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A reinvenção da ALFABETIZAÇÃO, Provas de Construtivismo

Chamo a escrita de técnica, pois aprender a ler e a escrever envolve relacionar sons com letras, fonemas com grafemas, para codificar ou para decodificar.

Tipologia: Provas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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MAGDA SOARES*
Vou tentar aqui defender a especificidade da alfabetização e a sua importância na
escola, ao lado do letramento.
O que poderíamos chamar de acesso ao mundo da escrita num sentido amplo é o pro-
cesso de um indivíduo entrar nesse mundo, e isso se faz basicamente por duas vias: uma,
através do aprendizado de uma “técnica”. Chamo a escrita de técnica, pois aprender a ler e
a escrever envolve relacionar sons com letras,
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decodificar. Envolve, também, aprender a segurar um lápis, aprender que se escreve de cima
para baixo e da esquerda para a direita; enfim, envolve uma série de aspectos que chamo de
técnicos. Essa é, então, uma porta de entrada indispensável.
*Professora emérita da UFMG.
Parte de palestra proferida na FAE UFMG, em 26/05/2003, na programação “Sexta na Pós”.
Transcrição e edição de José Miguel Teixeira de Carvalho e Graça Paulino.
Imagem: O fazedor de palavras - Lúcia Castelo Branco (poema) e Maria José Boaventura / Liliane Dardot (ilustração),
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A reinvenção

da

ALFABETIZAÇÃO

MAGDA SOARES*

V

ou tentar aqui defender a especificidade da alfabetização e a sua importância na escola, ao lado do letramento. O que poderíamos chamar de acesso ao mundo da escrita – num sentido amplo – é o pro- cesso de um indivíduo entrar nesse mundo, e isso se faz basicamente por duas vias: uma, através do aprendizado de uma “técnica”. Chamo a escrita de técnica, pois aprender a ler e a escrever envolve relacionar sons com letras, fonemas com grafemas, para codificar ou para decodificar. Envolve, também, aprender a segurar um lápis, aprender que se escreve de cima para baixo e da esquerda para a direita; enfim, envolve uma série de aspectos que chamo de técnicos. Essa é, então, uma porta de entrada indispensável. *Professora emérita da UFMG. Parte de palestra proferida na FAE UFMG, em 26/05/2003, na programação “Sexta na Pós”. Transcrição e edição de José Miguel Teixeira de Carvalho e Graça Paulino. Imagem: O fazedor de palavras - Lúcia Castelo Branco (poema) e Maria José Boaventura / Liliane Dardot (ilustração), p.

A REINVENÇÃO DA ALFABETIZAÇÃO

A outra via, ou porta de entra-

da, consiste em desenvolver as práticas de uso dessa técnica. Não adianta aprender uma técnica e não saber usá-la. Podemos perfei- tamente aprender para que serve cada botão de um forno de microondas, mas ficar sem saber usá-lo. Essas duas aprendizagens

  • aprender a técnica, o código (decodificar, usar o papel, usar o lápis etc.) e aprender também a usar isso nas práticas sociais, as mais variadas, que exigem o uso de tal técnica – constituem dois processos, e um não está antes do outro. São processos simultâneos e interdependentes, pois todos sabem que a melhor maneira para aprender a usar um forno de microondas é aprender a tecnolo- gia com o próprio uso. Ao se aprender uma coisa, passa-se a aprender a outra. São, na verdade, processos indissociáveis, mas diferentes, em termos de proces- sos cognitivos e de produtos, como também são diferentes os proces- convencional da leitura e da escri- ta e das relações fonema/grafema, do uso dos instrumentos com os quais se escreve, não é pré-requisi- to para o letramento. Não é preciso primeiro apren- der a técnica para depois aprender a usá-la. E isso se fez durante muito tempo na escola: “primeiro você aprende a ler e a escrever, depois você vai ler aqueles livri- nhos lá”. Esse é um engano sério, porque as duas aprendizagens se fazem ao mesmo tempo, uma não é pré-requisito da outra. Mas, por outro lado, se a alfa- betização é uma parte constituinte da prática da leitura e da escrita, ela tem uma especificidade, que não pode ser desprezada. É a esse desprezo que chamo de “desinven- tar” a alfabetização. É abandonar, esquecer, desprezar a especificida- de do processo de alfabetização. A alfabetização é algo que deveria ser ensinado de forma sistemática, ela não deve ficar diluída no pro- cesso de letramento. Acredito que essa é uma das principais causas do que vemos acontecer hoje: a precariedade do domínio da leitu- ra e da escrita pelos alunos. Esta- mos tendo a prova disso através das avaliações nacionais. O último SAEB mostrou um resultado terrí- vel: aproximadamente 33 % dos alunos com quatro anos de escola- ridade ainda são analfabetos. Quais são as causas dessa perda da especificidade da alfabe- tização? É muito difícil analisar os fatos recentes, por um lado, por estarmos participando do proces- so; por outro, temos de fazê-la por- que a questão é grave. Não pode- mos deixar esses milhões de alu- nos, crianças e jovens, saírem da escola semi-alfabetizados, quando não saem analfabetos. O que poderíamos levantar como hipótese? Primeiro, uma concepção de alfabetização que, coincidentemente, chegou ao País na mesma época que o conceito de letramento, nos anos 80; segundo, uma nova organização do tempo da escola, que consiste na divisão em ciclos, trazendo junto a ques- tão da progressão continuada – da não-reprovação. Essa concepção de alfabetiza- ção está, de certa maneira, asso- ciada ao construtivismo. Não estou afirmando que essa concep- ção seja errada, mas a maneira como ela se difundiu no sistema é sos da alfabetização e mento. Que significa isso? do letra- Significa que a alfabetização, aprendizagem da técnica, domínio do código

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A REINVENÇÃO DA ALFABETIZAÇÃO

pessoas. Se existem objetivos, temos de caminhar para eles e, para isso, temos de saber qual é o melhor caminho. Então, de qual- quer teoria educacional tem de derivar um método que dê um caminho ao professor. É uma falsa inferência achar que a teoria cons- trutivista não pode ter método, assim como é falso o pressuposto de que a criança vai aprender a ler e escrever só pelo convívio com textos. O ambiente alfabetizador não é suficiente. Minha hipótese é a seguinte: o construtivismo – aliás, o construti- vismo constitui uma teoria mais complexa do que a que está pre- sente no senso comum – nos trou- xe algo que não sabíamos. Permi- tiu-nos saber que os passos da criança, em sua interação com a escrita, são dados numa direção que permite a ela descobrir que escrever é registrar sons e não coi- sas. Então, a criança vai viver um processo de descoberta: escreve- mos em nossa língua portuguesa e em outras línguas de alfabeto fonético registrando o som das palavras e não aquilo a que as palavras se referem. A partir daí a criança vai passar a escrever abs- tratamente, colocando no papel as letras que ela conhece, numa ten- tativa de, realmente, escrever “casa”, sem o recurso de utilizar desenhos para dizer aquilo que quer. Então, depois que a criança passa pela fase silábica para regis- trar o som (o som que ela percebe primeiro é a sílaba), ela vai perce- ber o som do fonema e chega o momento em que ela se torna alfa- bética. Esse foi um grande esclareci- mento proporcionado pelo cons- trutivismo. Só que, quando a criança se torna alfabética, está na hora de começar a entrar no pro- cesso de alfabetização, de apren- der a ler e a escrever. Por quê? Por- que quando se torna alfabética, surge o problema da apropriação, por parte da criança, do sistema alfabético e do sistema ortográfico de escrita, os quais são sistemas convencionais constituídos de regras que, em grande parte, não têm fundamento lógico algum. E a criança tem de aprender isso. Ela tem de passar por um processo sis- temático e progressivo de aprendi- zagem desse sistema. Nesse campo, a grande colaboração é da Lingüística, ao tratar das relações

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entre sistema fonológico e sistema ortográfico. Assim podemos de- terminar qual é o melhor caminho para a criança se apropriar desses sistemas e de suas relações. É a isso que eu chamo da espe- cificidade do processo de alfabeti- zação. Não basta que a criança esteja convivendo com muito material escrito, é preciso orientá- la sistemática e progressivamente para que possa se apropriar do sis- tema de escrita. Isso é feito junto com o letramento. Mas, em pri- meiro lugar, isso não é feito com os textos 'acartilhados' – “a vaca voa, ivo viu a uva” – , mas com textos reais, com livros etc. Assim é que se vai, a partir desse material e sobre ele, desenvolver um pro- cesso sistemático de aprendiza- gem da leitura e da escrita. Essa aprendizagem não está acontecendo. Visito muitas escolas e tenho visto o que está de fato acontecendo. Além disso, venho acompanhando nos testes – SIMAVE, SAEB e outros – o fra- casso, a falta de orientação siste- mática da criança para se apropriar do sistema de escrita. Quando digo que se “desinventou” a alfabetiza- ção, é a essa falta de especificida- de da alfabetização que me refiro. Um sistema convencional tem de ser aprendido de forma sistemáti- ca. Desde que a criança tenha des- coberto que o sistema é alfabético, está apta a aprender esse sistema. E acaba aprendendo porque, feliz- mente, criança é bastante esperta. Mas ela leva muito mais tempo para aprender, e enfrenta muito mais dificuldades, se deixarmos que o processo ocorra de maneira aleatória e esparsa. A Lingüística fornece elemen- tos para se saber como devem ser trabalhadas essas correspondên- cias fonema/grafema com a crian- ça. Quando isso não é observado, o resultado é o fracasso em alfabe- tização, sob nova vestimenta. Não estou dizendo que o fracasso de agora seja novidade, pois sempre tivemos fracassos em alfabetiza- ção. Antes, a criança repetia a mesma série por até quatro vezes e havia o problema da evasão. Agora, e talvez isso seja mais grave, a criança chega à 4a série analfabeta. E por que talvez isso seja mais grave? Porque, quando a criança repetia o ano – pois tínhamos métodos que não estavam funda- mentados em teorias psicológicas, psicolingüísticas nem lingüísticas

  • ela não aprendia. Então ela repe- tia, mas, pelo menos, ficava claro para ela que havia o “não sei”. Agora, ela chega à 8a série, pensa que tem um nível de Ensino Fun- damental e não tem. Na minha opinião, os alunos, os pais desses alunos e a sociedade estão sendo desrespeitados. Estamos iludindo- os ao dizer que essas crianças e esses jovens estão aprendendo a ler e a escrever, quando na verda- de não estão. Tratemos agora da reinvenção da alfabetização. À primeira vista, essa reinvenção pode parecer uma esperança, mas não é propriamen- te a solução do problema. Enten- do-a como um movimento que tenta recuperar a especificidade do processo de alfabetização. Agora, mais que nunca, temos que ficar de olhos abertos para saber como esse movimento está sendo feito e em que direção ele está sendo feito. Considero que nós estamos vivendo, na área de alfabetização, um momento grave. Primeiro, por causa do fracasso que aí está, gri- tante, diante de nós. Não é possí- vel continuar dessa forma. Segun- do, porque estão aparecendo tenta- tivas, em princípio muito bem-vin- das, de recuperar a especificidade da alfabetização, mas é bom ver- mos qual caminho vão tomar. Vamos lembrar a conhecida “teoria da curvatura da vara”, muito em voga nos anos 70. Se

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des es t c pho tendê se tem f ções fonema/grafema. Ou seja, é a aprendizagem do sistema de escri- ta, aquilo que chamo alfabetização na sua especif icidade. Houve, então, uma determinação que cau- sou impacto: todos teriam de ensi- nar o que eles chamam de phonics. Se fôssemos traduzir para o português, seria alguma coisa como “fonismo”, um substantivo. Usamos “fônico” como adjetivo, mas não temos um substantivo para esse adjetivo “fônico”. O que os especialistas americanos defen- deram é que era necessário alfabe- tizar trabalhando-se as relações fonema/grafema. Eles não estabe- lecem método, eles estabelecem os princípios. A escola que busque retomar os trabalhos na linha das relações fonema/grafema. É a retomada da aquisição do sistema alfabético e ortográfico pela crian- ça nas suas relações com o sistema fonológico. Esta é a tecnologia da alfabetização que eles pretendem aplicar. E não foram só os EUA que fizeram isso. Na França aconteceu a mesma coisa. Nesse pais, um órgão chamado “Observatório Na- cional da Leitura” fez um estudo da alfabetização e chegou à con- clusão de que é necessário traba- lhar na linha do fônico, mas não no método antigo. Inglaterra e Cana- dá também chegaram à mesma conclusão. É importante saber o que vem acontecendo em outros países para não acharmos que esta- mos fazendo bobagem. Todos esta- vam enfrentando esse problema, e os países que se preocuparam com essa questão foram na mesma dire- ção, qual seja, insistir na especifi- cidade da alfabetização como aprendizado do sistema alfabéti- co/ortográfico e nas suas relações com o sistema fonológico. No Congresso Nacional for- mou-se uma equipe, da qual não faço parte, para estudar o proble- ma da alfabetização, levando em conta a literatura científica e a experiência internacional sobre o tema. Este fato já é um indicador muito pronto haverá significativo. Uma vez o relatório dessa equipe, um ciclo de debates na Câmara dos Deputados, na segun- da quinzena de agosto do corrente ano, o que significa que teremos alguma novidade nessa área da alfabetização No início de minha exposição, levantei algumas questões polêmi- cas, algumas preocupações e difi- culdades. Para terminar, proponho uma reflexão sobre o risco de reinventarmos a alfabetização. Embora ela esteja mesmo preci- sando ser reinventada e seja preci- so recuperar sua especificidade, não podemos voltar ao que já foi superado. A mudança não deve ser um retrocesso, mas um avanço. (^) o método, de que se mé- odo tra- balhe a aquisi - ção do sistema alfabé- tico e ortográ- f ico, o hamad o nics. A ncia que ortaleci- do naquele país é a de

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Referências biblográfi- cas CAPOVILLA, Alessandra & CAPOVILLA, Fernando. Alfabetização e método fôni- co. São Paulo: Mnemom, 2001 OLIVEIRA, João Batista Araújo. ABC da alfabetização. Belo Horizonte: Alfaed- ucativa, 2002 SCLIAR-CABRAL, Leonor. Princípios do sis- tema alfabético de português do Brasil. São Paulo: contexto, 2003. Guia Prático de alfabetiza- ção. São Paulo: Contexto, 2003.