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Este documento discute as possibilidades de expressão e representação do homem do campo nas canções sertanejas, analisando suas relações com o público atual e as especificidades do universo rural. O texto aborda a idealização do passado utópico do homem do campo, o contraste entre o mundo rural e urbano, e a desterritorialização desse homem na sociedade moderna. Além disso, o documento explora as raízes históricas da música sertaneja e os autores que a compuseram.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
Compartilhado em 07/11/2022
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Dissertação apresentada ao Programa de Pós- - graduação em Letras da Universidade Federal de São João del-Rei, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras. Área de Concentração: Teoria Literária e Crítica da Cultura Linha de Pesquisa: Discurso e representação Orientador: Prof. Dr. Guilherme Jorge de Rezende
A meus PAIS , pela luta e dedicação incansáveis em prol de minha formação pessoal e acadêmica.
A meus IRMÃOS , Chico e João , pela compreensão, pelo apoio incondicional à minha luta em busca de uma realização.
A meu irmão Jósimo , sempre presente , pela amizade constante que a mim dedicou durante o tempo que pudemos viver juntos.
Ao DELAC – Departamento de Letras, Artes e Cultura da UFSJ , que soube compreender a minha aspiração pelo Mestrado e me tornou possível a sua realização.
Aos meus Colegas-Professores do Departamento , que me acompanharam de perto nesta caminhada, pela atenção especial que me dispensaram.
Aos meus Amigos , que souberam compreender a minha ausência durante a realização deste trabalho.
Às minhas Companheiras do dia-a-dia em minha casa , Rosa e Lúcia , pela atenção, pelo carinho e pela disponibilidade que sempre me dedicaram.
Ao Alencar , pelo companheirismo, e às minhas filhas , por terem sabido compreender a ausência materna durante esta trajetória com resignação e aceitação tamanhas.
À UFSJ – Universidade Federal de São João del-Rei , pela oportunidade que por ela me foi concedida de realizar o meu Mestrado, e aos meus alunos , que sempre se fizeram presentes ao meu trabalho.
Ao povo das áreas rurais brasileiras e, por conseqüência, à minha família , que é caipira , razão deste estudo.
Aos meus colegas do Mestrado , pela amizade e colaboração.
À ZEZÉ , fiel amiga-irmã e companheira de trabalho, pela carinhosa revisão deste trabalho.
A todos os funcionários da UFSJ , em especial, à Lais e ao Anderson , pela atenção e pronto atendimento a mim dispensados.
A DEUS , força suprema, por tudo.
Breve análise do gênero musical denominado sertanejo, de sua trajetória e dos temas abordados em sua significação, não apenas para o homem do campo, mas também enquanto fundador e mantenedor de uma identidade brasileira, considerando as transformações ocorridas no país no curso de seu desenvolvimento durante o século XX, que provocou, entre outras conseqüências, o deslocamento massivo da população campesina para o universo urbano. Reflexão sobre a idealização do sertanejo, a manutenção de sua identidade em contraponto à ausência desta percebida no universo urbano. Tal reflexão é feita a partir da análise dos significados inseridos nas canções e dos temas abordados, em suas possíveis significações no imaginário nacional, que provoca a expansão do gênero. Discussão a respeito das possibilidades de expressão e/ou representação do homem do campo nas letras das canções sertanejas, entendidas como possibilidades de (re)identificação deste homem com o universo rural do qual se distanciou a partir da migração para as grandes cidades e como busca de integração do universo campesino ao urbano. Essas discussões e reflexões amparam-se, de um lado, no que se convencionou chamar “Estudos culturais” e, por outro, nos conceitos de “desenraizamento”, tal como o mesmo é apresentado por Néstor Garcia Canclini, e no de “processo comunicacional” – conforme é apresentado por Stuart Hall – de modo a relacionar as formas de produção e inserção desse gênero junto a seu público alvo.
Palavras-chave: Brasil – música – sertaneja – análise – Estudos Culturais
Brief analysis of the musical genre known as “sertanejo”, of its trajectory and themes approached in its signification not only for country folks but also as a founding and maintenance element for Brazilian identity, considering the transformations that occurred in the country throughout its development in the 20th Century, which provoked, among other consequences, massive migrations from the country to the urban space. A reflection on the idealization of the “sertanejo” figure, the maintenance of his identity as opposed to his absence in the urban universe. Such reflection is based on the analysis of signfieds present in the songs and themes approached, and their possible signification for the national imaginary, which provokes the expansion of the genre. Discussion on the possibilities of expression and/or representation of country folks in the lyrics of “sertaneja” songs, which are understood as possibilities of (re)identification of such people with the rural universe left behind after migration to the large cities and as a search for integration of the country universe within the urban space. Discussion and analysis will rely, on the one hand, on what has conventionally been called “Cultural Studies”, and, on the other hand, on the concepts of “uprootedness”, as presented by Néstor Garcia Canclini, and “communicational process”, proposed by Stuart Hall, so as to relate the forms of production and insertion of this genre into its target audience.
Keywords: Brazil – sertaneja music – analysis – Cultural Studies
O trabalho ora apresentado pretende discutir alguns aspectos do gênero musical denominado sertanejo (ou caipira)^1. A dissertação parte da análise da trajetória desse gênero de música e dos temas abordados em sua significação, não apenas para o homem do campo, mas também enquanto elemento fundador e mantenedor de uma identidade brasileira. Essa questão é particularmente relevante num país cujo desenvolvimento trouxe, em seu bojo, entre outras conseqüências, o deslocamento massivo de sua população campesina para o universo urbano. A pesquisa tomou como ponto de partida as reflexões de Letícia Vianna (2003) a respeito das identidades sociais encontradas na música popular. A autora, embora reconheça o estatuto de mercadoria da música “de massa”, aponta um continente de significados coletivamente atribuídos (p. 71) a esse produto. Desse modo, o que se buscou foi trabalhar os significados inseridos na representação do homem do campo através da canção sertaneja em suas relações com o público para o qual ela é, atualmente, direcionada. Embora a alteridade constituída entre o sertão, a roça e a cidade na música e no imaginário geral das artes (VIANNA, 2003, p. 74) estabeleça-se no país desde o século XIX, as reflexões aqui desenvolvidas têm, como ponto de partida e de referência, as primeiras décadas do século passado. Foi naquele momento que, no Brasil, a música se tornou um importante vetor de afirmação, transformando-se em “um lugar privilegiado para a construção e afirmação de identidades regionais e nacionais” ( Idem ). A referência temporal dos anos 1920 explica-se pelo fato de ser o período marcado pelas migrações dos “sertanejos”^2 das regiões centro-sul do
(^1) A nomenclatura “música sertaneja”, passa a ser usada a partir dos anos 50, na busca de afastamento do termo “caipira” para ampliação do mercado consumidor. Como, entretanto, ambos os termos tinham, originalmente, a mesma significação, serão aqui, utilizados indistintamente. 2 As denominações “caipira”, matuto, caboclo, ou “sertanejo”, são usadas para designação geral do homem do campo, com pouquíssimas diferenças de significação. Entre a primeira
Justificativa
A nossa identificação com esta manifestação da cultura popular, a música caipira ou sertaneja, é uma questão de origem, de berço. Nascemos e crescemos no meio rural, embalados pelo melodioso canto dos pássaros, em contato direto com a natureza e desfrutando de tudo que ela podia nos oferecer. Esse contato, ou melhor, essa vivência com a terra criou em nós raízes profundas e um forte envolvimento afetivo com as canções, ouvidas na época, que retratavam a alma de um povo simples, da gente que trabalha na roça, no cabo de uma enxada, de uma foice ou de um machado. Era essa a vida que levávamos e, assim, fomos criados. A afinidade intensa que temos com essas canções transcende razões intelectuais/científicas. São razões afetivas mesmo, porque elas reproduzem o nosso jeito, o nosso falar dos grotões, renegado durante um período e, depois, valorizado por Cornélio Pires. Em nossas reuniões familiares, na cozinha, em volta do fogão de lenha, ou no terreiro, sob a luz do luar, as canções eram entoadas e nos transmitiam sentimentos, emoções, ternura, pureza. Elas desencadeavam histórias e anedotas, que ouvíamos com gosto. Assim foi a nossa infância: correndo pelos pequenos rios e córregos, subindo em árvores, armando arapuca para pegar saracura, ouvindo "causos" até tarde da noite e cantarolando as canções da época. Um pouco depois, ao nos deslocarmos para o centro urbano em busca de estudo e de uma profissão, pudemos, com certeza, chorar de saudades daquela vida deixada para trás, tão singela e simples, mas carregada de beleza, de naturalidade e de espontaneidade. No contato com os livros, durante todos os anos de estudo na cidade (sem perder o contato com aquele universo), tivemos o propósito de trabalhar com um tema que realmente se identificasse conosco. Ao conhecer o livro de Antonio Candido, Os Parceiros do Rio Bonito , não tivemos dúvida. Ali estava o que procurávamos: a história de como vivem, trabalham, comem, rezam e se divertem os habitantes de uma comunidade rural, no interior de São Paulo. Um grupo de autênticos caipiras,
como nós, com um tipo de vida muito parecido. Então, diante disso, ousamos resgatar e resguardar esse tesouro constituído pelo repertório da música caipira que nunca se apagou dentro de nós. A relevância do presente trabalho ancora-se, também, na constatação de quão parcos são os estudos a respeito das conseqüências culturais decorridas das transformações do país ocorridas na década de 1920. Nesse período, inicia-se um acelerado processo de industrialização que colocará em campos opostos o Brasil agrário e o Brasil urbano. Verifica-se, nesse confronto, um movimento de valorização do universo agrário em contraponto à desintegração do tecido social provocada pela vida na “cidade grande”, que se manifestou claramente na canção popular e, sobretudo, no caso em análise, na música sertaneja.
Dessa forma, o trabalho aqui desenvolvido pretende discutir as possibilidades de expressão e/ou representação do homem do campo nas letras das canções sertanejas, considerando sua relevância para o estabelecimento e/ou manutenção de uma identidade deste homem em sua (in)adaptação ao universo urbano. Tal representação é entendida, por um lado, como possibilidade de (re)identificação deste homem com o universo rural do qual se distanciou a partir da migração para as grandes cidades e, por outro, como busca de integração do universo campesino ao urbano. Para efetuar, portanto, a breve análise de obras que aqui se apresenta, julga-se ser importante considerar o contexto de sua criação, o público ao qual elas se dirigem e o tipo de conteúdo abordado. Nesse sentido, a escolha das canções aqui analisadas se deu em função não apenas dos temas abordados – representativos de questões recorrentes na relação entre os personagens ali retratados e seu universo – quanto da enorme aceitação dessas músicas pelo público ao qual são dirigidas. Essa expressiva repercussão popular pode ser confirmada pela inserção da música sertaneja ou caipira em rádios e programas de televisão, assim como pelos expressivos números relativos à venda de cds de seus intérpretes. Por outro lado, este estudo considera, ainda, o histórico do movimento de migração ocorrido no Brasil, que virá a provocar o surgimento do gênero musical aqui analisado, em suas conseqüências sociais para ambos os
-modernidade e teriam origem a partir da transnacionalização dos mercados simbólicos e das migrações. Para além desse sentimento de inadequação exposto nas letras das canções, outros temas são discutidos. Nesse sentido, quanto ao estudo das temáticas abordadas, há que se observar que vivemos o tempo do consumo. E nesse tempo, ininterruptamente, consumimos os mais diferentes conteúdos assimiláveis. Com relação aos produtos que são oferecidos, a busca de um público variado requer uma variedade na informação para satisfazer todos os interesses e gostos de modo a obter o máximo de consumo. Nesse processo, estão disponíveis não apenas conteúdos considerados públicos, mas também a vida privada é dada à degustação das platéias nas mais variadas formas de comunicação. Essa relação “oferta excessiva – consumo máximo” designa um dos sinais da contemporaneidade, dado que, conforme diz Edgar Morin, a partir dos anos 30, a comunicação de massa impõe seu caráter próprio, ao dirigir-se a todos, abolindo barreiras de idade, sexo, classe social, identidade cultural. As fronteiras culturais são eliminadas no mercado comum dos meios de comunicação e, nesse sentido, a cultura industrial é o único grande terreno de comunicação entre as classes sociais (1967, p.43). Nessa indefinição de fronteiras, as manifestações culturais aproximam- -se, inexoravelmente, tanto na forma de difusão quanto nos conteúdos abordados. A indústria da cultura manifesta-se assim nos mais diferentes meios: a literatura massifica-se e torna-se produto de mercado, o texto torna-se imagem, e a música abre um leque cada vez mais amplo de alcance. Quanto aos conteúdos, observa-se cada vez mais o entrelaçamento do público e do privado nos temas abordados. Dentre esses conteúdos – a se deter na análise da exposição de situações que há pouco tempo seriam consideradas do domínio da privacidade, ou da intimidade, e que se tornaram comuns, quais sejam (no caso do presente projeto, as relações amorosas) – cabe lembrar que a música, hoje, não é apenas ouvida nas rádios. Seus intérpretes se apresentam na TV para divulgarem seu trabalho, e a TV, por sua vez, transforma essa apresentação em um verdadeiro “show” ou “espetáculo”.
Conforme John B. Thompson, este tornar público o seu sentimento ou o de outrem, expondo-o a uma visibilidade máxima, é outra das características de nosso tempo e contribui para a construção da “imagem do artista”. Assim, também esse aspecto é abordado no trabalho aqui apresentado.
Metodologia
A metodologia de trabalho utilizada constou de três etapas. Na primeira, uma pesquisa bibliográfica propiciou a leitura de artigos e obras que pudessem auxiliar a estabelecer um referencial teórico para a construção das reflexões ora propostas, bem como aqueles relacionados diretamente à música popular. A segunda etapa do trabalho abrangeu uma pesquisa em fontes secundárias, na qual se realizou o levantamento de publicações periódicas (jornais, revistas) que contivessem comentários e/ou críticas sobre a música sertaneja, com objetivo de buscar mais informações sobre este objeto de análise. Na terceira, o contato direto com fontes primárias se efetivou na apreciação das letras das canções sertanejas integrantes do corpus selecionado. Essa apreciação se deu mediante a análise, por comparação, entre as reflexões teóricas apresentadas e a representação do homem sertanejo nas obras estudadas. O corpus a ser analisado foi selecionado a partir de uma classificação temática e inclui as seguintes canções: Cabocla Tereza (João Pacífico e Raul Torres) , É disso que o velho gosta (Gildo Campos e Berenice Azambuja) , Cavalo enxuto (Moacyr e Lourival dos Santos) , retratando as diferentes vozes da tradição; No Rancho Fundo (Ary Barroso e Lamartine Babo) , Saudade de minha terra (Goia e Belmonte) , Caboclo na cidade (Dino Franco e Nhô Chico) , retratando o não-lugar do homem do campo; Ligação urbana (Bruno & Marrone) , Deixa eu te amar (Edson e Flávio) , Ainda ontem chorei de saudade (Moacir Franco), retratando os ecos da canção sertaneja na atualidade e
significados subjacentes às letras das canções; estudar e descrever os temas abordados nas canções analisadas a partir de sua exposição nas letras de algumas dessas canções e descrever o processo de identificação social do sertanejo em contraponto com a cultura e a sociedade urbanas, tomando como base sua representação nas letras das músicas analisadas.
(...) o horizonte do camponês deserdado de terra e do cuidado dos animais foi ampliado. Acenaram-lhe com a possibilidade da emigração fácil para os grandes centros urbanos, tornados carentes de mão de obra barata. Os pobres são anacrônicos de outra forma, agora no contraste com o espetáculo grandiloqüente do pós-moderno, que os convocou nas suas terras para o trabalho (...). Esse novo expediente do capital (...) ancora o camponês em terras estrangeiras, onde seus dependentes pouco a pouco perderão o peso e a força da tradição original (SANTIAGO, 2004, p. 51).
No desenrolar da história da humanidade em geral, a familiaridade do homem com a Natureza vai sendo atenuada, à medida que os recursos técnicos se interpõem entre ambos, e que a subsistência não depende mais de maneira exclusiva do meio circundante.
Como observa Antonio Candido (2003, p. 221), o meio artificial, elaborado pela cultura, cumulativo por excelência, destrói as afinidades entre homem e animal, entre homem e vegetal. Em compensação, dá lugar à iniciativa criadora e a formas associativas mais ricas, abrindo caminho à civilização. Assim, a situação presente se caracteriza pelo desligamento relativo em face do meio natural imediato, da aceleração do ritmo de trabalho, da maior dependência do campo em relação aos centros urbanos.
Tudo isso não poderia deixar de repercutir na esfera da cultura, em que podemos notar uma reelaboração de técnicas, práticas e conceitos. Nesse sentido, as novas necessidades têm grande importância na configuração da mudança de cultura, pois esta se apresenta, sob certos aspectos, como restrição, ampliação ou redefinição de necessidades.
O êxodo do campo para a cidade
Assim, a mobilidade de hoje conduz, muitas vezes, ao abandono completo dos gêneros tradicionais de vida, quer levando o caipira ao trabalho em zonas de agricultura moderna, onde se incorpora aos novos padrões, quer, sobretudo, incorporando-o ao proletariado urbano. O pessoal das indústrias, dos transportes rodoviários e ferroviários, da construção civil, das obras públicas, é, em grande parte, recrutado no seu meio. Da mesma maneira, nele se recrutam as empregadas domésticas e os empregados em toda sorte de atividades, qualificadas ou não, requeridas pelos centros urbanos (CANDIDO, 2003, p. 234).
O que origina essa transformação são, na realidade, as dificuldades que começam a ser enfrentadas na manutenção da vida campesina tal como era até fins do século XIX. Essas dificuldades foram agravadas pela derrocada da oligarquia rural, provocada pela decadência de muitas fazendas, sobretudo, as de café.
Assim, contingentes passaram a migrar para os grandes centros, a capital federal ou São Paulo, onde a industrialização acontecia mais rapidamente. Isso reforça o quadro de diáspora do interior do país para os centros urbanos. Os saídos da zona rural para “arriscar a sorte” acalentavam a nostalgia da vida tranqüila na roça, longe dos “desaforos e da má educação” do povo da cidade. Nesse sentido, como diria Walter de Sousa
esse apego ao “paraíso perdido”, um arquétipo universal tão arraigado, tornava aquele estrato social, acostumado às instâncias fronteiriças, um público fiel da música caipira, já tornada popular pelos processos de adaptação à urbanidade e aos meios técnicos de reprodução (2005, p. 114).
Nesse contexto, observa-se a existência de uma espécie de saudosismo transfigurador – uma verdadeira utopia retrospectiva, se coubesse a expressão contraditória. Ele se manifesta, é claro, sobretudo nos mais velhos, que ainda tiveram contato com a vida tradicional e podem compará-la com o presente; mas ocorre também nos moços, em parte por influência daqueles (CANDIDO, 2003, p. 244).
e consiste em comparar, a todo propósito, as atuais condições de vida com as antigas; as modernas relações humanas com as do passado, o que acaba tornando toda representação das antigas condições de vida “colorida” com as tintas desta memória ancestral.
O não-lugar do sertanejo urbano
Para discutir a questão do desenraizamento verificado nesse homem do campo que se projeta no discurso da canção sertaneja, tomaremos algumas das reflexões expostas por Néstor Garcia Canclini. Canclini explica que a perda da identidade do homem do campo se dá na passagem de sociedades dispersas em milhares de pequenas comunidades rurais – com culturas locais e homogêneas, e em algumas regiões com fortes raízes indígenas, com pouca comunicação com o resto de cada nação – a uma trama majoritariamente urbana. A questão da substituição dos mass media pela realidade justifica-se, segundo o mesmo Canclini, a partir dos processos descontínuos de constituição da cultura urbana que requerem, também, observar os processos (combinados) de descolecionamento e desterritorialização. Para esse autor, a cultura pós-moderna deixa claro o desvanecimento das coleções e do estabelecimento de classificações que distinguiam antes o culto do popular e ambos do massivo. As culturas já não se agrupam em grupos fixos e estáveis e, com isso, desaparece a possibilidade de se ser culto conhecendo o repertório das “grandes obras”, ou de se ser popular porque se domina o sentido dos objetos e mensagens produzidos por uma comunidade mais ou menos fechada (uma etnia, um bairro, uma classe). As novas formas de coleção reproduzem e permitem um repertório mesclando o culto e o popular, o nacional e o local. Para Canclini, há, além disso, uma proliferação dos dispositivos de reprodução que não podemos definir como cultos ou populares. Neles se perdem as coleções, desestruturam-se as imagens e os contextos, as referências semânticas e históricas que amarravam os sentidos.