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Uma análise da poesia concreta brasileira, sua evolução e as controvérsias que envolveram este movimento artístico. O texto aborda as objeções de críticos como paulo franchetti e décio pignatari sobre a importância e praticidade da poesia concreta. Além disso, são discutidos os contrastes entre poesia objetiva e poesia lírica, e a relação entre eles na poesia concreta.
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Tipologia: Notas de estudo
Compartilhado em 07/11/2022
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Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP THIAGO BUORO
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutor em Letras. Linha de pesquisa: Teoria e Crítica da Poesia Orientadora: Profª. Drª. Fabiane Renata Borsato ARARAQUARA – S.P. 2020
THIAGO BUORO
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutor em Letras. Linha de pesquisa: Teoria e Crítica da Poesia Orientadora: Profª. Drª. Fabiane Renata Borsato Data da defesa: 31 / 07 / 2020 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientadora: Profª. Drª. Fabiane Renata Borsato Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – UNESP Campus Araraquara Membro Titular: Profª. Drª. Guacira Marcondes Machado Leite Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – UNESP Campus Araraquara Membro Titular: Prof. Dr. Adalberto Luis Vicente Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – UNESP Campus Araraquara Membro Titular: Profª. Drª. Francine Fernandes Weiss Ricieri Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP Campus Guarulhos Membro Titular: Prof. Dr. Rogério Barbosa da Silva Centro Federal de Educação Tecnológica – CEFET Minas Gerais Local : Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – UNESP Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara
Em meados do século XX, surgem em vários países do mundo movimentos artístico-literários comprometidos em radicalizar a criação de poesia, promovendo a mistura entre o código verbal e o visual e organizando o texto segundo uma sintaxe não mais linear, mas espacial. Conhecida genericamente como poesia experimental, ou poesia visual, a produção poética desse período constitui atualmente um código estético claramente caracterizado, portanto delimitado historicamente, embora muitos poetas deem continuidade ao projeto inovador. Existe, pois, uma tradição da poesia visual. No Brasil, o movimento inaugural recebeu o nome de Concretismo e teve seu lançamento oficial em 1956 numa exposição do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Na França, foi mais tarde, em 1962, que Pierre Garnier publicou na revista Les Lettres o “Manifesto por uma poesia visual e fônica”, fundando assim o denominado Espacialismo. Embora compartilhem propostas similares, os dois movimentos, condicionados em seus respectivos sistemas literários e culturais, apresentam várias distinções. Uma delas diz respeito justamente àquilo que caracterizou a estética dos irmãos Campos e Décio Pignatari: o materialismo da forma. A poesia espacialista, inversamente, tende a sobrecarregar a matéria, também seu elemento fundamental de composição, de uma misteriosa potência sensível, muito próxima do que se compreende por lirismo. A comparação entre o Concretismo e o Espacialismo é a tarefa desta pesquisa, cujo objetivo é identificar as semelhanças e as diferenças da técnica, da proposta e dos significados estéticos que tiveram e continuaram a ter em seu ambiente cultural. As teorias de base se dividem fundamentalmente em: teoria do texto pluricódigo; teoria da modernidade, das vanguardas e das neovanguardas; teoria da literatura. Entre a reflexão e a análise de poemas, a pesquisa tem o compromisso também de divulgar aqui no país o casal de poetas franceses fundadores do espacialismo: Pierre e Ilse Garnier. Palavras-chave: Concretismo. Espacialismo. Poesia visual. Neovanguardas.
Au milieu du XXe siècle, des mouvements artistiques et littéraires sont apparus dans divers pays du monde, déterminés à radicaliser la création poétique, à favoriser le mélange entre code verbal et visuel et à organiser le texte dans une syntaxe non plus linéaire, mais spatiale. Généralement connue sous le nom de poésie expérimentale ou poésie visuelle, la production poétique de cette période est aujourd'hui un code esthétique clairement caractérisé, un code délimité par l’histoire, même si des poètes poursuivent le projet novateur. Donc, il’y a une tradition de poésie visuelle. Au Brésil, le mouvement inaugural a reçu le nom de Concrétisme et il a été officiellement lancé en 1956, lorsque une exposition de poésie concrète a été inaugurée au Museu de Arte Moderna de São Paulo. En France, c'est en 1962 que Pierre Garnier a publié dans la revue Les Lettres le “Manifeste pour une poésie visuelle et phonique”, fondant ainsi le Spatialisme. Bien qu'ils partagent des propositions similaires, les deux mouvements, qui dépendent de leurs systèmes littéraire et culturel respectifs, présentent plusieurs distinctions. L'une d'elles concerne précisément ce qui caractérise l'esthétique des frères Campos et Décio Pignatari: le matérialisme de la forme. Inversement, la poésie spatialiste, qui utilise également la matière comme élément fondamental, tend à lui donner un pouvoir sensible, mystérieux, très proche de ce que l’on comprend par le lyrisme. La comparaison entre le Concrétisme et le Spatialisme est l’objet de cette recherche, dont l’objectif est d’identifier les similitudes et les différences de technique, de proposition et signification esthétique au sein de chaque environnement culturel. Les théories de base sont fondamentalement divisées en: une théorie du texte pluricode; une théorie de la modernité, de l’avant-garde et de la néo-avant- garde; une théorie de la littérature. Cette recherche qui pense et analyse les poèmes est également engagée dans la diffusion de la poésie d'Ilse et Pierre Garnier au Brésil Mots-clés: Concrétisme. Spatialisme. Poésie visuelle. Néo-avant-gardes.
O concretismo brasileiro e o espacialismo francês propuseram, nos idos de 1950 e 1960, formas alternativas de composição poética caracterizadas pela mistura das linguagens verbal e visual. Constituem incursões da literatura pelo domínio de outros gêneros artísticos, particularmente as artes plásticas, no exato momento em que estas desenvolveram pesquisas radicais dentro do que se convencionou chamar de abstracionismo, do qual Max Bill, o pintor concretista que se tornou referência para os poetas concretos, é herdeiro direto. Em tentativa vanguardeira de inovação – uma vez que determinadas literaturas passavam por certo arrefecimento após o impacto das correntes modernistas do começo do século XX – , os poetas arriscaram transpor os limites do meio verbal e concederam à palavra funções típicas do objeto visual, de modo que a leitura transformou-se num complexo ler-ver. Mantiveram persistentemente o compromisso de renovar o poema, arte da palavra, ao submetê-lo a determinadas leis semióticas do signo visual. A teoria do que, por sugestão do semioticista belga Jean-Marie Klinkenberg (2008), chamei, na Dissertação de mestrado, de texto pluricódigo tem por pressuposto o seguinte: A diferença entre o texto linguístico e o texto visual repousa, sobretudo, numa diferença semiótica decorrente do canal físico. A arte visual se especifica porque ocupa o espaço de duas ou três dimensões; a poesia, porque está ligada à linearidade própria do canal oral, unidimensional. Mas na medida em que a poesia enquanto linguagem é escrita, ela toma inevitavelmente o canal visual. Isso parece ter escapado à teoria de Lessing, preocupada em estabelecer bem as fronteiras entre pintura e poesia. Portanto, a língua escrita opera dois canais simultaneamente: o oral e o visual. (BUORO, 2014, p. 7). Agora, o interesse se volta para a discussão dos critérios propriamente literários do poema visual. Deve-se investigar como, no seio do processo histórico da literatura, a forma concretista e a forma espacialista, em paralelo, se constituem. Há razões satisfatórias em eleger o modelo francês para a comparação. Uma delas é o fato de a França ter sido o centro da primeira vanguarda e influído diretamente sobre o modernismo brasileiro, do qual sucede o concretismo do Noigandres que, por fim, retorna ao país europeu nas condições de inteligência soberana, capaz de ser absorvida pelo espacialismo, formando uma cadeia de acontecimentos interessante ao trabalho de comparação, sobretudo quando se considera a questão das “dependências culturais”, discutida por Tania Franco Carvalhal (1992). Por outro lado, ao contrário do que aparentemente ocorrera com outros movimentos, como o português – e mesmo assim é preciso diferenciar: uma Ana Haterley, por exemplo, é tão diversa de um Melo e Castro
Mesmo nos momentos de vanguarda, nunca abandonou o verso. Pelo contrário, seus textos críticos (seriam de fato vanguardistas?) comprovam uma surpreendente atitude conciliatória, que exclui a iconoclastia, o gesto radical, a vontade beligerante. Foi nos anos de 1960 que ele e sua esposa, a escritora alemã Ilse Götell, amparados pela rede internacional de poetas visuais e sonoros, lançaram o Spatialisme. O Primeiro Manifesto e o Plano Piloto foram publicados, respectivamente em 1962 e 1963, na revista dirigida por André Silvaire e coeditada por Pierre, a Les Lettres. O casal manteve intenso contato com poetas de diversos países, como os concretistas brasileiros, dos quais traduziu e publicou na França o Plano Piloto da Poesia Concreta. Sob o nome de Spatialisme , são reunidas diferentes correntes experimentais. Ou seja, antes de ser uma proposta nova, Espacialismo é um centro de convergência. Profunda estudiosa da obra dos poetas na França, Isabelle Maunet-Salliet (2012, p. 10) explica: “[...] émergera, au fur et à mesure du retrait de tout dogmatisme, une définition ouverte de la poésie spatiale rejetant tout radicalisme et toute forme arrêtée au profit de l'inachevé ”^3. Surgido posteriormente a vários outros movimentos afins e tendo como ambiente sociocultural o país de concentração das primeiras vanguardas do século XX, o Espacialismo tornou-se espaço de reflexão e de acomodação, no qual a criação de poemas pôde prescindir da necessidade propriamente vanguardista de transformação. Maunet-Salliet (2012, p. 10 - 11) faz uma definição sucinta da poesia espacialista produzida pelo casal Garnier: [...] une mise en et sous tension énergétique, dans l'espace page/livre, de mots, de syllabes, de lettres, de lignes, de points, de chiffres, dont les constellations lyriques et anonymes établissent, hors de tout discours continu, un champ de forces, d’attractions et de relations en perpétuels mouvement et mutation.^4 Uma poesia que se insinua fora do padrão estabelecido pelo concretismo brasileiro em sua fase ortodoxa, qual seja: a forma funcional, a autonomia e a objetividade absoluta, verificáveis nos 12 poemas-cartazes fundantes do Plano-Piloto, sobre os quais Haroldo de Campos (2002, p. 39), rememorando, declara: “[...] o todo formava uma virtual exposição portátil, uma poesia anônima, coletiva, reduzida a denominadores estilísticos comuns, que procurava realizar a meta mallarmeana do ‘desaparecimento elocutório do eu’.” (^3) “Emergirá, à medida que todo dogmatismo é retirado, uma definição aberta de poesia espacial, rejeitando todo radicalismo e toda forma pronta, em benefício do inacabado”. (^4) “Um arranjo em e sob tensão enérgica na página/livro, de palavras, sílabas, letras, linhas, pontos, figuras, cujas constelações líricas e anônimas estabelecem, fora de todo discurso contínuo, um campo de forças, de atrações e de relações em perpétuo movimento e mutação.”
Embora haja muitas semelhanças com o concretismo brasileiro, que foi lido e interpretado de uma maneira particular pelo casal Garnier, o espacialismo aponta diferença sobretudo no modo de significar: menos o jogo de palavra e mais o pendor analógico. E não temeu avançar um limite que a poesia concreta, entendida em sua fase de vigência, não em seus desdobramentos, temia ultrapassar: a integridade da palavra. Na sua fase mais madura, os sintagmas se tornam cada vez mais breves, as palavras se isolam, depois se reduzem a sílabas e a letras, por fim são utilizados apenas sinais de pontuação. Uma poesia que Barthes (1990) chamaria de poesia da escrita. Uma abertura não para o além da linguagem, mas para uma instância negligenciada da linguagem. Os Garnier, ao abrir a materialidade escritural para as possibilidades significantes da linguagem visual, devolvem o poema para certa região primitiva do domínio lírico, capaz de garantir a comunicabilidade na contramão da práxis concretista brasileira. Pierre Garnier (apud PERRIOL, 2012, p. 12) sobre seus “Poemas mecânicos”, feitos à máquina de escrever, revela: “[...] ce que nous enregistrons c’est une prépensée qui ne s’est pas encore solidifiée dans les mots. Qui ne s’est pas encore codifiée ”^5. A forma desses poemas se distingue daquela geométrica e funcional, inspirada na escola Bauhaus, que plasma os poemas concretistas do grupo Noigandres. Outra diferença que se destaca está no entendimento da interação entre os estratos fônicos e visuais da palavra. Se o concretismo reivindica uma estrutura em que participem simultaneamente o elemento semântico (o verbal), o elemento fonético intrínseco à língua ocidental (o vocal) e o elemento visual da nova organização analógico-espacial – síntese a que se denominou com a fórmula joyceana “verbovocovisual” – , o espacialismo, por outro lado, reconhece, de certo modo, categorias diferentes para o predomínio do visual ou do verbal, mesmo que eles se complementem entre si. “ L’art des mots dans la poésie visuelle, l'art des phrases projetées par la voix dans la poésie phonique sont tonifiants, gais, excitants ”^6 , declara Pierre Garnier (2012a, p. 78) no seu manifesto, cujo subtítulo confirma a separação: “para uma poesia nova, visual e fônica”. As diferenças participam de oposições maiores, analisáveis em níveis profundos de significado. Uma dessas oposições pode ser aquela identificada por Octávio Paz (2013) quando analisa as contradições da modernidade estética especificamente no período das vanguardas, que, segundo ele, reproduz o espírito romântico: a analogia e a ironia. A primeira é crítica da (^5) “[...] o que nós registramos é um pré-pensamento que ainda não se solidificou nas palavras. Que ainda não se codificou”. (^6) “A arte da palavra na poesia visual, a arte das frases projetadas pela voz na poesia fônica são tonificantes, alegres, excitantes”.
2.1 Poesia autônoma A poesia concretista não é nada alheia aos princípios da poesia moderna. Tanto suas pesadas negações, típicas da vanguarda, quanto suas proposições, que ajudam a reorganizar o espaço cultural da literatura, ilustram fatos conhecidos da esfera contraditória da modernidade. Historicamente, ela tem sido colocada no âmbito do desenvolvimento da arte que elegeu a si mesma como finalidade última. L’art pour l’art , que Théophile Gautier escancarou num método estético antagônico à intencionalidade ética e que posteriormente ganhou adeptos restritos e irrestritos. Na Grécia helenística, era compreendida sob o termo de tekhnopáignion , que significa “passatempo engenhoso”. Alguns poemas de Símias, Teócrito, Dosíades e Vestino compõem-se de acordo com o paradigma visual da escritura. “Devemos entendê-los como produto de uma época de reconstrução sociocultural, cujos poetas, embora reverenciem o passado, buscam trilhar novos caminhos”, explica Maria Celeste Dezotti (2010, p. 16). Tekhnopáignion era uma engenhosidade reservada aos espíritos mais progressistas. O paroxismo técnico esteve constantemente associado à força criadora, a ponto de a própria criação artística ser identificada ao processo inovador. Arte não seria nada muito além da experiência com a forma, da manipulação ilimitada dos seus elementos constituintes. Esse é um dos postulados do Concretismo, ainda que disfarçado, muitas vezes, sob a defesa de razões contingenciais, as quais não deixam, entretanto, de ter importância, ou até mais importância, nos grupos de vanguarda. Décio Pignatari, já antes da elaboração conjunta dos manifestos concretistas, repetia a famosa declaração que o poeta Mallarmé parece ter feito ao artista Degas, de que “a poesia se faz com palavras” (CÂNDIDO, 1996, p. 59). Em depoimento ao Jornal de São Paulo , em 1950, escreve: “Um poema é feito de palavras e silêncio. Um poema é difícil” (PIGNATARI, 2006a, p. 19). A poesia de palavras, sabe-se, tornou-se o estandarte da poesia dita autônoma, ou poesia pura, ou poesia absoluta. No lugar de falar ao leitor, ou, nos termos de Michael Hamburger (2007), de lhe comunicar as verdades do mundo, o poeta pretende erigir uma complexa construção de matéria linguística, cuja presença sensível se antecipe à referencialidade. Pierre Garnier (2009a, p. 39) reconhece o processo, no qual também imerge enquanto poeta de vanguarda: “ La poésie n’est plus une oeuvre qui organize des choses, mais simplement une
information esthétique ”^7. Tomada da teoria do filósofo Max Bense, uma referência importante para os autores concretistas, a teoria da informação estética minimiza a atuação do campo referencial e do campo subjetivo, a favor da qualidade informacional dos elementos materiais do objeto artístico. Sabe-se que Alfonso Berardinelli denunciou na conhecida obra de Hugo Friedrich, Estrutura da lírica moderna , a tentativa de redução da polivalente poesia moderna ao modelo da poesia pura. “Trata-se de uma espécie de reformulação sistemática da poética da poesia pura e do hermetismo”, escreve Berardinelli (2007, p. 21). Identificada sobretudo ao esteticismo de Mallarmé, a poesia pura apresentada por Friedrich aparece alienada da história, das circunstâncias particulares de cada autor e da subjetividade criadora expressa no eu poético. É uma lírica que “não necessita mais do mundo, evita qualquer vínculo com a realidade”. Ao extremo, “fecha-se numa dimensão absolutamente autônoma” (BERARDINELLI, 2007, p. 21). Ao contrário de constituir sua essência, essa lírica da autonomia representa, segundo Berardinelli (2007), apenas um dos momentos da poesia moderna. E é desse momento de exceção formalista que participaria, evidentemente, a poesia concreta. A crítica indireta que Berardinelli faz à poesia concreta coincide com a crítica aos perigos de se levar às últimas consequências o projeto esteticista da arte pela arte. Com o passar do tempo, o poder de provocação das formas avessas à finalidade referencial teria perdido a vitalidade, convertendo-se em padrões módicos de criação. Com isso, a necessária dinâmica da elaboração da forma no interior da expressão criativa se viu ameaçada. A obscuridade e o antagonismo do estilo moderno foram, assim, constituindo- se paulatinamente numa espécie de jargão. A combinatória linguística tornou- se com o tempo cada vez mais autônoma e livre de resistências. A “transcendência vazia” e a “agressividade dramática” que Friedrich atribuía à lírica moderna perderam sua carga dialética. Na última página do livro, o crítico manifesta sem rodeios a sua preocupação por esses riscos de involução. (No prefácio de 1966, ele concluirá com as seguintes palavras: “Todavia é claro que a assim chamada ‘poesia concreta’, com seu amontoado de palavras e sílabas despejadas de maneira mecânica, não pode ser, graças à sua esterilidade, levada em consideração”.) Mas talvez Friedrich não percebesse inteiramente a relação entre a sua descrição “estrutural” da poesia moderna como fuga da realidade e autonomia da linguagem e os produtos dos novos vanguardistas, com seu jargão da modernidade e sua abstrata concretude. Mais que iluminar o estado presente da “tradição do novo”, uma descrição a- histórica da poesia contemporânea e de sua novidade só contribuía para criar o kitsch do moderno como forma vazia e intercambiável. (BERARDINELLI, 2007, p. 40 - 41, grifo do autor). (^7) “A poesia não é mais uma obra que organiza coisas, mas é simplesmente uma informação estética”.
terreno da primazia da forma, não prescinde das tensões que submetem a lírica moderna e está sujeita às mesmas forças da comunicação e da não-comunicação. 2.2 Forma e comunicação Um dos problemas para que se reconheça comumente a faculdade de comunicação da poesia concretista é um fato ligado a seus procedimentos: a abolição do discursivo, ou seja, dos sintagmas linguísticos essenciais. Sem enunciado, sem encadeamento lógico da frase, o sentido parece não se efetivar. De fato, da maneira como acontece na língua oral, aquela que historicamente tem condicionado a escrita na sua realização e na sua valoração, o poema concretista não comunica. Ele muitas vezes funciona, aliás, como antídoto à modalidade linguística da fala. Resiste a falar da maneira como costumeiramente falam os discursos conceituais ou até mesmo os discursos considerados literários. As possibilidades de apreensão de sentido do poema concretista dependem inteiramente da sua nova enunciação, plasmada nos limites da modalidade escrita da língua. Referindo-se aos poemas os mais herméticos, incluindo aqueles declaradamente esquivos, Michael Hamburger (2007, p. 31) alerta “[...] que a comunicação é uma função intrínseca à poesia, mesmo quando o poeta está consciente de não querer comunicar nada em particular, quando ele escreve para os mortos ou para ninguém”. Em outro momento em que, como Berardinelli, contesta o reducionismo de Friedrich, escreve que “[...] a própria linguagem garante que nenhuma poesia seja totalmente desumanizada” (HAMBURGER, 2007, p. 48), ou seja, que o simples uso da linguagem, dispositivo essencialmente humano, impõe ao poema criar relações entre o pensamento e as coisas. É curioso que para ilustrar isso, ele mencione diretamente a poesia concretista: “[...] algo dessa intercambialidade parece ligar-se até mesmo às experiências mais recentes num tipo de poesia que nem expressa nem registra coisa alguma, mas torna as palavras e suas relações recíprocas seu único material” (HAMBURGER, 2007, p. 48 ), poesia essa que chama paradoxalmente de “abstrata” e “Concreta”. É importante reafirmar a dominância da linguagem verbal no poema concretista, uma vez que o discurso fraturado e a colaboração visual podem insinuar a migração para outros campos semióticos. Com efeito, não é incomum encontrar experiências em que a presença da palavra é tão reduzida – às vezes resumida apenas ao título – que a leitura tradicional não consegue realizar a decodificação e as implicações de sentido. O risco se expressa na análise que Michel Déguy (2008, p. 395 , grifo do autor) faz do contexto contemporâneo da lírica, no qual se estende o uso de novas mídias: “Trata-se de nada menos que a saída da poesia da esfera
do lógico , no sentido arcaico grego, da palavra ( logos ), das línguas e do linguístico ( logikon )”. Trata-se da esfera do lógico compreendida em sua irredutível inteireza, na sua morfologia e na sua sintaxe naturalmente discursiva. Déguy (2008, p. 395, grifo do autor) completa que a poesia também ameaça fugir “[...] daquilo que Barthes (último curso no Collège de France) chamava frase ”. Afinal, só a frase, ou minimamente ela, em sua unidade discursiva, seria garantidora da comunicação de noções lógicas complexas. Déguy (2008, p. 399), um poeta de grande inteligência e criatividade, luta pela preservação da língua de fala: “[...] nós conservamos o elemento no qual o poema se inventa e se escreve, o logikon – que não é um meio entre outros”, mesmo numa época, a contemporânea, marcada pela escrita generalizada, que ele chama de “parabólica”: mistura de gêneros, associação de artes e novas técnicas. Dentre esses novos meios em que o poético viria a se imiscuir estaria a prática atualmente difundida da oralização, performatização da linguagem, prática que se dá por meio do corpo. Corpo mediador da palavra. A linguagem não é um dos meios da poesia, “um entre outros”, porque poesia é a manifestação da linguagem. É quando, pela linguagem, e só por ela, a consciência fala. A relação entre palavra e pensamento é intrínseca e absoluta. O exemplo de Déguy (2008, p. 404, grifo do autor) aponta a fé implacável na palavra divina contida no Alcorão: “Vá, então, explicar a um mulçumano que o seu Livro é um suporte cambiante, que o Alcorão poderá ser visto em vídeo ou em história em quadrinho”. Palavra não é meio do pensamento, palavra é pensamento. E poesia se faz com palavras, porque ela quer transmitir pensamentos. Então o argumento se reveste de preocupação: “Que fortes razões temos nós, os tradicionais, para manter o futuro-que-virá-a-ser da escrita, a perenidade do logos-livro” (DÉGUY, 2008, p. 402, grifo do autor). Déguy (2008), no provocativo artigo intitulado “Poesia sem palavras?”, não menciona explicitamente a poesia concreta, mas ela inevitavelmente ocorre na imaginação do leitor. Coube a Marcos Siscar conectar a crítica do francês ao exercício do poema visual, que em terras brasileiras nunca deixou de causar controvérsia. É, aliás, a partir da controvérsia provocada por um defensor do Concretismo, o poeta Luis Dolhnikoff, ao recolocar a divisão entre o verbal e o visual, que Siscar realiza intensa reflexão. Rebatendo o famoso gesto extremista de decreto do fim do verso, válido apenas dentro do programa vanguardista, Siscar (2007, p. 217) afirma: “não há nada além do verso, em poesia”. O verso, que na poesia corresponde à unidade frasal a que se referia Déguy (2008), é o único e imutável meio da poesia. Ele revisita Mallarmé, apontado pelos concretistas como responsável pela cisão, e conclui que, na verdade, a crise de verso ( Crise de vers , texto em que o mestre francês discute o assunto) nada mais era do que a aguda consciência das dificuldades impostas pela forma do poema. Consciência essa que deve