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Este documento oferece uma análise comparativa da noção de sujeito cognoscente a partir da perspectiva de immanuel kant e max weber. A primeira parte do texto aborda a noção de sujeito transcendental em kant, examinando suas fontes do conhecimento, o papel desempenhado pelo sujeito e a demarcação finita da realidade cognoscível. A segunda parte situa-nos no campo epistemológico de weber, indicando a estratégia cognitiva do sujeito cognoscente weberiano como ordenadora e representacional do conjunto infinito do real. Os desafios da produção do conhecimento nas ciências sociais são discutidos, destacando a importância das questões de fundamentação do conhecimento para weber.
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Tipologia: Notas de aula
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Carolina Stéphanie Rodrigues Gonçalves^1 Resumo: Busco oferecer uma análise da noção de sujeito cognoscente a partir de dois registros epistemológicos: o kantiano e o weberiano. Para tanto, delineio a primeira destas duas noções - o sujeito transcendental - sob a perspectiva de Kant (I), a partir das seguintes questões: i) as fontes do conhecimento; ii) o papel desempenhado pelo sujeito; e iii) a demarcação finita constitutiva da realidade cognoscível (fenômenos). Analisá-las-ei a partir das aparições desta noção na sua própria obra Crítica da razão pura (1781). Em seguida, passo a analisar como a noção de sujeito cognoscente aparece, sobretudo, no ensaio A "objetividade" do conhecimento na ciência social e na ciência política, de Weber, (II), visando mostrá-la sob as seguintes questões: i) o impasse epistemológico entre as noções de trabalho cognitivo e empiria; e ii) a questão da subjetividade na estratégia cognitiva weberiana. Concluo com uma breve análise das principais influências da corrente neokantista sobre a noção weberiana de sujeito cognoscente e as especificidades apresentadas por esta em relação àquela. Palavras-chave : Epistemologias; Kant; Sujeito transcendental; Weber; Sujeito histórico.
Abstract: I seek to offer an analysis of the “cognizant subject” notion based on two epistemological registers: the Kantian and the Weberian. To this end, I outlined the first of these two notions - the transcendental subject – based on Kant’s perspective (I), using the following questions: i) the sources of knowledge; ii) the role played by the subject; and iii) the constitutive finite demarcation of the knowable reality (phenomena). I will analyze them from the appearances of this notion in his work Critique of Pure Reason (1781). Then I will analyze how the notion of cognizant subject appears above all in Weber's essay The Objectivity of Knowledge in Social Science and Political Science in order to show it under the following questions: i) the epistemological impass between the notions of cognitive work and empirics; and ii) the question of subjectivity in the Weberian cognitive strategy. I conclude with a brief analysis of the main influences of the neokantian current on the weberian notion of cognizant subject and the specificities presented by it in relation to that one. Keywords : Epistemologies; Kant; Transcendental subject; Weber; Historical subject. (^1) Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG). Atualmente é bolsista- voluntária do Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica (PIVIC/CNPq).
Introdução Situando-nos campo epistemológico weberiano, indicaremos a estratégia cognitiva do sujeito (histórico) cognoscente weberiano como ordenadora e representacional do conjunto infinito do real, em todo ele complexo, caótico e multíplice, acionando, portanto, aquela, artifícios analíticos de aproximação, ordenação e representação do real (mas não o real em si mesmo). Pensar todo e qualquer sistema de pensamento como ordenador e aproximativo do real, com todas as dificuldades que esta proposição pode conter, implicará, veremos, a partir do registro weberiano, pensar na prática de selecionar partes do real como parcialmente significativa. Os dilemas da produção do conhecimento nas ciências sociais são, portanto, como no ensaio feito pelo clássico da Sociologia, Max Weber em 1904, intitulado A "objetividade" do conhecimento na ciência social e na ciência política, problemas colocados pelo pensamento de Weber. Como nosso ponto de partida operatório adequado às páginas que se seguirão, situamos a discussão que conduziremos como de cunho epistemológico, sendo, pois, nossa chave de leitura, por assim dizer, as questões de fundamentação do conhecimento para Weber. Antes, num primeiro momento, porém, perpassaremos as discussões epistemológicas no registro kantiano e o problema do conhecimento para este autor, com enfoque sobre sua noção de sujeito cognoscente, a partir da obra Crítica da razão pura (1ª ed. 1781; 2ª ed. 1787), da fase “crítica” (1781-1803) do filósofo alemão Imannuel Kant (1724-1804). Uma referência geral para captação da colocação do problema com o qual mais precisamente nos ocupamos em uma segunda seção, por poder Weber ser considerado um herdeiro das tradições neo- kantianas. O problema específico que abordaremos dirá respeito sobre a noção de sujeito cognoscente - o sujeito histórico - para Weber. Sendo também um problema, sobretudo epistemológico, a reflexão sobre o sujeito weberiano do conhecimento necessariamente refletirá sobre as dificuldades de ordenação e aproximação do real enfrentadas por este em seu trabalho cognitivo face ao real multíplice e caótico dos dados empíricos. Seu significado [da noção de trabalho cognitivo] é o de ordenar e organizar a experiência, a partir dos elementos dela retirados, numa ordenação aproximativa. Seguindo a tese retirada de Kant, o sujeito conhece a realidade objetiva exatamente até onde esta se adapta as suas estruturas fundamentais. Em outras palavras, até onde os processos de trabalho cognitivo reelaboram o material fornecido pela percepção (GIGANTE, 2006: 11).
conhecimento: a experiência sensorial. Dessa forma, observa-se que estas são análises unidimensionais que abrem a possibilidade para que posições filosóficas, configuradas como balancetes intermediários - como é o caso do que se denominou apriorismo kantiano - orientem aprofundamentos e entendimentos analíticos que superem tratamentos estreitos. Para verificar o processo de desmontagem dessas polarizações e os parâmetros epistemológicos formulados e instituídos no campo filosófico por Kant, é fundamental realizar uma brevíssima análise de suas operações compreensivo-discursivas. Nesta seção, pretendemos realizar essa análise por meio do exame da obra Crítica da Razão Pura e da literatura pertinente a esta. Assim é que o confronto e o antagonismo que tinham marcado profundamente a questão do conhecimento na época de Kant, cederam lugar a uma tentativa filosófica de superação do impasse criado pelos empiristas e racionalistas – o apriorismo kantiano. A virtude específica dessa abordagem (a kantiana) está no vínculo indissolúvel que estabelece entre racionalismo e empirismo. Nesse sentido, do seu ponto de vista, [n]ão se pode duvidar de que todos os nossos conhecimentos começam com a experiência, porque, com efeito, como haveria de exercitar-se a faculdade de se conhecer, se não fosse pelos objetos que, excitando os nossos sentidos, de uma parte, produzem por si mesmos representações, e de outra parte, impulsionam a nossa inteligência a compará-los entre si, a reuni-los ou separá-los, e deste modo à elaboração da matéria informe das impressões sensíveis para esse conhecimento das coisas que se denomina experiência? No tempo, pois, nenhum conhecimento precede a experiência, todos começam por ela. Mas se é verdade que os conhecimentos derivam da experiência, alguns há, no entanto, que não têm essa origem exclusiva, pois poderemos admitir que o nosso conhecimento empírico seja um composto daquilo que recebemos das impressões e daquilo que a nossa faculdade cognoscitiva lhe adiciona (estimulada somente pelas impressões dos sentidos); aditamento que propriamente não distinguimos senão mediante uma longa prática que nos habilite a separar esses dois elementos (KANT, 2012 : s.p.). Uma primeira implicação dessa teoria, que não analisaremos aqui, se refere à revolução copernicana^2 , e outra é a necessidade de repensar, a partir dessa perspectiva teórica, as variáveis analíticas decorrentes dessas relações que não tinham mais como eixo central a clivagem entre racionalismo e empirismo. Na verdade, o que Kant veio indicar é que existem, no ser humano, certos aparatos mentais, ou racionais, a priori , a sensibilidade e o (^2) “Assim como Copérnico teria invertido o modelo tradicional de cosmo em que o Sol girava em torno da Terra, mostrando ser a Terra que girava em torno do Sol, do mesmo modo, na relação de conhecimento, [para Kant] não é o sujeito que se orienta pelo objeto (o real), como quis a tradição, mas o objeto que é determinado pelo sujeito” (MARCONDES, SOUZA FILHO, 1997: 209).
entendimento, que são capazes, unicamente em atuação integralizada, conjunta, de possibilitar o trânsito das sensações, às quais o sujeito se suscetibiliza (passivamente), para os fenômenos. Em outras palavras, Kant indica o estabelecimento de relações necessárias e um “terreno” de interlocução dos campos “adversários”, a saber, o sujeito transcendental. Acreditamos ser possível entender melhor o cenário e natureza dessa interlocução se nos voltarmos para o grau de interdependência dessas estruturas, do qual Kant não se eximiu de reconhecer, [...] a própria experiência é uma forma de conhecimento que exige o concurso do entendimento, cuja regra devo pressupor em mim antes de me serem dados os objetos, por consequência, a priori e essa regra é expressa em conceitos a priori , pelos quais têm de se regular todos os objetos da experiência e com os quais devem concordar (COSTA, 2006: 123 - 4, grifo do autor). Já quanto às relações entre o sujeito cognoscente e o objeto cognoscível, em sua investigação filosófica (exame crítico da razão), Kant descreve o ser humano como dotado de certas faculdades ou estruturas mentais basilares (as formas a priori da sensibilidade (o tempo e o espaço) e as formas a priori do entendimento (categorias)). A detenção dessas estruturas do sentir e conhecer responsabilizar-se-ia por situar o ser humano centralmente no processo de conhecimento. Por meio de uma atividade interacionista e complementar entre sujeito (estruturas que lhe seriam inerentes, e que lhe determinaria o modo de apreensão fenomênica) e objeto (fenômeno) viabilizar-se-ia o atingimento do conhecimento. "O conceito de objeto, tradicionalmente concebido como aquilo que está contra e se opõe ao sujeito, para Kant, ao contrário, supõe estruturalmente o sujeito. A ordem e a regularidade dos objetos da natureza é a ordem que o sujeito, pensando, introduz na natureza" (REALE; ANTISERI, 2004: 364, grifo do autor). Em síntese, o apriorismo kantiano conferiu equanimemente importância ao sujeito e ao objeto, isto é, não houve predominância entre sujeito e objeto (elementos do processo de conhecer). Kant, portanto, apropria-se, equilibradamente, das teorias realistas (ou materialistas) e das teorias idealistas. No que atine à condição de cognoscibilidade, Kant vê o sujeito como transcendental , em um entendimento particular desta noção, na medida em que deteria certas estruturas a priori da sensibilidade e do entendimento que constrangeriam e condicionariam a
[...] [E]sse conceito [de númeno ] é necessário para que a intuição sensível não seja estendida até as coisas em si, limitando assim a validade objetiva do conhecimento sensível. [...] O conceito de númeno, portanto, é apenas um conceito-limite (Grenzbegriff) , para circunscrever as pretensões da sensibilidade, sendo, portanto de uso puramente negativo (REALE, ANTISERI, 2004: 367, grifo do autor). Afigura-se-nos, assim, a filosofia transcendental ou idealismo transcendental - a teoria do conhecimento de Kant. Aqui, a necessária alavanca para o conhecimento seria a experiência - matéria-prima originária de toda a cognição humana. Todavia, se bem que o conhecimento seja excitado, despertado e provocado pela experiência (por meio dos cinco sentidos), a esta são aditados conceitos puros (ou a priori ), que inarredavelmente a revestirão, modulando-a e acolhendo-a. Isto é, toda a nossa experiência e, por conseguinte, todo nosso conhecimento, estão embebidos por pressupostos e teorias, de tal modo perpassados por estes que seríamos impotentes para ver as coisas-em-si (ou númenos), incognoscíveis para nós; o que conheceríamos, em verdade, seria tão-somente as coisas como elas se nos apresentam, como manifestam-se e se nos aparecem (intersubjetivamente), ou seja, como coisas-para-nós (fenômenos). Nota-se que Kant antecipou aquilo em que no século XX tantos filósofos da ciência insistiram: qualquer experimento é antecedido por pressupostos; o cientista está sempre armado com teorias. 'Todo o nosso conhecimento é impregnado de teoria, inclusive nossas observações' (POPPER apud SILVEIRA, 2002: 35, grifos do autor). Seria, pois, errôneo reconhecer o sujeito cognoscente como mero e passivo receptáculo do objeto cognoscível, tal como era "[c]omum a todos os empiristas ingleses [...] [cuja] concepção [era] [...] do sujeito [...] como um 'receptáculo' no qual ingressam os dados do mundo exterior transmitidos pelos sentidos [...]" (MORA apud SILVEIRA, 2002: 32). As reflexões kantianas justificarão cabalmente e copernicanicamente o papel ativo, significante, intérprete e decisivo daquele sujeito, outrora subestimado e concebido em oposição ao objeto. Nesta ordem de ideias: A razão tem que ir à natureza tendo numa das mãos os princípios unicamente segundo os quais fenômenos concordantes entre si podem valer como leis, e na outra o experimento que ela imaginou segundo aqueles princípios, na verdade para ser instruída pela natureza, não, porém na qualidade de aluno que se deixa ditar tudo o que o professor quer, mas na de juiz nomeado que obriga as testemunhas a responder às perguntas que lhes propõe (KANT apud SILVEIRA, 2002: 35).
Para uma exata compreensão, em suma-síntese: o númeno (coisa-em-si), impassível de cognoscibilidade, poder-se-ia converter em objeto de conhecimento, isto é, num fenômeno ou coisa-para-nós. No respeitante a esta transformação, o que a possibilitaria seriam as formas puras da sensibilidade (espaço e tempo), que captariam as sensações produzidas pelo númeno ou coisas-em-si (deste primeiro momento, seriam resultantes as percepções) ; e, num segundo momento, as formas a priori do entendimento (dadas a nós pela razão) metamorfoseariam as percepções em coisas-para-nós. Esquematicamente, as reflexões expendidas por Kant assim ficariam: númeno; sensações; formas da sensibilidade; percepções; formas do entendimento; e fenômeno. Uma lição inolvidável de Kant é que "vemos o mundo através das nossas lentes cognitivas". As "lentes" não são exatamente como Kant as imaginou e, certamente não são iguais para todos os humanos, dependendo também do meio social. Entretanto aprendemos com ele que o conhecimento não é "um espelho da natureza" e não se dá apenas pelo acúmulo de percepções ou observações; ele depende da criatividade, da imaginação e do poder de abstração do nosso intelecto (SILVEIRA, 2002: 50, grifos do autor). Tal lição estampada no artigo A teoria do conhecimento de Kant: o idealismo transcendental (2002) , de Fernando Lang da Silveira, e reproduzida aqui por nós, acerca da epistemologia kantiana, será de medular importância e largo alcance para o nosso entendimento acerca do trabalho de Max Weber no que concerne a sua noção de sujeito, tal como asseverado por Gigante (2006). Daí o fato de nosso exame ter recaído sobre as respostas kantianas sobre a indagação "O que posso saber?" e, em especial, sobre o papel desempenhado pelo sujeito frente ao objeto, visto que, para Kant, "[a] ordem e a regularidade dos objetos da natureza é a ordem que o sujeito, pensando, introduz na natureza" (REALE, ANTISERI, 2004: 364). Epistemologia weberiana : o problema do dado empírico e do sujeito cognoscente Uma vez passado em revista e, em linhas gerais, o registro (epistemológico) kantiano, passemos, nesta segunda seção, a pôr em comento um segundo registro, a saber, o weberiano. Infinito, inesgotável, informe, incomensurável, indomável, caótico. Finito, esgotável, forma, mensurável, domado, organizado. Tais conjuntos de qualificativos apontam, segundo Gigante (2006) para um grande dilema epistemológico colocado pelo pensamento de Max
Logo, nada mais estranho para Weber do que a noção de totalidade. Estando o autor em comento muito mais próximo de uma estratégia de investigação muito afunilada e extremamente cuidadosa em relação a generalizações, para ele todo o conhecimento da ciência dar-se-ia, pois, pela parcialidade e pelo recorte finito dos eventos. Diante da tremenda barafunda em que se constituiria o real, com sua massa caótica de elementos individuais, seria preciso agarrar-se, em cada esfera da ciência, na elaboração de conceitos, para que as complexidades do real fossem reduzidas. Ocorre que, tão logo tentamos tomar consciência do modo como se nos apresenta imediatamente a vida, verificamos que se nos manifesta, "dentro" e "fora" de nós, sob uma quase infinita diversidade de eventos que aparecem e desaparecem sucessiva e simultaneamente. E a absoluta infinidade dessa diversidade subsiste, sem qualquer atenuante do seu caráter intensivo, mesmo quando prestamos a nossa atenção isoladamente, a um único "objeto" [...] e isso tão logo tentamos descrever de forma exaustiva essa "singularidade" em todos os seus componentes individuais, e muito mais ainda quando tentamos captá-la naquilo que tem de causalmente determinado. Assim, todo o conhecimento reflexivo da realidade infinita realizado pelo espírito humano finito baseia-se na premissa tácita de que apenas um fragmento limitado dessa realidade poderá constituir de cada vez o objeto da compreensão científica, e de que só ele será "essencial" no sentido de "digno de ser conhecido" (WEBER, 2001: 88, grifo nosso). É justamente esse "princípio da seleção do essencial", que se preocupa em limitar, especificar, enfocar e cortar um evento ou processo histórico e conter sua complexidade, que é seguido por Weber, sendo o conceito, em si, importante para assegurar essa redução da cultura à seleção do que consideramos mais importante. A questão weberiana partiria deste modo, de uma concepção cética do sujeito cognoscente (seus limites e falibilidade), que redundará no reconhecimento de que o mundo é fenomenicamente indomável, incomensurável e infinito. Diante de uma espécie de "dança de confronto" e da tensão por ela colocada sobre a relação entre realidade (infinita) e sujeito (finito), Weber reconhece as limitações recaídas sobre o sujeito, bem como a fragilidade do conhecimento, este por sua vez representaria a realidade, pois o pensamento, necessariamente, é finito. O conhecimento não seria, portanto, a realidade. Para Weber, uma vez que a realidade é ilimitada e infinita, o trabalho cognitivo humano bem como os instrumentais cognitivos mobilizados por esta atividade (como as teorias científicas) não poderiam dar conta da grandeza e complexidade da vida social - muito menos esta poderia ser forçada a caber em uma teoria - ; constituir-se-iam, então, essa atividade e todos os seus instrumentais, em estratégias que possuímos para ordenar os dados
apresentados pela realidade. Não havendo, para Weber, movimento que consiga se expressar pela totalidade e estando o sujeito cognoscente longe do absoluto, o conhecimento humano possível seria apenas o conhecimento limitado. Por melhor, então, que fosse uma teoria, ela não esgotaria o mundo; o mundo ultrapassaria a teoria em todos os aspectos. Não se poderia, como todo o dogmatismo necessária e equivocadamente o pretende, esgotar os fenômenos. Finalmente, para Weber, o método (compreensivo de interpretação histórica) seria, então, um meio de controlar a realidade irracional da vida e seus conteúdos. A subjetividade na ordenação do mundo empírico Não existe qualquer análise científica puramente "objetiva" da vida cultural, ou [...] dos "fenômenos sociais", que seja independente de determinadas perspectivas especiais e parciais, graças às quais estas manifestações possam ser, explícita ou implicitamente, consciente ou inconsciente, selecionadas, analisadas e organizadas na exposição, enquanto objeto de pesquisa" (WEBER, 2001: 87, grifos do autor). O ensaio feito por Weber, em 1904, intitulado A "objetividade" do conhecimento na ciência social e na ciência política, apresenta logo em seu título (e ao longo do texto) a “objetividade” entre aspas, sinalizando que seu objetivo não é buscar tomar o termo como algo já dado, ou examiná-lo, mas sim, questionar uma ideia dos Positivistas. Os Positivistas acreditavam que o conhecimento científico deveria ser totalmente isento de valores e constituir um reflexo autêntico da realidade. A intenção do autor é conhecer o significado dessa ideia no campo das Ciências Sociais, sendo uma área definida pela capacidade de compreender e a explicar as obras construídas pelos entes humanos e os valores aos quais aderiram. Como já dito, para Weber (2006), o conhecimento científico social não seria um reflexo da realidade societária, mas sim um ordenamento conceitual dela para determinados fins. Ao iniciar o debate sobre o assunto, Weber faz uma distinção entre juízos de fato (sentenças sobre o que é) e juízos de valor (sentenças sobre o que deve ser), a fim de evitar uma concepção de objetividade baseada na diferença entre “objetivo” e “subjetivo”, em que o sujeito se limitaria em registrar os traços do objeto. Qual é a consequência dessa afirmação? De modo algum que os juízos de valor, por se basearem em última instância em determinados ideais e portanto terem origem “subjetiva”, estejam excluídos da discussão científica. [...] A crítica não se detém diante dos juízos de valor. A questão é: que
especificamente, o problema da "objetividade" e as seleções, significações e interesses significativamente orientados, que repercutiriam, para Weber, numa parcialidade do trabalho do sujeito cognoscente. Assim sendo, “a ciência [...] não é conhecimento de qualquer coisa, mas daquilo que os homens de certa sociedade, em certa época, reputam importante, que valha a pena ser conhecido” (WEBER, 2006: 11). A guisa de arremate desta segunda seção, que tenta dar conta, em alguma medida, da especificidade de um registro weberiano: Aspiramos ao conhecimento de um fenômeno histórico, isto é, significativo na sua especificidade. E o que aqui existe de específico é o fato de só adquirir sentido lógico a ideia de um conhecimento dos fenômenos individuais mediante a premissa de que apenas uma parte finita da infinita diversidade de fenômenos é significativa. Mesmo com o mais amplo conhecimento de todas as "leis" do devir ficaríamos perplexos mediante o problema de como é possível em geral a explicação causal de um fato individual, posto que nem sequer se pode pensar a mera descrição exaustiva do mais ínfimo fragmento da realidade. Pois o número da natureza e a natureza das causas que determinaram qualquer acontecimento individual são sempre infinitos , e não existe nas próprias coisas critério algum que permita escolher entre elas uma fração que possa entrar isoladamente em linha de conta. A tentativa de um conhecimento da realidade "livre de pressupostos" apenas conseguiria produzir um caos de "juízos existenciais" acerca de inúmeras percepções particulares. E mesmo este resultado só na aparência seria possível, já que a realidade de cada uma das percepções, expostas a uma análise detalhada, oferece um sem-número de elementos particulares, que nunca poderão ser expressos de modo exaustivo nos juízos de percepção. Este caos só pode ser ordenado pela circunstância de que, em qualquer caso, unicamente um segmento da realidade individual possui interesse e significado para nós, posto que só ele se encontra em relação com as idéias de valor culturais com que abordamos a realidade. Portanto, só alguns aspectos dos fenômenos particulares infinitamente diversos, e precisamente aqueles a que conferimos significação geral para a cultura, merecem ser conhecidos, pois apenas eles são objeto da explicação causal (WEBER, 2001 : 93-4, grifos do autor). Considerações finais De forma mais genérica, o conhecimento foi aqui nossa questão epistemológica por excelência, encapsulada por nós, na esteira do proposto por Gigante (2006), na relação entre dado empírico - um multíplice informe e complexo - , e as possibilidades de conhecimento, em seus limites (não sendo desconhecido por nós o amplo repertório de questões possíveis e suas mais diferentes tradições filosóficas). Se a questão foi colocada naqueles termos iniciais, e será por isto que ela constituirá um problema tanto para Kant quanto para Weber, a realidade continuará sendo à base de constituição do ato cognitivo do sujeito cognoscente, continuando neste, mas não poderá jamais ser o próprio real. Como, sob essa perspectiva de raiz kantiana,
o real só pode ser apreendido por meio de uma ordenação aproximativa, ou seja, por representação e por fragmentação, o "[...] ato cognitivo [em si será apenas] uma atividade reelaborativa de simplificação por via conceitual" (GIGANTE, 2006: 17). A concepção que informou nossa tarefa de tentarmos captar a noção de sujeito cognoscente a partir de um registro (epistemológico) especificamente weberiano, foi a corrente kantiana (aqui trabalhada mais em específico na primeira seção deste texto). Nesta corrente, problemas que aparecerão subjacentemente às discussões de cunho epistemológico em Weber, já estão ali colocados e ganharão contornos particulares e específicos no esquema teórico weberiano (de nítida influência das correntes neo-kantistas). De Kant será suposto, portanto, que o conhecimento e a operação cognitiva ativada pelo sujeito diante da realidade se dará por meio de campos de representação, a partir dos quais é estabelecida a pertinência do objeto. Dirigindo-se aos objetos cognoscíveis (os objetos fenomênicos, em última instância) e em relação com estes, o sujeito cognoscente "[...] não, porém na qualidade de aluno que se deixa ditar tudo o que o professor quer, mas na de juiz nomeado que obriga as testemunhas a responder às perguntas que lhes propõe" (KANT, 1987: XIII) "[...] tende a instalar com o próprio objeto uma relação da qual venha a emergir uma característica deste” (ABBAGNANO apud GIGANTE, 2006: 19). Em todos os casos, para o registro kantiano e para aquelas correntes que o seguirão, a relação entre conhecimento e realidade, entre conhecimento e operação cognitiva do sujeito, o conhecimento será entendida como a reprodução do objeto cognoscível como algo distinto da realidade em si. Tornar-se-ia adequado, assim, para prosseguirmos, entender o paradigma do conhecimento kantiano como um retrato do empiricamente dado, como uma cópia do real. Muito pelo contrário. O conhecimento, para Kant, se definiria como uma representação do objeto. Eis, pois, a lógica analítico-discursiva, derivada de Kant e que perpassará todo caminho específico que Weber utilizará para lidar com questões de condição do conhecimento. Para a lógica analítico-discursiva de Kant e para o Racionalismo Crítico das correntes neo-kantistas, a realidade percebida/ concebida é diferente do real, não idêntica a ele. Antes, restringir-se-ia "[...] uma reelaboração conceitual do nível empírico, ordenado-o e dele se distinguindo [...]" ( Op. Cit .: 20). Trata-se, ainda segundo Gigante (2006), de um movimento da representação, e não do próprio real. A respeito da representação, uma questão que se nos impõe é a construção do objeto pelo sujeito. Isso nos remete para a valorização de um arsenal cognitivo presente no sujeito, que envolve sensibilidades e inteligibilidades; modos de apreensão e operadores cognitivos sejam categorias, signos,
Assim, se, para Kant, as percepções (outrora sensações produzidas pelas coisas-em-si e ordenadas pelas formas a priori da sensibilidade) são "agarradas" pela razão e pelas formas a priori do entendimento aditadas por essa verdadeira cadeia de processos presente na ordem de representação, até o alcance das coisas para nós - os fenômenos - objetos do conhecimento para Kant; para Weber o nível empírico não será agarrado e, subsequentemente, ordenado, pelo Intelecto e suas categorias do entendimento, tal como unilateralmente na solução kantiana. Será agarrado, ordenado e organizado de maneira imprescindivelmente seletiva e parcial, o sujeito cognoscente weberiano captando elementos pré-determinados e significativos. Ponto nodal e específico do registro weberiano, o sujeito cognoscente seria incapaz de orientar-se em meio aos materiais elementares do conhecimento, em tudo diversos, inesgotáveis e infinitos, sem pressupostos valorativos. Quando ausentes, e diante de uma realidade externa, como se disse, caótica e inteiramente informe, a ordenação seria impossível. O trabalho cognitivo sem pressupostos, em Weber, redundaria, em um verdadeiro caos. Especificamente, no interior do debate weberiano, o modo de apreensão pela compreensão ( Verstehen ), que recupera o sentido subjetivo dos agentes sociais, aciona outras qualidades de evidência como as fornecidas pela interpretação de sentido. O tipo de material fornecido passa pela busca de significações e sua interpretação. Sendo assim, os tipos de evidência são compreensíveis e não diretamente experimentáveis. É um domínio do que é “compreensível interpretativamente e concebível interpretativamente” (SÊNEDA, 2004: 37) sem uma base empírica razoável, podendo até estar desprovido desta. O problema torna-se o de conjugar evidências subjetivas, concebidas interpretativamente pelo trabalho cognitivo, com formas de explicação dos efeitos externos das ações sociais. Pois é pelo seu encadeamento, formando grandes linhas de ação reciprocamente referidas (relação social), que a explicação se conjuga com a base compreensiva. Daí para explicações históricas com base em esquemas de ação generalizados, típicos segundo sua recorrência. Conjugar compreensão e explicação é quase um lugar comum do método em Weber, tanto que se tornou consenso falar em explicação compreensiva ou em “compreender explicativamente” (GIGANTE, 2006: 29 - 30, grifos do autor). O ponto de vista do sujeito cognoscente weberiano, que atribuiria significado à parte representada do real, ou seja, diferenciando os tipos de materiais empíricos, por meio de sua atividade cognitiva explicativo-compreensiva, e permitindo destacá-los, uns como significativos e outros como não o sendo, é a pista seguida por Gigante (2006) e também aqui por nós, na esteira desse. Em síntese, para este comentador, poder-se-ia partir da pressuposição de Weber estaria
[...] tenta[ndo] "inserir o compreensivo no quadro da reflexão kantiana", Sêneda (2004). Trata-se de se utilizar qualidades de evidência compreensíveis e interpretáveis, ou seja, subjetivas, e de conjugá-las no interior da experiência, ou seja, de explicá-las (GIGANTE, 2006: 30). O que Weber estaria destacando seria que vivência e experiência, o compreensivo e o explicativo, o subjetivo e a objetivação, seriam como que faces bifrontes e, em tudo, complementares e interligadas, para Weber, nos modos de apreensão (e compreensão) que organizariam e ordenariam os materiais empíricos. As formas de trabalho cognitivo lidariam, pois, para Weber, com domínios qualitativamente diferentes, como nos diz mais uma vez Gigante (2006), como as vivências dadas internamente e culturalmente (como "cultura pessoal") aos sujeitos, bem como com outras ferramentas cognitivas peculiares. Assim, como para Kant, para quem os repertórios cognitivos exigiriam, pois, dos sujeitos, uma força produtiva, para que a coisa em si pudesse se tornar a coisa para nós (de númeno incognoscível ser transformada no fenômeno - o objeto do conhecimento) - exigindo, pois, de suas formas a priori do entendimento aditadas pela razão - ; para Weber conhecer também seria, como nos fala Lucas Cid Gigante em sua dissertação de mestrado "Epistemologia, construção conceitual e comparação histórica em Weber" (2006), trabalhar, construir, edificar. Mas, caracterizando o sujeito cognoscente de modo específico, a partir de sua caracterização mais ampla, como sendo ele um sujeito com capacidade cognitiva limitada, explora outros elementos, a partir de sua concepção céptica moderada. Numa experiência primeira, os limites estão dados, como aponta Gigante (2006), por uma estrutura psicológica e a dimensão subjetiva que esta traz. Esta é, portanto, a referência cognitiva por excelência de Weber, desprezada, ao contrário, pela teoria kantiana. Trata-se, em Weber, da discussão do problema da "objetividade". As raízes subjetivas, os afetos, sentimentos e valorizações são, por Weber, colocados em seu devido lugar, em relação ao registro epistemológico kantiano (este último preocupando-se em filtrar aquele nível (subjetivo) do sujeito e descolá-lo de subjetividades). Voltando para a definição de sujeito, vemos uma operação de restrição. Apenas se refere ao conhecimento e ao seu limite e toma como referência cognitiva privilegiada a operação da Razão. É um terreno clássico de discussão do problema, que ressalta a boa operação do espírito com predominância do intelecto enquanto faculdade superior, apta a dirigir as sensibilidades e os afetos, a filtrar suas influências. O sujeito da teoria do conhecimento, o sujeito kantiano, é um grande filtro das camadas mais “rasteiras” do espírito. O “tribunal da Razão” é uma instância autônoma. É o que na tradição durkheimiana se conhece como o afastar as pré-noções, ou os Ídolos baconianos. No entanto, Weber não deixa de lado uma dimensão do sujeito comumente desprezada na teoria do conhecimento kantiana, a dimensão subjetiva. O ato
SILVEIRA, F. L. da. A teoria do conhecimento de Kant: o idealismo transcendental. Caderno Brasileiro de Ensino de Física , Florianópolis, v.19, 2002, pp. 28-51. WEBER, M. A “objetividade” do conhecimento na ciência social e na ciência política. In: Metodologia das ciências sociais. São Paulo: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2001.