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Este trabalho analisa a reconstrução do mito de caim no romance de josé saramago, buscando demonstrar como o autor transcende a localidade e atinge o universal através do mito inserido na literatura. O texto saramaguiano apresenta engenhosidade e criatividade na coesão intertextual entre diferentes personagens bíblicos, desmitificando a autoridade de deus e questionando o discurso religioso. Além disso, o romance exige um leitor com conhecimento dos textos bíblicos e uma capacidade crítica para apreciar a ironia e comicidade presentes no texto.
O que você vai aprender
Tipologia: Resumos
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Não perca as partes importantes!
Ficha catalográfica preparada pela Biblioteca Central da Universidade Federal de Viçosa - Câmpus Viçosa
Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Letras, para a obtenção do título de Magister Scientiae.
APROVADA: 03 de julho de 2015.
José Luiz Foureaux de Souza Júnior Gerson Luiz Roani
Nilson Adauto Guimarães da Silva (Orientador)
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Aos meus pais, José Antônio e Marlucy, meus amigos, meus pilares, meus anjos, meus amores...
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À Adriana Gonçalves, por nunca medir esforços, nem sorrisos, para me ajudar.
Ao meu orientador, Nilson Adauto Guimarães da Silva, pela orientação, paciência e solicitude.
Aos professores da banca examinadora, José Luiz Foureaux e Gerson Roani, por aceitarem o convite e contribuírem ao enriquecimento deste trabalho.
À Universidade Federal de Viçosa, ao Departamento de Letras e ao Programa de Pós Graduação em Letras pela oportunidade, pelos direcionamentos e pelo crescimento. E à CAPES, pelo fomento à pesquisa.
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"De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei. Diz o Senhor".
Hebreus 13:
“Deus não está longe nem perto. Deus é”. Padre Fábio de Melo
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obra ficcional, assim como evidenciar a presença do mito de Caim na Bíblia e na Literatura em geral, mostrar como ocorre a reconstrução deste mito e o caráter jocoso, irônico e desafiador com que Saramago recobre seu texto; ressaltar a autenticidade e ousadia do romancista, ao escrever o satírico Caim que, apesar de ter a histórica bíblica como fonte, a contraria, reconstrói e questiona constantemente, evidenciando sempre a violência e opressão presentes no discurso bíblico.
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ANDRADE, Débora Siqueira de, M.Sc., Universidade Federal de Viçosa, July, 2015. Cain: the subversion of the biblical myth in saramago's text. Adviser: Nilson Adauto Guimarães da Silva.
This work, which has as its corpus the contemporary novel Cain (2009), by José Saramago, appears as a relevant work in literary perspective not only of Portuguese speaking countries, but worldwide, for it is a text of richness and ingenuity with regard to the innovative shape and theme. Our goal, in addition to deepening and expanding the theoretical and critical studies about this novel - so little studied until now - including for being a recent publication, is to evidence the subversion and desacralization of the biblical text, as well as of religious discourse, that the novelist applies on Cain. Besides that, we tried to present and work the constitution and the importance of the presence of myth in civilizations, presenting the myth of Cain, who originally appears in the biblical book of Genesis, as well as the author’s recreation about it. Our study focuses on the close relationship of Literature to History, since both branches of knowledge are intertexts one of the other. Regarding to the literature review, we highlight some researchers: we present the vision of Mircea Eliade about the possible meanings that myth admits and its relevance; we start from the conception of the Canadian theoretical Linda Hutcheon to work with the concepts of parody, subversion, reconstruction , so frequent in the novel; assert the Bakhtinian perspective about the intertextual relations and subjectivity inherent to all speeches, articulate, along with Benjamin, some characteristics of the narrator, which apply to the narrator of Saramago’s text etc. We tried to highlight the metafiction developed by Cain representative excerpts from the novel. Therefore, this study seeks to contribute to the theoretical and critical studies of this fictional work, as well as highlight the presence of the myth of Cain in the Bible and literature in general, to show how the reconstruction of this myth and the playful, ironic and challenging character occurs with Saramago’s covering of his text and highlight the authenticity and boldness of the novelist, to write the satirical. Cain, who, despite having the biblical story as the source, contraries, rebuilds and constantly questions it.
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1. Introdução
Os mitos são construções sociais que existem desde os primórdios da humanidade e coexistem nas mais diversas civilizações: persa, hindu, grega. A existência de deuses que pudessem explicar determinados acontecimentos e fundamentar certos fenômenos da natureza parece-nos ser constitutiva da espécie humana, ou seja, inerentes ao homem. E são nas construções míticas, por sua vez, que os deuses exercem seus poderes e demonstram sua divindade. Conforme o mitólogo e historiador Mircea Eliade:
O mito garante ao homem que o que ele se prepara para fazer já foi feito , e ajuda-o a eliminar as dúvidas que poderia conceber quanto ao resultado de seu empreendimento. Por que hesitar ante uma expedição marítima, quando o Herói mítico já a efetuou num Tempo fabuloso? Basta seguir o seu exemplo. De modo análogo, por que ter medo de se instalar num território desconhecido e selvagem, quando se sabe o que é preciso fazer? Basta, simplesmente, repetir o ritual cosmogônico, e o território desconhecido ( = o "Caos") se transforma em "Cosmo", torna-se uma imago mundi , uma "habitação" ritualmente legitimada. A existência de um modelo exemplar não entrava o processo criador. O modelo mítico presta-se a aplicações ilimitadas (ELIADE, 1972: 125).
Visto isto, justifica-se a necessidade humana de constituir-se a partir dos mitos e com eles.
Conforme o dicionário Aurélio, o termo mito possui duas acepções: (^1) Narrativa de significação simbólica ligada à cosmogonia e referente a deuses encarnadores das forças da natureza e/ou de aspectos da condição humana. 2 Fato, passagem dos tempos fabulosos; tradição que, sob forma de alegoria, deixa entrever um fato natural, histórico ou filosófico; (sentido figurado) coisa inacreditável, sem realidade (AURÉLIO, 2006: 476).
Verificamos que a obra do escritor português José Saramago, publicada em 2009, com o título de Caim, coaduna-se com a primeira acepção supracitada, já que o enredo do romance revisita o mito de Caim que é, por sua vez, um grande referencial judaico-cristão no que diz respeito à cosmogonia.
Ainda sobre o mito, destacamos seu caráter cíclico e seu poder de renovação consoante as aspirações e evoluções das sociedades em que circulam. Isto significa que os mitos são moldados para satisfazer os anseios de uma sociedade específica, não podendo, desta maneira, alcançar um nível de funcionalidade universal. É como se o mito só se tornasse plausível para uma população se as situações que
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interferem e envolvem (n)aquela determinada sociedade fossem favoráveis à aceitação ou até mesmo à criação e propagação daquele mito.
A revisitação ao mito de Caim, que é o mito basilar em nosso estudo, é recorrente em diversas culturas, nos mais diversos tempos. Isso comprova que as as sociedades são favoráveis, então, à aceitação e, consequentemente, à propagação deste mito. Analisamos a revisitação feita pelo escritor português José Saramago, em seu romance Caim (2009), visto ser uma obra que nos interessa tanto por suas raízes míticas como por dialogar com um texto bíblico e pela riqueza estética do texto.
Ora, sabemos que uma das características intrínsecas ao romance português contemporâneo, observada, sobretudo, nas obras de grandes expoentes da prosa lusitana, tais como Lídia Jorge, António Lobo Antunes e José Saramago, consiste no investimento em uma forma narrativa denominada metaficção historiográfica. O processo da metaficcionalização incide no trabalho do autor de recriar a matéria histórica com engenhosidade, a ponto de incorporar a ela novos acontecimentos, figuras e imprimir-lhe as peculiaridades de estilo e de enredo que julgar necessário. Porém, é importante salientar que a metaficção historiográfica não é um mero exercício de cópia da história acrescido de quaisquer elementos fictícios. O trabalho do escritor é meticuloso, não se limita, pois, a uma bricolage.
Entretanto, o caso de Caim (2009) não se acerca das conceituações acima, pois o livro de Saramago é metaficcional, porém, não o é em relação à História. Podemos dizer que o autor faz uso do recurso metaficcional, sim, mas toma o mito, não a História, como elemento basilar à edificação do seu romance.
Para delimitar as referências aos personagens do texto bíblico ou do texto saramaguiano destacamos que, assim como consta na Bíblia Sagrada, cada livro e personagem referenciado será grafado com letras iniciais maiúsculas; já quando referenciarmos os personagens do romance Caim, que será sempre grafado em itálico, ao contrário do livro bíblico, usaremos, assim como José Saramago, iniciais minúsculas. Conforme Roani,
nesse novo discurso que nasceu do diálogo dessacralizador do presente em relação ao passado, o autor [José Saramago] coloca todas as personagens em pé de igualdade. Como é o caso da relação entre Deus e Caim. No discurso bíblico, Deus é o ser maior, incomparável, inquestionável, já na narrativa saramaguiana Deus, apesar de todo o poder divino que possui, encontra-se em pé de igualdade com as demais
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existiam anteriormente na narrativa oral. Como tema ou elemento essencial à construção do enredo de Caim , o mito do fratricida e, por conseguinte, o texto bíblico em que este mito está registrado, são reproduzidos de maneira não-linear e o “heroi” do texto, o próprio caim, perambula por diversos livros bíblicos e se infiltra em histórias que, consoante a Bíblia, não se relacionam com a história do seu nascimento, do assassinato de seu irmão, entre outros. Desta maneira, afirma-se que a ausência de linearidade explica a vinculação da escrita desse texto saramaguiano à noção de circularidade do próprio mito.
Consequentemente, a inovação da escritura saramaguiana não se limita a apresentar um caim audacioso, desafiador e desrespeitoso com o senhor e que rejeita o rótulo de único culpado do assassinato de abel para, juntamente com deus, dividir a culpa do homicídio. Caim nada mais foi do que a mão executora do assassinato, ao passo que o senhor foi o mentor intelectual do delito, sendo assim, ambos são culpados pelo homicídio.
A inovação também ocorre no nível da linguagem, que além de não respeitar a ordem cronológica das histórias bíblicas, faz uso de palavras de baixo calão, desconstruindo a linguagem “elevada” da Bíblia Sagrada e trazendo à tona uma linguagem permeada de coloquialismos. Além disso, o romance traz um caim que confronta diretamente o senhor em relação aos demais acontecimentos do Velho Testamento, bem como a destruição de Sodoma e Gomorra, a maldição sobre a esposa de Ló, o sacrifício que o jeová exigiu acerca da vida do filho de Abraão etc.
Erich Auerbach (1998) levanta uma questão pertinente no tangente aos relatos do Antigo Testamento, pois, para o estudioso:
já desde o princípio, nos relatos do Velho Testamento, o sublime, o trágico e problemático se formam justamente no caseiro e quotidiano: acontecimentos como o que ocorre entre Caim e Abel, entre Noé e seus filhos, entre Abraão, Sara e Hagar, entre Rebeca, Jacó e Esaú, e assim por diante, não são concebíveis no estilo homérico. Isto resulta do modo fundamentalmente diferente como se originam conflitos. Nos relatos do Velho Testamento, o sossego da atividade quotidiana na casa, nos campos e junto aos rebanhos é constantemente socavado pelos ciúmes em torno à eleição e à promessa da bênção, e surgem complicações inconcebíveis para um herói homérico (...) A sublime intervenção de Deus age tão profundamente sobre o quotidiano que os dois campos do sublime e do quotidiano são não apenas efetivamente inseparados mas, fundamentalmente, inseparáveis (AUERBACH, 1998: 19).
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Os personagens bíblicos, então, vivenciam conflitos completamente distintos dos conflitos vivenciados por Ulisses, na Odisséia. Sabemos que o poeta Homero conta as aventuras de Ulisses, o herói épico por excelência, que viaja após a Guerra de Tróia e, por esta razão, tenta, por dez anos, retornar a Ítaca – seu reino. Portanto, os conflitos que envolvem esta epopeia – e não exclusivamente esta – são motivos claramente exprimíveis, ou seja, razões palpáveis e consistentes. Dentre tais conflitos podemos citar os expressivos obstáculos colocados no caminho de Ulisses por Posidon, os pretendentes que rodeavam a esposa de Ulisses, Penélope, durante os anos em que ele estivera fora e os golpes que muitos dos possíveis “sucessores” de Ulisses tentavam aplicar em Penélope etc. Já no texto bíblico, o que ocorre é o contrário, pois as tensões são de uma escala muito menor e, na perspectiva de Auerbach, muito inferiores, posto ocorrerem por motivos de menor enlevo. Entretanto, refutamos Auerbach nesta perspectiva, ao menos quando consideramos os personagens bíblicos revisitados por Saramago. Quando tomamos por base os conflitos entre javé e caim na discussão pela legitimidade e benevolência do deus dos cristãos encontramos uma tensão conflituosa que negligencia o tom pacífico do Velho Testamento.
Consideramos que, embora sejam por motivos subjetivos, os conflitos bíblicos não são, evidentemente, menos relevantes. O que os motiva, inúmeras vezes, são conflitos da vida espiritual, pautados numa vida mais serena do que as narradas em uma epopeia, por exemplo. Porém, não deixam de ser conflitos que abordam a profundidade psicológica do homem, relacionados, obviamente, com as entidades religiosas.
Buscar-se-á evidenciar, neste trabalho, que o mito consiste em um arcabouço imprescindível à elaboração do romance Caim , de José Saramago. Entretanto, o que confere originalidade a esse texto de natureza intertextual e metaficcional é justamente o caráter paródico, audacioso e as críticas vorazes que o autor ousa empreender em seu texto. Segundo Linda Hutcheon “não há absolutamente nada de aleatório ou “sem princípio” na recordação e no reexame paródicos do passado (...) A inclusão da ironia e do jogo jamais implica necessariamente a exclusão da seriedade e do objetivo na arte pós-modernista” (HUTCHEON, 1991: 48).
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admissível e crível, a partir da argumentação e do ponto de vista empreendido pelo narrador do texto.
Diante do que foi exposto, vale salientar que o presente estudo, que utiliza como corpus o romance Caim (2009), busca delinear um parâmetro acerca do que seja mito, apresenta o mito de Caim, discute a relação entre os fluidos campos da Literatura, da Mitologia e da História, sobretudo a partir do texto bíblico e analisa o romance em questão a fim de demonstrar como José Saramago inova, quais os pontos de convergência e de divergência com a Bíblia Sagrada, como a violência se faz legítima em relação ao discurso religioso e, principalmente, qual o projeto estético do autor ao confrontar o discurso religioso, lançando mão de uma ironia e uma acidez reflexiva inigualáveis.
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2. Mito, Literatura e História: discussões teóricas
A necessidade da existência de um ente divino a presidir todas as manifestações é uma característica intrínseca às mais antigas civilizações, tais como as culturas persa, africana, hindu, grega, egípcia, maia, entre outras. Ora, o ser humano, desde o início dos tempos, tinha aspirações acerca de conhecer a origem da sua própria criação, da natureza, das instituições, dos valores, dentre outras. Em busca de tal entendimento, as diversas sociedades sempre se fiaram na relação estabelecida com as religiões e com os deuses, a fim de que estes mediassem e, quem sabe, respondessem às indagações humanas e às manifestações da natureza. Verificamos que, juntamente com as figuras de deuses – que podem ser exemplificados através de Brahma , o deus supremo na cultura hindu, responsável pela criação; de Atena , a deusa da sabedoria na mitologia grega; do Sol , o marcador da criação da vida humana, conforme os maias, só para citar alguns exemplos – , sempre existiu a crença nos mitos.
A compreensão acerca da estrutura dos mitos, bem como algumas de suas acepções e possíveis conceituações são de fundamental importância para este estudo, visto o mito de Caim ser o elemento nuclear em torno do qual a narrativa saramaguiana se tece.
Podemos enunciar que o mito, compreendido enquanto um sistema de comunicação, é um modo de significação que opera segundo limites históricos e com condições específicas de funcionamento. Nele, a sociedade se exprime e se reinventa e, por mais que alguns mitos perpassem centenas ou milhares de anos, não podemos assegurar que são eternos, visto as mensagens veiculadas a eles estarem condicionados às subjetividades das sociedades, às condições históricas e culturais dos povos etc. Sobre esta questão julgamos prudente endossar, juntamente com Zilberman (1989) que
é o recebedor que transforma a obra, até então mero artefato estético, em objeto estético, ao decodificar os significados transmitidos por ela. Em outras palavras, a obra de arte é um signo, porque a significação é um aspecto fundamental de sua natureza, mas ela só se caracteriza quando percebida por uma consciência, a do sujeito estético (ZILBERMAN, 1989: 21).