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Guias e Dicas
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Introdução à Análise do Gênero Fantástico: Teoria e Características, Notas de estudo de Literatura

Uma divisão do trabalho em duas partes. A primeira parte introduz o leitor na teoria do fantástico, baseada na obra de tzvetan todorov e félix furtado. A segunda parte orienta a pesquisa para o desenvolvimento de temas relacionados à análise do livro 'fantástico, estranho e maravilhoso na literatura'. O texto discute as características do fantástico, sua relação com outros gêneros, como o estranho e o maravilhoso, e as condições necessárias para a construção de uma narrativa fantástica.

O que você vai aprender

  • Qual é a teoria de Tzvetan Todorov sobre o gênero fantástico?
  • Como o fantástico se diferencia do estranho e do maravilhoso?
  • Qual é a importância da análise do gênero fantástico na literatura?
  • Quais são as condições necessárias para a construção de uma narrativa fantástica?
  • Quais são as características do gênero fantástico?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Homer_JS 🇧🇷

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Não perca as partes importantes!

bg1
A
Rainha
do
Ignoto:
Um
Romance
fantástico?
Gore/li
Moreiru
'
INTRODUÇÃO
Escrever sobre o fantástico náo é trabalho fácil. A indefinição conceituai
entre
os teóricos mais abalizados não desapareceu
ainda
por
completo,
o
que
não
permite
oferecer
qualquer
resposta definitiva à apreciação
de
um
texto.
Esta pesquisa se
originou
da divergência de
opiniões
entre
os críticos
Abclardo
Montenegro
c
Otacílio
Colares sobre o
romance
A
rainha
do
igno-
to, de Emília
hcitas.
Procurou-se dividir o trabalho
cm
duas partes: a
primeira
visa a intro-
duzir
o leitor na teoria
do
fantástico,
tendo
como
base os escritos
de
Tzvctan
Todorov
c Fclipc
Furtado;
a segunda
orienta
a pesquisa para o desenvolvimen-
to
dos
seguintes
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ens:
a)
introdução
aos
fundamentos
da análise
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rainha
do
ignoto:
b) breve referência à biografia
da
aurora;
c)
confronto
do
pensamento
de Abclardo
Mont
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c Otacílio Colares
dentro
da teoria
do
fantástico; c d) breve apreciação sobre a repercussão da
obra
no
conte
xto
de
sua publicação.
Quanto
à co nclusão, náo
se
pretendeu
dar
a palavra final, mas sugerir
outra
alternativa
de
percepção
do
texto.
FANTÁSTICO,
ESTRANIIO
E
MARAVILIIOSO
NA
LITERATURA
Nas últimas décadas,
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interesse maior tem sido
despertado
pelos
teóricos
da
literatura sobre o
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ainda
muita
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entanto
ocorrem
confusões
com
referência aos gêneros viz
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c o maravilhoso. Essas imprecisões devem-se ao faro
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o fantástico
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literatura
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sobrenfltural,
ou
seja,
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"histórias
de
fantasmas", ligad
as
ao fantástico;
as
"narrativas maravilhosas"
que
se
referem ao gênero maravilhoso, c
as
"narrati-
vas
de
mistério" ,
do
gênero
estranho
que, segundo
M.R.
James
apud
furtado
(1980,
p.S-9),
englobam,
portanto,
os tr
ês
gêneros.
J Mesrre cm l.ctras/UFC: c
Membro
da
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TRE/C:E.
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Baixe Introdução à Análise do Gênero Fantástico: Teoria e Características e outras Notas de estudo em PDF para Literatura, somente na Docsity!

A Rainha do Ignoto:

Um Romance fantástico?

Gore/li Moreiru '

INTRODUÇÃO

Escrever sobre o fantástico náo é trabalho fácil. A indefinição conceituai entre os teóricos mais abalizados não desapareceu ainda por completo, o que não permite oferecer qualquer resposta definitiva à apreciação de um texto. Esta pesquisa se originou da divergência de opiniões entre os críticos Abclardo Montenegro c Otacílio Colares sobre o romance A rainha do igno- to, de Emília hcitas. Procurou-se dividir o trabalho cm duas partes: a primeira visa a intro- duzir o leitor na teoria do fantástico, tendo como base os esc ritos de Tzvctan Todorov c Fclipc Furtado; a segunda orienta a pesquisa para o desenvolvimen- to dos seguintes it ens: a) introdução aos fundamentos da análise do li vro A

rainha do ignoto: b) breve referência à biografia da aurora; c) confronto do

pensamento de Abclardo Mont eneg ro c Otacílio Colares dentro da teori a do fantástico; c d) breve apreciação sobre a repercussão da obra no conte xto de sua publica ção.

Quanto à co nclusão, náo se pretendeu dar a palavra final, mas suge rir

outra alternativa de percepção do texto.

FANTÁSTICO, ESTRANIIO E MARAVILIIOSO NA LITERATURA

Nas últimas décadas, um interesse maior tem sido despertado pelos teóricos da literatura sobre o es tudo do gênero fanGÍ stico. I lá ainda muita indefinição, no entanto ocorrem confusões com referência aos gêneros viz i- nhos: o esuanho c o maravilhoso. Essas imprecisões devem-se ao faro de que t anto o fantástico como seus adjace nt es trabalham com a cha mada literatura do sobrenfltural, ou seja, as "histórias de fantasmas", ligad as ao fantástico; as "narrativas maravilhosas" que se referem ao gênero maravilhoso, c as "narrati- vas de mistério" , do gênero estranho que, segundo M.R. James apud furtado (1980, p.S-9), englobam, portanto, os tr ês gêneros.

J Mesrre cm l.ctras/UFC: c Membro da Eq uipe de Rcdaçáo c Rcvis;io do TRE/C:E.

A primeira característica do fantástico (do latim phanta sticu, do grego

phantastokós, ambos originados de phantasia) é a ruptura do ambiente fa miliar,

cotidi a no, pelo surgimento do sobrenatural. Isso quer dizer que o fantástico almeja e ncenar a coexistênci a de dois mundos irredutíveis, não substituindo totalmente o universo real por um mundo absolutamente m aravilhoso, mas trazer ao mundo racional o el em e nto sobrenatural, como afi rma Louis Vax

a pud Furtado (1980 , p.20): " Não é outro universo que se ergu e face ao nosso ;

é o nosso que , paradoxalment e, se metamorfoseia, apodrec e e se torna outro"

.Deve-se, aqui, fa zer um esclarecimento do que seja o elemento sobrenatural, visto que não se trata de tem a exclusivo do fantástico, m as , como já foi eirado, é utili za do com freqüência por outros gêneros, especialme nte o es tranho e o mar av ilhoso. Os temas do so br enatural, segundo Felipe Furtado (1980, p.20),

traduzem uma fenomenolo gia meta-empírica, isto é,

está para além do que é verificável ou cognoscívcl a partir da ex- periência, tanto por intermédio dos sentidos ou d as potencialida- des cognitivas da mente humana, como atr avés de quaisquer apa- relhos que auxiliem , de sen volvem ou supram essas faculdades. Co rno a literatura do sobrenatural abrange outro s gêneros além do fan- tás ti co, há de se concluir qu e alguns temas, mesmo traze ndo cm si a violação ou subve rsão das lei s da matéria ou da relação da causalidade existente entre

os fen ô menos, não são a dequ ados às características do fantástico e, portanto,

se excluem do gênero. Ne sse sentido, importa diferenci ar o que é adequado

ou não à construção desse gê nero. Fclipc Furtado di v id e o so brcnamral cm dois tipos: o po sitivo (ligado ao co ncc iw do Bem) c o nega ti vo (li gado ao conceito do M al). Essa oposição maniqueísta é necessária, seg undo o autor, para que se compr ee nda o tipo de fenomen o logia mera-empíri ca qu e convém ao fantástico. Pa ra o autor, é o so br enatural negativo que mais se apropria à cons- tru ção da narrativa fantá s ti ca, porqu e "só através dele se realiza inteirament e o mundo alucinante cuja co nfront ação com um sistema de natur eza d e a parên- cia normal a narrativa do gênero tem de encenar" (HJRTADO, 1980, p.22) Com esse pensamento concordam, também, Maurice Lévy, Loius Vax e Monraguc Summcrs. No fantástico como no estranho, é predominante o uso do sobrena- tural negativo. Além disso , o insólito é sempre irreversível e de conseqüências nefas tas, tr aze ndo para o de s fe cho da obra um final trágico.

carátcr e origem alheias às leis naturais dos fatos ou personagens ocorrem até

cerra altura do texto. No final, as suposições são desfeitas, um amplo es clare-

cimento arrasta a narrativa para o mundo familiar do cotidiano. Os contos de

Edgar Allan Poe são exemplos satisfatórios desse gênero.

No fantástico, a ambigüidade resultante da presença simultânea de dois

fenômenos de carátcr antinómico, refletindo mundos exclusivos, não pode ser

desfe ita; d eve perdurar até o final da narrativa. A essência do fantástico está

cm expressar o sobrenatural com espontaneidade e de sustentar uma constan-

te c nunca re solvida oposição de le contra o mundo natural em que surge. A in-

definição não pode ter fim. Ao terminar o texto, o leitor deve ainda continuar

com a dúvid a. Palavras de f<clipe Furtado ( 1980, p.IÍO): "é, portanto, a criação

e, sobretudo, a permanência da ambigüidade ao longo da narrativa que prin-

cipalmente di s tingue o fantástico dos dois gêneros que lhe são contíguos".

Todorov (1992, p.31) assegura que o fantástico se faz na incerteza.

Qualquer explicação redunda em um dos gêneros vizinhos (estranho/mara-

vilhoso). Mas, o que caracteriza, de faro, o gênero é a hesitação de um "s er

que só conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente

sobrcnatu ral ".

Todorov relacionou outras condições para o estabelecimento do fantás-

tico na narrativa. Além da hesitação do leitor entre uma explicação racional

ou sobrcnamral, uma personagem pode ou deve igua lmente experimentar o

mesmo sentimento (o leitor se identifica com a personagem, e a hesitação

torna-se um tema da obra). Outra condição: o leitor deve recusar a interpreta-

ção "alegórica" c a "poética". A primeira, porque se sabe que as palavras podem

ser entendidas em outro sentido e a segunda, porque se trata de seqüências

verbais, restritas apenas ao âmbito das palavras.

Felipe htrtado (1980, p.IÍO-tí 1) discorda de Todorov quanto à caracte-

rização do gênero na sua essência. Aponta a ambigüidade como o ponto chave

d a questão e alerta: " ...a hesitação do destinatário intratextual da narrativa não

passa de um mero reflexo dele, co nstituindo apenas mais uma das formas de

comunicar ao leitor a irrcsolução face aos acontecimentos e figuras evocados".

Enquanto Felipe furtado defende a perman ência da ambigüidade até o

final da hi stór ia (para a realização do fant ás tico), Louis Vax ta mbém entende a

ind ecisão como fator indispensável para a criação da ane fant ás tica id ea l. To-

doro v (1992 , p.47) insiste que o fantástico "dura apenas o tempo de uma he-

sitação: h es itação comum ao leitor e à personagem". Afirma que, no desfecho

da história, o leitor (ou a personagem) sempre toma uma decisão, optando por

uma explicação, eliminando o fantástico. Assim,

Se ele decide que as leis da realidade permanecem intact as c pe rmitem explicar os fenômenos descritos, dizemos qu e a obra se liga a um outro gênero: o estranho. Se, ao contrário, decide que devem admitir novas leis da natureza, pelas quais o fenô- meno pode ser explicado, entramos no gênero do maravilhoso (1992, p.48).

Nesse sentido, o fantástico é um gênero situado entre o estranho e o maravilhoso, nunca autónomo c sempre evanescente. Mas Todorov não encerra seu estudo com essas notas. Além dos gêne- ros citados (que ele batizou de estranho-puro c maravilhoso-puro), assegura ainda a existência dos subgêncros que são: fantástico-estanho e fantástico- maravilhoso. O fantástico-puro estaria no centro desses quatro tipos. O fantástico-estranho é a narrativa que, apesar de receber no final uma explicação racional, leva o leitor, pelo máximo tempo possível, a crer na inter- ferência do sobrenatural. Nesse caso, as obras têm caráter insólito. O estranho-puro relata acontecimentos que são explicados pelas leis da razão, mas são incríveis, extraordinários, chocantes, singulares e inquietantes. Já no fantástico-maravilhoso , as narrativas se apresentam como fantás- ticas c terminam com uma aceitação do sobrcnaLUral. O maravilhoso-puro se subdivide cm vários tipos:

  • Maravilhoso hiperbólico : os fenômenos são sobrenaturais pela di- mensão exagerada;
  • Maravilhoso exótico: acontecimentos sobrenaturais são narrados como se fossem normais (exemplo: fatos extraordinários de um lugar que o leitor desconhece e, portanto, não rem como duvidar);
  • Maravilhoso instrumental: narrativas que incluem instrum e ntos inexistentes (na época descrita), mas que, posteriormente, se tornam perfeitamente viáveis, como aperfeiçoamento técnico. Exemplos: ta- pete voador, maçá que cura, tubo de longa visão, traduzidos como helicóptero, antibiótico e binóculo;
  • Maravilhoso científico: o sobrenatural é explicado racionalmente, mas segundo leis não aceitas pela ciência. Exemplo : o hipnotismo. A vcrossimilhança nos gêneros eirados é tratada de maneira diferente. No maravilhoso, há um descompromisso com a realidade como é de faro e, por maior o esforço que o escritor faça para tentar evidenciar vcrossimilhan-

cultura, exccto pelo "pouco de descrição dos costumes baixo-jaguaribanos"; o

segundo reivindica para a autora do livro um lugar junto aos grandes nomes

da literatura do sobrenatural mundial, tais como: Horace Walpole, Gogol,

E.TA. I-Ioffman, E. A. Poe, N erval, Jean Cocteau, L. Lugones, H. Queiroga,

Borges c Conázar.

Está posta a questão. Quem estará com a ra zã o?

O ROMANCE E A AUTORA

Trata-se do livro A rainha do ignoto (que tem como subtÍtulo "roman-

ce psicológico"), da ccarense Emília h·eitas, que foi publicado cm 1899.

A autora, segundo o Barão de Studarr (1980, p. 242-2'Í3), nasceu na

cidade de Aracati a 15.01.1855, estudou em Fortaleza, na Esco la Normal, e

foi professo ra do Instituto Benjamin Constam em Manaus. Escreveu tam-

bém Canções do lar, livro de poesias e O renegado, romance. Dessas produ-

ções, porém, hoje não se rem notícia c existem dúvidas quanto à publicação

da última.

O PONTO DE PARTIDA

A preocupação de Otacílio Colares, na apresentação crítica que faz à

segunda edição do livro A rainha do ignoto, cujo trabalho organizou e atua-

li zo u ortograficamente, partiu de uma consideração: por que o romance não

teve repercus sã o? Ele aponta dois fatores que considera determinant es para

justificar o esquecimento do li vro: o rom ance rem uma base regional, mas en-

tra pelos domínios do fantástico; apesar do teor regionalista, não se restringe

apenas ao modelo ecológico e, por vezes, político em voga na época.

O QUE I lÁ DE FANTÁSTICO

Para Otacílio Colares (1977, p.16), Emília Freiras foi tocada "pela

centelha da genialidade" e o seu grande mérito no livro A rainha do ignoto

foi conseguir

acomo dar o fantástico dentro de um plano de rcgionalidadc, o que fàz de parte do romance, de quatro c meia centena de pági- nas, uma série de vindas c fugas do ima gi nário para o ponderável, do palpável, para o vcrossímil (1977, p.l9).

Para afirmar que o romance é fantástico, ele se fundamenta basicamen- te em dois argumentos: a irrupção do insólito num ambiente familiar, cotidia- no, cm que se observa: o romance de Emília Freitas começa (I 0 capítulo) com uma simplicidade c uma despretensão vizinhas do rrivial, mas, logo adiante, o leitor é surpreendido com a presença do fantástico (1977, p.19)

e a hesitação de uma personagem céptica diante dos acontecimentos extraordinários: Em ccrros passos de maior força encantatória, mesmo como lei- tores cautos c frios, sentimo-nos iguais ao personagem Dr. Ed- mundo, entre crentes c descrentes diante dessa ou daquela situ- ação ... Sim, porque, inteligentemente, em cada passo da estória cm que o fantástico ocorre, está sempre presente, ora céptico, ora levado a crer no inacreditável, o personagem Edmundo, douror cm leis pelo Recife, cevado no cientificismo positivista (1980, p.l5-16).

Não contente em eleger a romancista à categoria da genialidade, junto

aos grandes escritores do mundo, Ütacílio Colares (1977, p. 28) vai além,

considerando-a pioneira do gênero fantástico no Brasil. Assim, sobre Fmília freiras ele assegura: "a sua estória que, a nosso ver pode ser apontada como a primeira do gênero eminentemente fantástico, em nossa literatura". Nesse

ponto, é necessário fazer um aparte, lembrando o lúcido ensaio de Rolando

Morei Pinto ( 1977, p. 79-85) "Um conto de Oliveira Paiva" cm que, ao ana-

lisar o conto "O ar do vento, Ave-Maria", reputado como um dos melhores

escrito pelo autor, demonstra, com segura fundamentação, que pertence ao

gênero fantástico. Esse conto foi publicado na revista literária A quinzena no

ano de 1887, o que, portanto, precede à publicação de A rainha do ignoto e

desfaz a pretensa reivindicação do crítico em favor de Emília heitas como a pioneira do fantástico no Brasil. Pergunta-se: será que os argumentos arrolados são suficiemes para ale-

gar que a obra é famástica? Será que a obra é realmente fantástica?

Com efeito, tanto o insólito que irrompe no ambiente familiar quanto

a presença de personagem cético 2 , que é o caso de Dr. Edmundo, são caracre-

2 Felipe Furtado chamou de recurso à autoridade os processos urilizados nos textos fantásticos para aumentar a plausibilidade do inverossímil. Entre esses recursos está o das personagms respeitáveis que inclui aquelas personagens geralmente incrédulas cm acontecimentos extra- ordinários c que só se fiam cm Íatos cicnrificamcnrc comprovados.

O diário da funesta c julgou rcr encontrado a história real da vida daquela mulher extraordinária que se chamava funesta. Mas como, se a sua história era tão ignota como seu próprio reino' Alguém poderia ter dela um fragmento, um fato isolado; tudo era impossível ( 1980, p. 317).

Com efeito, as elucidações sobre a vida dessa mulher aparecem no livro

apenas cm fragmentos, como é possível encontrar o exemplo de quando ela

fala um pouco de sua família, mas para afirmar que a teve no passado c, na- quele momento, é um ser só: "Família adorada, que me foi arrebatada, às procelas, pela morte, pelas distâncias, e até pelos sentimentos ... " (1980, p.207). Outro fragmento da vida da personagem está no capítulo "Um episó- dio da vida da Rainha do Ignoto", na página 305, onde ela revela um pouco de sua adolescência c um amor que não foi possível de se realizar. Um outro capítulo que trata da família e traz esclarecimentos sobre a

personagem é "O amor da família era seu culto", página 348, mas, cm ne-

nhum desses, ocorre uma total explicação; no penúltimo capítulo "A morte da rainha do ignoto", o mistério permanece:

Mas nenhuma das Paladinas do Nevoeiro pronunciou o verda- deiro nome da Rainha do Ignoto; elas só conheciam os benefí- cios que com ela haviam praticado. A história de sua vida era semelhante às hipóteses feitas sobre os habitantes de outro pla- neta. O que se disse dela foram meras conjecturas fundadas cm observações longínquas, cm falsas aparências ( 1980, p. 356). Entretanto, reconhecer mais essa característica do fan l<Ístico na obra

não é ainda suficiente para determinar a sua classificação no gênero. Além

do que, existem outras evidências que inclinarão mais o texto no sentido de ourro gênero. O ceticismo do Dr. Edmundo, já afirmado por Otacílio Colares ( 1977, P 31 ), provém da hesitação, da dúvida ante acontecimentos extraordinários. Nesse sentido, o crítico acertadamente invoca Todorov para cmbasar seu pen- samento. Note-se que, em várias passagens, percebe-se a hesitação:

foi naquela hora que ele considerou no passo que tinha dado' Se aquela gente fizesse pane de uma quadrilha de salteadores, o que seria de si ) ...Caminhava nas trevas, sem saber para onde ia ...

III

Ele já não sabia se es tava aco rd ado; julgava-se cm um pesade lo. (FREITAS, 1980, p. 147, 148 c 149).

Mas o que o crítico deixou escapar foi exa tamente a cons e qüência da dúvida a nte o extraordinário que é o medo. Para Lovecraf apud Furtado (1980, p.8'Í), o medo mais forte e o mais antigo do homem é o medo do desconhecido , e o teste que avalia a presen ça do verdadeiro sobrenatural num texto é a capacidade de provocar ou não no leitor uma profunda sensação de medo. Ora, não estaria o texto tentando produzir no leitor a sensação de medo

(do desconhecido) através da personagem Dr. Edmundo? É justamente no

mom e nto en1 que a person agem penetra no "mundo estranho", até então des- conhecido para o leitor , que o me do impera. Atente -se para a narrativa: "O

Dr. Edmundo tornou a sentir o mal-estar, o pavor do de sc onhecido que h av ia

experimentado na travessia do caminho subterrâneo; mas era arrastado por

um m ag netismo que julgava fatal" (fREITAS, 1980, p.151 ).

Fclipe Furtado (1980, p.l O) condena essa tentativa de definir o fantás-

tico pela reaçáo d e medo que o texto possa provocar no leitor. Concorda-se com ele c considera-se que , mesmo somado esse moti vo aos já relacionado s, não é possível qualificar o romance de fantástico. Vale ressalta r, também, uma última observação que pode confundir um leitor incauto c le vá- lo a declarar apressadamente que o texto remete ao fan- tástico. Trata-se do enfoque realista qu e é acentuado em a lgumas d esc rições. Esse motivo está associado ao primeiro alegado por Otacílio Colar es,

que é o insólito s urgindo no cotidiano, mas o que se de staca é a preocupaç ão

insistent e da aurora em expressar, de modo extremamente realista, o fato ex- traordin ár io. N ão há clima onírico como as narrativ as de Murilo Rubi ão, o realismo se sobre ssa i de faro.

Em vári as passagens, constata-se a manifestação d esse acento realist a. A

descri ção do tr aje usado pela l;unest a, que, no dizer de Oracílio Colares ( 19 77,

p.31), está no "rigor da moda", no capítulo "É poetisa! Exclamou maravilha-

do", é exemplo da tentativa de destacar o possível que se junta ao impossível. Em outra ocasião, para conv e ncer o leitor de qu e o palácio do ignoto

é real, a aurora faz o Dr. Edmundo exclamar: "- Não é mentira , nem conto

de fada ... ali está a escadaria e o pátio, tudo de mármore! A balaustrada d as

A partir desse capítulo, em cada episódio que narra as aventuras do

exército feminino em ação, consolida-se o propósito das Paladinas no princí-

pio da caridade. Pode-se, portanto, com base nesse elemento, deduzir que a

obra tende mais para o maravilhoso do que para o fantástico.

Entende-se, também, que Otacílio Colares, ao reivindicar a inserção

do romance no fantástico, o faz no equívoco de confundir esse gênero com

seu vizinho, o maravilhoso. Comprove-se nas suas próprias afirmações. Nas

páginas 9 e 1O do, já citadas, prefácio ao livro A rainha do ignoto, ele usa o

termo "fantástico" para referir-se ao livro e, mais adiante, na página 13, co-

menta: "Num como noutro passo ... há o que poderíamos chamar de delírio

imaginativo, a fuga do regional para o maravilhoso" (grifo nosso).

Na página 28 do Lembrados e esquecidos III, fica deflnitivamente cla-

ro que Otacílio Colares não distinguia o fantástico do maravilhoso, sendo

esse o motivo pelo qual qualificou A rainha do ignoto de texto fantástico.

Note-se:

... a idéia que ocorreu à aurora de A rainha do ignoto ... a nosso ver, pode ser apontada como a primeira do gênero eminente- mente fantástico, cm nossa literatura, visto tratar-se de um en- trecho de ficção longo, cm que a lenda praticamente não existe, a não ser como ponto de partida para roda uma série de situações que afastam o enredo do campo do terror para situá-lo, ousada mas equilibrada e seguramente, no campo do maravilhoso, ou seja, do fantástico (COLARES, 1977, p. 28).

Essa confusão, no entanto, não ocorre à toa. Há entre os próprios teó-

ricos certa indefinição que pode gerar enganos como esse, se o estudioso não

for extremamente atento, como se observa

Estamos no fantástico-maravilhoso, ou em outros termos, na classe das narrativas que se apresentam como fantásticas c que terminam por uma aceitação do sobrenatural. Estas são as nar- rativas mais próximas do fantástico puro, pois este, pelo próprio faro de permanecer sem explicação, não-racionalizado, sugere- nos realmente a existência do sobrenatural. O limite entre os dois será então incerto; entretanto, a presença ou a ausência de certos detalhes permitirá sempre decidir (grifo nosso) (TODO- ROY, 1992, p.58)

E a esses "certos detalhes" que compõem as narrativas e, muitas ve-

zes, definem suas adequações nesse ou naquele gênero que um crítico deve

atentar minuciosamente para não incorrer no risco de publicar afirmações

precipitadas.

t o segundo fator que fundamenta essa argumentação contra a inclu-

são do romance no gênero fantástico, que, com maior propriedade, determina

a classificação do texto em outro gênero.

Efetivamente, sabe-se que, para uma narrativa ser fantástica, o mistério

do sobrenatural que produz a ambigüidade deve permanecer até o final da

história. Se isso não ocorre, ou seja, se a cena altura, se sucede uma explicação

racional, lógica, ou se o sobrenatural é naturalmente aceito, o texto deixa de

ser fantástico e enquadra-se no estranho ou no gênero maravilhoso.

No livro A rainha do ignoto, aproximadamente na metade da narração,

deparamos com explicações que elucidam o leitor em que se fundamenta a co-

munidade da Ilha do Nevoeiro, bem como o mistério do poder que sustenta

as Paladinas do Ignoto disfarçadamente protegidas perante olhos estranhos.

Ora , os esclarecimentos que desfazem o enigma do ignoto ocorrem

por duas vias: 1) o hipnotismo; e 2) o espiritismo. É a própria Emília Freitas

(1980, p.5) quem declara no seu livro: " ... estamos na época do espiritismo e

d as sugestões hipnóticas, nas quais fundamentei meu romance ".

Com efeito, é através do hipnotismo que acontecem vários fenômenos

inexplicáveis ao olhar natural. Assim, a capacidade de manter a Ilha do Nevo-

eiro às ocultas, de facilitar o trânsito das Paladinas disfarçadas, em situações

com probabilidade de flagrante quanto ao segredo da existência do exército

feminino e dos navios (Tufão, Grandolim e Neblina) e de propiciar a penetra-

ção delas em ambientes proibidos, deve-se à força do hipnotismo. Observem-

se as transposições do romance em que se comprova, respectivamente, cada

uma dessas circunstâncias.

  • Nem o senhor nem ninguém, sem a precisa exp licação, poderia

acreditar que existisse uma ilha nas condições desta, tão próxima

da costa, e que nunca navegante algum de nação alguma da terra

desse notícia dela. Pois bem, é o hipnotismo que lhes fecha os

olhos para tudo, mas não os abre para ver um denso nevoeiro:

montões de vapores convertidos em tromba, muitas vezes carre-

gadas de raio s! Já tem havido tripulações de navios que, com re-

ceio de ir em ao fundo, têm querido romper a tromba imaginária

a tiros de peças; mas contentam-se com evitá-las e passar ao largo

(FREITAS, 1980, p. 177)

O espiritismo, que é uma doutrina religiosa fundada na crença da exis-

tência de comunicação, por intermédio da mediunidade, entre vivos e mortos,

é a segunda via para a elucidação do mistério do ignoto.

Constata-se, no livro, em declaração pela boca da personagem Sr. Pro-

bo, que a rainha é espírita:

Para não faltar-lhe mais nada do que sublevar é cspírita! ... Oihc, aqui na ilha não há templo católico nem de religião alguma, há somente sessões espíritas, na biblioteca, onde ela possui todas as obras de Alan Kardcc, de Flammarion e outros malucos como ela (1980, p.l66).

O que ocorre na página 180 nada mais é do que uma autêntica

sessão espírita:

-Odete é um bom medium; tragam-ma, quero invocar o espírito do abade Saint-Pierre para consultar sobre um me io que desejo opor à guerra.

Ela fez a invocação, e ouviu-se um rumor semelhante a uma ra- jada de ventos; os jornais c os papéis que estavam sobre as mesas voaram. Odete, com um impulso frenético na mão, corria o lápis sobre o papel com celeridade.

Ela terminou sem saber o que tinha escrito, entregou à rainha do ignoto c ela leu alto : " -o abade de Saint-Pierre não pode se manifestar porque não é Odete ... " (FREI1AS , 1980)

Com base nessas observações e refletindo-se com Felipe Furtado (1980,

p.25), conforme já teorizado, o extranatural do romance recai no sobrenatu-

ral religioso positivo que, no dizer do estudioso," ... remeterá, quando muito,

para o gênero maravilhoso". Louis Vax apud Furtado (1980, p.25) também

atesta que a prática do bem não combina com seres fantásticos: "Deus, a

Virgem, os santos e os anjos, assim como os gênios bons e as fadas benfazejas,

não são seres fantásticos".

Segundo o pensamento de Todorov, as narrativas que se iniciam com

características do fantástico (a hesitação, a incerteza) e, a cena altura, se con-

formam à aceitação do sobrenatural (ou seja, se apropriam a uma explicação

não-racional, não-científica) pertencem ao subgênero fantástico-maravilhoso.

Portanto A rainha do ignoto pode ser enquadrada nesse subgênero, mas ja-

mais no fantástico propriamente dito.

PORQUE O ROMANCE NÃO TEVE REPERCUSSÃO

O segundo faror que Otacílio Colares anotou para justificar o esqueci-

mento do livro A rainha do ignoto foi a não-adequação dele ao modismo da

época, ou seja, o romance, apesar de conter descrições dos costumes cearenses,

não está efetivamente inserido no tipo regionalista.

Na verdade, a crítica não se manifestou com veemência a favor da obra

porque, ao invés de um avanço nas letras, ela procedeu a um retrocesso, isto

é, a uma volta ao ultra-romantismo piegas. Nesse sentido, concorda-se com

o dizer de Abelardo Montenegro (1953, p.77) que "o romantismo atinge as

raias do delirante".

O próprio Otacílio Colares (1980, p. 9 e 328) também observou que

o romance contém uma "tessirura romântica" e, a certa alrura, reconhece a

manifestação do ultra-romantismo, como se lê: "Todo este capítulo é de clima

e teor eminentemente ultra-romântico, deslocado no tempo e injustificável

ao gostO realista-naturalista já então dominante". Sem dúvida, essa tendência

vai-se revelando capítulo após capítulo até atingir o auge em narrações de epi-

sódios excessivamente dramáticos. Acredita-se que a utilização dessa forma de

escrita (que condicionou o sentimentalismo exacerbado) foi proposital na ten-

tativa de arrancar lágrimas dos leitores bem ao gosto do ultra-romantismo.

São exemplos de descrições em que o romantismo atinge o ápice

capítulos como: "Os pobres precisam de pão e Deus não precisa de templo

porque tem por altar o universo", na página 321, e "Mais um caso das amar-

guras da vida", na página 325, do qual, para comprovação, destaca-se o se-

guinte trecho:

O dia ia findando como hoje: triste assim. Minha pobre filha semelhava a imagem do desespero. Tinha uma chaga no peito. Entrou cm casa sem dar uma só palavra. Caiu sobre o leito ata- cada por uma febre horrível. Delirou roda a noite, c me cortava o coração ouvi-la dizer : -Henrique, meu bom irmão, já não sei mais onde pairam as tuas

!':. Abelardo Momen eg ro (1 9 53, p.77) quem chega a afirm ar ser A

rainha do ignoto um símbolo ". .. para eliminar todas as injusti ças sofridas

pela mulh er". Já Otacílio Col ares ( 198 0, p.l 4) assegura que "Su as id éias de

evidem e unive rs alidade estavam a c im ~ do convencional e dos preconceitos

do se u te mpo e do seu meio". Almeida Fischer apud Colar es (1979 , p. H)

valori za o utro aspecto da obra, le mbr a nd o que talvez "o mais import a nt e ao

rom an ce de Emília h eitas se ja o aprove itamento, em term os literário s, da

le nd a d as Amazo nas".

D e fa to , a d es crição de cos tum es es tá presente cm inúm er as passage ns

do li vro. t exemplo, o capítulo "A noite de S. João da fazenda do poço do

capim". Já se u posicioname nt o político avançado está delin ea do no cap ítulo

"A ingrat idão, um a víbora entr e fl o res", na página 162.

Ass im , é possível concluir- se que um saldo positi vo res ul to u do con-

fronto e nfocado, de se trazer à lum e as idé ias que fundam e nt aram es te traba-

lho. Trata- se da oportunidad e de se colocarem em evidência publicações que

resgatam um po uco da cultur a c da hi stó ria da terra cearen se.

BIBLIOGRAFIA

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