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Este documento explora as culturas organizacionais de duas livrarias em porto alegre, a livraria martins livreiro e a livraria nova roma, em relação à sociabilidade e construção de laços afetivos entre determinados grupos, proprietários e funcionários. O estudo se concentra na comercialização de livros usados em locais específicos chamados sebos.
Tipologia: Notas de estudo
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Porto Alegre, 2 a 5 de maio de 2006 – PUCRS
Grupo de trabalho 04 – A dimensão cultural da vida empresarial
Dra. Neusa Rolita Cavedon PPGA/EA/UFRGS Mestranda Indira Nahomi Caballero Museu Nacional Resumo Este trabalho tem por objetivo desvelar as culturas organizacionais de dois sebos localizados no centro de Porto Alegre, a Livraria Martins Livreiro (rua Riachuelo) e a Livraria Nova Roma (rua General Câmara), no que concerne à sociabilidade e à construção de laços afetivos entre os integrantes de determinados grupos que freqüentam os dois estabelecimentos, seus proprietários e funcionários. A etnografia que vem sendo desenvolvida, desde março de 2005, mediante o uso das técnicas de observação direta e entrevistas semi-estruturadas, tem mostrado como as relações entre os diferentes freqüentadores e integrantes das livrarias são construídas e de que forma as trocas e as experiências vão sendo estabelecidas entre eles ao longo da rotina diária. As organizações apresentam-se como lugares que possibilitam a construção de relações que vão para além das trocas comerciais configurando-se, muitas vezes, como relações de amizade. Assim, laços de afetividade emergem como elementos mediadores das relações de trabalho entre os diferentes atores inseridos nestes espaços demonstrando formas de hierarquia e obediência mais diluídas.
Introdução Dentre as inúmeras possibilidades de consumo presentes no contexto contemporâneo, nossa opção de estudo recaiu sobre a comercialização de livros usados realizada em locais específicos denominados sebos, expressão freqüentemente atribuída às livrarias que vendem esse tipo de produto. Pesquisando o uso da terminologia sebo, encontramos que a mesma deve-se: 1) à aparência já manuseada, ensebada dos livros (SECCHIN, 2003); 2) ao fato de que no tempo em que não havia energia elétrica as pessoas utilizavam velas feitas de sebo para ler, ajudando a engordurar os livros (SECCHIN, 2003); e, 3) à existência das sebentas, litografias onde os alunos da Universidade de Coimbra copiavam matérias antes do surgimento da reprodução de textos através de fotocópias ou cópia heliográfica (www.traca.com.br).
Assim, desde março até dezembro de 2005, dois sebos têm sido pesquisados: a Livraria Martins Livreiro e a Livraria Nova Roma. No sebo Martins Livreiro, as saídas a campo semanais e o uso das técnicas da observação direta e posterior elaboração dos diários de campo, bem como a realização de cinco entrevistas semi-estruturadas, permitiram a identificação desse local como um espaço de desenvolvimento de sociabilidades predominantemente masculinas. Por seu turno, a Livraria Nova Roma também foi acompanhada semanalmente através da utilização da observação direta e participante, registros no diário de campo e entrevistas revelando uma clientela classificada, enquanto compradora de livros no sebo, por suas necessidades que para além das de ordem econômica, podem ser afetivas, existenciais ou culturais. A seguir faremos a descrição etnográfica de cada um desses espaços de modo a colocar o leitor em contato com as realidades investigadas.
1 A Martins Livreiro 1.1 Contextualizando o campo Esta livraria localiza-se na rua Riachuelo (conhecida também como Rua dos Livros por lá estarem situadas diversas livrarias que trabalham apenas com livros novos ou livrarias que trabalham principalmente com livros usados), n.° 1291, no centro de Porto Alegre. A data de fundação da Livraria Martins Livreiro é 1956^1 (http://www.martinslivreiro.com.br/). O livreiro fundador foi Manoel Martins, que inicialmente havia sido sócio e fundador do sebo mais antigo na cidade, segundo ele, a Livraria Aurora, existente até os dias atuais. Depois de um período não muito longo na condição de sócio da Livraria Aurora, Sr. Martins decidiu abrir sua própria livraria, que desde sua origem, optou pela comercialização de livros usados (MARTINS, 1996). Sr. Martins elegeu uma especialidade para sua livraria ou sebo: história do Rio Grande do Sul, literatura gaúcha e temas adjacentes. Para ele, seu interesse pelo tema foi despertado mediante conversas gestadas no convívio com clientes, amigos e freqüentadores de seu estabelecimento. Disse ter convivido com “intelectuais” da época: Érico Veríssimo, Guilhermino César, Athos Damasceno entre outros, e que na livraria acontecia aquilo que Sérgio Jacaré - autor de livros sobre temas acerca do Rio Grande do Sul - denominava como “comício de espíritos”, ou seja, um encontro onde os participantes trocavam experiências. Conversando com o Sr. Martins, ele contou que ao desenvolver seu interesse sobre os temas relacionados ao Rio Grande do Sul e, ainda, perceber uma procura incessante de títulos
(^1) Entretanto, em Secchin (2003) a data de fundação que aparece é 1952.
masculinidade é elaborada, mas no contraste com outros homens, outros corpos, a partir de parâmetros tidos (e negociados) como masculinos (JARDIM, 2001, p. 202). Portanto, isso explica em parte a predominância de um determinado tipo de homens na Livraria Martins Livreiro e não outros. Os homens amigos geralmente apresentam um padrão físico-corporal que não se diferencia muito entre eles: homens adultos, geralmente senhores, que se vestem com roupas sóbrias: calça jeans tradicional ou calça social e camisa de cores discretas. Entre os clientes pode-se ver de vez em quando o estilo surfista, metal, skatista, hippie. No entanto, não são esses que ocupam o sebo como espaço de encontro e de conversa. Desta forma, a relação entre consumo de livros, sociabilidade e gênero se complexifica na medida em que pensamos o sebo Martins Livreiro também como espaço de sociabilidades, ou, trocas cara a cara e diretas, contatos, relações, encontros, que poderiam ser desenvolvidos entre duas ou mais pessoas (GAYOL, 2000)^4. No entanto, através das observações em campo, percebemos que as sociabilidades se desenvolvem na Martins Livreiro, sobretudo, entre homens. O dia-a-dia da livraria é marcado pela presença de homens que estão interagindo o tempo todo, de diversas formas, tanto com as pessoas que trabalham no estabelecimento como com outros clientes. Em primeiro lugar, é preciso dizer que o consumo de livros - entendido desde a perspectiva das pessoas que trabalham no sebo e não propriamente desde a recepção, ou do ponto de vista dos clientes, o que será realizado mais adiante - aparece como sendo um elemento que possibilita a inscrição de um cliente em uma rede social mais ampla do que aquela constituída pelas pessoas que trabalham na livraria, abrindo possibilidades para a construção de relações mais complexas do que a relação cliente-vendedor, a qual supostamente se esgotaria no ato da venda. O Sr. Ivo diz ter feito muitos amigos em todos esses anos atuando como livreiro^5. Existem também os clientes “VIP” assim denominados por Rogério, os quais podem ser colecionadores, interessados em obras raras e de difícil acesso, o que se traduz em valor elevado. Esses clientes também podem ser amigos, mas não necessariamente. As diferenças de status entre clientes aparecem, em certa medida, relacionadas a padrões e estilos de vida que facilitam ou permitem que tais objetos sejam desejados e consumidos e outros não. O gosto por coisas
(^4) A autora propõe o uso da noção de sociabilidade enfocando a experiência, apontando também para a relevância da dimensão da experiência nos modos e formas de construção das relações sociais (GAYOL, 2000, p. 14). Gayol considera que no processo de interação as pessoas expressam condutas, mas também têm experiências e trocas que agregam algo à suas vidas. 5 O Sr. Martins também fala sobre os amigos: “[...] a grande marca desse negócio, sem dúvida, são as amizades que ele gera. Muitos anos estabelecido na Riachuelo, conquistei uma infinidade de amigos, amigos de fato, não simplesmente colegas” (MARTINS, 1996, p. 33).
antigas e a categoria nostalgia (BAUDRILLARD, 1972) apresentam-se através de alguns objetos e narrativas no sebo Martins Livreiro. O sebo, enquanto espaço que evoca diversos passados, valoriza esses passados e demonstra uma certa mercantilização da própria cultura (LIPOVETSKY, 2004). Contudo, o consumo de livros não deve ser visto a partir de uma perspectiva utilitarista, pois esta não seria suficiente para dar conta das relações entre clientes e pessoas que trabalham na Livraria Martins Livreiro. Fazendo uma crítica à visão eminentemente utilitarista do consumo encontramos Mary Douglas (2004), que afirma que a única função do consumo seria a de fazer sentido, de construir um universo inteligível. A idéia presente em Douglas de que o foco não está nos bens, mas em seus usos, pois eles é que são socais, articulado à significação dos bens como cercas ou pontes nos fornece elementos para pensarmos o consumo dos livros na Livraria Martins Livreiro como algo passível de evocar diversos significados. Entretanto, não tomaremos Douglas (2004) em toda sua proposição por centrar-se na relação de determinados bens com outros bens, o que inviabilizaria a pesquisa empírica neste momento. Portanto, faremos uso das considerações de Baudrillard (1972) para quem a hipótese empirista de que o consumo se justificaria ou estaria atrelado à necessidade e ao valor de uso é falsa. Segundo o autor, uma análise crítica da ideologia do consumo não pode perder de vista: 1) a função social distintiva dos objetos; e, 2) a função política da ideologia a ela ligada, superando a idéia de um estatuto funcional dos objetos e introduzindo na análise a idéia do valor de troca-signo - única hipótese sociológica correta para o autor. A justificativa para tal é que as necessidades e funções descrevem apenas um nível abstrato, o que não contempla uma análise crítica acerca do consumo. Assim, o foco da reflexão deve ser deslocado da teoria das necessidades e sua satisfação para uma teoria da prestação social e da significação (BAUDRILLARD, 1972, p. 12). Para o autor o princípio base para uma teoria sociológica dos objetos seria o valor de troca simbólico^6. É desta forma que podemos relacionar o consumo de livros no sebo Martins Livreiro e seu valor de troca simbólico (BAUDRILLARD, 1972) a significados que este possui, remetendo-nos, através dessa perspectiva, ao caráter simbólico que a aquisição destes objetos revela. Pensar no consumo de livros como pontes conforme Douglas (2004) é pensar sobre o fato de o próprio consumo estar atrelado à construção de uma identidade social (FEATHERSTONE, 1997), à possibilidade de ocupação de um lugar pelo cliente em uma rede
(^6) Baudrillard (1972) se remete ao kula e ao potlatch para explicar o valor de troca simbólico: [...] por detrás de todas as superestruturas da compra, do mercado e da propriedade privada, é sempre o mecanismo da prestação social que se deve ler na escolha, acumulação, manipulação e consumo de objectos mecanismo de distribuição e de prestígio que está na própria base do sistema de valores e de integração na ordem hierárquica da sociedade. (BAUDRILLARD, 1972, p. 12).
participação junto à mesa é mais esporádica, e o próprio imaginário e representações do lugar evocam a construção de uma identidade regional que está diretamente relacionada à questão da virilidade enquanto elemento central para a construção da identidade gaúcha (Oliven, 1992). Os quadros e fotos na parede exibem um repertório de personalidades masculinas: escritores, políticos, amigos. Algumas fotos também resgatam através de grandes imagens, uma Porto Alegre antiga, que há muito deixou de existir, com seus bondes e ruas de ladrilho. Quadros retratando cavalos ajudam a situar o visitante desavisado na cultura regional. Durante o período de trabalho de campo - de março de 2005 até dezembro de 2005 - raros foram os momentos em que se presenciou a participação de uma mulher ao redor da mesa. Da mesma forma observamos que Rose, que lá trabalha há cinco anos, participa da mesa desde o balcão, também bem próximo à porta de entrada. Como uma espécie de espectadora, Rose observa, ouve e expressa por meio de olhares e trejeitos reações decorrentes daquilo que acontece à mesa. Ela diz querer interagir mais com os clientes, entretanto, acha que o balcão a afasta da possibilidade de interação. Essa interação entre clientes e pessoas que trabalham na Martins Livreiro, é vista por tanto por Rogério como pelo Sr. Ivo, Flávio e também por Rose como um diferencial do estabelecimento em relação a outras livrarias e sebos da cidade. Ao falarem que “o negócio da gente não é só comercial” falam também que as relações pessoais, a conversa, a atenção dada aos clientes na Martins Livreiro não é a mesma dada por outros estabelecimentos do ramo. A própria mesa, segundo Rogério, já é um diferencial por si só: “Em quantas livrarias tu vai ver uma mesa dessas?”, perguntou ele. A mesa representa uma espécie de oásis no meio do deserto. Entre tantos livros e atribulações do dia-a-dia, questões de trabalho num ambiente de trabalho, vemos um ponto de descontração onde outras coisas além do comercial estão em jogo. É como se fosse a praça pública de uma cidade grande: configura-se como espaço de conversa, distração, interação e ponto de encontro. Nesse sentido a questão da amizade emerge num contexto onde a mesa, conforme o Sr. Ivo, está lá cumprindo seu papel, ou seja, está lá para “aproximar” as pessoas. A aproximação é construída estendendo-se ao ponto de configurar-se como uma relação de amizade. Para tanto, as escolhas e estilos de vida favorecem ou não o desenvolvimento destas relações, pois expressam uma determinada visão de mundo e criam identificações^8 (REZENDE, 2002).
(^8) Em seu estudo sobre as relações de amizade entre os ingleses, Rezende (2002) afirma que as relações de amizade podem transformar-se numa forma significativa de construir laços de identidade e pertencimento em lugares como cidades onde imperam o anonimato e a transitoriedade, como pode ser o caso de Porto Alegre.
Seu Ivo : A Martins é totalmente diferente das outras livrarias. Indira: Porque o senhor acha isso? Seu Ivo: Diferente porque nós não é só o valor comercial: é amizade, o cliente é... o pessoal marca encontro aqui na livraria, o pessoal que vem do interior, um amigo daqui marca um encontro aqui, vem pra cá, conversa e tal... Então não existe só aquele vínculo comercial. Existe uma amizade toda... Ás vezes a pessoa... já aconteceu; nós temos cliente no Piauí, a pessoa... lá uma senhora lá que é nossa cliente precisa de um remédio, que a filha... tem problema crônico de saúde, então às vezes falta remédio, ela pega me liga e tal, eu mando pra lá. Próprio Manaus, por exemplo, tem uma pessoa lá que seguido eu mando CD’s, tal. Sem ônus nenhum, entende? O que a gente paga aqui, a pessoa paga lá e pronto, deposita e tal. Então... é diferente! Indira: Isso o senhor acha que já na época do Seu Martins ou não, o senhor tá falando mais do seu... Seu Ivo: Não, no meu período, no meu período. Vários clientes, por exemplo, a gente sai junto, toma cerveja, tal, conversa sobre livros... Então, é aquele jeito mais chegado, né...
Rose, já tendo trabalhado também em outras duas livrarias antes de trabalhar na Livraria Martins Livreiro, diz que “aqui [na Martins] é mais família”. E uma coisa que acha importante é que “o livro faz parte dessa família como se fosse uma pessoa, um filho... não é só comércio... é como se fosse um ente da família”. Conversando com um antigo cliente na livraria, chegamos a um importante ponto acerca da sociabilidade. Esse senhor que freqüenta a livraria desde sua juventude, quando era universitário, disse que continua freqüentando a livraria por causa da “amizade”. Assim, contou ter feito algumas amizades ali, não apenas com as pessoas que lá trabalham, mas também com outros que ali conheceu. Alguns de seus amigos também freqüentam a livraria. Disse que muitas pessoas se encontram ali e que nesse mesmo dia tinha combinado com um amigo agrônomo de se encontrarem lá para conversar sobre uma pesquisa que está fazendo e que esse amigo também freqüenta a livraria. Este cliente disse que a livraria, no sentido genérico, sempre cumpriu esse papel de “ponto de encontro”. Assim como as farmácias, as quais, na visão dele, em cidades do interior cumprem esse mesmo papel: “a farmácia é como um café; porque nem em todos os lugares existem cafés. Esses tempos estive em São Gabriel e procurei um lugar pra tomar um café e não tinha”. Em relação à questão de gênero, gostaríamos, ainda, de problematizar um pouco mais a questão da predominância da masculinidade presenciada em campo. Apesar da questão da virilidade ser um elemento essencial na construção da identidade gaúcha (OLIVEN, 1992) e do fato da identidade da livraria estar vinculada a essa identidade regional, não nos parece ser dado suficiente para explicarmos algumas relações. Portanto propomos, para entendermos mais acerca da dinâmica do espaço da Livraria Martins Livreiro e suas relações com a venda de livros, gênero e sociabilidade, outros questionamentos além daquele apresentado inicialmente: quais os tipos de relações que os homens possuem e mantêm com os livros e quais tipos de relação as mulheres possuem e mantêm com os livros? Este é o questionamento que em nossa visão ética deve ser formulado e também acompanhado da percepção êmica daqueles que há anos trabalham
a atenção do leitor: “Não jogue dinheiro no lixo! Compramos livros usados, postais, fotos antigas e pequenos objetos antigos. Ligue agora para a Livraria Nova Roma. Fone: ZZZZ-XXXX”. No dizer de André, o que torna a Livraria atrativa, em primeiro lugar, é o tratamento dado aos clientes, em segundo lugar, o preço e, em terceiro lugar, a renovação constante do acervo mediante a compra de novos exemplares ou mesmo a retirada de determinados livros das estantes, passado algum tempo sem que tenham sido procurados, sendo então transferidos para a mesa dos saldos ou para outra estante. Existe uma preocupação muito grande em colocar o preço em todos os livros para evitar que o cliente se sinta lesado, pois corre entre os consumidores que muitos livreiros costumam atribuir um valor ao livro de acordo com o interesse ou a aparência do cliente. Moraes (2005, p. 36) já fazia menção a isso: “Muitos livreiros antiquários, nos países latinos, sobretudo, ainda acreditam nas virtudes do preço conforme a ‘cara do freguês’ e continuam a marcar seus livros com sinais cabalísticos”. Organizar sessões de autógrafos, regadas a vinho e salgadinhos, também costuma ser uma forma de atrair clientes, utilizada pela Nova Roma. Em certa ocasião, um poeta lançou a sua obra no local e transformou o evento em um sarau, declamava trechos de sua obra e oferecia em homenagem aos amigos presentes. André nessas ocasiões costuma desdobrar-se em atenção aos presentes, agindo como um perfeito anfitrião. Embora os três sócios trabalhem bastante, a visibilidade maior fica com André, talvez por sua trajetória de vida incluir a passagem por um longo período na Livraria do Globo, local por onde circularam celebridades do mundo intelectual gaúcho, como Érico Veríssimo, Mário Quintana e tantos outros.
2.1 A sociabilidade na Livraria Nova Roma Mesas e cadeiras também fazem parte da decoração da Livraria Nova Roma e além de se configurarem como espaços onde os clientes podem descansar ao chegarem ao sebo, também é aí que se entabulam conversas, brincadeiras, onde livros podem ser folhados, ou até, aos sábados, uma partida de xadrez pode ser jogada. Os temas abordados podem estar relacionados com o panorama político, com futebol, com assuntos culturais, dentre outros. Os relacionamentos articulados neste sebo nos remetem às teorizações de Magnani (2005) que salienta a importância do espaço urbano, em especial, da rua enquanto experiência que dá suporte para a sociabilidade. Nesse sentido os sebos não interessam na sua materialidade, ou seja, o que interessa não são os sebos em si, mas os sebos como experiência de sociabilidade. Em relação aos estilos de apropriação e usos do espaço, quando o fator determinante da apropriação é exercido pelo componente espacial, trata-se de lugares que funcionam como ponto de referência para um público mais amplo e diversificado de freqüentadores. Disso resultam dois
conceitos importantes para Magnani (2005). O conceito de mancha usado para designar uma área contígua do espaço urbano dotada de equipamentos que marcam seus limites e viabilizam uma atividade ou prática dominante. Aglutinada em torno de um ou mais estabelecimentos; ponto de referência físico, visível e público para um grupo mais amplo de usuários. No caso da região da Riachuelo com a rua General Câmara seria uma mancha que delimita uma área ligada à atividade de ensino: várias livrarias, biblioteca pública, Instituto Cultural Norte-Americano, Supletivo, sem contar que a própria Rua Riachuelo é conhecida e chamada de “rua dos livros”. Essa mancha sustenta uma rede de sociabilidade que vai além da compra de produtos e que é recortada por trajetos, outro conceito de Magnani (2005) que significa caminhos que não são aleatórios. Essa categoria se aplica a fluxos no espaço mais abrangente da cidade e no interior das manchas urbanas. No interior das manchas, os trajetos representam escolhas ou recortes no interior dessa mancha, entendida como uma área contígua. Entretanto, as possibilidades de combinação não são ilimitadas. Assim, uma das possibilidades de trajeto revelada por um dos clientes dos dois sebos pesquisados era: casa/MartinsLivreiro/restauranteTropical/ Livraria Nova Roma. Através desse caminho, o morador do centro de Porto Alegre, especificamente da rua Riachuelo, estaria no mesmo dia nas duas livrarias. Porém, em turno diferentes, pela manhã na Livraria Martins e pela tarde na Livraria Nova Roma. Evidentemente, não são todos os clientes com os quais interagimos que possuem essas mesmas práticas. Há o caso de clientelas “fiéis”, aqueles que freqüentam apenas uma das livrarias. Nessa rede espacial é que se conectam redes de sociabilidade, onde freqüentadores, conhecidos, amigos podem ter encontros cara a cara e momentos de interação. A afetividade se desenvolve na medida em que se freqüenta esses estabelecimentos e em face dos encontros mais freqüentes, torna possível a formação de relações de amizade para além da compra e venda. Um extrato do diário de campo evidencia essa interação: Vi outra vez o tal do cliente n° 1, o seu Araújo. Ele apareceu por ali de repente. A impressão que dá é que ele vai ali toda hora que tem vontade... Deve morar muito perto. O que será que define alguém como cliente? Fiquei curiosa, vou perguntar isso para o André. No outro dia conheci seu Araújo, para quem André me apresentou. Ele estava comprando um livro de poesia da Idade Média, olhou pra mim e disse: “Poesia da Idade Média. Deve ser interessante. Dois reais”. Isso resumia um pouco as justificativas pelas quais pode-se comprar livros: um tema que nos desperta interesse com bom preço, nesse caso, ótimo. No caso das mulheres, das que convivem no sebo Nova Roma, a afetividade emerge, entretanto, a cumplicidade não se revela na mesma medida com todas. É através dessa sociabilidade e das trocas que se dão nesses lugares que são também apropriados pelos seus freqüentadores assíduos como espaços onde se evocam memórias.
de sociabilidade. Esses sebos seriam suportes de sociabilidade onde a rua se refugiou nos recantos do centro de Porto Alegre. O sebo como ponto de encontro. Apresentando formas de sociabilidade no contexto de Porto Alegre em que podemos perceber regularidades e significados. O desenvolvimento de laços de afetividade que podem ser percebidos como relações de “amizade”: “Esse é o fulano... um grande amigo aqui da gente, da livraria...”. a amizade dos livreiros com alguns de seus clientes ficam evidentes com a senhora que mora em Manaus e o Sr. Ivo lhe envia remédios, CDs e discos que o livreiro manda para outros clientes. Na Livraria Nova Roma, o Sr. Araújo é o cliente que por morar nas redondesas mais freqënta o estabelecimento, assim, a sua não presença desperta preocupação em André, Marquinhos e Carlinhos. Eles também se disponibilizam em acompanhar o Sr. Araújo ao médico, numa relação típica de amizade. A Livraria Nova Roma é vista por Rogério e pelo Sr. Ivo como um espaço semelhante a Martins Livreiro no “estilo de trabalhar”; reconhece que a existência de uma mesa remete a uma grande semelhança,bem como atendimento destinado aos clientes, pois os três proprietários conhecem os clientes pelo nome e prestam um atendimento personalizado. Ambas as livrarias se auto-atribuem o atendimento aos clientes como diferencial em relação às demais, mas a Livraria Nova Roma ainda agrega a questão do preço baixo e de uma certa dinamicidade e rotatividade muito grande do acervo.
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Sites das Livrarias consultados: Martins http://www.martinslivreiro.com.br/ (acesso 30/06/2005) Traça http://www.traca.com.br/ (30/06/2005).