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Este documento analisa o processo de construção de propostas curriculares no programa de integração da educação profissional técnica de nível médio na modalidade de educação de jovens e adultos (proeja), no estado do paraná. O texto se baseia em dois eixos investigativos: as interpretações dos sujeitos-autores sobre a perspectiva curricular integrada e a interpretação deles da proposição do trabalho como princípio educativo. O documento evidencia limitações presentes nesse processo derivadas de interpretações divergentes sobre o que é integração curricular e da multiplicidade de significados atribuídos à ideia de trabalho como princípio educativo.
Tipologia: Notas de estudo
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Print version ISSN 0104-
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-
Monica Ribeiro da Silva
Doutora em Educação, Pontifícia Universidade de são Paulo (PUC/SP); Professora do Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: monicars@ufpr.br
O artigo resulta de pesquisa que tem como objetivo analisar uma política curricular que visa a integração entre educação profissional e educação geral. Toma por referência o Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), em implantação no estado do Paraná. Analisa o processo de construção de propostas curriculares a partir de dois eixos investigativos: as interpretações feitas pelos sujeitos-autores das propostas acerca do currículo integrado e as interpretações desses mesmos sujeitos acerca da proposição do trabalho como princípio educativo, presentes nos Documentos normativos da política mencionada. As observações e relatos de campo evidenciam, dentre outros aspectos, um conjunto de limitações presentes nesse processo derivados, em parte, de interpretações divergentes do que seja integração curricular e da multiplicidade de significados atribuídos à ideia de trabalho como princípio educativo.
Palavras-chave: Currículo integrado. Educação profissional. Ensino médio integrado. Educação de Jovens e Adultos.
This article is the result of a study that aimed to analyze the implementation of a curricular policy that seeks to integrate professional education with general education. The reference point is the Program for the Integration of Mid-Level Professional Technical Education in the Field of Young People and Adults (PROEJA). The study analyzes the construction process of curricular proposals from two research viewpoints: interpretations made by the subjects/authors of the proposals concerning the integrated curriculum and the interpretations of these same subjects concerning the proposition of work as an educational principle, as found in the normative documents of the aforementioned policy. Observations and field reports have shown, among other aspects, a set of limitations to this process, in part deriving from diverging interpretations of what curricular integration is and the number of meanings attributed to the idea of work as an educational principle.
Keywords: Curricular integration. Professional education. High school. Adults education.
El presente artículo es fruto de una investigación que tiene como objetivo analizar la implantación de una política curricular que busca la integración entre educación profesional y educación general. Toma como referencia el Programa de Integración de la Educación Profesional Técnica de Nivel Medio en la Modalidad de Educación de Jóvenes y Adultos, PROEJA, el cual se está implantando en la provincia de Paraná (sur de Brasil). Se analiza el proceso de construcción de propuestas curriculares a partir de dos ejes de investigación: las interpretaciones realizadas por los sujetos autores de las propuestas acerca del currículo integrado y las interpretaciones de esos mismos sujetos sobre la proposición del trabajo como principio educativo, presentes en los Documentos normativos de la política mencionada. Las observaciones y relatos de campo ponen de manifiesto, entre otros aspectos, un conjunto de limitaciones presentes en dicho proceso, derivadas, en parte, de interpretaciones divergentes sobre lo que es integración curricular y de la multiplicidad de significados atribuidos a la idea de trabajo como principio educativo.
Palabras clave: Currículo Integrado. Educación Profesional. Enseñanza Media Integrada. Educación de Jóvenes y Adultos.
Introdução
O Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) foi instituído pelo Decreto nº. 5.840 (BRASIL,
a finalidade de orientar o processo de construção e implantação de cursos que integrem educação geral e formação profissional de nível médio, seriam ofertados, em 2008, 76 Cursos da modalidade PROEJA, em 72 estabelecimentos de ensino já credenciados para oferta de Educação Profissional. Neste Documento, se afirma que o diagnóstico das demandas resultou de ação da qual participaram as equipes dos 32 Núcleos Regionais de Educação do estado, diretores, professores, alunos e a comunidade em geral. Para 2008, estavam previstos os seguintes cursos: Técnico em Administração, Secretariado, Enfermagem, Agente Comunitário de Saúde, Segurança do Trabalho, Nutrição, Meio Ambiente, Química, Construção Civil, Eletromecânica e Logística. A oferta para 2008 pretende atingir próximo a cinco mil alunos, com matrículas previstas para o primeiro semestre (2485) e segundo semestre (2485).
É neste contexto que se desenvolve a pesquisa da qual resulta o presente texto. A metodologia constou do acompanhamento, na condição de observadores 1 , dos Encontros e Oficinas mencionados. A partir dos relatos de campo, buscou-se analisar o processo de definição das bases curriculares do PROEJA neste estado, tendo como fio condutor da investigação o desafio da integração curricular.
O texto tem, assim, como objetivo, sistematizar aspectos da implantação do PROEJA, particularmente no que se refere à construção de trajetórias curriculares que integrem cultura geral e formação específica. Está estruturado em dois momentos: o primeiro se refere a uma breve discussão sobre o Documento Orientador produzido pela SEED/PR intitulado Educação Profissional Integrada à Educação de Jovens e Adultos ; e o segundo, concernente à análise das Oficinas promovidas pela Secretaria de Estado da Educação que tiveram por finalidade a elaboração das propostas pedagógicas dos cursos que seriam ofertados nos diferentes municípios.
O procedimento de análise do processo de construção das propostas curriculares se orientou a partir de dois eixos investigativos: a interpretação feita pelos sujeitos-autores das propostas do que é a perspectiva curricular integrada e a interpretação feita por esses mesmos sujeitos acerca da proposição de que o trabalho, tomado como princípio educativo, constituir-se-ia em eixo integrador entre os conteúdos da educação geral e os conteúdos da formação profissional. Com base nesses eixos investigativos analisa-se o processo de construção do texto curricular em seus elementos constitutivos: justificativa; perfil do egresso; objetivos e organização curricular propriamente dita.
Parte-se do pressuposto de que o processo de transferência de proposições curriculares de um contexto para outro se expressam por meio de um movimento de recontextualização (BERSTEIN, 1996) a partir do qual se verificam procedimentos de seleção e de deslocamento de significados. Isso traz como consequência, em se tratando de políticas curriculares, um distanciamento entre o discurso oficial e a incorporação das proposições pela escola.
Considerações conceituais: integração
curricular e o trabalho como princípio educativo
A perspectiva de integração curricular no contexto recente da educação profissional brasileira remete à construção de uma proposta capaz de articular a teoria e ação curricular sustentados no e pelo princípio educativo do trabalho:
O trabalho, nos sentidos ontológico e histórico, é princípio e organiza a base unitária do ensino médio por ser condição para se superar um ensino enciclopédico que não permite aos estudantes estabelecer relações concretas entre a ciência que aprende e a realidade em que vive. É princípio educativo, ainda, porque leva os estudantes a compreenderem que todos nós somos seres de trabalho, de conhecimento e de cultura e que o exercício pleno dessas potencialidades exige superar a exploração de uns pelos outros. (RAMOS, 2008, p. 4).
A especificidade do PROEJA indica uma abordagem curricular capaz de integrar conteúdos da formação geral de nível médio e conteúdos de um campo profissional específico, assegurando, ainda, a particularidade da Educação de Jovens e Adultos. Desse modo, adquire relevância o conceito de integração. Conforme Ciavatta (2005, p. 146):
Remetemos o termo [integrar] ao seu sentido de completude, de compreensão das partes no seu todo ou da unidade no diverso de tratar a educação como uma totalidade social, isto é, nas múltiplas mediações históricas que concretizam os processos educativos [...]. Significa que buscamos enfocar o trabalho como princípio educativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual, de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo, de formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos.
A integração entre conhecimentos científicos e tecnológicos implicaria, assim, na superação da mera justaposição de disciplinas, e ainda na tentativa de promover uma articulação entre saber científico e saber técnico com vistas à não reprodução da dualidade, marca histórica das relações entre formação científica e formação para o trabalho no âmbito do nível médio de ensino. Há que se destacar o significado de integração na perspectiva da simultânea referência aos conhecimentos científicos, tanto de cunho geral quanto específicos. Ou seja, a inter-relação entre ciência, trabalho e cultura.
A efetivação de um reordenamento curricular com base nesses postulados, traria, ainda, desdobramentos político-pedagógicos resultantes do processo de repensar as práticas de ensino, de planejamento e de avaliação. Essa necessidade encerraria a construção da perspectiva integrada no escopo dos desafios epistemológicos que oportunizariam rever a relação que alunos e professores têm travado historicamente com o conhecimento no interior das formas escolares consolidadas.
As proposições de integração curricular remetem à ideia de trabalho como princípio educativo, e sinalizam na direção das proposições de Antonio Gramsci (2000a, 2000b) que, ao fazer a crítica à escola tradicional enfatiza o modo como esta escola
A recusa de Tumolo de que o trabalho possa ser princípio educativo de uma proposta de educação emancipadora parece conter a recusa do princípio educativo do trabalho e isso se deve ao seu entendimento do trabalho no capitalismo como total negatividade. Essa posição, por sua vez, parece ocultar uma concepção da educação como total positividade. Ora, educar/formar não é apenas construir personalidades solidárias, criativas, éticas, etc.. O trabalho tem caráter educativo porque ele põe, constrói, afirma ou modifica o ser social independentemente da direção ou perspectiva para a qual aponte esse processo (SOUSA JUNIOR, 2010, p. 15).
Após extensa explanação, o autor conclui que a recusa desses autores ante a ideia de trabalho como princípio educativo se dá porque ambos "ignoram ou desconsideram a distinção entre "trabalho como princípio educativo" e "princípio educativo do trabalho" 2. Dessa análise se pode depreender, dentre outros aspectos, que se está diante de uma formulação complexa, que ao ser tomada como referência para proposições de cunho pedagógico curricular exige intensa análise e reflexão.
O Documento Orientador do PROEJA no Paraná
O Documento Orientador para a Educação Profissional integrada ao Ensino Médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos no Paraná – PROEJA- foi elaborado pelo Departamento de Educação e Trabalho, e afirma que essa política foi assumida em conjunto por este Departamento e pelo Departamento de Diversidade e de Educação Básica da Secretaria de Estado da Educação, onde estava sediada a EJA.
O Documento paranaense incorpora algumas das proposições do Documento Base do PROEJA (BRASIL, 2006) produzido pelo Ministério da Educação e contempla orientações para a implantação do Programa no Estado do Paraná. Está estruturado em onze seções^3 , de constitucionalização e justificação para essa política, até direcionamentos de ordem mais específica, como organização de turmas, avaliação e formação de professores. A presente análise se concentra em uma discussão qualitativa da seção 4 – Princípios norteadores da Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos no Paraná; da seção 5 – Perspectivas de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos no Paraná e da seção 6 – Fundamentos político-pedagógicos do currículo da Educação Profissional integrada à educação de Jovens e Adultos.
O Documento Orientador contextualiza a Educação Profissional no Paraná e afirma que esse estado, mesmo ainda durante a vigência do Decreto nº. 2.208 (BRASIL, 1997), implementou a oferta da Educação Profissional integrada ao Ensino Médio, e, com a promulgação do Decreto nº. 5.154 (BRASIL, 2004), deu-se a consolidação do que já estava sendo retomado desde 2003. As discussões acerca do Ensino Médio Integrado apontaram para uma perspectiva de formação capaz de articular trabalho, cultura, ciência e tecnologia, instituída como princípios fundantes da organização curricular integrada. Com isso, o
Estado do Paraná assume este princípio, tendo por referência as formulações de Antonio Gramsci (2000b).
Desse modo, a SEED, através do Departamento de Educação Profissional, assumiu o compromisso com uma política de Educação Profissional que tem o trabalho como princípio educativo, princípio este que considera o homem em sua totalidade histórica, e a articulação entre trabalho manual e intelectual a partir do processo produtivo com todas as contradições daí decorrentes para os processos de formação humana. (PARANÁ, 2007, p. 8).
Nas seções quatro e cinco do Documento Orientador (PARANÁ, 2007, p. 14, 19), as referências ao trabalho como principio educativo estão assim explicitadas:
O trabalho como principio educativo, pelo entendimento de que homens e mulheres produzem sua condição humana pelo trabalho – ação transformadora no mundo, de si, para si e para outrem. [...] Tomar o trabalho como principio educativo, articulando ciência, cultura, tecnologia e sociedade requer, uma sólida formação geral fundamentada nos conhecimentos acumulados pela humanidade e uma organização curricular que promova a apropriação dos saberes científicos e culturais tomando o trabalho como eixo articulador dos conteúdos.
Nas seções quatro, cinco e seis, o Documento (PARANÁ, 2007) traz como fio condutor o desafio da integração curricular – o desafio de integrar educação profissional e educação geral na modalidade EJA, o que, ao mesmo tempo, se apresenta como uma possibilidade de romper com a dualidade histórica entre educação básica e educação profissional, segundo esse Documento. Na seção quatro, um dos tópicos apresenta este desafio da seguinte forma:
e) a integração dos conhecimentos do Ensino Médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos como a formação profissional a partir do trabalho e da prática social, contemplando as diversas áreas que contribuem para a formação integral do cidadão e asseguram a possibilidade de continuidade dos estudos (PARANÁ, 2007, p. 15).
Na seção seis, o Documento apresenta a possibilidade desta integração a partir da construção do projeto político-pedagógico do curso.
b) A integração de conhecimentos da formação geral e profissional não se resolve através da junção de conteúdos, ela exige outro tratamento a ser dado ao projeto pedagógico, que tome o processo de trabalho e as relações sociais como eixo definidor dos conteúdos, além dos saberes que compõe as áreas do conhecimento; (PARANÁ, 2007, p.19).
Mudanças do Mundo do Trabalho e Educação, Possibilidades Teóricas e Metodológicas de Integração Curricular. A segunda ação referiu-se à apresentação de um estudo do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), sobre as potencialidades de geração de emprego nos municípios do Estado do Paraná.
A terceira ação consistiu da organização de grupos com os participantes para a discussão e proposição de sugestões para a construção do Documento Orientador que iria subsidiar as discussões mais descentralizadas e a elaboração da proposta pedagógica dos cursos nesta modalidade de ensino. Naquele momento, o Documento Orientador da SEED se apresentava em uma versão bastante preliminar, e ainda, denominada "Documento de trabalho".
Foi possível observar que, na maioria dos grupos, a discussão ficou muito centrada nas correções de aspectos formais, nomenclaturas, revisão gramatical, pequenas alterações, etc. Assim, o que era para ser o foco de discussão – análise dos fundamentos políticos, pedagógicos e curriculares, bem como, metodologicamente, promover a articulação entre educação geral e formação profissional no âmbito da proposta curricular integrada – acabou se perdendo na discussão dos grupos. Ao final do texto apontam-se possíveis explicações para isso.
As Oficinas: o professor como sujeito na elaboração das Propostas Curriculares Integradas
No que se refere à elaboração das Propostas Pedagógicas dos Cursos nas doze áreas profissionais que seriam ofertadas, a Secretaria do Estado de Educação organizou 12 oficinas por áreas profissionais, compreendendo vinte e quatro horas de discussão para configuração da Proposta Pedagógica em cada um dessas oficinas. Participaram dois representantes de cada escola, entre eles, professores, diretores e coordenadores dos cursos, além de representantes da SEED e dos Núcleos Regionais de Educação. Tendo em vista a participação nas Oficinas, foi solicitado aos integrantes que realizassem uma leitura prévia dos documentos orientadores, dentre eles: Documento Base do PROEJA, Primeira Versão do Documento Orientador da SEED e a Proposta Pedagógica do Ensino Médio Integrado do respectivo curso. Faz-se necessário destacar que parcela significativa desse grupo não tinha participado dos dois primeiros encontros.
A representante da Secretaria de Estado da Educação, SEED, coordenadora dos grupos, iniciava cada oficina com algumas orientações para os participantes, a saber: que o objetivo da oficina era a elaboração da Proposta Curricular; e que a base da elaboração dessas Propostas, para a maioria dos cursos, seriam as Propostas Curriculares dos cursos já existentes e ofertados na modalidade regular do Ensino Médio Integrado. Com exceção dos cursos Técnico em Nutrição, que não possui oferta no âmbito da rede estadual, e dos Cursos Técnico em Enfermagem e Técnico em Segurança do Trabalho, que possuem oferta, porém na modalidade subsequente, os demais tiveram sua propostas elaboradas a partir de outras existentes e ofertadas na modalidade regular.
A análise desse processo de elaboração das Propostas Curriculares para o PROEJA guiou-se por dois eixos investigativos: o da integração curricular e o do trabalho como
eixo integrador entre formação geral e formação profissional. Buscou-se analisar como os sujeitos – autores das propostas – incorporaram essas proposições presentes no Documento Orientador do PROEJA, que interpretação fizeram delas e como encaminharam sua incorporação no texto das Propostas Curriculares. A análise é feita a partir dos registros em seis das doze Oficinas realizadas.
Com relação ao primeiro eixo, a preocupação com a questão da integração curricular aparece de forma bastante circunstancial durante o processo de elaboração das Justificativas, Objetivos e Perfil do egresso. Somente em um dos Cursos manifestou-se a preocupação de que a perspectiva integrada estivesse posta ao longo da Proposta, e não somente no momento da discussão e definição das disciplinas.
No que se refere à discussão e definição da organização curricular – estrutura dos cursos em termos de disciplinas, ementas, programas e organização temporal – foi possível observar uma multiplicidade de compreensão acerca da perspectiva curricular integrada. É possível afirmar, no entanto, que a ideia predominante gira em torno de que promover a integração entre os conhecimentos próprios da educação geral e os conhecimentos específicos da formação profissional se circunscreve a um processo por meio do qual se "juntam" conteúdos de diferentes disciplinas em uma única disciplina. Conforme um dos participantes:
É necessário fazer uma análise das ementas para retirar as repetições. Por exemplo, se Geografia já trata de noções de cartografia e mapeamento, é desnecessário tratar de novo em "Estudo de impactos e monitoramento ambiental", como está na proposta do Ensino Médio Integrado (Participante de uma das Oficinas).
Embora no primeiro dia de cada Oficina, tenham sido apresentadas as proposições do Documento Orientador, as discussões acerca das disciplinas centraram-se mais na questão da junção dos conteúdos, entendendo-se a integração curricular como junção entre conteúdos específicos da formação profissional e conteúdos da base nacional comum. A questão do trabalho como princípio educativo e eixo integrador não foi evidenciada ou apareceu de forma bastante pontual, quando se fazia referência ao pressuposto de que os educandos da EJA trazem experiências distintas dos educandos do Ensino Médio Integrado muitas delas balizadas pela inserção no trabalho.
O processo de junção de disciplinas foi marcado, por vezes, por disputas "territorializadas", em que alguns dos participantes manifestavam a concordância com proposições nessa direção, e outros se colocavam em oposição à determinada proposta de junção. Frequentemente, esses embates ocorreram sem que se consolidassem argumentos ou justificativas assentados nas proposições e princípios do Documento Orientador, mas na personificação das disciplinas nos professores que as ministram. A título de exemplificação, reproduz-se abaixo o registro de um dos observadores:
Houve uma discussão acirrada que permeou toda a Oficina: A permanência de "Anatomia e Fisiologia" como disciplina ou diluir seus objetivos na disciplina Biologia.
Um Professor afirma que o curso do ensino médio integrado é para quatro anos, e o PROEJA vai formar em três anos. Outro Professor argumenta que a base comum tem 2.400, e agora vai para 1.200. Um outro Professor considera que o aluno é diferente pela idade e conhecimento que traz. Assim, o tempo é diferente. Um dos participantes afirma: Vamos ter de pensar muito os conteúdos, bem pensado, bem enxugado (Registro de campo de um dos pesquisadores).
De outra Oficina reproduz-se a fala de um dos participantes:
Qual o tempo necessário? Qual o tempo necessário para cada disciplina? Este é o maior quebra-pau! Jesus amado! É quase preciso apartar o povo. Não é fácil! Mas se a gente tiver essa visão integrada de currículo, de projeto político pedagógico, quando chegar aí nós não vamos ter problemas, por que nós vamos pensar neste todo, pensar na questão da integração. Para que que eu vou criar esta disciplina se ela já entrou aqui, se ele pode muito bem entrar aqui. Então, é só aumentar o número de horas aqui e este mesmo professor vai trabalhar e ninguém vai perder aula. Ninguém vai perder! (Participante de uma das Oficinas).
Sobre o segundo eixo investigativo – a interpretação dos sujeitos-autores das Propostas sobre a proposição do trabalho como eixo integrador - foi possível identificar que essa proposição foi considerada nos momentos de discussão e definição das justificativas, objetivos, e do perfil do egresso. No entanto, o trabalho foi considerado prioritariamente em sua dimensão técnica, circunscrita à discussão principalmente ao desempenho do futuro profissional. Foram raras as vezes em que houve alguma manifestação acerca da dimensão ontológica do trabalho. A discussão distanciou-se, assim, consideravelmente, das formulações do Documento Orientador. As asserções acima evidenciam-se nos argumentos dos participantes.
Em uma das Oficinas, a título de ilustração, no momento da definição do perfil profissional um integrante afirmou que não é de competência do técnico tomar decisão, mas atuar, o que sugere o privilegiamento da dimensão do fazer, em detrimento da necessidade do "saber", associado à esfera da ciência. A partir desta fala houve uma discussão se o técnico deve tomar decisão ou não. Um dos integrantes reitera que a tomada de decisões pelo técnico vai contra a Lei que regulamenta o exercício profissional. Um outro integrante sugere a retirada de "processo de decisão" do perfil do formando, mas um outro participante questiona: "Como pode haver um profissional que não toma decisão?". Um professor assevera, por fim, que o conselho profissional não permite que o técnico nem o tecnólogo tomem decisões, mas somente o bacharel.
Em outra Oficina, afirmou-se que, no que se refere à formação geral, seria importante garantir conhecimentos técnicos e científicos que assegurassem autonomia intelectual e ética no processo de construção humana, mas que o técnico, no que se
refere ao exercício profissional, teria que estar subordinado ao profissional formado em nível superior.
A proposição do trabalho como princípio educativo foi contemplada, portanto, de forma bastante parcial e restritiva, distanciando-se conceitualmente em relação às proposições do documento da SEED, estando presente nas discussões sobre as justificativas, objetivos e perfil do egresso em todos os Cursos. No entanto, foi possível constatar que tal proposição simplesmente desaparece no momento da discussão sobre organização curricular.
Em nenhuma das Oficinas o princípio educativo do trabalho foi tomado como eixo que poderia ser capaz de conferir outra possibilidade interpretativa em direção à integração curricular e à articulação entre educação geral e formação profissional. Os dados coligidos permitem indicar que no processo de elaboração das propostas curriculares se evidencia uma apropriação formal do discurso sobre o princípio educativo do trabalho; e, ainda, que a formulação disciplinar original presente nas propostas já existentes nos cursos de educação profissional integrada ao ensino médio, ponto de referência da elaboração das propostas dos cursos para o PROEJA, se colocara como obstáculo ao avanço na construção de novas possibilidades de integração.
Considerações finais
Evidenciou-se, nas discussões entre os educadores participantes do processo estudado, uma grande preocupação com o tempo necessário para materializar uma proposta para esta modalidade de ensino. Essa preocupação exprime um cuidado especial com o processo de implantação de uma nova política. Foi possível constatar, entretanto, que o tempo foi um aspecto a partir do qual muitas lacunas se entremearam ao processo de implantação do PROEJA na rede estadual paranaense. É possível inferir que o resultado final dos Encontros e Oficinas ficou fragilizado pelo pouco tempo conferido para as discussões e para as decisões, por exemplo, no que se refere às propostas curriculares.
Outro fator a destacar se deve à constatação de que os participantes nem sempre eram os mesmos nos Encontros e Oficinas, o que gerou um processo de descontinuidade das discussões que pode ter interferido nas decisões quanto à implantação e, principalmente, as que se referem às propostas curriculares. Das Oficinas para elaboração das Propostas não estavam presentes professores das disciplinas do Núcleo Comum de formação geral, o que se apresentou como um aspecto dificultador e, por vezes, impeditivo de uma discussão mais qualificada sobre as possibilidades de integração curricular.
Outra constatação relevante é a de que, nas Oficinas, poucas vezes os participantes recorreram ao Documento Orientador, onde se propunham as bases teórico-metodológicas e epistemológicas com vistas à integração curricular. Suas atenções se concentraram nas bases curriculares propostas para o Ensino Médio Integrado na modalidade regular, ou seja, no modelo "já pronto". Desse modo, emerge um questionamento: em que condições os participantes poderiam decidir sobre a integração curricular sem terem um posicionamento claro acerca das proposições do Documento definidor das bases
responsabilidade em promover a integração daquilo que se encontra cindido para além dos muros da escola não se estaria recaindo em uma espécie de "filosofia do sujeito" (BIANCHETTI; JANTSCH, 1995), a partir da qual se depositaria, uma vez mais, no professor, a crença, a expectativa e a responsabilidade de recompor aquilo que está, na sociedade, estruturalmente cindido, separado? Os limites identificados na presente pesquisa sinalizam nessa direção.
Do exposto, é possível concluir que para que se prossiga em direção a uma efetiva integração curricular entre educação geral e formação profissional, se faz necessário repensar a organização pedagógica e curricular em bases que superem as velhas formas marcadas pela simples justaposição entre esses dois campos da formação. Nesse sentido, torna-se imperativa uma efetiva articulação entre teoria e prática, entre ciência e técnica, entre trabalho e cultura, de modo a gerar a compreensão do significado histórico e social do trabalho, da ciência, da cultura e da tecnologia.
Dito de outro modo, a integração curricular pressupõe uma perspectiva curricular que trate, pelo princípio da indissociabilidade, respeitando, porém, as especificidades, a relação entre conhecimentos gerais e tecnológicos ou específicos. Tal perspectiva, construída sobre o eixo integrador trabalho-ciência-cultura-tecnologia, dada sua complexidade e a forma histórica desses elementos em nossa sociedade, impõe necessariamente o envolvimento direto dos sujeitos da escola por meio do estudo e da reflexão crítica profunda acerca do trabalho, da ciência, da cultura e da tecnologia, permitindo maior aproximação de uma possível integração do mundo da cultura com o mundo do trabalho, de uma articulação mais consistente entre formação geral e profissional.
Importa, por fim, lembrar que, conforme Gramsci (2000b, p. 36), para que a escola unitária se realize em pleno sentido é preciso compreender que:
A escola unitária requer que o Estado possa assumir as despesas que hoje estão a cargo da família no que toca à manutenção dos escolares, isto é, requer que seja completamente transformado o orçamento do ministério da educação nacional, ampliando-o enormemente e tornando-o mais complexo: a inteira função de educação e formação de novas gerações deixa de ser privada e torna-se pública, pois somente assim ela pode abarcar as gerações, sem divisões de grupos ou castas. Mas esta transformação da atividade escolar requer uma enorme ampliação da organização prática da escola, isto é, dos prédios, do material científico, do corpo docente, etc.
Referências
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