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Guias e Dicas
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Interpretação da Teoria Preditiva do Direito de Oliver Wendell Holmes Jr., Notas de estudo de Direito

Neste artigo, matheus de mendonça gonçalves leite reflete sobre a teoria preditiva do direito apresentada por oliver wendell holmes jr. No artigo 'the path of the law'. O autor discute a importância da teoria para a compreensão do direito e sua evolução histórica, além de sua relação com a predição e o papel dos juízes na sociedade. O texto também aborda a importância da pragmatismo e da lógica experimental na teoria jurídica.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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RESUMO: Este artigo reconstrói as ideias fundamentais do
pragmatismo clássico, com o intuito de lançar luzes sobre
a Teoria Preditiva do Direito de Oliver Wendell Holmes Jr.
O pragmatismo clássico é uma corrente filosófica que
utiliza as ideias científicas prevalecentes no final do século
XIX, para a construção de uma teoria compreensiva do
universo e de um método científico. Assim, as ideias da
evolução e da experiência foram sintetizadas na máxima
pragmática de Charles Sanders Peirce. A partir da revisão
bibliográfica dos principais textos do pragmatismo
clássico, constata-
se que Holmes faz uso das ideias
fundamentais do pragmatismo, com o intuito de construir
uma teoria compreensiva do Direito. A Teoria Preditiva do
Direito é o resultado da aplicação da máxima pragmática
na compreensão do fenôme
no jurídico, bem como na
construção de um método científico para o
desenvolvimento e crescimento do Direito. Contudo, a
Teoria Preditiva do Direito foi, com muita frequência, mal
interpretada por alguns autores, que construíram a falsa
imagem de que o Dire
ito é um produto das escolhas
arbitrárias dos juízes. A máxima pragmática mostra, ao
contrário, que a Teoria Preditiva fornece um método
científico de desenvolvimento e crescimento do Direito,
que o adapta à satisfação das necessidades sociais.
Palavras-chave:
Teoria Preditiva do Direito. Máxima
Pragmática. Método Científico.
ABSTRACT: This article reconstructs the fundamental ideas
of classic pragmatism, in order to shed light on Oliver
Wendell Holmes Jr.'s predictive theory of Law. The classic
pragmatism is a philosophical movement that applies the
predominant ideas of the last 20th century, so as to
construct a scientific method and a comprehensive theory
about the universe. This way, the ideas of evolution and
experience were synthesized in Ch
arles Sanders Pierce's
pragmatic maxim. From the bibliographic review of the
main texts of classic pragmatism, the conclusion that
Holmes uses the fundamental ideas of pragmatism in order
to construct a comprehensive theory of Law is reached. The
predictive theory of Law is a result of the application of the
pragmatic maxim in the comprehension and/or explanation
of the judicial phenomenon, as well as in the elaboration of
a scientific method for the development and growth of
Law. However, the predictive theory of Law was often
misinterpreted by authors which built the false concept
that Law is a product of judges’ arbitrary choices. The
pragmatic maxim shows, on the contrary, that the
predictive theory provides a scientific method of
advancement and growth of Law, and adapts it to the
satisfaction of social needs.
Keywords: Predictive Theory of Law. Pragmatic Maxim.
Scientific Method.
1 Doutor em Teoria do Direito (2014) e Mestre em Direito Público (2008) pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Atualmente é Professor Adjunto IV da
Pontifícia Universidade de Minas Gerais, lecionando as seguintes disciplinas: Introdução ao Estudo do Direito, Filosofia
do Direito, Direito Constitucional e Direito Previdenciário. Membro do Colegiado do Curso de Direito da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, campus Serro. Membro do Núcleo Docente Estruturante da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, campus Serro. Coordenador do Projeto de Extensão “A luta pelo
reconhecimento dos direitos fundamentais das comunidades remanescentes de quilombo”. Idealizador e Colaborador
do Projeto de Extensão “A inserção dos agricultores familiares do Estado de Minas Gerais na rede de proteção social
do Regime Geral de Previdência Social”. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Filosofia do Direito,
Sociologia Jurídica e Direito Público, atuando principalmente nos seguintes temas: direito constitucional, direito
administrativo, direito previdenciário, filosofia do direito, sociologia jurídica e hermenêutica filosófica e jurídica.
A RECONSTRUÇÃO DA TEORIA
PREDITIVA DO DIREITO A PARTIR
DAS IDEIAS DO PRAGMATISMO
NEOCLÁSSICO
THE RECONSTRUCTION OF PREDICTIVE THEORY OF
LAW FROM THE IDEAS OF NEOCLASSIC PRAGMATISM
Matheus de M. G. Leite1
Revista Brasileira de Sociologia do Direito ISSN 2359-5582
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RESUMO: Este artigo reconstrói as ideias fundamentais do pragmatismo clássico, com o intuito de lançar luzes sobre a Teoria Preditiva do Direito de Oliver Wendell Holmes Jr. O pragmatismo clássico é uma corrente filosófica que utiliza as ideias científicas prevalecentes no final do século XIX, para a construção de uma teoria compreensiva do universo e de um método científico. Assim, as ideias da evolução e da experiência foram sintetizadas na máxima pragmática de Charles Sanders Peirce. A partir da revisão bibliográfica dos principais textos do pragmatismo clássico, constata-se que Holmes faz uso das ideias fundamentais do pragmatismo, com o intuito de construir uma teoria compreensiva do Direito. A Teoria Preditiva do Direito é o resultado da aplicação da máxima pragmática na compreensão do fenômeno jurídico, bem como na construção de um método científico para o desenvolvimento e crescimento do Direito. Contudo, a Teoria Preditiva do Direito foi, com muita frequência, mal interpretada por alguns autores, que construíram a falsa imagem de que o Direito é um produto das escolhas arbitrárias dos juízes. A máxima pragmática mostra, ao contrário, que a Teoria Preditiva fornece um método científico de desenvolvimento e crescimento do Direito, que o adapta à satisfação das necessidades sociais. Palavras-chave : Teoria Preditiva do Direito. Máxima Pragmática. Método Científico.

ABSTRACT: This article reconstructs the fundamental ideas of classic pragmatism, in order to shed light on Oliver Wendell Holmes Jr.'s predictive theory of Law. The classic pragmatism is a philosophical movement that applies the predominant ideas of the last 20th century, so as to construct a scientific method and a comprehensive theory about the universe. This way, the ideas of evolution and experience were synthesized in Charles Sanders Pierce's pragmatic maxim. From the bibliographic review of the main texts of classic pragmatism, the conclusion that Holmes uses the fundamental ideas of pragmatism in order to construct a comprehensive theory of Law is reached. The predictive theory of Law is a result of the application of the pragmatic maxim in the comprehension and/or explanation of the judicial phenomenon, as well as in the elaboration of a scientific method for the development and growth of Law. However, the predictive theory of Law was often misinterpreted by authors which built the false concept that Law is a product of judges’ arbitrary choices. The pragmatic maxim shows, on the contrary, that the predictive theory provides a scientific method of advancement and growth of Law, and adapts it to the satisfaction of social needs.

Keywords : Predictive Theory of Law. Pragmatic Maxim. Scientific Method.

(^1) Doutor em Teoria do Direito (2014) e Mestre em Direito Público (2008) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Atualmente é Professor Adjunto IV da Pontifícia Universidade de Minas Gerais, lecionando as seguintes disciplinas: Introdução ao Estudo do Direito, Filosofia do Direito, Direito Constitucional e Direito Previdenciário. Membro do Colegiado do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, campus Serro. Membro do Núcleo Docente Estruturante da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, campus Serro. Coordenador do Projeto de Extensão “A luta pelo reconhecimento dos direitos fundamentais das comunidades remanescentes de quilombo”. Idealizador e Colaborador do Projeto de Extensão “A inserção dos agricultores familiares do Estado de Minas Gerais na rede de proteção social do Regime Geral de Previdência Social”. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Filosofia do Direito, Sociologia Jurídica e Direito Público, atuando principalmente nos seguintes temas: direito constitucional, direito administrativo, direito previdenciário, filosofia do direito, sociologia jurídica e hermenêutica filosófica e jurídica.

A RECONSTRUÇÃO DA TEORIA

PREDITIVA DO DIREITO A PARTIR

DAS IDEIAS DO PRAGMATISMO

NEOCLÁSSICO

THE RECONSTRUCTION OF PREDICTIVE THEORY OF LAW FROM THE IDEAS OF NEOCLASSIC PRAGMATISM

Matheus de M. G. Leite^1

Revista Brasileira de Sociologia do Direito ISSN 2359- 5582

Matheus de Mendonça Gonçalves Leite ■■■

1 INTRODUÇÃO Este artigo científico pretende refletir criticamente sobre o significado da Teoria Preditiva do Direito, apresentada por Oliver Wendell Holmes Jr., num artigo científico intitulado “The Path of the Law”, que foi publicado originalmente no ano de 1897, na revista científica denominada Harvard Law Review. A Teoria Preditiva do Direito fomentou o desenvolvimento de inúmeras abordagens teóricas sobre o fenômeno jurídico, que, muitas vezes, se mostraram conflitantes e contraditórias. Assim, a partir da afirmação abstrata feita por Holmes de que o Direito é uma profissão bem conhecida, consistente em prever o que os tribunais decidirão ser o Direito numa determinada demanda que lhes é apresentada, foram construídas diferentes perspectivas concretas sobre o modo como os juízes decidem uma demanda que lhes é submetida. Em outras palavras, a Teoria Preditiva caracteriza o Direito como uma prática social, cuja finalidade consiste em calcular a probabilidade de quais decisões serão tomadas por juízes ou agentes estatais responsáveis pela aplicação do Direito, na hipótese de um conflito humano ser a eles submetido. Surge, então, o problema de saber como juízes e demais agentes estatais decidem um conflito humano a eles submetido. Ou, para utilizar uma metáfora de Benjamim Cardozo (2004, p. 2), quais são os ingredientes (leis, precedentes, moralidade política, costumes, bem-estar social etc ), e suas proporções, que integram a estranha mistura constitutivas das decisões judiciais, que são preparadas diariamente no caldeirão dos tribunais? A tentativa de responder a esta questão mobilizou a construção de diferentes perspectivas teóricas, que variam desde a afirmação cética de que não há uma decisão correta sobre o que o Direito exige que se faça num determinado caso concreto, até a afirmação científica de que a decisão correta é aquela que promove as consequências práticas a que serve o Direito, de acordo com o contexto particular em que transcorre o litígio.

Matheus de Mendonça Gonçalves Leite 2 A TRADIÇÃO INTELECTUAL DO PRAGMATISMO CLÁSSICO O pragmatismo clássico é uma corrente filosófica originada da utilização das ideias científicas prevalecentes na segunda metade do século XIX, para a construção de uma teoria compreensiva do universo (natural e humano) e de um método científico apropriado ao julgamento da verdade/falsidade das crenças expressas na forma de enunciados científicos. Nesse contexto, a ideia científica de evolução tornou-se o modo mais influente de explicar os mais diferentes aspectos dos universos naturais e humanos, passando, então, a originar novas abordagens científicas de fenômenos até então mal compreendidos e explicados, bem como a permear as hipóteses explicativas formuladas pelas diferentes ciências, tais como a biologia, a física, a química, a antropologia (física e cultural), a psicologia social, a economia política, a história, a sociologia etc^2. As ideias científicas mais importantes são: evolução e experiência. A ideia pragmática de evolução significa que os princípios operativos do universo se originam da regularidade ostentada pelos hábitos adquiridos pelos seres na resolução de seus problemas vitais. Por outro lado, a ideia pragmática de experiência é entendida como o processo de aprendizado por meio do qual se seleciona hábitos adequados para o enfrentamento bem-sucedido das contingências do universo.

(^2) Nesse sentido, Charles Sanders Peirce (CP. 6.296 e 6.297) afirma que: “Deixe-me tentar definir as afinidades lógicas das diferentes teorias da evolução. A seleção natural, como concebida por Darwin, é um modo de evolução no qual o único agente positivo de mudança na passagem da mônada para o homem é a variação fortuita. Para assegurar o avanço numa direção definida, é necessário o apoio de uma ação que impeça a propagação de algumas variedades, bem como estimule a propagação de outras. Na seleção natural, estritamente falando, é a exclusão dos fracos. Na seleção sexual, é a atração da beleza, principalmente. A Origem das Espécies foi publicada no fim do ano de 1859. O período compreendido entre o ano de 1846, até a data da publicação da obra acima indicada, foi um dos momentos mais produtivos da ciência – e, se estendermos a análise para considerar também a grande obra acima indicada, é o período mais produtivo de toda a história da ciência desde seu início até hoje. A ideia de que o acaso gera ordem, que é uma das pedras angulares da física moderna (embora o Dr. Carus o considere ‘o ponto mais fraco do sistema do Sr. Peirce’) era, naquele tempo, colocado mais claramente. Quetelet iniciou a discussão em sua obra Letters on the Application of Probabilities to the Moral and Political Sciences, que é um trabalho que impressionou profundamente as melhores mentes da época e do qual Sir John Herschel tinha atraído a atenção geral na Grã-Bretanha. Em 1857, o primeiro volume de History of Civilisation de Buckle criou uma enorme sensação, devido ao uso que fez da mesma ideia. Nesse período, o ‘método estatístico’ tinha sido aplicado com tremendo sucesso à física molecular. Dr. John Herapath, um químico inglês, tinha, em 1847, delineado a teoria cinética dos gases em sua Física Matematizada; e o interesse que a teoria despertou foi renovado em 1856 pelas memórias notáveis de Clausius e Krönig. No próprio verão que precedeu a publicação de Darwin, Maxwell já tinha lido a primeira e mais importante das pesquisas da Associação Britânica sobre o assunto. A consequência foi o fortalecimento nas mentes dos cientistas mais importantes da época da ideia de que eventos fortuitos podem originar leis físicas e, ademais, que este é o modo pelo qual devem ser explicadas aquelas leis que parecem conflitar com o princípio da conservação de energia”.

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As ideias de evolução e de experiência expressam, assim, a perspectiva de que: 1) todo o universo está em constante transformação, afastando-se, assim, do modo essencialista de pensar, que era, até então, o tipo de pensamento mais influente na filosofia; 2) a pessoa e sua inteligência são parte da natureza e, por isso, a inteligência está presente em todos os seres vivos, mas foi desenvolvida de modo mais sofisticado pela espécie biológica homo sapiens para a resolução de seus problemas vitais^3 ; 3) há uma continuidade entre o universo natural e humano, de modo que as leis que regem os seres são provenientes dos hábitos por eles adotados para a satisfação de suas necessidades vitais. Assim, as leis físicas e as leis práticas são provenientes dos hábitos, entendidos como uma lei geral que regula os comportamentos futuros do agente^4 ; e, 4) os princípios operativos do universo se originam da regularidade adquirida pelos seres, a partir da superação da variabilidade caótica de reações proporcionadas pelo contato com o

(^3) Nesse sentido, Joseph Margolis (2010, p. 5-7) assevera que: “[...] acrescente a isso a evidência darwiniana (como também pode ser imaginado) de que o Homo sapiens, como uma espécie animal, parece ter sido a única biologicamente dotada entre os primatas, mas que nunca excedeu as formas primatas de inteligência, até que a espécie (muito provavelmente, espécies ancestrais do Homo) iniciou a construção a partir de uma incipiente linguagem articulada, situada no lado humano da divisão primata e que não se mostrou promissora em qualquer lugar no mundo primata (e, na verdade, nenhuma aptidão biológica para começar a explicá-lo), de um interesse específico por parte das crianças humanas para entrar e sustentar formas complexas de jogos e comunicação pré-linguística com os adultos da espécie, que, diferentemente dos macacos mais desenvolvidos, parecem reconhecer o propósito. [...] Além disso, embora apenas possa indicar o argumento aqui, admitir a descoberta darwiniana que o efeito da evolução do Homo sapiens foi um processo muito longo que elevou a espécie ao ponto de explorar uma forma inteiramente diferente de evolução – a evolução da linguagem e da cultura, que, com base nas melhores evidências, não pode ser adequadamente explicada nos termos das formas maduras do neo-darwinismo (isto é, da seleção natural associada com formas de explicação genética) – ameaça, ao mesmo tempo e pelas mesmas razões, a validade do cientificismo analítico (reducionismo, particularmente) e o extranaturalismo continental. O que é mais extraordinário aqui é que, em princípio, a Razão transcendental de Kant, o Espírito Absoluto de Hegel, o Dasein de Heidegger e o Eu Transcendental de Husserl são afrontados pelo desafio potencialmente fatal por razões muito similares. É verdade que Kant e Hegel não poderiam ter considerado a perspectiva da evolução darwiniana, mas isso não pode mais ser desconsiderado atualmente”. (^4) Nesse sentido, Charles Sanders Peirce apresenta várias definições de hábitos, em diferentes textos que foram postumamente publicados. Contudo, em todas as definições apresentadas por Peirce, há o realce do caráter normativo do hábito, que consiste na orientação do comportamento futuro do agente. Assim, Peirce já definiu o hábito da seguinte maneira: “uma crença em uma proposição é um hábito controlado e sustentado de agir de modo a ser produtivo para os resultados desejados somente se a proposição for verdadeira” (EP 2:312). A pesquisadora Priscila Farias (1999, p. 12) fez um inventário das definições peirceanas de hábito e as apresentou da seguinte forma: “Peirce define hábito como “princípio geral” (CP 2.170), “regra ativa” (CP 2.643), “especialização da lei da mente através da qual uma ideia geral ganha o poder de excitar reações (CP 6.145). Ele distingue hábito de disposição ou instinto (uma “disposição herdada”, cf. CP 2.170), uma vez que hábitos seriam tendências adquiridas “para comportar- se de forma similar sob circunstâncias similares no futuro” (CP 5.487). Distingue também hábito de crença e de atos conscientes, quando afirma que “um julgamento é um ato de consciência no qual reconhecemos uma crença, e uma crença é um hábito inteligente segundo o qual agimos quando a ocasião apropriada se apresenta” (CP 2.435). É importante frisar que o conceito Peirceano de hábito não está, necessariamente, ligado a processos conscientes, e muito menos se restringe a seres humanos ou “vivos” (no sentido corriqueiro da palavra): “percebemos que algumas plantas adquirem hábitos. O fluxo de água que prepara um leito de rio está formando um hábito” (CP 5.492)”.

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apresenta uma visão ontológica do universo como uma ordem normativa que se origina do caos original da variabilidade infinita dos modos de ser das coisas existentes. Esse caos original se caracteriza pelo conflito que permeia todos os seres existentes, na medida em que todo ser tenta adaptar os demais ao seu modo de ser, ao mesmo tempo em que resiste à pressão adaptativa exercida pelos demais seres sobre ele próprio. Instaura-se, então, um conflito que marca a relação entre os seres existentes e que pode ser superado pela adoção de hábitos, cujo aparecimento representa o atingimento de um equilíbrio adaptativo entre os seres existentes. Pode-se falar, inclusive, que há uma tendência dos seres adquirirem hábitos, que se formam a partir do equilíbrio adaptativo recíproco entre todos os seres existentes, mas que podem ser, a qualquer momento, rompidos pelo surgimento de um novo modo de ser. Os princípios operativos do universo surgem a partir dos hábitos adquiridos pelos seres e se mantêm apenas na medida em que os hábitos são mantidos, podendo, portanto, a qualquer momento serem substituídos pelos princípios operativos originados de novos hábitos adotados. A nova teoria compreensiva do universo, que se baseia num esquema conceitual concebido para se pensar a estrutura ontológica da realidade e a totalidade dos objetos e dos fenômenos experimentais passíveis de serem representados por conceitos, cujo significado, contudo, fica condicionado a sua correspondência à experiência, torna necessária a construção de um método científico que lhe seja correlato, de modo a captar a variação fortuita do modo de ser das coisas e a cristalização das leis em hábitos. Nesse sentido, Robert Brandom (2011, p. 7) explica a correlação entre a teoria do universo e o método científico formulado pelo pragmatismo clássico, nos seguintes termos: O mundo e nosso conhecimento dele são construídos sobre um modelo singular: como mutáveis, produtos contingentes de processos seletivo-adaptativos

com a qual a totalidade da evolução tem sido perpassada por uma sucessão de mudanças muito pequenas. Mas elas não ocorrem na reprodução, que não tem qualquer relação com a questão, exceto por preservar a plasticidade individual na juventude. As mudanças não têm sido fortuitas, mas o resultado dos esforços dos indivíduos. A terceira é a teoria da evolução cataclísmica, de acordo com a qual as mudanças não têm sido pequenas e nem fortuitas; mas elas acontecem amplamente na reprodução. De acordo com este ponto de vista, as mudanças bruscas do ambiente acontecem ao longo do tempo. Essas mudanças colocam alguns órgãos em desvantagem, e há um esforço para usá- los de outras maneiras. Esses órgãos são particularmente aptos a aparecerem na reprodução, bem como a mudar de modo a adaptá-los melhor aos seus modos atuais de funcionamento”.

Matheus de Mendonça Gonçalves Leite estatísticos que proporcionam o surgimento de uma ordem no ir e vir de um mar de variabilidade aleatória. A natureza e a experiência devem ser entendidas em termos de processos nos quais constelações relativamente estáveis de hábitos surgem e se sustentam através de suas interações com um ambiente que inclui uma população de hábitos concorrentes. Não há nenhum problema, em princípio, em encontrar um lugar para a experiência interpretada como aprendizado e a natureza interpretada como evoluindo. Não há, também, nada parecido com o problema tradicional complementar de compreender como a experiência, entendida como a evolução dinâmica dos hábitos, pode dar aos sujeitos um acesso aos hábitos modalmente robustos das coisas cujos conhecedores-e- agentes interagem, se adaptam e adaptam as coisas. As formas pragmatistas de naturalismo e empirismo são os dois lados de uma mesma moeda.

Nesse contexto, o método científico se caracteriza pela conjugação do raciocínio estatístico (indutivo) e do raciocínio abdutivo (hipótese), na tentativa de predizer, ao longo da experimentação científica, a tendência de evolução dos objetos e do universo, com base na regularidade adquirida pela adoção de hábitos. O raciocínio estatístico possui a finalidade de captar a variabilidade fortuita do modo de ser das coisas e a tendência de surgimento de uma regularidade originada em determinadas circunstâncias e condições^6. Assim, com base no argumento indutivo, o raciocínio estatístico funciona com base na pressuposição de que todos os membros de uma classe, originada da regularidade decorrente da adoção de hábitos por um grupo de indivíduos, possuem todas as características que são comuns aos membros desta classe e, por isso, são conhecidos a partir de certo signo. O raciocínio abdutivo se caracteriza por extrair as leis da totalidade dos fatos, entendidos como a cristalização dos hábitos adotados pelo ser, na medida em que “os

(^6) Nesse sentido, Peirce (CP 5.364) explica o método estatístico adotado pela ciência, nos seguintes termos: “A controvérsia darwiniana é, em grande parte, uma questão de lógica. O Senhor Darwin propôs aplicar o método estatístico à biologia. A mesma coisa foi feita, num ramo completamente diferente da ciência, na teoria dos gases. Embora incapaz de dizer quais seriam os movimentos de qualquer molécula particular de gás numa dada hipótese relativa à constituição dessa classe de corpos, Clausius e Maxwell eram ainda capazes, oito anos antes da publicação do trabalho imortal de Darwin, de aplicar a doutrina das probabilidades, para predizer ao longo da experimentação científica que uma tal proporção de moléculas adquiriria tais velocidades, sob certas circunstâncias; que aconteceria, a seguir, um número relativo de colisões etc.; e, a partir dessas proposições, seria possível deduzir algumas propriedades dos gases, especialmente em relação a sua relação com o calor. De certa forma, Darwin, apesar de incapaz de dizer qual será a operação de variação e de seleção natural em qualquer caso individual, demonstra que, no final das contas, elas adaptarão (ou adaptariam) os animais a suas circunstâncias. A existência ou não de certas formas animais é devida a tal ação, ou a qual posição que a teoria deveria assumir, as formas do objeto de uma discussão na qual tais questões de fato e questões de lógica são curiosamente entrelaçadas”.

Matheus de Mendonça Gonçalves Leite O funcionamento do raciocínio abdutivo pode ser descrito da seguinte maneira: “Observa-se o fato inesperado C. Todavia, caso A fosse verdadeiro, C seria normal, não mais surpreendente. Dessa maneira, existe uma razão para que acreditemos que A seja verdadeiro” (PEIRCE, CP 5.189). Nesse contexto, o pragmatismo sustenta que a ciência é uma instituição histórica viva constituída pelas atitudes científicas adotadas pelos membros (cientistas) de uma comunidade ilimitada de investigadores, que se esforçam cooperativamente para identificar as razões constituintes das coisas que desejam conhecer. A atitude do cientista se caracteriza, então, por ser uma ação orientada pelo desejo de conhecer a realidade – que é independente daquilo que qualquer um acredita ser desta ou daquela maneira – por meio de um método racional que propicie um aprendizado intersubjetivamente legitimado a partir das observações disponíveis a qualquer um que queira se engajar na investigação científica. É oportuno esclarecer que, na visão do pragmatismo clássico, o método científico é uma atitude adotada pelos membros de uma comunidade de investigadores, que desejam conhecer a realidade e potencializar a sua capacidade de adaptar o ambiente a suas necessidades, ao mesmo tempo em que se diminui a pressão adaptativa do ambiente sobre a espécie. Nesse sentido, Robert Brandom (2011, p. 7-8) sustenta que: O método científico experimental é visto apenas como a destilação do processo normativo e explícito de aprendizagem seletiva que é a forma prática comum às criaturas inteligentes em todas as fases de desenvolvimento. O termo de Dewey para esse processo, em toda a sua variedade, é “experiência” – o conceito fundamental de suas obras Experience and Nature e Art as Experience. [...] Nesse sentido, a experiência não é a ignição de alguma luz interna cartesiana – a ocorrência de um evento interno do estar consciente puro, transparente e incorrigível para o sujeito da experiência. A experiência é trabalho: a aplicação de força através de distância. É algo feito ao invés de ser algo que simplesmente acontece - recurso a uma prática, o exercício de habilidades, ao invés de um episódio. [...] Os primeiros empiristas tinham pensado a experiência como a ocorrência de episódios conscientes que fornecem o material bruto para o aprendizado, via processo de associação, comparação e abstração. Para os pragmatistas, a experiência não é um estímulo para o processo de aprendizado. Ela é o próprio aprendizado: o processo de percepção e ação, seguido por percepção e julgamento dos resultados da ação, e, então, mais ação, exibindo a estrutura reiterada, adaptativa e condicional de um circuito de teste-operação- teste-saída. O resultado da experiência não deve ser pensado como a posse de itens do conhecimento, mas como um tipo de entendimento prático, um tipo de

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sintonia adaptativa para o ambiente, o desenvolvimento de hábitos adequados para o enfrentamento bem-sucedido das contingências. [...] Eles (os pragmatistas) introduziram não apenas uma nova concepção de experiência, mas também uma nova concepção de razão. Eles entendem a racionalidade das teorias físicas como uma continuidade com a inteligência de caçadores culturalmente primitivos e com a habilidade de predadores não humanos. O surgimento e o desenvolvimento de comprometimentos discursivos cognitivos e práticos é um processo de aprendizado, que é um fragmento e possui a mesma estrutura de uma ação que propicia uma sintonia prática com um ambiente e com a aquisição de hábitos bem-sucedidos que, de uma forma ou de outra, é uma parte da história natural de todos os organismos vivos. Nesse sentido, razão e inteligência já podem ser vistos (ainda que de forma inflexível e não esclarecida) na manutenção do equilíbrio por aquilo que foi um emblema da revolução industrial: os volantes de inércia. Na visão dos pragmatistas, a natureza vai se tornando cada vez mais racional – não apenas a parte dela que é inteligível como experiência.

A tradição intelectual, que foi resumidamente reconstruída acima, é o horizonte de significação a partir do qual se pode interpretar as diferentes concepções teóricas produzidas pelos pragmatistas clássicos, na tentativa de explicar/compreender os fenômenos com os quais a humanidade se depara, inclusive com o fenômeno jurídico. Assim, em 1869, foi organizada uma sociedade filosófica, com o objetivo de promover encontros regulares, de modo a proporcionar uma discussão sobre as questões mais importantes e significativas da humanidade, a partir da visão de mundo implícita nas mais diferentes teorias científicas apresentadas na segunda metade do século XIX. A sociedade filosófica foi denominada de Metaphysical Club (Clube Metafísico), cuja origem pode ser associada às inquietações provocadas pelas novas descobertas científicas ocorridas em inúmeras áreas do conhecimento humano, que confluíam para solapar a confiança em verdades a priori e absolutas, no dogma da imutabilidade do ser e no modo de tratar as questões metafísicas pela tradição filosófica. Pois, as evidências empíricas das ciências experimentais e os novos métodos de raciocínio estatístico justificam a crença de que a natureza está em processo de constante evolução, e que as leis e princípios se originam dos hábitos adquiridos contingentemente pelos seres existentes ao entrarem num equilíbrio coletivo autorreprodutivo. Os membros mais ativos do Clube Metafísico eram três advogados – Oliver Wendell Holmes Jr., Nicholas St. John Green e Joseph Warner – e três cientistas experimentais –

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[...] Uma concepção, isto é, o teor racional de uma palavra ou de outra expressão, reside exclusivamente em suas influências concebíveis sobre a conduta de vida; assim, desde que obviamente nada que não pudesse resultar do experimento possa exercer qualquer influência direta sobre a conduta, se se puder definir precisamente todos os fenômenos experimentais concebíveis que a afirmação ou negação de um conceito poderia implicar, ter-se-á, então, uma completa definição do conceito, nele não há absolutamente mais nada^11.

As versões da máxima pragmática coincidem em identificar, como critério de significação, a totalidade das consequências práticas que se pode esperar serem produzidas no futuro, a partir da ação intencional do cientista sobre o objeto da concepção científica. Nesse sentido, Ivo Ibri (2003, p. 9) explica a relação entre conceito e fenômeno experimental da seguinte maneira: Esse vínculo obrigatório entre conceito e fenômeno experimental só poderá se dar se aquele for entendido como tendo por essência um caráter preditivo, ou seja, se ele for capaz de descrever o curso da experiência futura, seja ela associada a uma sofisticada fórmula em ciência ou a um conceito de reflexo imediatamente existencial, a saber, de afecção de nossa humana conduta. Já no próprio conceito de experiência possível de Kant está implícito este esse in futuro do universo teórico: aquela possibilidade da experiência se refere à sua potencial realização em um tempo futuro. Não à toa, Peirce considera uma das fontes principais de inspiração do Pragmatismo a primeira Crítica de Kant: “Fui levado à máxima pela reflexão sobre a Crítica da Razão Pura de Kant. A limitação dos conceitos à experiência possível é o pragmatismo no seu sentido geral” (CP 5.525).

Percebe-se, então, que o significado das concepções científicas possui a finalidade de predizer as consequências práticas futuras, a serem produzidas pela ação intencional sobre os objetos referidos pela concepção científica. A significação se orienta para o futuro, na medida em que pretende antecipar no presente as consequências práticas futuras. A investigação científica se orienta para submeter, constantemente, as concepções científicas ao teste da confiabilidade das predições realizadas, na medida em que fornecem respostas confiáveis às experiências científicas. Assim, a verdade de uma concepção científica pode ser estabelecida no momento em que os significados dos conceitos científicos, que devem ser tidos como regras gerais a

(^11) Original em inglês: “a conception, that is, the rational purport of a word or other expression, lies exclusively in its conceivable bearing upon the conduct of life; so that, since obviously nothing that might not result from experiment can have any direct bearing upon conduct, if one can define accurately all the conceivable experimental phenomena which the affirmation or denial of a concept could imply, one will have therein a complete definition of the concept, and there is absolutely nothing more in it”.

Matheus de Mendonça Gonçalves Leite orientar o curso dos acontecimentos futuros, são confirmados pela totalidade das consequências práticas apresentadas pelos objetos particulares. E, enquanto a concepção científica orientar o comportamento humano de modo bem sucedido, a verdade da concepção científica será aceita por uma comunidade de cientistas, por fornecer uma resposta confiável à totalidade dos acontecimentos futuros. No momento em que a concepção científica perder a capacidade de predizer o curso dos acontecimentos futuros, a concepção científica será rejeitada por ser imprestável à orientação do comportamento futuro^12. Percebe-se, então, que a máxima pragmática elimina a possibilidade de se tentar definir uma concepção científica a partir de uma evidência intelectual obtida de modo transcendental ou a priori. Pois, o método a priori nada mais é do que um palavrório sem sentido no qual uma palavra é definida por outras palavras e estas ainda por outras, sem qualquer relação com a realidade^13. A experiência constrange o raciocínio na medida em que o significado das concepções científicas deve ser correspondente aos efeitos sensíveis efetivos ou possíveis

(^12) Nesse sentido, o Prof. Ivo Ibri (2003, p. 10) afirma que ““[…] teorias verdadeiras são capazes de afetar, e devem efetivamente fazê-lo, a conduta racional futura. Em outras palavras, adota-se aqui uma concepção de verdade que implica uma espécie de convergência paramétrica e de forma entre teoria e curso dos fatos, de tal modo que o poder preditivo do plano conceitual ficaria referendado. É ele que permanecerá sendo operacionalmente utilizado para futuras predições. Por elas a conduta humana irá se balizar, a despeito do caráter sempre falível do signo; a despeito, também, da erraticidade que é própria do objeto, na forma de sua manifestação de primeiridade. Contudo, o que dizer de uma teoria falsa, em outros termos, uma teoria cuja predição se encontra dentro do campo possível da experiência, mas, de fato, não converge para ela? Poderia uma teoria falsa afetar a conduta? Certamente muitas delas assim o fizeram ao longo da história, mas quando o curso dos fenômenos, matéria da experiência, aponta para uma direção divergente daquela implicada na teoria, somente um apego irracional a falsas representações as prossegue validando”. (^13) Nesse sentido, Peirce assevera que o Pragmatismo “[...] servirá para mostrar que quase toda proposição da metafísica ontológica é um palavrário sem sentido – uma palavra sendo definida por outras palavras, que são, também, definidas por outras palavras, sem se alcançar qualquer concepção real – ou é francamente absurda; assim que todo esse lixo for dispensado, a filosofia permanecerá com uma série de problemas que podem ser investigados pelos métodos experimentais das verdadeiras ciências – a verdade sobre o que pode ser investigado sem os desentendimentos e disputas intermináveis que tem feito da mais alta das ciências positivas uma mera diversão para intelectos desocupados, uma espécie de jogo de xadrez [...]”. Original em inglês: “It will serve to show that almost every proposition of ontological metaphysics is either meaningless gibberish -- one word being defined by other words, and they by still others, without any real conception ever being reached – or else is downright absurd; so that all such rubbish being swept away, what will remain of philosophy will be a series of problems capable of investigation by the observational methods of the true sciences -- the truth about which can be reached without those interminable misunderstandings and disputes which have made the highest of the positive sciences a mere amusement for idle intellects, a sort of chess” (CP 5.423).

Matheus de Mendonça Gonçalves Leite realce da dimensão evolutiva do Direito e de sua vinculação à realização de certas finalidades sociais, que, em determinado período histórico, orientam o crescimento e desenvolvimento do Direito no sentido de realizá-las, nas condições contingentes e mutáveis da vida social humana.

3 A TEORIA PREDITIVA DO DIREITO A teoria preditiva do Direito é apresentada por Holmes no artigo científico intitulado “The Path of the Law”, que foi publicado originalmente no ano de 1897, na revista científica denominada Harvard Law Review. O artigo científico tem início com a seguinte afirmação (HOLMES, 1897, p. 457): Quando estudamos o Direito, não estamos estudando um mistério, mas uma profissão bem conhecida. Estamos estudando o modo pelo qual as demandas deverão ser apresentadas aos juízes; ou o aconselhamento de pessoas para deixá- las a salvo dos tribunais. O Direito é uma profissão, as pessoas pagam advogados para argumentar a favor delas ou para lhes aconselhar, porque, em sociedades como a nossa, o comando do poder público é confiado a juízes, em certos casos, e a totalidade do poder do Estado será empenhada, se necessário, para fazer cumprir seus julgamentos e decisões. As pessoas querem saber, sob que circunstâncias e até onde, correrão o risco de irem contra aquilo que é tão mais forte do que elas, e, portanto, torna-se um negócio descobrir quando esse perigo deve ser temido. O objeto de nosso estudo é, por conseguinte, uma predição, a predição da incidência do poder público através da instrumentalidade dos tribunais^16.

A partir da leitura do primeiro parágrafo deste artigo científico, alguns intérpretes de Holmes passaram a afirmar que a teoria preditiva reduzia o Direito à predição de como os tribunais irão decidir as causas a ele submetidas. Essa interpretação é reforçada pela

the public force through the instrumentality of the courts. […] You can see very plainly that a bad man has as much reason as a good one for wishing to avoid an encounter with the public force, and therefore you can see the practical importance of the distinction between morality and law. A man who cares nothing for an ethical rule which is believed and practised by his neighbors is likely nevertheless to care a good deal to avoid being made to pay money, and will want to keep out of jail if he can”. (^16) Original em inglês: “When we study law we are not studying a mystery but a well-known profession. We are studying what we shall want in order to appear before judges, or to advise people in such a way as to keep them out of court. The reason why it is a profession, why people will pay lawyers to argue for them or to advise them, is that in societies like ours the command of the public force is intrusted to the judges in certain cases, and the whole power of the state will be put forth, if necessary, to carry out their judgments and decrees. People want to know under what circumstances and how far they will run the risk of coming against what is so much stronger than themselves, and hence it becomes a business to find out when this danger is to be feared. The object of our study, then, is prediction, the prediction of the incidence of the public force through the instrumentality of the courts”.

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afirmação subsequente de que “as profecias do que os tribunais farão de fato, e nada mais pretensioso, é o que entendo por Direito” (HOLMES, 1897, p. 461). Entretanto, essas afirmações coexistem ao lado de outras, nas quais o Direito é caracterizado como um instrumento para a realização de certas finalidades sociais; e que está em constante evolução na tentativa de conceber o melhor modo, aqui e agora, de regular as atividades sociais, em vista da realização dos objetivos e finalidades visados pelo Direito em determinado momento de sua história. Nesse sentido, Holmes (1897, p. 470) sustenta que: O desenvolvimento do nosso direito tem acontecido por quase mil anos, como o desenvolvimento de uma planta, cada geração tomando o próximo passo inevitavelmete, mente, como a matéria, simplesmente obedecendo a uma lei de crescimento espontâneo. É perfeitamente natural e correto que isso deveria ter sido assim. [...] No que diz respeito ao Direito, é verdade, sem dúvida, que um evolucionista hesitará em afirmar a validade universal para seus ideais sociais, ou para os princípios que ele pensa que deveriam ser incorporados à legislação. O evolucionista fica contente se puder provar que seus princípios e ideais sociais são os melhores para aqui e agora. Ele pode estar pronto para admitir que ele não sabe nada sobre o melhor absoluto no cosmos, e mesmo que ele sabe quase nada sobre um melhor permanente para os homens. Ainda assim, é verdade que um corpo de leis é mais racional e mais civilizado quando qualquer regra é articulada e definitivamente referida a um fim a que ela serve, e quando os fundamentos para desejar esse fim são asseverados ou estão prontos para serem asseverados em palavras^17.

A partir do realce das ideias de evolução, experiência e instrumentalidade do Direito, pode-se afirmar que o Direito regula os comportamentos humanos, de modo a orientá-los, no contexto em que se desenvolve a vida humana, para a realização de algumas finalidades sociais, que, em determinado momento, são entendidas como melhor atendidas através de uma regulação determinada da vida humana. Isso significa que, a partir do horizonte de significação fornecido pela máxima pragmática, a teoria da predição pode ser entendida como a exigência de que o significado

(^17) Citação no original: “The development of our law has gone on for nearly a thousand years, like the development of a plant, each generation taking the inevitable next step, mind, like matter, simply obeying a law of spontaneous growth. It is perfectly natural and right that it should have been so. […] In regard to the law, it is true, no doubt, that an evolutionist will hesitate to affirm universal validity for his social ideals, or for the principles which he thinks should be embodied in legislation. He is content if he can prove them best for here and now. He may be ready to admit that he knows nothing about an absolute best in the cosmos, and even that he knows next to nothing about a permanent best for men. Still it is true that a body of law is more rational and more civilized when every rule it contains is referred articulately and definitely to an end which it subserves, and when the grounds for desiring that end are stated or are ready to be stated in words”.

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pelo trabalho legislativo e judicial, para a orientação da luta da humanidade para a resolução de seus problemas vitais. Nesse sentido, Susan Haack (2007, p. 13) parece encampar a proposta interpretativa da teoria preditiva do Direito, que é postulada e defendida neste artigo científico, nos seguintes termos: “O desenvolvimento do nosso direito tem acontecido por quase mil anos”, escreveu Holmes, “como o desenvolvimento de uma planta, cada geração tomando o inevitável próximo passo, ... simplesmente obedecendo a uma lei de crescimento espontâneo”. Os velhos pragmatistas foram dentre os primeiros filósofos a levar a sério o trabalho de Darwin; e Holmes não fora exceção. Certamente, sistemas jurídicos não são organismos biológicos ou espécies, mas fenômenos culturais. E talvez, quando Holmes fala da evolução de nosso sistema jurídico, isso nada mais é do que uma metáfora, uma forma pitoresca de dizer que o direito constantemente se altera e se adapta, respondendo “espontaneamente” a circunstâncias em mudança constante. Mas também é possível construir a ideia de evolução dos sistemas jurídicos de uma maneira mais robusta, como parte de um entendimento acerca da evolução do fenômeno cultural em geral. É característico dos seres humanos fabricar ferramentas para fazer coisas que querem fazer, legar novas formas de fazer as coisas, criar instituições sociais, papéis e regras e transmitir tudo isso aos demais; e tais práticas culturais, embora formadas em parte por nossa dotação genética humana, são também formadas em parte pelo processo de seleção natural que opera sobre os fenômenos culturais em si (e pode, por seu turno, afetar quais traços genéticos são passados adiante).

Ora, a partir deste ponto de vista, a teoria da predição pode ser entendida como a tentativa de antecipação, no presente, das consequências práticas que concebivelmente advirão do seguimento de uma normatividade, cuja finalidade é orientar as diferentes atividades sociais, para a realização das finalidades a que serve o Direito. No processo de desenvolvimento do Direito, o passado e o presente devem ser vistos como o repositório das experiências sociais compartilhadas, que formam um horizonte contextual a partir do qual se pode mobilizar as cognições disponíveis na tentativa de encontrar uma solução para os problemas enfrentados, no presente, pelas pessoas em suas vidas cotidianas. As práticas sociais, e as normatividades implícitas nestas práticas, devem ser mantidas no presente, enquanto se mostrarem apropriadas para a produção das consequências desejáveis no futuro. Contudo, no momento em que se verifica que as práticas sociais (e suas normatividades) produzem consequências

Matheus de Mendonça Gonçalves Leite indesejáveis, deve-se afastar as normatividades tradicionais e produzir uma nova normatividade apropriada à produção das consequências práticas desejáveis. A apresentação de um exemplo se mostra recomendável para o esclarecimento de toda a complexidade da teoria da predição de Holmes. No filme intitulado “O Despertar de uma Paixão” (The Painted Veil), lançado no dia 22 de junho de 2007, desenvolve-se a trama de um relacionamento amoroso surgido, na década de 1920, entre um bacteriologista britânico de classe média, de nome Walter Fane (interpretado por Edward Norton), e uma mulher da aristocracia inglesa de nome Kitty (interpretada por Naomi Watts), ambos residindo na cidade de Xangai, China. Apesar de não amá-lo, a personagem Kitty aceita se casar com Walter, mas, logo após o casamento, ela inicia um relacionamento extraconjugal com Charlie Townsend, que é funcionário de carreira da diplomacia britânica na China. Quando descobre a infidelidade, Walter aceita o emprego de médico, numa província localizada no interior da China, que estava sendo assolada por uma epidemia de cólera, obrigando sua esposa a ir com ele, sob a ameaça de acusá-la de adultério. No exercício de sua profissão, Walter descobre que a causa da propagação da epidemia de cólera, que estava ocasionando a mortandade de inúmeras pessoas da província, era a contaminação da água do rio, em virtude das atividades sociais realizadas no curso d’água, especialmente o despejo dos cadáveres nas cerimônias fúnebres realizadas pela população. A cerimônia fúnebre se baseava na crença popular de que o descanso dos parentes mortos somente poderia ser obtido por meio da libertação de sua alma nas águas do rio sagrado. O bacteriologista Walter convence os poderes instituídos a proibirem a população de fazer uso do rio, gerando revolta nos moradores do lugarejo. Após a interdição da utilização do rio, o bacteriologista desenvolve um mecanismo de canalização de água limpa (não contaminada), que era captada num curso d’água não contaminado, por meio de um canal artesanal feito por bambus, para a distribuição na população. Neste exemplo, a finalidade da norma editada pelo bacteriologista era, justamente, conter a propagação da epidemia de cólera, com base na premissa de que o uso do rio contaminado era a principal causa da propagação da doença. A validade da normatividade