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Este documento discute o caso suzane von richthofen, que levou a uma discussão sobre o direito ao esquecimento e direito à memória em contexto de crimes cometidos por civis. O autor argumenta que o direito ao esquecimento é importante para a reserva pessoal, intimidade e privacidade, e que deve prevalecer sobre a liberdade de informação sobre fatos pretéritos. O documento também analisa a relação entre jornalismo sensacionalista e direito ao esquecimento, e a importância de considerar o direito ao esquecimento durante e após o período de cumprimento da pena.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de aula
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Não perca as partes importantes!
Universidade de Brasília Faculdade de Comunicação Curso de Comunicação Social
Gabriel Souza dos Santos Brasília-DF, novembro de 2019
A mídia e o direito ao esquecimento em crimes de grande repercussão: uma análise do caso Richthofen Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social, da Faculdade de Comunicação, Universidade de Brasília, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Comunicação Organizacional. Orientadora: Professora Elen Geraldes. Brasília-DF, novembro de 2019
Agradeço ao período de produção deste Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), pois foi de muitos questionamentos, dúvidas, lágrimas, alegrias, animação, ansiedade, mas, principalmente, de muita EVOLUÇÃO. Agradeço à minha mãe por tudo que me ensinou durante a vida e por sempre ter estado ao meu lado apoiando minhas decisões. Agradeço à minha família por sempre ter me ajudado em tudo que eu necessitava, sempre se mostrando disponível. Agradeço aos meus amigos do ensino médio, pois são pessoas maravilhosas que tive o prazer de receber na minha vida. Fico muito feliz por termos contato até hoje e espero que possamos testemunhar os sucessos da vida um do outro em várias outras oportunidades. Agradeço à minha orientadora por ter me mostrado o melhor caminho e ter me ajudado a colocar a minha ideia no papel, de forma que me orgulho do trabalho que estou entregando. Agradeço, também, a todas as situações que ocorreram na minha vida, pois me ajudaram a chegar aonde estou e a ser quem eu sou hoje.
This study was done due to the lack of information about right to be forgotten in the communication sphere. In the ambit of law this discussion is constantly made. But, the exclusion of the communication, proves contradictory, because it is the communication itself which inhibts the right to be forgotten, through the TV shows, newspapers and magazines, coupled with storage capacity and difficulty in removing information from the network; therefore, violators of this right should participate in this discussion. Not adopting a pro- forgetting posture means contradicting the principle of the Federal Constitution and subjecting the condemned to a life sentence, denying the resocialization made in Brazilian prisons. With this, it is possible to notice that the lack of effective legislation and mechanism of press control stimulates sensationalist reportages and, therefore, inhibits the right to be forgotten. The stories about the case do not happen because journalists really want to contribute to society, because this type of reportages is not in the public interest, so the most fair is the interruption of coverage on such crimes. It is hoped that this research will be a point of reflection for society as a whole and that the right to be forgotten will be applied not only to the character of this research, but to all who are in a similar situation. Key words: Media; right to be forgotten; high-profile crimes; Suzane von Richthofen.
8 Introdução O tema deste trabalho é a relação entre a mídia e o direito ao esquecimento, por meio da observação do tratamento dispensado por matérias jornalísticas do programa Fantástico à Suzane von Richthofen, condenada pelo homicídio dos pais, ocorrido em 31 de outubro de
10 porém, por questões de exclusão social, econômicas e culturais, é difícil essa pessoa se ressocializar de fato, mesmo já tendo pago sua dívida com a população. A mídia talvez torne essa possibilidade ainda mais inatingível, ao reforçar o crime cometido; por mais que a pessoa privada de liberdade mude sua aparência, a sociedade poderá acompanhar, midiaticamente, essa mudança e a reconhecerá como culpada. Nossa questão problema de pesquisa ficou assim formulada: Como a mídia inibe o direito ao esquecimento em casos de grande repercussão, como o caso de Suzane von Richthofen? O objetivo geral é descrever e analisar a atuação da mídia nesse caso e, como objetivos específicos, conceituar direito ao esquecimento e direito à memória, refletir sobre a ligação entre jornalismo sensacionalista e direito ao esquecimento e, por fim, analisar a trajetória das penas, em sua relação com a vingança e a opinião pública. Para atingir os objetivos propostos, o percurso metodológico é constituído pelas técnicas de revisão bibliográfica e análise do conteúdo de duas reportagens feitas pelo Fantástico , que citam a condenada em contextos de saidões ou de progressão de regime de cumprimento de pena. A escolha por esse programa de televisão se deve por sua audiência alta e, em decorrência disso, seu provável impacto e poder de influência maior do que programas de outras emissoras e também devido à evidência de seu perfil persecutório para com a vítima desde antes de sua condenação, conforme entrevista de 2006. O trabalho não tem pretensão quantitativa, dessa forma, propõe-se à análise, em profundidade, de apenas duas matérias. A reportagem que foi ao ar no dia 08/05/2016, ainda disponível no canal próprio da emissora, Globoplay , foi escolhida porque mostra que a imprensa continua querendo transformar a vida de Suzane em notícia, mesmo quase 10 anos após sua condenação. A reportagem que foi ao ar no dia 17/06/2018, também ainda disponível no Globoplay , foi escolhida por se colocar, de forma parcial, contra o cumprimento da lei, que determina que, cumprido um sexto da pena, o detento pode progredir para o regime semiaberto. A monografia divide-se em 5 capítulos. No primeiro, retoma-se o caso, situando os acontecimentos que levaram Suzane à prisão. A seguir, ainda com a pretensão contextual, virá um capítulo sobre a história das penas, em que o olhar do filósofo Michel Foucault será o guia para compreender a tríade vingança-punição-ressocialização, tão presente no caso estudado, e ainda abordará uma breve explicação sobre os regimes de cumprimento de pena no Brasil. No terceiro capítulo virá o referencial teórico-metodológico, em que se explicará brevemente o caminho percorrido no estudo e 6 conceitos/temáticas fundamentais: direito à
11 memória, direito ao esquecimento, jornalismo sensacionalista, enquadramento, SOS Imprensa e o caso Richthofen e comunicação. A partir dessa base teórica será feita a análise das reportagens, no quarto capítulo. ¨Suzane von Richthofen: Por que esquecê-la?¨ tratará sobre direitos jurídicos para os condenados, direitos humanos referentes ao esquecimento e à memória e ao jornalismo que, diferentemente de seu papel de “mocinho”, se torna o vilão ao violar os direitos do sujeito em busca somente de repercussão e lucro. Nas considerações finais será feita uma síntese das principais conclusões do trabalho e se permitirá o surgimento de novas questões.
13 Suzane e Daniel se conheceram na tarde de um domingo de agosto de 1999, quando a família da menina foi dar um passeio no parque Ibirapuera, e iniciaram um relacionamento pouco tempo depois. Daniel começou a dar aulas de aeromodelismo para Andreas, e o adolescente ajudou a irmã a se aproximar do rapaz. Os pais de Suzane não se importaram com o relacionamento, pois consideravam que seria passageiro, porém, no final de 2001, começaram suas tentativas para que a filha terminasse o namoro. Em abril de 2002, Manfred e Marísia descobriram que a filha se encontrava escondido com Daniel e proibiram o relacionamento entre os dois, porém, Daniel e Suzane continuaram às escondidas. No início de setembro do mesmo ano, o 12º Batalhão da Polícia Militar de São Paulo foi chamado para apartar uma briga na Zona Sul de São Paulo. Assim que chegaram ao local, às 2h da manhã, encontraram Manfred e Daniel discutindo e Suzane tentando acalmá- los. Essa era a terceira intervenção da polícia em brigas dos dois, pois, em maio e junho, telefonemas anônimos já haviam pedido ajuda para confusões semelhantes, o motivo era que Suzane chegava tarde em casa e tentava entrar com Daniel, o pai impedia e começava a discussão. O crime ocorreu na madrugada do dia 31 de outubro de 2002, os irmãos Cravinhos utilizaram barras de ferro para golpear o casal na cabeça. Suzane, segundo reconstituições, permaneceu no térreo. Os três cogitaram o uso de armas de fogo, mas, após testes de barulho realizados dias antes, abdicaram da ideia. Na noite do dia 30 de outubro, Suzane e o namorado levaram Andreas a um cyber café, pois era a comemoração do aniversário de namoro do casal. A irmã iria convencer os pais a deixarem o menino faltar a aula no dia seguinte. Suzane, dias antes, havia desligado as câmeras e o alarme da casa. Daniel golpeou o engenheiro Manfred, que faleceu na hora, enquanto Cristian golpeou Marísia, que, ao ser atacada, acordou, com isso, ele colocou uma toalha em sua boca, para que parasse de gritar. Suzane abriu a maleta com código e pegou 8000 reais, 6000 euros e 5000 dólares, posteriormente Daniel cortou a pasta com uma faca para simular um roubo. Um cofre também foi aberto, as joias foram espalhadas pelo chão e o revólver foi colocado ao lado do corpo de Manfred. O dinheiro e algumas joias foram deixados com Cristian como pagamento por sua participação. Para forjar um álibi, Suzane e Daniel foram para um motel, ficaram na suíte presidencial e pediram um lanche, Daniel pediu a nota fiscal. O casal permaneceu no recinto por 1h20min, deixando o estabelecimento às 2h56min. Após buscar Andreas no cyber café e
14 deixá-lo andar na mobilete de Daniel na casa do namorado da estudante, o casal de irmãos retornou à casa por volta das 4 horas da manhã. Às 4h09min, Daniel ligou para a polícia afirmando que estava na frente da casa da namorada e suspeitava de um assalto à residência. Desde o começo, o latrocínio encenado não convenceu a polícia, e o primeiro policial a chegar ao local afirmou que aquele era um ¨crime de amadores¨. Dez horas após o crime, Cristian comprou uma moto com 36 notas de US$ 100, segundo ele, apenas para se desfazer do dinheiro. Além disso, o jovem caiu em contradição quando disse que na noite das mortes estava com sua namorada, porém a moça negou. No dia 7 de novembro, após seis horas de depoimento, o moço confirmou sua participação no crime. Em outra sala, durante a madrugada do dia 8, o casal de namorados foi interrogado e também confessou sua participação. Com isso, foi decretada a prisão preventiva dos três. Em 29 de junho de 2005 Suzane recebeu habeas corpus para aguardar o julgamento em liberdade, depois de quase 3 anos de prisão preventiva. Em 9 de abril de 2006, Suzane concedeu uma entrevista para o programa dominical da Rede Globo, Fantástico. Na reportagem, negociada durante 9 meses, a repórter acusa a jovem e seu advogado de montarem uma farsa e para isso coloca no ar um trecho de uma conversa entre advogado- cliente em que Denivaldo Barni orienta sua cliente sobre como se comportar em frente às câmeras. No Globoplay , serviço de streaming da emissora, ao pesquisar o programa, não é possível encontrar a entrevista, porém, existe um trecho disponível em um canal no Youtube. Na internet é possível, quando pesquisado o nome de Suzane e a reportagem do Fantástico , ser direcionado para um site chamado Memória Globo , em que é possível conferir o que disseram pessoas da redação do programa que cobriram o caso. É possível, nessa reportagem, ver o diretor Bruno Bernardes acusar a jovem de ¨se fazer de vítima¨ e Roberta Vaz, chefe de redação de São Paulo, afirmar: ¨A gente viu que aquele jeitinho de menina bobinha era um teatro. ¨ Bruno define a captação dos conselhos do advogado como ¨um grande orgulho profissional¨ e Roberta fala que foi o ponto alto da cobertura. Essa entrevista teve grande repercussão, no dia seguinte, Suzane foi presa novamente. Na matéria do Memória Globo é possível ver o seguinte trecho: ¨As imagens levantaram a suspeita de que os advogados de Suzane pretendiam usar a entrevista para vender à opinião pública a imagem de uma moça infantilizada e influenciável, capaz de ser levada pelo namorado a participar do assassinato dos pais.¨ Em 30 de maio de 2006, por meio de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, Suzane pôde esperar o julgamento em prisão
16 maconha, costume que adquiriu com Daniel. O advogado dos irmãos chamou Suzane de mentirosa. No segundo dia de julgamento, Andreas von Richthofen depôs. Considerado o momento mais importante, o agora adulto (nesta data Andreas tinha 19 anos) em seu depoimento, que durou cerca de três horas, contou que, logo que a menina confessou o crime, manteve o relacionamento e a visitava na prisão, ocasiões em que ela chorava muito e pedia para ser perdoada. No terceiro dia de julgamento, Cristian, horas depois do depoimento da mãe, Nadja Cravinhos de Paula e Silva, mudou seu depoimento e afirmou ter golpeado Marísia von Richthofen. No final do relato, a mãe dos Cravinhos fez um apelo aos jurados: "Eles fizeram uma coisa muito grave, mas estão arrependidos. A Justiça é necessária, dói, mas é necessária. Mas cada um tem que pagar pelo que fez, e não pelo que não fez." Em seu depoimento, Nadja fez elogios a Suzane, afirmou que ela tinha um carinho especial pelo irmão e que sempre agiu como uma mãe para ele. O quarto dia do julgamento foi destinado à leitura de peças processuais, à exibição da filmagem da reconstituição e a uma série de reportagens acerca do crime. O último dia foi dedicado aos embates da acusação e da defesa. Nacif, advogado de Suzane, com o Código Penal em mãos, afirmou que, em caso de dúvida, o júri deveria absolver os réus. Os advogados da ré afirmaram que a jovem era inocente, alegando coação irresistível. Na madrugada do sábado, Suzane von Richthofen e Daniel Cravinhos foram condenados a 39 anos e 6 meses de reclusão e Cristian a 38 anos e 6 meses de reclusão, cabia recurso, porém, eles não poderiam aguardar em liberdade. Apesar disso, nenhum dos réus pôde ser submetido a um novo júri, pois as penas-base foram inferiores a 20 anos por homicídio praticado. No Brasil, segundo a lei, condenado a mais de 20 anos em júri popular têm direito a um novo julgamento. O advogado de defesa da jovem reclamou que a defesa teve apenas 1h30min de explanação, enquanto a acusação teve o dobro de tempo. "Se a defesa tivesse o mesmo tempo, com certeza, ela seria absolvida¨ , disse Mário Sérgio de Oliveira. Enquanto os irmãos Cravinhos foram condenado por unanimidade pelo júri de 7 pessoas (3 mulheres e 4 homens), somente 4 jurados consideraram que Suzane teve participação na morte do pai e 6 entenderam que a ex-estudante de direito teve participação na morte da mãe. Segundo Mauro Otávio Nacif, outro advogado de Suzane, o júri entendeu que os Cravinhos foram os responsáveis pelas duas mortes, e a menina, apesar de coagida, poderia
17 ter evitado o crime. Nacif disse que ao cumprimentar o promotor ouviu como resposta: ¨Parabéns, doutor. Você quase conseguiu!¨. O trio foi condenado por duplo homicídio qualificado por motivo torpe, meio cruel, impossibilidade de defesa das vítimas e fraude processual (devido à alteração da cena do crime), Cristian também foi condenado por furto. A promotoria defendia uma pena de 25 anos para cada homicídio, o que resultaria em 50 anos para cada réu. Porém, a pena-base de Suzane e de Daniel foi de 16 anos e a de Cristian, 15 anos. Suzane quase foi absolvida pela morte do pai, pois os jurados, em dois quesitos, responderam que ela foi coagida por Daniel, a absolvição só não ocorreu porque no terceiro quesito os jurados responderam que ela poderia ter resistido à coação. Quanto à morte da mãe, o júri entendeu que ela foi inteiramente responsável. Segundo o advogado de Suzane, quando os jurados votaram sobre Manfred, consideraram mais os argumentos da defesa, já na votação sobre Marísia, como a jovem já estava condenada, foram mais duros. Em 2013, os irmãos Cravinhos receberam o direito do regime semiaberto e deixaram o presídio pela primeira vez no dia das mães, após o período de quarentena da decisão de mudança de regime. Em 2014, Suzane von Richthofen progrediu do regime fechado para o semiaberto, no qual o preso tem o direito de sair para trabalhar durante o dia e deve retornar ao presídio para dormir. Em sua decisão, a juíza Sueli de Oliveira Armani, da 1ª Vara de Execuções Criminais de Taubaté, reconheceu que Suzane não apresenta anotação de infração disciplinar ou qualquer outro fator desabonador em seu histórico prisional. Porém, menos de uma semana após a decisão da juíza, Suzane entrou com pedido para continuar no regime fechado, alegando temor de ser hostilizada em outro presídio em que teria que passar as noites. No pedido, ela afirma já ter tido esses problemas anteriormente e precisar do salário que ganhava na oficina de confecção da Funap para se sustentar. Em 2015, Suzane ganhou novamente o direito ao regime semiaberto porque já havia cumprido um sexto da pena e possuía bom comportamento. Apesar do novo regime, Suzane não deixou o presídio de Tremembé, pois, 4 meses antes, uma nova ala de regime semiaberto tinha sido inaugurada no presídio em que ela já cumpria pena. Em maio de 2016, em uma saidinha de dia das mães, o programa Fantástico , programa semanal da Rede Globo, que vai ao ar todo domingo, exibiu uma reportagem em que localizou Suzane na cidade de Angatuba, interior de São Paulo, em um endereço diferente do que ela havia informado à Secretaria de Administração Penitenciária. O Poder Judiciário considerou que não houve má-fé por parte de Suzane; do contrário, ela poderia
19 Capítulo II Odiar, punir, vigiar Neste capítulo, abordaremos uma breve história das penas, pelo olhar minucioso do filósofo Michel Foucault, e refletiremos sobre os regimes de prisão no país. Segundo Michel Foucault, em Vigiar e punir: Nascimento da prisão : O sistema punitivo passou por várias mudanças em sua história, porém a mais marcante a ser destacada é o desaparecimento dos suplícios, comuns nos anos 1700 em quase toda a Europa. Suplício é a pena corporal dolorosa contextualizada em um fenômeno de extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade. Nessa época o corpo era o alvo principal da repressão penal, era esquartejado, amputado, marcado e exposto morto ou vivo, em um espetáculo de numeroso público. Por isso, não se deve negligenciar a parte política dos suplícios, pois nas cerimônias também era evidenciado o poder. Essa exposição pública era justificada porque o crime cometido não feria somente a vítima do delito, mas também, de forma pessoal, o soberano, pois a lei é parte de sua vontade. Sendo assim, o castigo não poderia somente ser uma medida de reparação de dano, deveria sempre haver a parte do príncipe, pois o crime era compreendido como uma afronta à sua pessoa. A execução da pena deveria ser feita para caracterizar o excesso e o desequilíbrio; portanto, se a execução fracassasse, o condenado seria perdoado. O fim dos suplícios simboliza o fim do espetáculo e do domínio sobre o corpo, com isso, a certeza de ser punido deve ser a responsável por desviar o homem do crime, não mais o teatro que era feito com os suplícios. A partir disso, a relação castigo-corpo se modificou, pois a prisão, a reclusão, os trabalhos forçados, a servidão, a interdição de domicílios e a deportação, apesar de ainda serem penas físicas, não carregam a mesma conotação dos suplícios. Pode-se datar o desaparecimento dos suplícios no período entre 1830 e 1848. Isso ocorreu devido ao deslocamento do objetivo da pena, que não era mais sobre o corpo, e, sim, sobre a alma. A partir do século XVIII os protestos contra os suplícios ganham coro de filósofos e teóricos de direito, juristas, magistrados, parlamentares e legisladores das assembleias. Com isso, é necessário que a justiça puna, ao invés de se vingar, pois a humanidade do criminoso deve ser respeitada. O objetivo não era punir menos, mas, sim, punir melhor, pois a repressão das ilegalidades se tornou uma função regular e coextensiva à sociedade. A passagem de suplícios, em suas pompas de rituais de ostentação em que a regra era evidenciar o sofrimento, para penas em prisões, guardadas em arquiteturas diferenciadas,
20 significa a busca de eficácia, eficiência e, até mesmo, assepsia, características de um século que valorizou o espírito científico. Na maior parte dos países europeus, com exceção da Inglaterra, o saber era privilégio da acusação, ou seja, todo o processo criminal permanecia em sigilo, tanto para o público, quanto para o acusado. O criminoso é o sujeito que rompeu o pacto, portanto, figura como um inimigo da sociedade inteira e é obrigado a participar da punição que é exercida sobre ele. O crime ataca uma sociedade inteira, portanto, o castigo é uma função generalizada, coextensiva ao corpo social e a cada um de seus elementos. O que ocasiona a pena não é o sofrimento, mas, sim, a ideia da dor. Então, a punição não precisa se utilizar do corpo, mas, sim, da representação de uma situação incômoda. Portanto, o castigo deve representar uma desvantagem que retire o atrativo de cometer um delito. Após o fim dos suplícios, a publicidade da pena passou a não mais ser aceita, enquanto a condenação e o motivo deveriam ser conhecidos por todos, a execução da pena deveria ser feita em segredo, o público não deve ser feito de testemunha, pois a certeza de que o acusado cumpria sua pena dentro do espaço do presídio deveria ser suficiente para acreditar no cumprimento da sentença e servir como exemplo. O presídio, além de sua função punitiva básica, também cumpre a função de evitar que um ciclo de violência se reinicie, para evitar que pessoas próximas à vítima resolvam se vingar do acusado. Sua função não é de apagar o crime, mas, sim, transformar o culpado, para que ele seja reinserido na sociedade, existe uma função corretiva. A disciplina fabrica corpos submissos, ou seja, dóceis. A prisão se tornou peça essencial no conjunto das punições e marca na história o começo da humanização dos presos, no fim do século XVIII e começo do século XIX. Isso ocorre porque a liberdade é um bem de apreço igual por todos, portanto é um castigo igualitário, diferente da multa e também é possível quantificar a pena segundo o fator tempo. A partir disso, é possível dizer que com a variável pena, a prisão traduz o princípio de que o delito cometido lesou uma sociedade inteira. Para o caráter punitivo ser completo, a prisão deve ser um lugar de disciplina exaustiva. Diferente de outros lugares de disciplina, como a escola e o exército, em que existe uma especialização, a prisão é onidisciplinar. Isso significa que deve tomar conta de todos os aspectos do indivíduo, desde o treinamento físico, até a aptidão para o trabalho, passando por suas disposições e atitude moral. Adiciona a isso, ainda, o fato de que não se interrompe a estada na prisão, somente depois de finda a pena, com isso, a disciplina é incessante.