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Medo da Fantasia - Por que os contos de fadas foram banidos? Transcendendo a infância com ... a mãe mandou Capinha Vermelha levar uns doces para a vovozinha.
Tipologia: Esquemas
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Traduzido do original em inglês: The Uses of Enchantment
The Meaning and Importance ofFairy Tales
SUMÁRIO
Introdução: A luta pelo significado PRIMEIRA PARTE: UM PUNHADO DE MÁGICA A vida adivinhada a partir do interior "O pescador e o gênio" - O conto de fadas comparado com a fábula O conto de fada versus o mito - Otimismo versus Pessimismo "Os três porquinhos" - O princípio do prazer versus o princípio da realidade A necessidade infantil de mágica Satisfação delegada versus reconhecimento consciente A importância da exteriorização - Figuras e situações de fantasia Transformações - A fantasia da madrasta malvada Ordenando o caos "A Rainha Abelha" - A conquista da integração "Irmão e irmã" - Unificando nossa natureza dualista "Simbad, o Marujo, e Simbad, o Carregador" - Fantasia versus realidade A estrutura das Mil e uma noites Contos de dois irmãos "As três linguagens" - Construindo a integração "As três plumas"- A criança mais nova como simplória Conflitos edípicos e soluções - O Cavaleiro na armadura brilhante e a donzela em apuros Medo da Fantasia - Por que os contos de fadas foram banidos? Transcendendo a infância com a ajuda da fantasia "A Guardadora de Gansos" - A Conquista da Autonomia Fantasia, Recuperação, Escape e Consolo Sobre a Narrativa dos Contos de Fadas
SEGUNDA PARTE: NA TERRA DAS FADAS "João e Maria" "Chapeuzinho Vermelho" (a) "João e o Pé de Feijão" A Rainha ciumenta em "Branca de Neve" e o mito de Édipo "Branca de Neve" "Cachinhos de Ouro e Os Três Ursos" "A Bela Adormecida" "Borralheira" (b) O Ciclo do Noivo-Animal dos Contos de Fadas Notas
isso. A criança. à medida que se desenvolve, deve aprender passo a passo a se entender melhor; com isto, torna-se mais capaz de entender os outros, e eventualmente pode-se relacionar com eles de forma mutuamente satisfatória e significativa. Para encontrar um significado mais profundo, devemos ser ca- pazes de transcender os limites estreitos de uma existência autocen- trada e acreditar que daremos uma contribuição significativa para a vida - senão imediatamente agora, pelo menos em algum tempo fu- turo. Este sentimento é necessário para uma pessoa estar satisfeita consigo mesma e com o que está fazendo. Para não ficar à mercê dos acasos da vida, devemos desenvolver nossos recursos interiores, de modo que nossas emoções, imaginação e intelecto se ajudem e se enriqueçam mutuamente. Nossos sentimentos positivos dão-nos força para desenvolver nossa racionalidade; só a esperança no futu- ro pode sustentar-nos nas adversidades que encontramos inevita- velmente. Como educador e terapeuta de crianças gravemente perturbadas, minha tarefa principal foi a de restaurar um significado na vida de- las. Para mim este trabalho deixou claro que se as crianças fossem criadas de um modo que a vida fosse significativa para elas, não ne- cessitariam ajuda especial. Fui confrontado com o problema de de- duzir quais as experiências na vida infantil mais adequadas para promover sua capacidade de encontrar sentido na vida; dotar a vi- da, em geral, de mais significados. Com respeito a esta tarefa, nada é mais importante que o impacto dos pais e outros que cuidam da criança; em segundo lugar vem nossa herança cultural, quando transmitida à criança da maneira correta. Quando as crianças são novas, é a literatura que canaliza melhor este tipo de informação. Partindo deste fato, tornei-me profundamente insatisfeito com grande parte da.literatura destinada a desenvolver a mente e a per- sonalidade da criança, já que não consegue estimular nem alimen- tar os recursos de que ela mais necessita para lidar com seus difíceis problemas interiores. Os livros e cartilhas onde aprende a ler na es- cola são destinados ao ensino das habilidades necessárias, indepen- dentemente do significado. A maioria da chamada "literatura infan- til" tenta divertir ou informar, ou as duas coisas. Mas grande parte destes livros são tão superficiais em substância que pouco significa- do pode-se obter deles. A aquisição de habilidades, inclusive a de ler, fica destituída de valor quando o que se aprendeu a ler não acrescenta nada de importante à nossa vida. Todos tendemos a avaliar os méritos futuros de uma atividade na base do que ela oferece no momento. Mas isto é especialmente verdadeiro no caso da criança, pois, muito mais do que o adulto, ela vive o presente e, embora tenha ansiedades sobre seu futuro, tem apenas noções vagas do que ele pode solicitar ou de como po-
derá ser. A idéia de que, aprendendo a ler, a pessoa, mais tarde, po- derá enriquecer sua vida é vivenciada como uma promessa vazia quando as estórias que a criança escuta ou está lendo no momento são ocas. A pior característica destes livros infantis é que logram a criança no que ela deveria ganhar com a experiência da literatura: acesso ao significado mais profundo e àquilo que é significativo para ela neste estágio de desenvolvimento. Para que uma estória realmente prenda a atenção da criança, deve entretê-la e despertar sua curiosidade. Mas para enriquecer sua vida, deve estimular-lhe a imaginação: ajudá-la a desenvolver seu intelecto e a tornar claras suas emoções; estar harmonizada com suas ansiedades e aspirações; reconhecer plenamente suas dificulda- des e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que a perturbam. Resumindo, deve de uma só vez relacionar-se com to- dos os aspectos de sua personalidade - e isso sem nunca menospre- zar a criança, buscando dar inteiro crédito a seus predicamentos e, simultaneamente, promovendo a confiança nela mesma e no seu fu- turo. Sob estes aspectos e vários outros, no conjunto da "literatura infantil" - com raras exceções - nada é tão enriquecedor e satisfató- rio para a criança, como para o adulto, do que o conto de fadas fol- clórico. Na verdade, em um nível manifesto, os contos de fadas en- sinam pouco sobre as condições específicas da vida na moderna so- ciedade de massa; estes contos foram inventados muito antes que ela existisse. Mas através deles pode-se aprender mais sobre os problemas interiores dos seres humanos, e sobre as soluções corre- tas para seus predicamentos em qualquer sociedades, do que com qualquer outro tipo de estória dentro de uma compreensão infantil. Como a criança em cada momento de sua vida está exposta à socie- dade em que vive, certamente aprenderá a enfrentar as condições que lhe são próprias, desde que seus recursos interiores o permitam. Exatamente porque a vida é freqüentemente desconcertante para a criança, ela precisa ainda mais ter a possibilidade de se en- tender neste mundo complexo com o qual deve aprender a lidar. Para ser bem sucedida neste aspecto, a criança deve receber ajuda para que possa dar algum sentido coerente ao seu turbilhão de sen- timentos. Necessita de idéias sobre a forma de colocar ordem na sua casa interior, e com base nisso ser capaz de criar ordem na sua vida. Necessita - e isto mal requer ênfase neste momento de nossa história - de uma educação moral que de modo sutil e implícito conduza-a às vantagens do comportamento moral, não através de conceitos éticos abstratos, mas daquilo que lhe parece tangivelmen- te correto, e portanto significativo. A criança encontra este tipo de significado nos contos de fadas. Como muitas outras modernas percepções psicológicas, esta foi an-
sejam dadas sugestões em forma simbólica sobre a forma como ela pode lidar com estas questões e crescer a salvo para a maturidade. As estórias "fora de perigo" não mencionam nem a morte nem o envelhecimento, os limites de nossa existência, nem o desejo pela vida eterna. O conto de fadas, em contraste, confronta a criança ho- nestamente com os predicamentos humanos básicos. Por exemplo, muitas estórias de fadas começam com a morte da mãe ou do pai; nestes contos a morte do progenitor cria os problemas mais angustiantes, como isto (ou o medo disto) ocorre na vida real. Outras estórias falam sobre um progenitor idoso que decide que é tempo da nova geração assumir. Mas antes que isto possa ocorrer o sucessor tem que provar-se capaz e valoroso. A es- tória dos Irmãos Grimm "As Três Plumas" começa: "Era uma vez um rei que tinha três filhos... Quando o rei ficou velho e fraco, e es- tava pensando no seu fim, não sabia qual de seus filhos deveria her- dar o reinado depois dele". De modo a decidir, o rei estabelece para todos os seus filhos uma difícil tarefa; o filho que a enfrentasse me- lhor seria rei depois de sua morte. É característico dos contos de fadas colocar um dilema existen- cial de forma breve e categórica. Isto permite a criança aprender o problema em sua forma mais essencial, onde uma trama mais com- plexa confudiria o assunto para ela. O conto de fadas simplifica to- das as situações. Suas figuras são esboçadas claramente; e detalhes, a menos que muito importantes, são eliminados. Todos os persona- gens são mais típicos do que únicos. Ao contrário do que acontece em muitas estórias infantis mo- dernas, nos contos de fadas o mal é tão onipresente quanto a virtu- de. Em praticamente todo conto de fadas o bem e o mal recebem corpo na forma de algumas figuras e de suas ações, já que bem e mal são onipresentes na vida e as propensões para ambos estão pre- sentes em todo homem. É esta dualidade que coloca o problema moral e requisita a luta para resolvê-lo. O mal não é isento de atrações - simbolizado pelo poderoso gi- gante ou dragão, o poder da bruxa, a astuta rainha na "Branca de Neve" - e com frequência se encontra temporariamente vitorioso. Em vários contos de fadas um usurpador consegue por algum tem- po tomar o lugar que corretamente pertence ao herói - assim como as irmãs malvadas fazem em "Borralheira". Não é o fato do malfei- tor ser punido no final da estória que torna nossa imersão nos con- tos de fadas uma experiência em educação moral, embora isto tam- bém se dê. Nos contos de fadas, como na vida, a punição ou o te- mor dela é apenas um fator limitado de intimidação do crime. A convicção de que o crime não compensa é um meio de intimidação muito mais efetivo, e esta é a razão pela qual nas estórias de fadas a pessoa má sempre perde. Não é o fato de a virtude vencer no final
que promove a moralidade, mas de o herói ser mais atraente para a criança, que se identifica com ele em todas as suas lutas. Devido a esta identificação a criança imagina que sofre com o herói suas pro- vas e tribulações, e triunfa com ele quando a virtude sai vitoriosa. A criança faz tais identificações por conta própria, e as lutas interiores e exteriores do herói imprimem moralidade sobre ela.
Quando uma concessão da Fundação Spencer me deu tempo para estudar as contribuições que a psicanálise pode dar para a edu- cação das crianças - e como ler e ser lido são meios essenciais de educação - pareceu-me apropriado usar esta oportunidade para ex- plorar com mais detalhes e profundidade a razão dos contos de fa- das folclóricos serem tão valiosos no desenvolvimento das crianças. Minha esperança é que uma compreensão própria dos méritos úni- cos dos contos de fadas induzirá pais e professores a conferir-lhes novamente o papel central na vida da criança que tiveram durante séculos.
OS CONTOS DE FADAS E A PERPLEXIDADE EXISTENCIAL
Para dominar os problemas psicológicos do crescimento - su- perar decepções narcisistas, dilemas edípicos, rivalidades fraternas, ser capaz de abandonar dependências infantis; obter um sentimento de individualidade e de autovalorização, e um sentido de obrigação moral - a criança necessita entender o que está se passando dentro de seu eu inconsciente. Ela pode atingir essa compreensão, e com isto a habilidade de lidar com as coisas, não através da compreen- são racional da natureza e conteúdo de seu inconsciente, mas fami- liarizando-se com ele através de devaneios prolongados - ruminan- do, reorganizando e fantasiando sobre elementos adequados da es- tória em resposta a pressões inconscientes. Com isto, a criança ade- qua o conteúdo inconsciente às fantasias conscientes, o que a capa- cita a lidar com este conteúdo. É aqui que os contos de fadas têm um valor inigualável, conquanto oferecem novas dimensões à ima- ginação da criança que ela não poderia descobrir verdadeiramente por si só. Ainda mais importante: a forma e estrutura dos contos de fadas sugerem imagens à criança com as quais ela pode estruturar seus devaneios e com eles dar melhor direção à sua vida. Na criança ou no adulto, o inconsciente é um determinante po- deroso do comportamento. Quando o inconsciente está reprimido e nega-se a entrada de seu conteúdo na consciência, a mente cons- ciente será parcialmente sobrepujada pelos derivativos destes ele- mentos inconscientes, ou então será forçada a manter um controle de tal forma rígido e compulsivo sobre eles que sua personalidade poderá ficar gravemente mutilada. Mas quando o material incons- ciente tem, em certo grau, permissão de vir à tona e ser trabalhado
cações positivas. Então a criança tem uma base para compreender que há grandes diferenças entre as pessoas e que, por conseguinte, uma pessoa tem que fazer opções sobre quem quer ser. Esta decisão básica sobre a qual todo o desenvolvimento ulterior da personalidade se construirá, é facilitada pelas polarizações do conto de fadas. Além disso, as escolhas das crianças são baseadas não tanto sobre o certo versus o errado, mas sobre quem desperta sua simpatia e quem desperta sua antipatia. Quanto mais simples e direto é um bom personagem, tanto mais fácil para a criança identificar-se com ele e rejeitar o outro mau. A criança se identifica com o bom herói não por causa de sua bondade, mas porque a condição do herói lhe traz um profundo apelo positivo. A questão para a criança não é "Será que quero ser bom?" mas "Com quem quero parecer?". A criança decide isto na base de se projetar calorosamente num personagem. Se esta figura é uma pessoa muito boa, então a criança decide que quer ser boa também. Os contos de fadas amorais não mostram polarização ou justa- posição de pessoas boas e más; por isto estas estórias amorais servem a um propósito inteiramente outro. Tais contos ou figuras típicas como o "Gato de Botas", que arranja o sucesso do herói através da trapaça, e João, que rouba o tesouro do gigante, constróem o personagem não pela promoção de escolhas entre o bem e o mal, mas dando à criança a esperança de que mesmo o mais medíocre pode ter sucesso na vida. Afinal, qual a utilidade de escolher tornar-se uma boa pessoa quando a gente se sente tão insignificante que teme nunca conseguir chegar a ser alguma coisa? A moralidade não é a saída nestes contos, mas antes a certeza de que uma pessoa pode ter sucesso. Enfrentar a vida com uma crença na possibilidade de dominar as dificuldades ou com a expectativa de derrota constitui também um problema existencial muito importante. Os conflitos internos profundos originados em nossos impulsos primitivos e emoções violentas são todos negados em grande parte da literatura infantil moderna, e assim a criança não é ajudada a lidar com eles. Mas a criança está sujeita a sentimentos desesperados de solidão e isolamento, e com freqüência experimenta uma ansiedade mortal. Na maioria das vezes, ela é incapaz de expressar estes sentimentos em palavras, ou só pode fazê-lo indireta-mente: medo do escuro, de algum animal, ansiedade acerca de seu corpo. Como cria um desconforto num pai reconhecer estas emoções no seu filho, tende a passar por cima delas, ou diminui estes ditos medos a partir de sua própria ansiedade, acreditando que abrigará os temores infantis. O conto de fadas, em contraste, toma estas ansiedades existenciais e dilemas com muita seriedade e dirige-se diretamente a eles: a necessidade de ser amado e o medo de uma pessoa de não ter valor;
o amor pela vida e o medo da morte. Ademais, o conto de fadas oferece soluções sob formas que a criança pode apreender no seu nível de compreensão. Por exemplo, os contos de fadas colocam o dilema de desejar viver eternamente ao concluir ocasionalmente: "Se eles não morreram, ainda estão vivos". O outro final - "E viveram felizes para sempre" - não engana a criança nem por um momento quanto à possibilidade de vida eterna. Mas indica realmente a única coisa que pode extrair o ferrão dos limites reduzidos do nosso tempo nesta terra: construir uma ligação verdadeiramente satisfatória com outra pessoa. Os contos ensinam que quando uma pessoa assim o fez, alcançou o máximo, em segurança emocional de existência e permanência de relação disponível para o homem; e só isto pode dissipar o medo da morte. Se uma pessoa encontrou o verdadeiro amor adulto, diz também o conto de fadas, não necessita desejar a vida eterna. Isto é sugerido por outro final muito comum: "Eles viveram por um longo tempo, felizes e satisfeitos".
Uma visão desinformada dos contos de fadas vê neste tipo de final uma realização de desejos irrealista, esquecendo completa-mente a mensagem importante que transmite à criança. Estes contos sugerem- lhe que, formando uma verdadeira relação interpessoal, a pessoa escapa da ansiedade de separação que a persegue (e que estabelece o cenário para muitos contos de fadas, mas é sempre resolvida no final da estória). Além disso, a estória conta, este final não se torna possível, como a criança deseja e acredita, agarrando-se na mãe eternamente. Se tentamos escapar da ansiedade de separação e da ansiedade da morte mantendo- nos desesperadamente agarrados em nossos pais, apenas seremos cruelmente forçados à separação, como João e Maria.
Só partindo para o mundo é que o herói dos contos de fada (a criança) pode se encontrar; e fazendo-o, encontrará também o outro com quem ser,á capaz de viver feliz para sempre; isto é, sem nunca mais ter de experimentar a ansiedade de separação. O conto de fadas é orientado para o futuro e guia a criança - em termos que ela pode entender tanto na sua mente inconsciente quanto consciente -a abandonar seus desejos de dependência infantil e conseguir uma existência mais satisfatoriamente independente.
Hoje as crianças não crescem mais dentro da segurança de uma família numerosa, ou de uma comunidade bem.integrada. Por con- seguinte, mais ainda do que na época em que os contos de fadas foram inventados, é importante prover a criança moderna com imagens de heróis que partiram para o mundo sozinhos e que, apesar de inicialmente ignorando as coisas últimas, encontram lugares seguros no mundo seguindo seus caminhos com uma profunda confiança interior.
fadas será diferente para cada pessoa, e diferente para a mesma pes- soa em vários momentos de sua vida. A criança extrairá significados diferentes do mesmo conto de fadas, dependendo de seus interesses e necessidades do momento. Tendo oportunidade, voltará ao mesmo conto quando estiver pronta a ampliar os velhos significados ou substituí-los por novos. Como obras de arte, os contos de fadas têm muitos aspectos dignos de serem explorados em acréscimo ao significado psicológico e impacto a que o livro está destinado. Por exemplo, nossa herança cultural encontra expressão em contos de fadas, e através deles é comunicada à mente infantil *. Um outro volume poderia detalhar a contribuição única que os contos de fadas podem dar para a educação moral da criança. Um tópico que apenas é mencionado nas páginas que se seguem. Os folcloristas abordam os contos de fada de modo apropriado à disciplina deles; os lingüistas e críticos literários examinam seus significados por outras razões. É interessante observar que, por exemplo, alguns vêm no motivo de Chapeuzinho Vermelho sendo engolida pelo lobo o tema da noite devorando o dia, da lua eclipsando o sol, do inverno substituindo as estações quentes, do deus engolindo a vítima sacrificial, e assim por diante. Por mais interessantes que sejam tais interpretações, elas parecem pouco oferecer ao pai ou educador que deseja saber que significado uma estória de fadas pode ter para a criança, cuja experiência, afinal, está bem longe das interpretações do mundo na base de preocupações com a natureza ou as deidades celestiais. •
Os contos de fadas também abundam em motivos religiosos; muitas estórias bíblicas são da mesma natureza que os contos de fa- das. As associações conscientes e inconscientes que evocam na mente do ouvinte depende de seu esquema geral de referência e de suas preocupações pessoais. Daí as pessoas religiosas encontrarem neles coisas importantes que não são mencionadas aqui. A maioria dos contos de fadas se originou em períodos em que a religião era parte muito importante da vida; assim, eles lidam, di- retamente ou por inferência, com temas religiosos. As estórias das Mil e Uma Noites estão cheias de referências à religião islâmica. Uma grande quantidade de contos de fadas ocidentais têm conteú- dos religiosos; mas a maioria dessas estórias são negligenciadas hoje em dia e desconhecidas para o público maior exatamente por- que, para muitos, estes temas religiosos não despertam mais asso- ciações universalmente e pessoalmente significativas. O abandono de "A Filha de Nossa Senhora", uma das mais lindas estórias dos Irmãos Grimm, ilustra essa tendência. A estória exatamente como "João e Maria": "No meio de uma grande floresta habitavam um lenhador e sua mulher". Como em "João e Maria", o casal era tão pobre que não mais podia alimentar-se e à filhinha de três anos de idade. Comovida pela desgraça deles, a Virgem Maria aparece-lhes e oferece-se para tomar conta da menininha, a quem leva com ela para o céu. Lá, a menina leva uma vida maravilhosa até atingir a idade de catorze anos. Nesta época, à semelhança do conto bem di- ferente do "Barba Azul", a Virgem confia à garota as chaves de treze portas, doze das quais ela pode abrir, mas não a décima terceira. A garota não consegue resistir à tentação; mente sobre isto, e em consequência tem que voltar à terra, muda. Sofre provas severas e está para ser queimada. Neste momento, como deseja apenas con- fessar seu delito, recupera a voz e recebe da Virgem "felicidade para a vida inteira". A lição da estória é: uma voz usada para dizer men- tiras só nos leva à perdição; é melhor sermos privados dela, como sucede com a heroína da estória. Mas uma voz usada para o arren- pendimento, para admitir nossas falhas e afirmar a verdade, nos re- dime. Algumas das outras estórias dos Irmãos Grimm contêm ou co- meçam com alusões religiosas. "O velho que virou novamente jo- vem" começa: "No tempo em que Nosso Senhor ainda andava pela terra, Ele e São Pedro pararam uma noite na casa de um ferrei- ro...". Em outra estória, "O homem pobre e o homem rico", "Deus, como qualquer outro herói de contos de fadas, está cansado de andar. Esta estória começa: "Nos tempos antigos, quando o pró- prio Senhor ainda costumava caminhar nesta terra entre os ho- mens, aconteceu uma vez dele estar cansado, e foi surpreendido pela escuridão antes de poder alcançar um albergue. Neste momen-
mesmo em sua forma mais exagerada - ansiedade de ser devorado -revelam-se injustificáveis: as crianças saem vitoriosas no final, e um inimigo dos mais ameaçadores - a bruxa - é completamente derrotado. Assim, teríamos um bom exemplo no fato de que esta história tem sua maior atração e valor para a criança na idade em que os contos de fadas começam a exercer seu impacto benéfico, isto é, por volta dos quatro/cinco anos. Mas a ansiedade de separação - o medo de ser desamparado - e o medo de morrer de fome, incluindo a voracidade oral, não são restritos a um período particular de desenvolvimento. Tais medos ocorrem em todas as idades no inconsciente, e assim este conto também tem significado e provê encorajamentos para crianças mui- to mais velhas. De fato, a pessoa mais velha pode achar bem mais difícil admitir conscientemente seu modo de ser desamparada pelos pais, ou de encarar sua voracidade oral; e isto é mesmo uma razão a mais para deixar o conto das fadas falar a seu inconsciente, dar cor- po às suas ansiedades inconscientes e aliviá-las, sem que isto nunca chegue ao conhecimento consciente. Outros traços da mesma história podem oferecer reassegura- mentos muito necessários e orientação para uma criança mais ve- lha. Na primeira adolescência uma garota ficou fascinada por "João e Maria", e obteve grande conforto em ler e reler o conto, fantasiando sobre ele. Quando criança ela fora dominada por um irmão ligeiramente mais velho. Ele, de certa forma, mostrara-lhe o caminho, como João fez quando espalhou as pedrinhas que os guia- ram de volta ao lar. Quando adolescente, esta moça continuou a apoiar-se no irmão; e este traço da história funcionava como reasse- gurador. Mas ao mesmo tempo ela também se ressentia do domínio do irmão. Sem que estivesse consciente disso na ocasião, sua luta pela independência girava em torno da figura de João. A estória disse ao seu inconsciente que seguir a liderança de João levava-a de volta, e não para adiante, e era também significativo que embora João fosse o líder no começo da estória, era Maria quem no final conseguia a independência para ambos, pois é ela que derrota a bruxa. Quando adulta, esta mulher veio a entender que o conto de fadas tinha-lhe ajudado muito, livrando-a da dependência de seu ir- mão, já que a convencera de que uma dependência primária em re- lação a ele não necessitava interferir no domínio posterior dela. As- sim, uma estória que por uma razão tinha sido significativa para ela quando criancinha forneceu-lhe uma orientação na adolescência por razões completamente diferentes. O motivo central de "Branca de Neve" é a garota pré- adolescente superando de todos os modos a madastra malvada que, por ciúmes, nega-lhe uma existência independente - simbolicamente representada pela madrasta tentando destruir Branca de Neve. O
significado profundo da história para uma garota de cinco anos, em especial, estava todavia bem longe destes problemas de pré- adolescência. Sua mãe era fria e distante, tanto que ela se sentia per- dida. A história reassegurava-lhe que ela não necessitava se desespe- rar: Branca de Neve, traída por sua madrasta, foi salva por homens
sentir que seus pais compartilham suas emoções, divertindo-se com o mesmo conto de fadas, quanto seu sentimento de que seus pensamentos interiores não são conhecidos por eles até que ela decida revelá-los. Se o pai indica que já os conhece, a criança fica impedida de fazer o presente mais precioso a seu pai, o de compartilhar com ele o que até então era secreto e privado para ela. E dado que, em acréscimo, um pai é bem mais poderoso que uma criança, seu domínio pode parecer ilimitado - e daí preponderantemente destrutivo - se parecer que ele é capaz de ler os pensamentos secretos dela, de conhecer seus sentimentos mais escondidos, mesmo antes dela se tornar ciente deles. Explicar para uma criança por que um conto de fadas é tão ca- tivante para ela destrói, acima de tudo, o encantamento da estória, que depende, em grau considerável, da criança não saber absoluta- mente por que está maravilhada. E ao lado do confisco deste poder de encantar vai também uma perda do potencial da estória em aju- dar a criança a lutar por si só e dominar exclusivamente por si só o problema que fez a estória significativa para ela. As interpretações adultas, por mais corretas que sejam, roubam da criança a oportu- nidade de sentir que ela, por sua própria conta, através de repetidas audições e de ruminar acerca da estória, enfrentou com êxito uma situação difícil. Nós crescemos, encontramos sentido na vida e se- gurança em nós mesmos por termos entendido o resolvido proble- mas pessoais por nossa conta, e não por eles nos terem sido explica- dos por outros. Os temas dos contos de fadas não são fenômenos neuróticos, algo que alguém se sente melhor entendendo racionalmente de for- ma a poder se livrar deles. Tais temas são vivenciados como maravi- lhas porque a criança se sente entendida e apreciada bem no fundo de seus sentimentos, esperanças e ansiedades, sem que tudo isso te- nha que ser puxado e investigado sob a luz austera de uma raciona- lidade que ainda está aquém dela. Os contos de fadas enriquecem a vida da criança e dão-lhe uma dimensão encantada exatamente por- que ela não sabe absolutamente como as estórias puseram a funcio- nar seu encantamento sobre ela. Este livro foi escrito para ajudar aos adultos, e especialmente aos que têm crianças sob seus cuidados, a se tornarem cientes da importância de tais contos. Como já foi apontado, inumeráveis in- terpretações ao lado das sugeridas no texto que se segue são perti- nentes; os contos de fadas, como todas as verdadeiras obras de arte, possuem uma riqueza e profundidade variadas que transcendem de longe o que mesmo o mais cuidadoso exame discursivo pode extrair deles. O que dizemos neste livro deveria ser encarado apenas como ilustrativo e sugestivo. Se o leitor for estimulado a ir além da su- perfície a seu próprio modo, ele extrairá significados pessoais ainda
mais variados destas estórias, o que então se tornará também mais significativo para a criança a quem ele irá contá-las. Aqui, todavia, deve ser marcada uma limitação especialmente crucial: o verdadeiro significado e impacto de um conto de fadas pode ser apreciado, seu encantamento pode ser experimentado, apenas com a estória na sua forma original. Descrever os traços significativos de um conto de fadas transmite tão pouco sentimento pelo que está ocorrendo quanto uma lista dos incidentes de um poema faria para sua apreciação. Esta descrição dos traços principais, todavia, é o que um livro deste tipo pode fornecer, a menos que de fato reimprimisse as estórias. Como a maioria deste contos está à disposição em outras fontes, esperamos que sejam lidos paralelamente ao livro. * Seja "Chapeuzinho Vermelho", "Borralheira" ou qualquer outro conto de fadas, só a própria estória permite uma apreciação de suas qualidades poéticas, e com isto uma compreensão da forma como enriquece uma mente suscetível.