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Esta monografia pretende descrever o processo pelo qual a matemática tornou-se uma realidade para a filosofia natural, segundo uma perspectiva filosófica, no século XVII e no primeiro quartil do século XVIII, período em que surgiu a ciência moderna. Este período, certamente, é o mais representativo, onde se origina todo um pensar em que as matemáticas passam a representar uma importante ferramenta para expressar os eventos da natureza.
Tipologia: Redação
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Monografia apresentada ao Departamento de Filosofia da Faculdade Católica de Fortaleza, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Filosofia. Prof. Orientador: Me. Tiago Guimarães Batista
Ao Pai Celestial, pela benção da Vida. Aos meus pais e irmãos, pelo aconchego do recanto familiar. Aos meus professores que iluminaram meu estradar. A pessoa muito especial, Evanessa, por todo amor, carinho, compreensão e incentivo, pelas conversas esclarecedoras que muito contribuíram para a elaboração dos meus raciocínios. A todos, dedico-lhes essa conquista com gratidão e amor.
Aqui surge um enigma que tem perturbado os cientistas de todos os períodos. Como é possível que a matemática, um produto do pensamento humano, que é independente da experiência, se encaixar tão perfeitamente aos objetos da realidade física? Pode a razão humana, sem a experiência, descobrir por puro pensamento as propriedades de coisas? Albert Einstein, 1921.
Esta monografia pretende descrever o processo pelo qual a matemática tornou-se uma realidade para a filosofia natural, segundo uma perspectiva filosófica, no século XVII e no primeiro quartil do século XVIII, período em que surgiu a ciência moderna. Este período, certamente, é o mais representativo, onde se origina todo um pensar em que as matemáticas passam a representar uma importante ferramenta para expressar os eventos da natureza. Um trabalho deste jaez, pressupõe explicar determinadas condições nos quais o pensamento relativo à filosofia da natureza, efetivamente pôde ser expresso através de uma linguagem matemática. Embora não pretendamos estabelecer correlações específicas da efetivação dessa matematização, devido à natureza do trabalho e da limitação óbvia do autor, pretendemos sim, indagar, quais os processos que favoreceram essa matematização. Identificamos a importância do pensamento matemático para o pensar filosófico, desde Pitágoras de Samos (571 a.C. ou 570 a.C. - 497 a.C. ou 496 a.C.) a Arquimedes de Siracusa (287 a.C. - 212 a.C.). Reconhecemos ainda uma importante diferença nesta abordagem matemática da natureza, por parte destes gregos antigos. Pois trata-se de matematizações ontologicamente distintas, revelando em Pitágoras uma acentuada inclinação metafísica que será retomado posteriormente por Platão; enquanto que em Arquimedes, verificamos um proceder técnico, voltado para as exigências práticas da realidade cotidiana, que será retomada por Galileu. Sendo ontologicamente distintas essas matematizações, é forçoso reconhecer que cada abordagem, mesmo adotando uma linguagem comum, através de termos semelhantes, senão idênticos, não possuem os mesmos objetos, nem a natureza, e nem mesmo o método. A motivação por essa temática se justifica por uma constatação nossa, do desinteresse de filósofos e físicos, uma vez que os filósofos desconhecem a física na mesma proporção que os físicos desconhecem a filosofia. Se os primeiros alegam que a física tornou- se incompreensível para quem não tenha uma longa especialização em matemática, os segundos afirmam que a filosofia pouca ou nenhuma contribuição tem a oferecer. Claro que, com honrosas exceções, em ambas as partes. Portanto, o principal interesse é mostrar que esse mal-entendido se dá principalmente pela forma como a física é ensinada em nossas escolas e academias, de forma bastante pontual, desconsiderando o contexto histórico e portanto, as grandes discussões filosóficas em torno dos problemas; bem como na filosofia, a matemática
espaço e movimento, desenvolvendo os princípios fundamentais da relatividade do movimento, no qual irá fundamentar toda mecânica newtoniana. Esta procura pela fundamentação do conhecimento, a busca pela verdade, leva à dúvida metódica de Renée Descartes ( 1596 - 1650 ) que desconstrói crenças bem estabelecidas pela suposição de variações da ideia de um espírito enganador. Colocando a possibilidade de que o grau de alienação possa ser tal, que nem sequer nos damos contar de que o nosso raciocinar esteja condicionado a tal visão enganadora, procede ele como na matemática: estabelece os princípios fundamentais para em seguida derivar as consequências, da mesma forma que teoremas são derivados de axiomas. Temos um procedimento de fundamentação do conhecimento em bases matemáticas. Isaac Newton ( 1643 - 1727 ), apoiado “em ombros de gigantes” com o seu “Princípios Matemáticos de Filosofia Natural” formula uma síntese filosófico-matemática e estabelece os princípios formais daquilo que irá denominar-se matematização da natureza, um procedimento de fundamentação do conhecimento, em bases matemáticas, da força e do movimento, alicerçada nos princípios da relatividade estabelecida por Galileu. Essa matematização da natureza, que hoje é conhecida como Mecânica Clássica, foi fundamental para a revolução científica do mundo, permitindo a ultrapassagem da realidade sensível pela construção de modelos matemáticos que ofereça inteligibilidade aos fenômenos naturais, imperou nos séculos XVII e XVIII e formou a matriz de fundamentação do conhecimento científico até o final do séc. XIX.
A filosofia aristotélica afirmava que uma ciência devia possuir seus princípios em bases epistêmicas. Isso significa que deve-se estabelecer os princípios universais e necessários que expressem a natureza das substâncias cujas propriedades queremos conhecer. Esses princípios são derivados por indução da percepção sensorial e justificados por intuição intelectual. A partir dos conceitos de ato e potência, Aristóteles ((384 a.C. - 322 a.C.) definirá todo movimento como uma atualização de potencialidades, e toda mudança como a geração de um efeito por uma causa. Tem-se ainda que aquilo que é por natureza, produz-se de acordo com uma causação interna própria e pré-ordenada, gerando-se e corrompendo-se de acordo esses princípios ordenantes. Dentro desse raciocínio de atualização, estão envolvidos questionamentos causais que explicitam esse processo, através das quatro causas aristotélicas: a) material; b) formal; c) eficiente; e d) final. Por conseguinte, o conhecimento para Aristóteles é a identificação das causas motrizes e finais, que lhe serve de existência e parâmetros funcionais, de modo que a ciência da natureza deve ser entendida como a explicação do movimento e mudança pelos princípios, conforme ele afirma no primeiro parágrafo da Física I: “Dado que, em todos os estudos nos quais há princípios, sabemos quando reconhecemos estes últimos, evidentemente devemos, de início, tentar delimitar também o que concerne aos princípios da ciência da natureza”^1. Dentro desta concepção, o estagirita, modificou e aperfeiçoou o modelo dos quatro elementos de Empédocles de Agrigento (484 - 421 a.C.), - água, terra, fogo e ar - dotando cada um desses elementos de qualidades como úmido, seco, quente ou frio, onde essas substâncias naturais, conteriam em si mesmas, o princípio de seu movimento. O movimento definido por Aristóteles, que é o alvo de nossa atenção, é o movimento do gênero kínesis em sua espécie de deslocamento. Esse movimento, assim entendido, é a resultante da ação de um corpo motriz sobre o corpo movido, de forma a produzir uma modificação situacional deste. Aristóteles classificou o movimento ( kínesis ) em quatro tipos, a saber: a) tração; b) empuxo; c) transporte; e d) rotação. Lembrando que, nosso autor tem por corolário que
(^1) ARISTÓTELES. Física I-II. Tradução, introdução, e comentários ANGIONI, L. São Paulo: UNICAMP, 2009. p. 23
os mais leves, com uma velocidade proporcional ao seu peso, corroborando assim a intuição imediata da realidade. O outro tipo de movimento, ainda segundo Aristóteles, é o movimento violento, imposto por forças que empurram ou puxam os corpos. A característica principal desse tipo de movimento violento é que ele é causado por agentes externos. É um movimento imposto a um objeto através de um impulso ou de um tracionamento. Movimento violento é um movimento forçado. Ao analisar a explicação aristotélica para o movimento, observamos que sua explicação não comporta uma inteligibilidade do “porquê” do movimento, uma vez que a interpretação dada, apresenta dificuldades, pois não há critérios claros que estabeleçam as relações entre o impulso dado e o objeto movido. Em geral, as explicações geravam uma difícil visualização daquilo que se queria explicar, dificultando a apreensão da dinâmica da movimento. Nesta linha de raciocínio, fica complicado explicar o porquê de uma flecha continuar seu movimento após ter deixado o arco. O impulso do arco já não opera mais. Então, por que ela simplesmente não cai aos pés do arqueiro? Foram feitas várias tentativas de explicação; e concebeu-se a ideia de que a flecha, em pleno curso, produz uma compressão em seu extremo posterior, obrigando o ar a correr para trás da seta e evitando, assim, a formação de um vácuo. Era esse ar o agente responsável pelo movimento da flecha após deixar o arco. Alexandre Koyré^3 em seu comentário sobre a representatividade do pensamento de Aristóteles na Idade Média, afirma que pelo fato do corpus aristotelicum ter chegado completo ao mundo latino e ser dotado de uma imensa capacidade enciclopédica - medicina, matemática, lógica, física, astronomia, ciências naturais, psicologia, ética, política, etc. - tais escritos foram, aos poucos, tornando-se uma fonte representativa da verdade diante da capacidade explicativa contida em tal corpus. No século XVI, a filosofia escolástica faz largo uso da autoridade aristotélica, mediante as explicações teleológicas, subordinando essas causas finais aos desígnios do Criador. E isso será alvo de críticas de pensadores como Galileu Galilei e René Descartes.
(^3) Cf. KOYRÉ, A. Estudos de história do pensamento científico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011. p.
Podemos observar que a filosofia natural renascentista pressupõe um mundo ordenado independentemente do ser humano, cabendo ao homem apenas descobrir essa ordem previamente estabelecida, vinculados uns aos outros através de relações de causalidade. Portanto, o “mundo exterior” não é um problema: ele existe fora da nossa mente. Essa forma de pensar a natureza ordenada tem em Galileu (1564 - 1642) um representante típico. Entretanto, encontraremos uma diferença significativa do pensar desse filósofo e matemático, que compartilha a crença de que os eventos naturais são independentes do julgamento humano, agindo inexoravelmente através de leis imutáveis que nunca são transgredidas. Tendo por verdade que essa rigorosa necessidade causal, resulta de um caráter fundamentalmente matemático, então os fundamentos da natureza estão no domínio das matemáticas^4. Em suas ideações, o matemático de Florença não faz uso da lógica escolástica, mas sim de instrumentos e experimentações, formulando demonstrações matemáticas para desvendar os segredos do mundo. Assim em sua ciência da dinâmica ou “movimento local” afirma ter descoberto por meio da experiência, algumas propriedades do movimento nunca antes observadas.
Sobre um assunto velhíssimo promovemos uma ciência novíssima. Talvez nada mais antigo na natureza que o movimento e acerca dele acham-se escritos pelos filósofos volumes nem poucos nem pequenos. Descubro, porém, várias das propriedades dignas de conhecimento que lhe cabem, ainda não observadas e indemonstradas. Algumas de pouca importância foram registradas como, por exemplo, que o movimento natural de queda dos graves acelera-se continuamente^5.
Com o pensamento voltado para a análise matemática, sentiu a necessidade de excluir de sua observação, elementos que não fossem importantes na realização de seus experimentos. A análise matemática exige objetividade ao lidar com os eventos naturais, e a forma mais lógica encontrada por ele, foi distinguir de forma clara, entre o que é objetivo, imutável e matemático do que seja relativo, subjetivo e sensorial. Para um mundo imutável, Galileu colocou o conhecimento divino e humano; para um segundo mundo cambiante, as opiniões e as ilusões^6. Ele olhava os objetos naturais não como objetos reais ou matemáticos, mas como objetos possuidores de características que se definem numa realidade última, com
(^4) BURTT, E. A. As bases metafísicas da ciência moderna. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1983. p. 61. (^5) NASCIMENTO, C. A. R. Quatro textos de Galileu. Trans/Form/Ação. São Paulo, v.3, 1980. p.145. (^6) Cf. BURTT. 1983_._ p. 67.
não tendes necessidade de o fazer com mais força numa direcção do que noutra, pois as distâncias permanecem as mesmas (...) fazei andar o navio à velocidade que queirais, desde que o movimento seja uniforme, sem qualquer balanço num sentido qualquer, não notarei a mínima alteração em todos os efeitos que se acabou de indicar; nenhum deles vos permitirá dar conta se o navio está em movimento ou parado (...)^8
Galileu observa que só os movimentos em relação aos quais o navio está em repouso relativo são perceptíveis. Observa ainda que esses movimentos não se alterariam, seriam idênticos se o navio estivesse imóvel. O que Galileu está afirmando é o princípio da relatividade, a indiferença do movimento partilhado em relação ao movimento uniforme de conjunto^9 , que será fundamental para Isaac Newton. Poderíamos também dizer que o diálogo mostra a validade da mesma lei da natureza para todos os corpos, animados e inanimados; e que essas leis não são alteradas quer estejamos em repouso ou em movimento, nem os efeitos (as gotas caem do mesmo jeito, quer o navio parado ou não) ou as causas (não é preciso, aumentar ou diminuir a força no lançamento da bola, a favor ou contra a direção do movimento). O pensamento matemático de Galileu, ao conceber o princípio da relatividade, favoreceu, posteriormente, o estabelecimento de uma equivalência entre os referenciais, e assim formalizar uma transformação que podia ser utilizada na comparação dos fenômenos que ocorrem em referenciais inerciais^10 distintos. Esta transformação consiste num conjunto de equações dos parâmetros de posição e movimento em relação a um sistema de referência S, com origem em O e coordenadas ( x , y , z ), num sistema S', com origem em O' e coordenadas ( x ', y ', z '). As equações são: 𝑥𝑥 ′^ = 𝑥𝑥 − 𝑉𝑉𝑉𝑉 ; onde y ' = y ; z ' = z e t ' = t , sendo “ V” a velocidade do referencial “ S '” relativamente ao referencial “ S” e “ t” o tempo, que graficamente representamos:
(^8) GALILEU apud BALIBAR. 1984. p. 26. (^9) Esta designação na física moderna chama-se de invariância de Galileu, e refere-se ao princípio de relatividade segundo o qual as leis fundamentais da Física são as mesmas em todos os sistemas de referência inerciais, isto é, a forma das equações físicas não podem depender do estado de movimento de um observador, uma vez que 10 o movimento é relativo.^ Nota do autor. Referencial inercial é todo o sistema de referência que esteja em repouso ou se locomovendo com velocidade constante. Tais sistemas ou estão parados (velocidade = 0) ou em movimento retilíneo uniforme uns em relação aos outros. Nota do autor.
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Realçamos que Galileu acreditava numa regularidade da natureza, e que essa regularidade poderia ser expressa dentro de parâmetros matemáticos mediante o estabelecimento daquilo que hoje denominamos de leis científicas. No que se refere à forma com que dois sistemas físicos interagem entre si, na busca da correta correlação entre as mudanças observadas nos sistemas, ele viu a necessidade de estabelecer o caráter absoluto do tempo e a separação espacial entre dois acontecimentos que ocorrem no mesmo instante. Essas leis são inerentes a todos os sistemas inerciais que combinados, permitem a correta descrição dos movimentos^13.
Embora Descartes (1596 – 1650) seja contemporâneo de Galileu, existem grandes diferenças em seus modos de pensar. Enquanto Galileu acredita na realidade objetiva do mundo e utiliza-se de experimentos e instrumentos para comprovar suas hipóteses, Descartes, numa postura cética, duvida da veracidade do conhecimento adquirido através dos sentidos. Certamente que esta postura não se inicia com Descartes, mas ele se pergunta se nossos sentidos não nos enganam sempre, ou seja, duvida da existência de uma realidade conduzida por nossos sentidos. Além disso, outra importante diferença diz respeito ao papel desempenhado pela metafísica. Galileu se desvinculou claramente de qualquer pressuposto metafísico, enquanto que Descartes tinha em Deus o fundamento de todo o conhecimento verdadeiro. Assim como
(^11) Em um vagão de trem, S refere-se a um referencial em movimento em relação a este trem; e S ’ o referencial de
12 quem está dentro do vagão. Nota do autor. Um objeto deixado cair no interior do vagão, será visto pelo sujeito do referencial S’ caindo aos seus pés. Já 13 no referencial^ S , o sujeito presenciará o deslocamento do objeto em forma parabólica. Nota do autor. VIDEIRA, A. A. P. e COELHO, R. L. Física mecânica e filosofia: o legado de Hertz. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2012. p. 19 e 20.
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Figura 1 Figura 2
material); em consequência, estava proibido a determinação de grandezas de ordens diferentes numa mesma expressão, ou seja, não se podia provar uma proposição geométrica usando a aritmética. Descartes, entretanto, passa a considerar as diferentes espécies de grandeza (raiz, quadrado, cubo, etc.) como sendo grandezas que constituem os termos de uma mesma proporção contínua. Também reinterpreta o símbolo a^2 como o comprimento de um segmento e não como área, como era tradição naquela época, e, assim, faz para as outras potências a 3 , a, 4 a,^5 ...^20_._ Além disto, passa a considerar as operações aritméticas (multiplicação e divisão), como casos particulares do cálculo decorrente para encontrar o quarto elemento de uma proporção, de tal forma que: 𝑎𝑎 1 = 𝑥𝑥𝑏𝑏 ∴ 𝑥𝑥 = 𝑎𝑎𝑎𝑎. Neste modelo de conhecimento, vamos
encontrar o desconhecido - a incógnita -, através de uma relação com o conhecido, ou seja, em função das variáveis estabelecidas. O processo consiste em estabelecer uma relação recíproca, de tal maneira que, partindo de um ponto determinado, e seguindo uma regra constante, pode- se percorrer todo o processo e reduzir a variável indeterminada, a uma identidade que a defina como parte da função estabelecida, segundo as regras de uma operação matemática^21. Segundo Kobayashi^22 , esta teoria da proporções, abre caminho para uma nova teoria das ciências, pois organiza os objetos do conhecimento segundo uma relação serial das matemáticas. Ao estabelecer essa correspondência entre uma grandeza geométrica com uma grandeza aritmética, Descartes percebe que há um conhecimento que subjaz a essas grandezas matemáticas, que ele identifica com a álgebra, que juntamente com a astronomia e a teoria das harmonias, que são tipos específicos de matemática, e que por essa razão, esse novo conhecimento seria uma mathesis universalis , uma espécie de matemática universal. A partir dessas relações de proporções, nosso filósofo criou as bases para a geometria analítica. E com ele, a álgebra começa o seu processo de autonomia em relação a geometria, com uma progressiva introdução de uma notação mais concisa com uso de letras para denotar coeficientes e incógnitas, abandonando de vez, o princípio geométrico da homogeneidade dimensional. Esse rompimento com a doutrina aristotélica e a concepção da mathesis universalis, permite-o imaginar que se poderia desenvolver um método universal para a solução de problemas relativos a filosofia da natureza. E a matemática seria o modelo
(^20) Cf. FREITAS VAZ, D. A. A Geometria de René Descartes. Boletim de educação Matemática , Rio Claro, v.
21 18, n. 23, maio, 2005. DOMINGUES, I. O grau zero do conhecimento: o problema da fundamentação das ciências humanas. São 22 Paulo: Loyola, 1991. p. 178. KOBAYASHI, M. A filosofia natural de Descartes. Lisboa: Instituto Piaget, 1993. p. 26.
pelo qual se daria fundamentação à esse método universal.^23 Com uma notação mais simples e geral, representando somente proporções e relações abstratas, pensava poder revelar as estruturas inerentes a todos os objetos de investigação. Em sua obra “Geometria”^24 , inicia a procura da unificação dos campos, antes impensável, entre a aritmética e a geometria, representando as quantidades aritméticas sob a forma de linhas geométricas, para em seguida, expressar essas linhas como equações algébricas^25. A preocupação maior em sua filosofia é a procura dos fundamentos de um conhecimento verdadeiro. Ao formular seu método “para bem conduzir a própria razão e procurar a verdade nas ciências”^26 pretendia estabelecer os fundamentos de uma ciência que "geometrizasse" a natureza. Ao olharmos os motivos pelos quais o levaram desenvolver um método, que orientasse no estudo da natureza, deparamo-nos com um crítico das bases do conhecimento de sua época, onde acreditava que não existia um conhecimento verdadeiro, mas no máximo verossímil. Ao desenvolver seu raciocínio, Descartes tem plena consciência de que seu método é para facilitar a solução de problemas, não garantir os resultados; pois este é antes uma organização do pensar para bem conduzir a pesquisa da realidade do que uma solução para estes mesmos problemas. No seu entender, resolvemos os problemas partindo do simples para o complexo ou do fácil ao difícil. E este critério antecede e predetermina a resolubilidade ou não dos problemas. Desta forma, ao utilizar suas regras, ele julga ter descoberto a característica universal do processo de conhecimento.
“Essas longas cadeias de razões^27 , todas simples^28 e fáceis^29 , de que os geômetras costumam servir-se para chegar às suas mais difíceis demonstrações, haviam-me dado ocasião de imaginar que todas as coisas possíveis de cair sob o conhecimento dos homens seguem-se umas às outras da mesma maneira...”^30
Partindo do conceito de abstração aristotélica, Descartes vai ampliar e universalizar tal operação intelectual como uma regra metodológica a fim de reificar as
(^23) GAUKROGER, S. Vida e obra. In: BROGNTON, J. e CARRIERO, J. (Org.). Descartes. Porto Alegre: Penso,
24 2011. p. 22 e 23. A “Geometria” de Descartes foi publicado inicialmente como um apêndice de “O discurso do método”, em 25 1637. Nota do autor. 26 COTTINGHAM, J.^ A filosofia de Descartes. Lisboa: Edições 70, 1986. p. 40. 27 Subtítulo de sua obra “O discurso do método”. Nota do autor. 28 Com o significado de proporções. Nota do autor. 29 O que é primeiro pela ordem das coisas. Nota do autor. 30 Do ponto de vista psicológico. Nota do autor. DESCARTES, R. Discurso do método. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 38. Coleção Os Pensadores.