diferentes. Quando falamos em direitos de
personalidade , não estamos identificando aí a personalidade como a capacidade de ter
direitos e obrigações; estamos então considerando a personalidade como um fato natural,
7 Sobre o tema, v. Francesco Carnelutti, “Diritto alla vita privata (contributo alla vita privata)”, in Rivista
trimestrale di diritto pubblico , 1955, p. 3 e ss., o qual, após criticar ironicamente as doutrinas negativistas
florescidas na Alemanha (e não na Itália, “segno del nostro buon senso”...), define o direito da personalidade
como um “diritto sul proprio corpo” (ao invés da fórmula usual diritto sulla propria persona), “dove la
differenza tra corpo e persona risponde alla opposizione tra il soggetto e l'oggetto del rapporto”.
como um conjunto de atributos inerentes à condição humana; estamos pensando num
homem vivo e não nesse atributo especial do homem vivo, que é a capacidade jurídica em
outras ocasiões identificada como a personalidade”.
8
A distinção entre os conceitos de personalidade como objeto e como sujeito de
direitos é clarificada pelo Código Civil Português, a partir da análise do art. 70, I, que
estabelece a tutela geral da “personalidade física ou moral” dos indivíduos, assim
considerada, pela doutrina, como “os bens inerentes à própria materialidade e
espiritualidade de cada homem”. Remarcou-se que “a personalidade surge, aqui
imediatizada no ser humano e configurada como objeto de direitos e deveres, não se
perspectivando como elemento qualificador do sujeito da relação jurídica enquanto tal, cuja
qualificação nos é dada antes pelas idéias de personalidade jurídica, ou seja, pelo
reconhecimento de um centro autônomo de direitos e obrigações, e de capacidade jurídica,
isto é, pela possibilidade jurídica inerente a esse centro de ser titular de direitos e obriga-
ções em concreto”.
9
Adriano De Cupis, em página clássica, afirma que “existem direitos sem os quais a
personalidade restaria uma atitude completamente insatisfeita, privada de qualquer valor
concreto; direitos desacompanhados dos quais todos os outros direitos subjetivos perderiam
8 Programa de Direito Civil , Rio de Janeiro, Ed. Rio (ed. Histórica), I, p. 192. E conclui o mesmo autor, que
introduziu o estudo do direitos da personalidade em suas aulas já em 1942: “Quer dizer que a palavra
personalidade pode ser tomada em duas acepções: numa acepção puramente técnico-jurídica ela é a
capacidade de ter direitos e obrigações e é, como muito bem diz Unger, o pressuposto de todos os direitos
subjetivos e, numa outra acepção, que se pode chamar acepção natural, é o conjunto dos atributos humanos, e
não é identificável com a capacidade jurídica. Aquele pressuposto pode perfeitamente ser o objeto de relações
jurídicas”. O Professor Ebert Chamoun, em suas lições admiráveis, expõe de maneira extremamente clara o
tema: “a personalidade pode ser considerada do ponto de vista jurídico ou do ponto de vista vulgar.
Juridicamente, a personalidade é a qualidade da pessoa que em verdade é titular de direito e tem deveres
jurídicos, mas, vulgarmente, a personalidade é um conjunto de características individuais, de valores, de bens,
de aspectos, de parcelas, que são realmente dignos de salvaguarda jurídica. Quando se diz que há um direito
subjetivo da personalidade, não se está dizendo que a titularidade coincida com o objeto, apenas se está
referindo a certos aspectos da personalidade, tomada a palavra no sentido vulgar, que são objetos da
personalidade sob o ponto de vista jurídico” (aulas datilografadas da Faculdade de Direito da UEG, ano
acadêmico de 1965, sem responsabilidade da cátedra).
9 R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade , cit., p. 106, o qual ressalva: “Todavia, os institutos
da personalidade e da capacidade jurídicas interpenetram-se, sem se confundirem, com o bem da
personalidade humana juridicamente relevante, na medida em que os valores jurídicos que aqueles institutos
incorporam são reabsorvidos também no bem jurídico da personalidade, enquanto objeto da tutela geral
referida.”
resguardadas de qualquer ofensa, por necessária sua incolumidade ao desenvolvimento
físico e normal de todo homem”.
14
Afirmou-se que os direitos da personalidade “são os direitos supremos do homem,
aqueles que garantem a ele a fruição de seus bens pessoais. Em confronto com os direitos a
bens externos , os direitos da personalidade garantem a fruição de nós mesmos , asseguram
ao indivíduo a senhoria da sua pessoa, a atuação das próprias forças físicas e espirituais”.
15
O debate, portanto, como se depreende do último excerto, ressente-se da preocupação
exasperada da doutrina em buscar um objeto de direito que fosse externo ao sujeito, tendo
em conta a dogmática construída para os direitos patrimoniais. Em outras palavras, a
própria validade da categoria parecia depender da individuação de um bem jurídico —
elemento objetivo da relação jurídica — que não se confundisse com a pessoa humana —
elemento subjetivo da relação jurídica —, já que as utilidades sobre as quais incidem os
interesses patrimoniais do indivíduo, em particular no direito dominical, lhe são sempre
exteriores.
A dificuldade de individuação do bem jurídico objeto dos direitos da personalidade
revela-se na lição de Ferrara, para quem “nos direitos absolutos o objeto não é a res , mas os
outros homens obrigados a respeitar o seu exercício”. Assim sendo, os direitos da
personalidade “têm por conteúdo a pretensão de exigir respeito de tais bens pessoais. A
vida, o corpo, a honra, são o ponto de referência ( termine di riferimento ) da obrigação
negativa que incumbe à coletividade”.
16
13 Sobre o tema, v., por todos, R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade , cit., p. 106 e ss.
14 Introdução ao Direito Civil , Rio de Janeiro, Forense, 1996, 12ª edição, p. 151. Em outro passo ( Novos
Temas de Direito Civil , Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 254) , acrescenta Orlando Gomes: “é o direito da
pessoa humana a ser respeitada e protegida em todas as suas manifestações imediatas dignas de tutela jurídica,
assim como na sua esfera privada e íntima. Na sua concepção, esse direito geral de personalidade é o
fundamento de todos os direitos especiais da personalidade, logicamente antecedente e juridicamente
preferencial”.
15 Francesco Ferrara, Trattato di diritto civile italiano , cit., p. 389. Na mesma esteira, no direito pátrio,
Anacleto Faria, Instituições de Direito, São Paulo, Revista dos Tribunais , 1972, 2ª edição, p. 293, os
designava como direitos personalíssimos , definindo-os como “aqueles que têm por objeto a própria pessoa do
sujeito, considerada em seu todo, ou em alguns aspectos, prolongamentos ou projeções da mesma”.
16 Francesco Ferrara, Trattato di diritto civile italiano , cit., p. 395. V., ainda, a tentativa de esclarecimento
proposta por Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado , vol. VII, cit., p. 7: “a) no suporte fáctico de
qualquer fato jurídico, de que surge direito, há, necessariamente, alguma pessoa, como elemento do suporte;
b) no suporte fáctico do fato jurídico de que surge direito de personalidade, o elemento subjetivo é o ser
humano , e não ainda pessoa: a personalidade resulta da entrada do ser humano no mundo jurídico.”
A matéria é magistralmente enfrentada por Giampiccolo, segundo o qual a utilidade
juridicamente protegida não se confunde com o dever geral de abstenção (necessário à sua
conservação, não já à sua constituição), identificando-se “ con l'essere e le condizioni
essenziali dell'essere ed è quindi acquisita e intriseca al soggetto per ragione di natura ”.
Daí decorreria o equívoco dos autores que consideravam estranho à pessoa o ponto de
referência da relação jurídica (postulado que, segundo o mesmo autor, acarretaria um direito
sem objeto ou a negativa de direito subjetivo). E remata, demonstrando que a separação
entre o sujeito e o objeto do direito é postulado lógico quando o interesse protegido dirige-
se a uma utilidade externa, tal qual ocorre nas relações jurídicas patrimoniais. Entretanto, a
regra não se adapta definitivamente à categoria das relações jurídicas não-patrimoniais.
17
2. Características, classificações e delimitação dos chamados direitos da
personalidade. Personalidade e direitos humanos: necessidade de superação da
dicotomia entre o direito público e privado
A preocupação com a pessoa humana, surgida com as declarações de direitos, a partir
da necessidade de proteger o cidadão contra o arbítrio do Estado totalitário, limitava-se, por
isso mesmo, à tutela conferida pelo direito público à integridade física e a outras garantias
políticas, não existindo nas relações de direito privado um sistema de proteção fora dos
limites dos tipos penais.
Durante o liberalismo, o indivíduo não encontrava limites nas relações jurídicas
patrimoniais, cuidando o direito privado basicamente de estipular garantias para que o
domínio fosse exercitado sem ingerência externa; e para que a transferência de riqueza (da
propriedade, portanto) pudesse ter livre curso mediante a disciplina dos contratos. A lesão à
17 Giorgio Giampiccolo , La tutela giuridica della persona umana e il c.d. diritto alla riservatezza , cit., pp.
466 - 477: “ è naturale che, dove oggetto di tutela è l'essere stesso della persona, epperò una condizione di
utilità che non implica relazione alcuna com un bene esterno, la prospettiva debba mutare; e diviene allora
una necessità logica riconoscere che qui, per la speciale natura dell'interesse protetto, è proprio la persona a
costituire, al tempo stesso che il soggetto titolare del diritto, il punto di riferimento oggettivo del rapporto.
Non è già che con questo si pretenda dividere l'uomo in due aspetti (io e non io); si tratta di accetare semmai
il concetto, niente affatto contradditorio e in tutto aderente alla realtà, di una duplice rilevanza formale dello
stesso elemento , in relazione al diverso angolo visuale dal quale volta a volta può procedere l'analisi ; a parte
subiecti , a parte obiecti”.
especializada, a generalidade, a extrapatrimonialidade, o caráter absoluto, a
inalienabilidade, a imprescritibilidade e a intransmissibilidade.
20
A generalidade significa que esses direitos são naturalmente concedidos a todos, pelo
simples fato de estar vivo, ou pelo só fato de ser. Por isso mesmo alguns autores os
consideram como inatos, terminologia que, todavia, mostra-se por vezes dúbia, já que,
como se verá adiante, suscita a conotação jusnaturalista, adotada por alguns autores, no
sentido de que tais direitos preexistiriam à ordem jurídica, independentemente, portanto, do
dado normativo. A extrapatrimonialidade consistiria na insuscetibilidade de uma avaliação
econômica destes direitos, ainda que a sua lesão gere reflexos econômicos.
21
São absolutos,
já que oponíveis erga omnes , impondo-se à coletividade o dever de respeitá-los. A
indisponibilidade retira do seu titular a possibilidade de deles dispor,
22
tornando-os também
irrenunciáveis e impenhoráveis; e a imprescritibilidade impede que a lesão a um direito da
personalidade, com o passar do tempo, pudesse convalescer, com o perecimento da
pretensão ressarcitória ou reparadora. Finalmente, a intransmissibilidade constitui
característico controvertido, estando a significar que se extinguiria com a morte do titular,
em decorrência do seu caráter personalíssimo, ainda que muitos interesses relacionados à
personalidade mantenham-se tutelados mesmo após a morte do titular.
23
20 V., por todos, Milton Fernandes, Os Direitos da Personalidade , São Paulo, Saraiva, 1986, p. 12 e ss., que
os designa como direitos personalíssimos.
21 Sobre esta específica característica, cf., na doutrina estrangeira, a lição de Adriano De Cupis, I diritti della
personalità , cit., p. 28: “ L'oggetto dei diritti della personalità essendo un modo di essere fisico o morale della
persona, bem s'intende come esso mai contega in se stesso una immediata utilità d'ordine economico. La vita,
l'integrità fisica, la libertà e così via dicendo permettono al soggetto di conseguire altri beni muniti di utilità
economica: ma non possono nè identificarsi nè confondersi con questi altri beni. Quando viene leso un diritto
della personalità, sorge nel soggetto un diritto al risarcimento del danno, rivolto a garantirgli il tantundem di
quei beni che l'oggetto del dirritto leso era in grado di fargli conseguire. L'equivalenza tra il diritto al
risarcimento del danno e il diritto leso della personalità è una equivalenza di carattere indiretto:
l'equivalenza tra i diritti non può essere che un riflesso dell'equivalenza tra i rispettivi oggetti; ed equivalenza
non sussiste direttamente tra la somma di danaro attribuita a titolo di risarcimento e la vita, l'integrità fisica
e via dicendo, ma bensì tra quella e i beni che quest'ultime possono far conseguire al soggetto .”
22 Da indisponibilidade deriva o intenso debate sobre a licitude dos atos lesivos aos direitos da personalidade
praticados com o consenso do interessado. Sobre o ponto, v., ainda, Adriano De Cupis, I diritti della
personalità , cit., p. 50, para quem não existe um princípio geral de invalidade de tais atos, os quais, embora
por vezes reprimidos pelo ordenamento, não necessariamente afetam a ordem pública, refletindo um aspecto
particular e mais modesto da faculdade de dispor.
23 Diogo Leite de Campos, Lições de Direitos da Personalidade, cit., p. 43, observa que, embora a morte
cesse a personalidade, “a doutrina, as leis, os juízes, afirmam a permanência, depois da morte, de um certo
número de interesses e dos direitos respectivos: o direito à sepultura e à sua proteção; o direito ao seu cadáver
e de decidir o seu destino; o direito à imagem que `era', e também o direito à imagem do cadáver; o direito ao
nome; o direito moral do autor; etc”. Daí ter o Código Civil Português, no art. 71, previsto que os direitos da
A tais característicos há quem acrescente, especificamente, a essencialidade e a
preeminência dos direitos da personalidade em relação aos demais direitos subjetivos, em
função da peculiaridade do seu objeto.
24
Estabelecidos os seus contornos, os civilistas em geral pretendem classificar os
direitos da personalidade, embora não sejam suficientemente convincentes os critérios
científicos adotados e a importância prática de tais partições.
25 De toda sorte, costuma-se
distingui-los em dois grupos: os direitos à integridade física e os direitos à integridade
moral. No primeiro grupo situam-se o direito à vida, o direito ao próprio corpo e o direito
ao cadáver. No segundo, encontram-se o direito à honra, o direito à liberdade, o direito ao
recato, o direito à imagem, o direito ao nome e o direito moral do autor.
26
Este conjunto de direitos decorre da previsão constitucional, do Código Civil e das
leis especiais que, pontualmente, fornecem elementos normativos capazes de permitir sua
configuração dogmática. Vale registrar, a título exemplificativo: o art. 5
o , X, da
Constituição da República, segundo o qual “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação”; o art. 220, também do texto maior, que assegura a
liberdade de “manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob
qualquer forma, processo ou veículo”, em conformidade com o art. 5º, IV e V, do rol das
garantias fundamentais; a Lei nº 9.434/97 (modificada pela Lei nº 10.211/2001) que,
respondendo ao comando do art. 199, § 4º, da Constituição, regula o transplante de órgãos;
o art. 5º, XXVII e XVIII, da Constituição e a Lei nº 9.610/98, que disciplinam os direitos
personalidade são protegidos depois da morte do seu titular, tendo legitimidade para pedir a sua proteção, o
cônjuge e qualquer descendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido. Comentando o dispositivo, aquele
autor português leciona que “Os parentes e herdeiros do falecido não defendem um interesse próprio (o que é
evidente, por exemplo, tratando-se da defesa de um nome que não é usado pelo que o defende) mas sim um
interesse do defunto”. E remata: “Assim a personalidade jurídica prolonga-se, é `empurrada', para depois da
morte.”
24 Adriano De Cupis, I diritti della personalità , cit., p. 22, para quem o seu objeto apresenta duas
características distintivas (ressaltando-se a sintomática referência à senhoria): “1) si trova colla persona in un
nesso strettissimo, così da potersi dire organico ; 2) si identifica, tra i beni suscettibili di signoria giuridica,
con quelli più elevati .”
25 Milton Fernandes, Os Direitos da Personalidade , cit., p. 145, passa em revista as diversas classificações
propostas pela doutrina, as quais, segundo leciona, “não têm bases sólidas de apoio nem produzem resultados
úteis”.
26 Orlando Gomes, Introdução ao Direito Civil , cit., p. 153.
motivo grave e insuperável, a presunção constitucional de interesse público que sempre
acompanha a liberdade de informação e de expressão”.
30
Duas cláusulas gerais são veiculadas nos arts. 12 e 21. O artigo 12 prevê a
possibilidade de cessão de ameaça ou da lesão a direito da personalidade (a chamada “tutela
inibitória”) e o ressarcimento pelos danos causados.
31
Nos termos do art. 21, “a vida
privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as
providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.
Ambos os dispositivos, lidos isoladamente no âmbito do corpo codificado, não trazem
grande novidade, sendo certo que os dispositivos constitucionais mencionados já traziam
previsão geral a esse respeito. Os preceitos ganham contudo algum significado se
interpretados como especificação analítica da cláusula geral de tutela da personalidade
prevista no Texto Constitucional no art. 1
o , III (a dignidade humana como valor
fundamental da República). A partir daí, deverá o intérprete afastar-se da ótica tipificadora
seguida pelo Código Civil, ampliando a tutela da pessoa humana não apenas no sentido de
contemplar novas hipóteses de ressarcimento mas, em perspectiva inteiramente diversa, no
intuito de promover a tutela da personalidade mesmo fora do rol de direitos subjetivos
previstos pelo legislador codificado.
A rigor, as previsões constitucionais e legislativas, dispersas e casuísticas, não logram
assegurar à pessoa proteção exaustiva, capaz de tutelar as irradiações da personalidade em
todas as suas possíveis manifestações. Com a evolução cada vez mais dinâmica dos fatos
sociais, torna-se assaz difícil estabelecer disciplina legislativa para todas as possíveis situa-
ções jurídicas de que seja a pessoa humana titular. Além disso, os rígidos compartimentos
do direito público e do direito privado nem sempre mostram-se suficientes para a tutela da
personalidade que, as mais das vezes, exige proteção a só tempo do Estado e das sociedades
intermediárias — família, empresa, associações —, como ocorre, com freqüência, nas
matérias atinentes à família, à inseminação artificial e à procriação assistida, ao
30 Luís Roberto Barroso, “Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de
ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa”, in Revista
Trimestral de Direito Civil , n. 16, out.-dez. 2003.
31 Mostra-se correlato ao tema o problema da indenização por dano moral, sobre a qual remete-se à obra de
Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional do dano moral. Rio
de Janeiro, Renovar, 2003.
transexualismo, aos negócios jurídicos relacionados com a informática, às relações de
trabalho em condições degradantes, e assim por diante.
32
3. Fontes dos direitos da personalidade. Crítica às concepções jusnaturalistas
Provavelmente na tentativa de se ampliar o espectro da tutela da pessoa humana,
debate-se, de maneira acirrada, o problema das fontes dos direitos da personalidade. Grande
parte da doutrina, incluindo-se aí os autores brasileiros em larga maioria, nega a primazia
do direito positivo, buscando em fontes supralegislativas a legitimação dos direitos
inerentes à pessoa humana. Considera-se, desse modo, que “o fundamento próximo da sua
sanção é realmente a extratificação no direito consuetudinário ou nas conclusões da ciência
jurídica. Mas o seu fundamento primeiro são as imposições da natureza das coisas, noutras
palavras, o direito natural ”.
33
No direito português, onde há expressa tutela no Código Civil, afirma-se que “os
direitos da personalidade são direitos naturais. São expressão e tutela jurídicas da estrutura
32 O direito de família é rico em situações não tipificadas e interdisciplinares, atinentes a aspectos da
personalidade humana. Cf. a emblemática hipótese decidida por unanimidade pela 5ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sendo Relator o Des. Marcus Faver (in ADV-COAD , 1997, nº 77.562),
com a seguinte ementa: “Regulamentação de visitas. Pedido formulado por irmãos unilaterais através de
processo cautelar (...) Não contendo o ordenamento jurídico vedação à pretensão deduzida, não há que se falar
em impossibilidade jurídica do pedido (...) Saber se o autor tem ou não direito em relação a pretensão
deduzida é matéria de mérito. Os irmãos, tal como os tios e avós, têm direito de visita, em relação aos
menores, irmãos, sobrinhos ou netos, ainda que com amplitude reduzida. Embora não sendo titulares de pátrio
poder, aos irmãos, pelos princípios que orientam o direito de família, pela solidariedade familiar, pelo
interesse na formação da personalidade e do psiquismo, do menor, deve ser assegurado, com limitação, o
direito de visitas, em relação aos irmãos menores, ainda que unilaterais.” Fatos inusitados, por outro lado,
surgem a cada dia, desafiando a dogmática tradicional e a técnica regulamentar. Segundo noticiou a imprensa
(Jornal O Estado do Paraná , 25 de maio de 1997), sob o inquietante título “O Incesto Tecnológico”, o
príncipe herdeiro do Japão, Naruhito, de 37 anos, diante da constatação de sua esterilidade, teria consentido
com que sua mulher Masako, de 33 anos, viesse a ser inseminada artificialmente com o sêmen do pai dele, o
imperador Akhito, de 63 anos, a fim de garantir a continuidade da dinastia de 2.700 anos.
33 Rubem Limongi França, “Direitos da Personalidade I”, in Enciclopédia Saraiva , vol. 28, São Paulo,
Saraiva, 1979, p. 142. Na mesma direção, Maria Helena Diniz, “Curso de Direito Civil Brasileiro”, vol. I,
Teoria Geral do Direito Civil , São Paulo, Saraiva, 1994, 10ª ed., p. 83; Fabio De Mattia, Direitos da
Personalidade, cit., p. 154; e, ainda, Carlos Alberto Bittar, Teoria Geral do Direito Civil , São Paulo, Forense
Universitária, 1991, p. 108, para quem os direitos da personalidade “são inatos (...) nascem com a pessoa e
para a sua individualização no mundo terrestre; prevalecem sobre os demais direitos, que, em eventual
conflito, fazem ceder; impõem-se como condicionantes da ordem jurídica, na exata medida do respeito à
individualidade humana”. O mesmo autor, em monografia específica , Os Direitos da Personalidade , São
preâmbulo, “ les droits naturels inaliénables et sacrés de l'homme ”.
38 Tal circunstância
histórica, contudo, que se justifica mais por razões metajurídicas do que técnico-jurídicas,
não autoriza a construção de uma categoria de direitos impostos à sociedade
independentemente de sua própria formação cultural, social e política. À essa luz, Adriano
De Cupis aduz que a suscetibilidade de ser titular de direitos da personalidade não está
menos vinculada ao ordenamento jurídico do que estão os demais direitos e obrigações.
Dessa maneira, qualquer situação jurídica só pode nascer do dado positivo, ou seja, de uma
lei.
39
De resto, conforme leciona Pietro Perlingieri, o equívoco das escolas jusnaturalísticas
está no fato de que mesmo os princípios da razão e da natureza apresentam-se como “no-
ções historicamente condicionadas: (...) o direito natural (dever ser) é sempre condicionado
pela experiência do direito positivo (ser)”.
40
E prossegue: “os direitos do homem, para ter
uma efetiva tutela jurídica, devem encontrar o seu fundamento na norma positiva. O direito
positivo é o único fundamento jurídico da tutela da personalidade; a ética, a religião, a
história, a política, a ideologia, são apenas aspectos de uma idêntica realidade (...) a norma
é, também ela, noção histórica”.
41
A rigor, poder-se-ia mesmo dizer que, fora de um determinado contexto histórico, não
existe possibilidade de se estabelecer um bem jurídico superior, já que a sua própria
compreensão depende de condicionantes multifacetados e complexos atinentes aos valores
sociais historicamente consagrados. Afinal, bastaria lembrar que, em nome da vida e da
liberdade, inúmeros contingentes humanos já foram sacrificados, invariavelmente sob
fundamentos éticos, religiosos e políticos que, invocados pelos Estados, pretendem
38 O registro é de Adriano De Cupis, I diritti della personalità , cit., p. 20, para quem “ La Dichiarazione
costituì il trionfo della scuola del diritto naturale, suggellando la concezione dell'esistenza di diritti soggettivi
preesistenti allo Stato, non creati, ma soltanto riconosciuti da esso. Ma, nello stesso tempo che il trionfo, fu
anche il suo canto del cigno, per la immediata reazione della scuola storica, la quale all'idea dei diritti
dell'essere umano, deducibili per la pura ragione, volle sostituito lo studio esclusivo del datto storico, del
diritto rivelato progressivamente dall'esperienza ”.
39 Adriano De Cupis, I diritti della personalità , ob. e loc. cit.
40 Pietro Perlingieri, La personalità umana nell'ordinamento giuridico , Napoli, Esi, 1972, p. 131, o qual
esclarece, ainda, relativamente ao conceito de norma jurídica: “ la sua nozione è relativa non tanto al sistema
delle fonti formalmente previsto in un certo ordinamento quanto a quello effettivamente vigente, frutto non
soltanto di una gerarchia ma della sensibilità e della mentalità degli operatori del diritto .”
41 Pietro Perlingieri, La personalità umana nell'ordinamento giuridico , cit., p. 131_._
justificar guerras, genocídios, apartheid e outras formas de discriminação social, sexual,
étnica e cultural.
No Estado de Direito, a ordem jurídica serve exatamente para evitar os abusos
cometidos por quem, com base em valores supralegislativos, ainda que em nome de
interesses aparentemente humanistas, viesse a violar garantias individuais e sociais
estabelecidas, através da representação popular, pelo direito positivo.
Resulta, em definitivo, assaz difícil para os defensores das teses jusnaturalistas
definirem o que seria a expressão de direitos sagrados do homem, quando se pensa na
variedade de posições adotadas pela consciência social dos povos nas diversas épocas
históricas e pontos geográficos em que se insere a pessoa humana. A religião muçulmana,
com suas penas corporais e as cirurgias através das quais milhares de mulheres africanas
são mutiladas, ao nascer, nos dias de hoje
42
; os países cristãos e as concepções ideológicas
que adotam a pena de morte; o regime da escravidão em sociedades consideradas
civilizadas; a prática de torturas e de linchamento como formas de sanção socialmente
reconhecidas em diversos estados brasileiros; tudo isso coloca em crise a simplista tese
segundo a qual seria a consciência universal a estabelecer os direitos humanos e os direitos
da personalidade, cabendo ao ordenamento jurídico apenas reconhecê-los.
No plano metodológico mais geral, não parece convincente qualquer tomada de
posição quanto às fontes do ordenamento desprovida de uma prévia análise do momento
histórico em que se insere o jurista. Do mesmo modo, não há correntes hermenêuticas que
possam ser avaliadas fora do seu tempo. Superado o autoritarismo e admitindo-se, como
premissa, a consolidação de um estado social de direito, o positivismo pode se constituir em
uma sólida garantia da promoção da pessoa humana, contra costumes muitas vezes
42 Edição da Revista Veja (10 de junho de 1998), em matéria intitulada Prazer Extirpado , relata o conflito
entre o direito positivo, religião e costumes: “a mutilação genital é praticada em 28 países da África e dois do
Oriente Médio, atingindo milhões de mulheres todo ano. O objetivo é exercer a mais total forma de controle
do desejo sexual feminino, de forma a garantir esposas dóceis e fiéis. Segundo a ONU, 110 milhões de
mulheres em todo o mundo já foram submetidas ao ritual da mutilaçào. Pelo mesmo cálculo, cerca de 2
milhões de meninas são mutiladas a cada ano. Em lugares como Somália e Djibuti, estima-se que praticamente
todas as mulheres são extirpadas. Alguns países coíbem a prática, medida inócua que não arranha a
convicção arraigada entre homens e mulheres de que remover os genitais femininos externos é questão de
respeito e honra. No Egito, onde se calcula que pelo menos 55% das mulheres muçulmanas e cristãs coptas
ainda sejam submetidas à mutilação, o governo proibiu a operação em hospitais públicos e particulares em
subjetivas (...) A personalidade comporta imediata titularidade de relações
personalíssimas”.
46
4. Teorias pluralista e monista: crítica
Com a consagração dos direitos da personalidade como direitos subjetivos privados,
absolutos, oponíveis erga omnes , dúvidas surgiram quanto à sua tipificação, debatendo as
correntes pluralista (defensora da existência de múltiplos direitos da personalidade) e
monista (que sustenta a existência de um único direito da personalidade, originário e geral).
Assim como no debate relacionado às duas primeiras controvérsias, as correntes pluralista e
monista também padecem da excessiva vinculação ao paradigma dos direitos patrimoniais,
como se poderá, de fácil, demonstrar.
A favor da pluralidade de direitos, sustenta-se: “admitido que a individuação dos bens
ocorra com base na individuação das necessidades, e admitido que a exigência da existência
seja distinta em relação àquela da liberdade; que a necessidade de viver de maneira honrada
não se confunda com a necessidade de se distinguir dos outros sujeitos, etc. (...), daí decorre
por conseqüência que distintos são também os bens correspondentes assim como os direitos
sobre estes”.
47
Em defesa da tese oposta, argumenta-se que a pessoa humana é um valor unitário e
que os seus interesses relativos ao ser , mesmo se dotados de características conceituais
próprias, apresentam-se substancialmente interligados. Disso resultaria que as diversas
normas atinentes à tutela da personalidade, disseminadas pelo Código Civil, Código Penal e
leis especiais, mais do que constituírem direitos autônomos, representariam a disciplina
específica de alguns aspectos particulares da sua tutela, da qual seriam o concreto
desenvolvimento. “Não existem direitos da personalidade; existe um direito da
personalidade: um direito único, com conteúdo indefinido e diversificado (como indefinido
46 Pietro Perlingieri, La personalità umana nell'ordinamento giuridico, cit., p. 140.
47 Adriano De Cupis, I diritti della personalità , cit., pp. 25-26.
e diversificado é, em outro campo, o conteúdo do domínio), que não se identifica com a
soma de suas múltiplas expressões individualmente protegidas por normas particulares”.
48
Semelhante posição doutrinária é esposada, no Brasil, ao argumento de que a pessoa
humana é una, refutando-se, a partir daí, a técnica legislativa dos tipos preestabelecidos de
direitos de personalidade, embora se considere inexistente no direito positivo brasileiro uma
cláusula geral capaz de assegurar tal direito subjetivo, abrangendo todos os aspectos de
proteção da pessoa humana.
49
Quanto à objeção comumente aposta contra o direito geral de
personalidade, no sentido de que este não teria bem definidos os seus contornos, afirma-se
que “os limites do direito geral de personalidade são fixados em cada caso concreto, através
da ponderação de bens e interesses postos em litígio, aplicando-se o princípio da
proporcionalidade”.
50
San Tiago Dantas, defendendo a pluralidade dos direitos da personalidade,
contrapondo-se à tese segundo a qual a personalidade é una e a honra, a integridade
corpórea, a liberdade, a vida, são aspectos de manifestações da personalidade, daí
resultando um único direito da personalidade e não uma coleção deles, leciona: “A esse
argumento pode se objetar com uma expressão que os lógicos empregam freqüentemente: o
argumento prova demais. Ele prova não só que não existem direitos da personalidade
vários, como prova, também, que não existem direitos patrimoniais vários, porque assim
como a personalidade é uma só, o patrimônio também é um só. Os bens, a propriedade, a
posse, os contratos, todos os direitos que se distinguem dentro da esfera dos direitos
patrimoniais, podem ser considerados de um modo unitário; sendo possível, então, dizer
que só existe um direito patrimonial e que todos esses, que habitualmente se estudam, são
dele simples face ou manifestações”.
51
Curiosamente, o paralelo com os direitos patrimoniais é também utilizado por
Giampiccolo, mas em sentido oposto, vale dizer, no intuito de demonstrar a unicidade do
direito da personalidade que, como a propriedade, não poderia ser desmembrado em tantos
direitos quantas são as prerrogativas do proprietário. Veja-se o interessante passo do autor
48 Giorgio Giampiccolo, ob. cit., p. 463.
49 Elimar Szaniawski, Direitos de Personalidade e sua Tutela , cit., p. 57.
50 Elimar Szaniawski, Direitos de Personalidade e sua Tutela , cit., p. 62.