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Este documento discute o projeto 'depoimento sem dano', que tem por objetivo reduzir o sofrimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual durante as investigações judiciais. O projeto envolve a criação de salas especiais para as entrevistas, que permitem a interação entre a criança e os envolvidos na justiça através de vídeo e áudio. O documento também aborda a importância de evitar a revitimização de crianças e adolescentes durante as investigações, as razões por trás do silêncio de vítimas de abuso sexual e as implicações psicológicas para elas.
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Tipologia: Provas
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Claudete Carvalho Canezin^21 Ana Carolina Benassi Perozim^22
"Se ages contra a justiça e eu te deixo agir, então a injustiça é minha". ( Mahatma Gandhi )
RESUMO: A luta para minimizar a dor da criança e do adolescente em seus depoimentos para relatar o abuso sexual sofrido. Tirara as vitimas do ambiente formal da sala de audiências e transferi-las para sala especialmente projetada para tal fim, sala esta que se interliga, por vídeo e áudio, à sala onde se encontram o Magistrado, Promotor de Justiça, Advogado, réu e serventuários da justiça, que podem interagir com a criança durante o depoimento. Com isso, evita-se – fazendo uso das tais câmeras filmadoras e equipamentos de gravação – o contato direto da vítima com o acusado. O depoimento prestado à Justiça por crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual acaba por os vitimizar ainda mais, em decorrência das sucessivas inquirições sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo.
Palavras-chave: Abuso sexual. Criança e adolescente. Depoimento sem dano.
ABSTRACT: The struggle to minimize the pain of the child and adolescent in their testimonies to report the sexual abuse suffered. He had removed the victims from the formal courtroom of the courtroom and transferred them to a specially designed room, which was interconnected by video and audio to the room where the Magistrate, Prosecutor, Lawyer, Defendant and Servants Who may interact with the child during the testimony. As a result, the direct contact of the victim with the accused is avoided by making use of such cameras and recording equipment. The testimony given to justice by children and adolescents victims or witnesses of sexual violence ends up victimizing them even more, as a result of successive inquiries about the same fact in the criminal, civil and administrative areas.
Key-words: Sexual abuse. Child and teenager. Testimonial without damage.
A violência sexual praticada contra crianças e adolescentes está se tornando uma epidemia no Brasil, em razão, principalmente, dos baixos índices de condenação dos agentes
(^21) Professora de Direito Civil da graduação e pós graduação da Universidade Estadual de Londrina –
UEL.Mestre em Direito Civil. Doutoranda em Estudos da Linguagem UEL. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Coordenadora da Revista Arte Jurídica – Biblioteca Cientifica de Direito Civil e Processo Civil. Coordenadora e Supervisora do NEDDIJ- Núcleo de Estudos de Direitos e Defesa da Infância e Juventude/UEL/USF/SETI e do NUMAPE – Núcleo Maria da Penha: O resgate da dignidade da Mulher/ UEL/USF/SETI. Advogada. (^22) servidora do Ministério Público do Estado do Paraná, bacharel em Direito pela Universidade Estadual de
Londrina
que perpetram tais condutas ilícitas. O depoimento prestado à Justiça por crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual acaba por os vitimizar ainda mais, em decorrência das sucessivas inquirições sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo. No entanto, poucas alternativas são elaboradas a fim de aprimorar os métodos de inquirir essas vítimas. Em regra, os esforços são despendidos no sentido da investigação a respeito do crime e na punição do agressor, ficando às margens o sofrimento sofrido pelas vitimas. No ano de 2003, no estado do Rio Grande do Sul, mais especificadamente na 2ª Vara da Inf ncia e uventude de Porto Alegre, foi implementado o projeto “Depoimento sem Dano”, idealizado e coordenado pelo juiz Antônio Daltoé Cezar. O objetivo principal do mencionado projeto é retirar as crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual do ambiente formal da sala de audiências, transferindo-as para sala especialmente projetada para tal fim, sala esta que se interliga, por vídeo e áudio, à sala onde se encontram o Magistrado, Promotor de Justiça, Advogado, réu e serventuários da justiça, que podem interagir com a criança durante o depoimento. Com isso, evita-se – fazendo uso das tais câmeras filmadoras e equipamentos de gravação – o contato direto da vítima com o acusado. Ao contrário do que acontece em um inquérito policial comum, em um processo inquisitorial sob a égide do “Depoimento sem Dano”, se estabelece uma oitiva na qual a integridade física, psíquica e emocional do depoente é preservada, utilizando-se, para tanto, de meios tecnológicos que hoje se encontram à nossa disposição, como câmeras filmadoras e equipamentos de gravação e transmissão. Além disso, mencionado projeto permite que se realize, ainda, a produção antecipada de provas, evitando com isso a repetição do relato da vítima inúmeras vezes, em diferentes lugares, como acontece atualmente, considerando que a vítima é ouvida no Conselho Tutelar, Delegacia, Instituto Médico Legal e Ministério Público para se chegar, finalmente, a Juízo. No final de outubro do ano de 2008, a deputada federal Maria do rosário (PT-RS) apresentou o projeto de lei 7.524/06, pretendendo alterações no Código Penal e no Código de Processo Penal a fim de que crianças e adolescentes vítimas de crimes sexuais sejam ouvidas sob a metodologia do “Depoimento sem dano”, dando uma ampla condição de trabalhar a proteção das crianças e a responsabilização nos crimes sexuais. Por sua vez, desde outubro de 2006, a Secretaria Especial de Direitos Humanos, em parceria com o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, passou a apoiar a disseminação da experiência em outros Estados. Desta feita, vêm sendo firmados convênios com os Tribunais de Justiça interessados em implantar esse modelo, objetivando repassar recursos destinados à aquisição dos equipamentos audiovisuais necessários e para capacitar técnicos, juízes e promotores para atuarem em procedimentos sob a égide do projeto em tela. Além do Rio Grande do Sul, os Estados de Goiás e Pernambuco também já implementaram o projeto. O presente trabalho visa discorrer sobre os objetivos e acerca da sistemática adotada pelo referido projeto, bem como sobre a posição a respeito da deste por parte do Conselho Federal de Psicologia, finalizando com a nossa posição sobre o tema e as inúmeras controvérsias que vêm sendo suscitadas pelo mesmo.
Podemos conceituar o delito de abuso sexual praticado contra crianças e adolescente como sendo qualquer interação, contato ou envolvimento da criança ou adolescente, com o uso de violência física e/ou psicológica, em atividades sexuais que ela não compreende e/ou não consente, violando assim não só as regras legais e sociais, mas também
Eu atendi pais que relatavam quão desesperadamente haviam tentado parar de abusar sexualmente de seus filhos, mas a qualidade aditiva do abuso sexual da criança como uma síndrome de adição fazia-os prosseguir. (FURNISS, 1993, p. 18).
O abuso sexual da criança, como síndrome da adição, segundo Dobke, se desenvolve pela compulsão à repetição; os sentimentos de culpa e conhecimento de estar prejudicando a criança podem levar a uma tentativa de parar o abuso, mas em razão da compulsão à repetição, o abusador não consegue seu intento. A dependência psicológica decorre do alívio das tensões, constituindo-se a “excitação do abusador” o elemento aditivo central. (DOBKE, 2001, p. 36). Essa síndrome é complementada pela síndrome do segredo, que se dá na criança, vítima do abuso sexual, que significa, em palavras simplistas, que o pedófilo, ao assegurar que a criança e/ou adolescente participe de atividades proibidas, solicita que ela não conte o ocorrido aos pais, argumentando com o objetivo de reforçar o dito, que isso traria problemas para ambos, o que assegura o inicio da manutenção de segredos entre o abusador e o abusado. Com isso, o pedófilo, seduzindo a criança por meio de um relacionamento de mutualidade, a leva a crer que a relação travada entre eles se trata de uma amizade especial, baseada na confiança, no respeito e no amor mútuo, o que faz com que seja ainda mais difícil para a criança contar o que com ela vem ocorrendo. Assim, no momento em que ocorre a dita complementação das duas síndromes acima expostas, o abusador passa, então, a ser um adito da criança, ou seja, um dependente psicológico da mesma, necessitando que ela guarde segredo para a continuação da adição. Quando o crime de abuso sexual é perpetrado dentro do seio familiar, ou seja, quando ele se dá entre pessoas integrantes de uma mesma família (devendo o termo família ser observado no sentido amplo da palavra), pode se ocorrer também a denominada “negação”. o tocante à “negação”, podemos afirmar que o medo de ser castigada, não acreditada e desprotegida pode levar a criança a não revelar o abuso sexual, que, segundo Furniss,
permanece um segredo de família, até mesmo depois de uma clara revelação, e inclusive quando as ameaças legais e estatutárias há muito tempo já foram removidas; este é o resultado da negação, não da mentira; a mentira relaciona-se ao conceito legal de prova, a negação pertence ao conceito psicológico de crença e assunção da autoria. (FURNISS, 1993, p. 31). Assim, afirma-se que a negação constitui um mecanismo de defesa utilizado pelos membros da família, ou seja, de acordo com os ensinamentos de Green,
o pai pode utilizar a negação por considerar o incesto como educação sexual para sua filha. A mãe é incapaz de reconhecer e processar os óbvios sinais de incesto, porque isto colocaria em risco seu relacionamento com o marido. A filha utiliza a negação e a constrição de afeto para diversos propósitos: como proteção contra a vergonha e a culpa, para obscurecer a consciência da perversão do pai e preservar a família intacta. (GREEN, 1995, p. 1033).
Sobre o tema, Dobke ressalta que: A negação, no sentido psicológico, difere da mentira. Nesta, a criança, ou seus familiares, tem consciência do fato abusivo e, naquela, não há essa consciência, cria-se uma estrutura negadora de realidade da experiência que impede a vítima de ver o abuso como abuso. [...] O mecanismo de defesa da negação leva o abuso ao segredo, permitindo uma sobrevivência psíquica que, na fase adulta, torna-se obstáculo a uma efetiva integração psicológica. [...] Na dissociação, mecanismo de defesa, a vítima separa o abuso sexual, fato real, dos sentimentos que ele gera, garantindo que as emoções causadas pela situação traumática não interfiram em sua vida. Tal mecanismo de defesa é utilizado também pelo abusador. (DOBKE, 2001, p. 35).
Os motivos acima elencados fazem parte de uma extensa gama de causas que dificultam a produção de provas que possibilitem uma possível condenação, por parte do agente abusador, em um processo judicial instaurado em decorrência da prática de crime de abuso sexual.
DAS DIFICULDADES PARA A PRODUÇÃO DE PROVAS EM CRIME DE ABUSO SEXUAL PRATICADO CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Além de todos os argumentos acima expostos, há que se considerar que o abuso sexual praticado contra crianças e adolescentes é, em regra, realizado “às escuras”, sem a presença de testemunhas e, na maioria dos casos, não deixa nenhum vestígio material, motivo pelo qual o depoimento da vitima em juízo é de extremo valor, considerando que, não raro, é ele a única prova possível de ser produzida. A produção de tal prova judicialmente não é tarefa das mais fáceis, fato este que se agrava com a inexperiência e incapacidade dos agentes que atuam no meio jurídico para lidar com crianças e adolescentes. Como afirmado na introdução do presente artigo, esses problemas acabam por revitimizar as pessoas abusadas, causando nelas um dano psíquico secundário, que pode ser, em alguns casos, maior do que o dano primário causado pelo abusador. Por vitimização secundária entendemos a violência institucional do sistema processual penal fazendo das vítimas novas vítimas, mas agora do estigma processual investigatório que, inegavelmente, pode ser pior que o dano inicial, o que faz com que não se consiga penetrar no mundo infanto-juvenil, deixando, desta feita, de recolher dados imprescindíveis à comprovação do delito (BITENCOURT, 2008, p. 268/287). Há que se considerar ainda que o espaço físico de uma sala de audiências não foi e não é projetado para deixar crianças e adolescentes vítimas de crimes sexuais à vontade para falarem do ocorrido, vez que são ambientes formais e criam, de uma certa maneira, uma subserviência entre a autoridade estatal e a testemunha. Agravando este fato, temos também a presença de diversas pessoas que necessitam participar daquele ato, todas elas estranhas e quase sempre inamistosas à vítima. As normas processuais vigentes tratam de forma geral a produção da prova realizada em juízo, não criando modelos diversos para inquirir crianças, adolescentes e adultos.
sento violentadas pelo próprio pai, padrasto ou familiar. Além disso, com a constatação e conscientização do que realmente acontece, surgem a vergonha e o medo, especialmente o medo de perder o amor da mãe, ao se desvendar o segredo (CRUZ, n.03,p.90)
DO PROJETO “ EP ME SEM A ”
Antes de adentrarmos o cerne deste tópico, necessário se faz tecermos algumas considerações acerca da evolução dos direitos das crianças e dos adolescentes. Em 1988 foi promulgada a Constituição Federal que, antecipando-se à Convenção sobre o Direito da Criança de 1989 (incorporada ao direito interno pelo Decreto Legislativo n.º 28), adotou em seus princípios a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, consolidada, posteriormente, com a edição da Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo essa doutrina, as leis internas e o direito de cada sistema nacional devem garantir a satisfação de todas as necessidades das pessoas de até 18 anos, não incluindo apenas o aspecto penal do ato praticado pela ou contra a criança, mas o seu direito à vida, saúde, educação, convivência, lazer, profissionalização, liberdade e outros. Por sua vez, segundo Cezar, O ECA, ao contrário da doutrina da situação irregular que colocava crianças e adolescentes como objetos de direito, colocou esses como sujeitos dos direitos estabelecidos na legislação, alterando significativamente as relações jurídicas afetas à infância e à juventude. No plano geral, dispôs sobre os direitos fundamentais da criança e do adolescente, introduzindo no campo normativo obrigações referentes à prevenção e instituindo uma nova política de atendimento .(CEZAR, 2007, p. 41). No campo processual, o ECA, além de modificar o sistema recursal, tornando-o de mais fácil conhecimento e simplificado, oportunizou que a atuação do Ministério Público na defesa dos interesses individuais, coletivos e difusos, passasse a ser mais factível, admitindo todos os tipos de ações processuais para a consecução de tal fim, conforme preceitua o art. 212 do referido Estatuto. Atualmente, a normativa processual vigente trata de forma geral a produção da prova realizada em Juízo, não criando, em momento algum, modelos diversos para inquirir crianças, adolescentes e adultos. Apesar da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente dispor que quando da ocorrência de abuso sexual a intervenção judicial devesse priorizar a proteção da criança, seja tomando medidas que impeçam a continuação do abuso, seja para viabilizar uma intervenção técnica adequada que ajude as vítimas a enfrentar mais tranquilamente o problema, o que ocorre na realidade, é que a justiça penal tem como principal objetivo investigar os fatos e buscar a responsabilização do abusador, deixando, na maioria das vezes, a vítima em segundo plano. Tais normas processuais, quando observadas rigidamente, como em regra acontece, ao exigirem da criança um discurso lógico como o de um adulto colaboram, induvidosamente, para que, principalmente em casos de abuso sexual, os acusados consigam desqualificar a acusação. Essa prática é duramente criticada por Cezar, que afirma: Essas imprecisões, pela falta de habilidade cognitiva para o pensamento abstrato, foram com freqüência erradamente interpretadas como mentiras, e, assim, solaparam o
testemunho da criança. Esse é o principal fator das baixas taxas de aberturas de processos contra pedófilos. Dos poucos casos (10%) de ASC que de fato vão a julgamento, apenas 5% resultam em processo. É fundamental que o testemunho das crianças não seja mimado por uma falta de entendimento de sua capacidade cognitiva. Os pedófilos sabem que as crianças não são vistas como testemunhas que merecem credibilidade e que são maleáveis quanto à maneira pela qual percebem o mundo e, por essa razão, jogam com isso ao distorcer a realidade delas. É chocante que isso possa ser reforçado em um sistema de justiça criminal que mina a credibilidade da criança como uma testemunha por meio de uma flagrante falta de entendimento de suas capacidades cognitivas (CEZAR, 2007, p. 66). Todavia, apesar das criticas ao atual sistema de justiça, é necessário registrar o avanço deste em relação aos modelos anteriores. O atual sistema hoje se encontra apto a incorporar novas idéias e propostas sem que seja necessário, com isso, que sejam eliminadas ou minimizadas as conquistas históricas de nosso país. Tendo em vista o acima exposto, considerando a necessidade de uma nova forma de inquirir crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual que se compatibilizasse com a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa é que se deu início ao projeto “Depoimento sem Dano”, optando por criar, no oro Central de Porto Alegre, como projeto piloto, uma pequena sala para inquirição de crianças e adolescentes vitimas de abuso sexual, a qual se interliga à sala de audiências da 2ª Vara da Infância e Juventude, com aparelhos que unificam locais distintos através de som e imagem. Em síntese, o que o projeto propõe é que, além de serem observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, inenarráveis à constituição do devido processo legal, também se observe, à luz das normas processuais vigentes, respeito e dignidade às crianças e adolescentes que são ouvidos em Juízo, com absoluta prioridade, como determina o art. 227 da nossa Carta Magna. O objetivo principal do mencionado projeto é retirar as crianças e adolescente vítimas de abuso sexual do ambiente formal da sala de audiências, transferindo-as para sala especialmente projetada para tal fim, sala esta que está ligada, por vídeo e áudio, a sala onde se encontram o Magistrado, Promotor de Justiça, Advogado, réu e serventuários da justiça, que podem interagir com a criança durante o depoimento. Quando realizadas sobre a égide do depoimento sem dano, as inquirições ocorrem de forma mais tranqüila, em ambiente mais receptivo às vitimas, com a intervenção de técnicos mais preparados para tal tarefa, evitando-se, com isso, perguntas inapropriadas, agressivas e desconectadas do objeto do processo e das condições pessoais do depoente. Após o depoimento, que é gravado na memória de um computador, sua integra, além de ser degravada e juntada aos autos, é copiada em um disco e juntada na contracapa do processo, o que permite que não só o Magistrado e as partes possam revê-lo a qualquer tempo para afastar eventuais duvidas, mas também que os julgadores de segundo grau tenham acesso as emoções presentes nas declarações das vítimas, que não eram, anteriormente a este projeto, passiveis de serem transferidas para o papel. Essas providências atingem, sem sombra de duvidas, os três principais objetivos do projeto, quais sejam:
não postulou a ouvida. Todas essas perguntas são intermediadas pelo técnico, que vai adequando-as ao universo infanto-juvenil. O papel do técnico durante a audiência é facilitar o depoimento da criança, ajudando- a a ficar mais à vontade para falar sobre assuntos constrangedores para ela, numa postura de cuidado e acolhimento. Encerrada a inquirição sob a égide desse projeto, o arquivo de som e imagem é encaminhado para degravação, que é realizada no prazo máximo de setenta e duas horas. Depois de feita a degravação, o termo degravado é juntado aos autos de processo e um disco contendo o som e as imagens do depoimento é inserido na contracapa dos autos. Para a inquirição das crianças e adolescentes o técnico deve utilizar-se de basicamente quatro tipos de perguntas:
De forma diferente da que ocorre em um procedimento judicial comum, em uma audi ncia realizada sob a égide do “Depoimento sem Dano”, depois de terminada a inquirição da criança ou adolescente não é ela dispensada imediatamente, como forma de valorizá-la como sujeito de direitos e de afastar a idéia de que aquele momento foi apenas um meio para que o Estado conseguisse atingir o desiderato de um processo judicial. Nessa fase, que tem duração média de trinta minutos, o técnico permanece com o depoente e sua família, com o sistema de gravação desligado, realizando a devolução dos depoimentos, inclusive com a coleta no termo de audiência das assinaturas.
Avaliando as necessidades, o técnico ainda nessa fase, pode realizar intervenções como encaminhamento para atendimento junto à rede de proteção.
A dificuldade da atuação da psicologia no contexto judiciário se manifesta, concretamente, nos processos referentes à vitimização sexual infantil, onde a criança é, ao mesmo tempo, testemunha e vítima da prática ilícita. É histórica a preocupação dos psicólogos e também de outros profissionais que atuam na área com a revitimização de crianças e adolescentes abusados sexualmente, pelos inúmeros depoimentos, exames médicos e avaliações psicológicas a que são submetidas, como também pela excessiva demora na tramitação dos respectivos processos judiciais. Em determinadas situações questiona-se, inclusive, se a causa de maior sofrimento é o dano psíquico decorrente da violência propriamente dita ou a violência da excessiva exposição durante os procedimentos do sistema judiciário e de proteção. corre que a questão envolvendo a psicologia no programa “Depoimento sem Dano” apresenta certa diferença em relação às outras modalidades de seu exercício no âmbito judiciário, na medida em que neste programa o psicólogo, segundo o pensamento predominante entre esses profissionais, não é chamado a desenvolver uma prática “psi”, mas ter a função de “boca” humanizada do juiz, procurando ganhar a confiança das supostas vítimas para que venham a falar e a constituir prova contra os acusados, possibilitando, desta feita, a produção antecipada dessa prova no processo penal, antes mesmo do ajuizamento da ação. Segundo o Conselho ederal de Psicologia, no “Depoimento sem Dano” o psicólogo parece ser mero instrumento e encontra-se neste lugar apenas como uma duplicação do magistrado, para colher o depoimento de uma vítima criança sem supostamente causar-lhe danos. As perguntas feitas às crianças são orientadas pela necessidade do processo e obedecem à tecnicalidade jurídica. O psicólogo, supostamente, é capaz de atender aos requisitos para uma inquirição adequada e, em razão disto, o depoimento da criança seria “sem dano”, vez que é uma figura acolhedora, que não ameaça, possuindo habilidades para se relacionar e ao mesmo tempo para não se deixar enganar, de modo que o depoimento extraído da criança seja confiável. Afirma o Conselho Federal de Psicologia que, por mais louváveis que sejam as intenções dos juristas, há que se assinalar certa dose de ingenuidade na expressão “sem dano”, argumentando no sentido de que uma audiência jurídica não é exatamente o mesmo que uma entrevista, consulta ou atendimento psicológico, onde a escuta do psicólogo é orientada pelas demandas e desejos da criança e não pelas necessidades do processo. Assevera ainda que, em resposta a uma situação traumática, inúmeros sintomas podem se colocar no universo infantil, dentre eles o silêncio, afirmando que, nesses casos, o silêncio é um recurso da criança para calar o que ainda não tem condição de elaborar. Para os profissionais desta área, se a criança cala é preciso respeitar esse silêncio, pois é sinal de que ela ainda não tem como falar sobre aquilo, sustentando que os esforços devem ser feitos no sentido de ampliar os recursos da criança para a elaboração do traumatismo, mas não de maneira forçada, determinada pelo tempo de um processo judicial ou pela exigência de um depoimento sobre um fato traumático em relação ao qual ainda não tenha recursos para apresentá-lo por meio da palavra. Deste modo, entende o Conselho Federal de Psicologia que é sempre danoso obrigar a criança a falar sobre o que ainda precisa calar, pois não pôde ser simbolizado. Nesse sentido, argumenta Verona, se o projeto “depoimento sem dano” é uma resposta da
vítima e sua fala tomada como depoimento. Assim, contrariando as aparências, caso o lugar reservado ao psicólogo seja apenas o de instrumento ou de duplo humanizado do juiz, acreditamos que tal depoimento não será “sem dano”, pois anulará o espaço onde a criança poderá existir de uma outra forma – inclusive fora da conceituação jurídica de vítima. Um depoimento não é “sem dano” apenas porque a inquirição do juiz foi feita por um psicólogo e gravada em sala separada, obtendo-se uma suposta verdade objetiva dos fatos. Não é adotando-se um comportamentalismo ingênuo que operadores do direito e equipe técnica resolverão suas contradições. (ARANTES, 2007, p. 3).
Todavia, ainda sob o enfoque psicológico, a gravação e a anexação aos autos da fala da criança, prolongando seu depoimento para além da decisão do juiz, vez que as mesmas poderão ser revistas e reinterpretadas continuamente, não abre espaço para se pensar que isto seja “sem dano” para a criança, já que a mesma pode ter a sua fala retomada e reinterpretada a cada momento, não por ela, mas por terceiros. Discute-se também se a utilização de equipamentos como brinquedos, bonecos, papel e lápis pra desenho, não constitui técnicas de extração da verdade sem que a criança se dê conta de que está sendo inquirida. Sobre o tema, questiona a professora Aleixo se o “Depoimento sem Dano”
na medida em que [...] esconde o juiz, o promotor, o advogado e eventualmente o réu – os quais estariam na sala de audiências
CONSIDERAÇÕES
É sabido que é dever do Estado coibir a prática de condutas ilícitas e o meio possível para tal coibição é a imposição de normas proibitivas, de modo que o agente, antes de perpetrar tais condutas, sinta o medo da punição que pode advir da conseqüente da prática da mesma. Apesar da mera imposição por parte do Estado de normas proibitivas, é necessário que, quando da sua aplicação, as mesmas efetivamente punam os agentes de tais condutas ilícitas, o que, via de regra, não ocorre na maioria dos casos de abuso sexual perpetrado em desfavor de crianças e adolescentes, que tramitam sob a égide dos procedimentos comuns. Nos processos comuns, os índices de condenação dos delinquentes que praticam crime de abuso sexual contra crianças e adolescentes são ínfimos, o que causa, não só nas vitimas, mas também na sociedade como um todo, um sentimento de injustiça. Por sua vez, na vara da infância e juventude de Porto Alegre, onde o projeto “Depoimento sem Dano” foi há tr s anos implantado, os índices de condenação aumentaram consideravelmente. Essa nova forma de inquirir crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual fez com que, nos últimos três anos, 59% dos acusados pela prática dessas condutas criminosas fossem condenados, suscitando nas vítimas bem como na população um sentimento de segurança e crença no poder sancionador estatal. Tendo em vista que os delitos sexuais são praticados, quase que na íntegra, de modo a não deixar vestígios materiais, a única prova a ser produzida, nesses casos, é o depoimento prestado pela própria vítima. Assim, considerando a inevitabilidade da inquirição judicial da criança ou adolescente vítima de abuso sexual, porque não realizá-la de modo a não proporcionar uma vitimização secundária na mesma? A psicologia não merece razão quando afirma que o psicólogo, no projeto “Depoimento sem Dano” atua como uma “boca humanizada” do magistrado. Ao contrário, como afirmado inúmeras vezes pelo idealizador deste projeto, o juiz José Antonio Daltoé Cezar, o papel do psicólogo durante a audiência é facilitar o depoimento da criança, ajudando-a a ficar mais à vontade para falar sobre assuntos que lhe são constrangedores, numa postura de cuidado e acolhimento. Ocorre que, todo o óbice colocado por parte do serviço técnico, quer da psicologia quer dos assistentes sociais, só o são porque os mesmos não conhecem a fundo o trabalho realizado no “Depoimento sem Dano”. O objetivo principal do mencionado projeto é proteger a criança, fazendo com que não seja necessário que a mesma fale das experiências por ela vividas e que lhe são traumáticas de frente com o réu, facilitando, desta feita, a expressão por parte da mesma das situações vivenciadas. Que mudanças sempre provocam resistências é fato, ainda mais no caso objeto do presente estudo, onde não é costumeiro que pessoas do sistema judicial e do sistema de saúde trabalhar em conjunto, interagindo. Quando isso acontece, elas sentem-se invadidas nas suas esferas de competência, o que não é de todo modo correto, pois, cada qual trabalhará dentro de sua esfera de competência, conjuntamente com os demais profissionais. á grandes possibilidades de que o projeto “Depoimento sem Dano” produza, efetivamente, os frutos por ele almejados, o que já vem ocorrendo e pode ser observado na Comarca de Porto Alegre. Técnicas semelhantes à do “Depoimento sem Dano” foram adotadas em países como França, Espanha, Canadá, Argentina e África do Sul, esta última, inclusive, trabalha com sistema similar há quase quinze anos e vem produzindo bons frutos. ão implementar ou ao menos tentar utilizar a técnica do “Depoimento sem Dano” no nosso país não me parece a postura mais correta a ser adotada, vez que o mesmo já provou que alcançou êxito nos Estados brasileiros onde já foi implementado.