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Este texto aborda a atual crise social e a revolta da juventude contra a sociedade. Questões como previdência, precariedade e violência juvenil são abordadas, assim como ações impressionantes que as encobrem. Faz referência aos brigades anticriminalidade e a um famoso grupo de hip-hop francês. A sociedade é representada como um comércio que nos amputa com sua personalização. Para aqueles que se recusam a se submeter, a depressão é uma passagem para a desilusão política. Nosso país perdeu sua língua para a educação, suas canções para a diversidade, sua carne para a pornografia em massa, sua cidade para a polícia e seus amigos para o trabalho assalariado. O texto discute a necessidade de impor a economia, o trabalho e a avareza, e a iminente insurreição.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de aula
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COMITÊ INVISÍVEL
Este livro que você tem em mãos não é fruto de uma tradução pro�ssional. Somos mais uma das muitas comunas que há por aí. Acreditamos que um movimento revolucionário se espalha por ressonância e trazer o texto em uma edição brasileira é apostar no impulsionar de diálogos e construções. O que nos motiva é a possibilidade de multiplicar focos de resistência, suas potencialidades de organização e seus estímulos à criatividade. Nosso desejo, a insurreição.
A primeira publicação da “Insurreição que vem” ocorreu na França em 2007 e, desde então, o livro circulou bastante no país. Um dos motivos foi a acusação de terrorismo contra os seus supostos escritores. Num caso que �cou conhecido como os nove de Tarnac, um grupo de amigos que moravam juntos foram acusados de terrorismo por sabotagem de uma linha férrea. Dentre as provas mobilizadas contra eles estava a suposta autoria
COMITÊ INVISÍVEL
A Insurreição que Vem
A Insurreição que Vem
contra o próprio voto que as pessoas continuam a votar. Nada daquilo que se apresenta está à altura da situação, nem de longe nem de perto. Até no seu silêncio, a população parece in�nitamente mais adulta do que todos os fantoches que se atropelam para a governar. Há mais sabedoria nas palavras de qualquer chibani 1 de Belleville 2 do que em todas as declarações juntas dos nossos auto- denominados dirigentes. A tampa da panela de pressão foi fortemente fechada, mas lá dentro as tensões sociais não param de aumentar. Vindo da Argentina, o espectro do “Que se vayan todos!” começa seriamente a assombrar as cabeças dirigentes.
O incêndio de Novembro de 2005 3 continuará a projetar a sua sombra sobre todas as consciências. Estas primeiras fogueiras de festa são o batismo de uma década cheia de promessas. Se não falta
1 [N.T.] - Chibani (sub.): “Idoso” em Árabe; termo geralmente empregado para denominar os imigrantes magrebinos – região do norte da África – que residem em França desde a década de 60. 2 [N.T.] - Belleville: Bairro periférico de Paris. 3 [N.T.] - Em novembro de 2005, a periferia francesa ardeu em chamas após a morte de dois adolescentes, Zyed Benna e Bouna Traoré, que foram eletrocutados enquanto se escondiam de uma revista policial em uma estação de energia.
Sob qualquer ponto de vista...
e�cácia à fábula midiática dos subúrbios-contra- a-República, falta-lhe a verdade. O fogo tomou os centros das cidades e foi metodicamente abafado. Ruas inteiras de Barcelona arderam em solidariedade sem que ninguém a não ser os seus habitantes o soubesse. E nem sequer é verdade que o país tenha deixado de arder desde então. Encontramos entre os acusados todo os tipos de per�s e nada os uni�ca - nem a pertença a uma classe, a uma raça ou a um bairro – a não ser o ódio à sociedade existente. O que é inédito não é a “revolta dos subúrbios” - já não era novidade nos anos oitenta — mas sim a ruptura com as suas formas estabelecidas. Os agressores já não ouvem mais ninguém, nem os irmãos mais velhos nem as associações locais que deviam organizar o regresso à normalidade. Nenhum SOS Racismo poderá mergulhar as suas raízes cancerosas neste acontecimento, ao qual só o cansaço, a adulteração e a omertà 4 midiáticos puderam �ngir ter posto um �m. Toda esta série de golpes noturnos, ataques anônimos, destruições sem palavras tiveram o mérito de abrir ao máximo a brecha entre a
4 [N.T.] - Omertá: Código de silêncio adotado pelos membros da Cosa Nostra desde a década de 60.
Sob qualquer ponto de vista...
forjar a possibilidade da Revolução Francesa, e um século de luta pelo trabalho para parir um horroroso “Estado-providência”. As lutas criam a linguagem com a qual se fala a nova ordem. Hoje, não há nada comparável. A Europa é um continente falido que vai às escondidas fazer compras ao Lidl 6 e viaja em low cost para continuar a viajar. Nenhum dos “problemas” que se formulam na linguagem social tem solução. As questões da “previdência”, da “precariedade”, da “juventude” e da sua “violência” só podem �car em suspenso, enquanto se lida de forma policial com as ações cada vez mais impressionantes, que aquelas dissimulam. Não é possível embelezar o fato de se ter de limpar – a preço de fábrica - o rabo de velhotes abandonados pelos seus familiares e que nada têm a dizer. Os que encontraram menos humilhações e mais benefícios nos meios criminosos do que na limpeza das ruas não deporão as suas armas, e não é a prisão que lhes vai inculcar o amor pela sociedade. A fúria hedonista das hordas de aposentados não suportará passivamente os cortes dissimulados nos seus rendimentos mensais que
6 [N.T.] - Lidl: Grande rede de supermercados cujo o slogan é “Aqui a qualidade é barata”.
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devem aumentar perante a recusa do trabalho por uma larga fatia da juventude. Finalmente, nenhuma reinvindicação atendida em negociações um dia após uma quase-revolta poderá lançar as bases de um novo New Deal, de um novo pacto, de uma nova paz. O sentimento social já se evaporou demasiado para que isso possa acontecer.
Em matéria de soluções, a pressão para que nada aconteça, e com ela a divisão policial do território em quadrículas, não vai parar de crescer. O drone 7 que, no dia 14 de Julho e segundo declarações da própria polícia, sobrevoou Seine-Saint-Denis 8 desenha o futuro em cores mais nítidas do que todas as brumas humanistas. O fato de terem feito questão de frisar que ele não estava armado mostra muito claramente o caminho em que nos encontramos. O território será dividido em zonas cada vez mais estanques. Auto-estradas colocadas nos limites de um “bairro sensível” formarão um muro invisível, separando-o ao mesmo tempo das áreas de moradia. Apesar do que possam pensar as boas almas republicanas, a gestão dos bairros “por
7 [N.T.] - Drone: Avião não tripulado. 8 [N.T.] - Seine-Saint-Denis: Subúrbio localizado a Nordeste de Paris.
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Este livro é assinado com o nome de um coletivo imaginário. Os seus redatores não são os seus autores. Limitaram-se a pôr um pouco de ordem nos lugares-comuns da época, naquilo que se sussurra nas mesas dos bares, por detrás das portas fechadas dos quartos. Não �zeram mais do que �xar as verdades necessárias, cujo recalcamento universal enche os hospitais psiquiátricos e os olhares de mágoa. Fizeram-se escribas da situação. É um privilégio das circunstâncias radicais que o rigor conduza logicamente à revolução. Basta falar daquilo que temos à frente dos olhos e não nos esquivarmos às conclusões.
“I AM WHAT I AM”. É essa a última oferenda do marketing ao mundo, o último estágio da evolução publicitária, além, muito além de todas as exortações a sermos diferentes, a sermos nós mesmos e a bebermos Pepsi. Décadas de conceitos para aqui chegar, à tautologia pura. EU = EU. Ele corre na esteira em frente ao espelho da academia. Ela volta do trabalho ao volante do seu Smart. Será que vão se encontrar? “EU SOU O QUE SOU”. O meu corpo me pertence. Eu sou eu, tu és tu, e isso não vai nada bem. Personalização em massa. Individualização de todas as condições — de vida, de trabalho, de infelicidade. Esquizofrenia difusa. Depressão rampante. Atomização em pequenas partículas paranóicas. Histerização do contato. Quanto mais quero ser Eu, maior é a sensação de vazio. Quanto mais me exprimo, mais me esgoto. Quanto mais vou atrás das coisas, mais cansado �co. Eu me ocupo, tu te ocupas, nós nos ocupamos do nosso
“I am what I am”
Primeiro Círculo
até trabalhar, até amar. Todos os “tudo bem?” que trocamos ao longo do dia sugerem uma sociedade de pacientes sempre a medir a temperatura uns dos outros. A sociabilidade é atualmente formada por mil pequenos nichos, mil pequenos refúgios onde uma pessoa se mantém quentinha. Onde se está sempre melhor do que no frio que faz lá fora. Onde tudo é falso, porque não passa de um pretexto para nos aquecermos. Onde nada pode acontecer porque estamos todos silenciosamente ocupados a tremer em conjunto. Em breve, esta sociedade só se aguentará através da tensão de todos os átomos sociais em direção a uma cura ilusória. É uma central que faz funcionar as suas turbinas graças a um gigantesco reservatório de lágrimas, sempre à beira de transbordar.
“I AM WHAT I AM”. Nunca a dominação tinha encontrado palavra de ordem tão insuspeita. A manutenção do Eu num estado de semi-ruína permanente, de semi-desfalecimento crônico, é o segredo mais bem guardado da atual ordem das coisas. O Eu frágil, deprimido, auto-crítico, virtual é, por essência, o sujeito inde�nidamente adaptável que requer uma produção baseada na inovação,
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na obsolescência acelerada das tecnologias, na constante transformação das normas sociais, na �exibilidade generalizada. É ao mesmo tempo o mais voraz consumidor e, paradoxalmente, o Eu mais produtivo, aquele que se lançará com mais energia e avidez sobre o menor projeto, para depois voltar ao seu estado larvar original. “O QUE SOU”, então? Atravessado desde a infância por �uxos de leite, de cheiros, de histórias, de sons, de afetos, de cantigas, de substâncias, de gestos, de ideias, de impressões, de olhares, de cantos e de comida. O que sou? Completamente ligado a lugares, sofrimentos, ancestrais, amigos, amores, acontecimentos, línguas, recordações, a todo o tipo de coisas que, obviamente, não são eu. Tudo o que me prende ao mundo, todos os laços que me constituem, todas as forças que me povoam não tecem uma identidade, como me incitam a apregoar, mas antes uma existência, singular, comum, viva, e de onde, aqui e ali, de vez em quando, emerge esse ser que diz “eu”. O nosso sentimento de inconsistência é apenas o efeito dessa crença tola na permanência do Eu, e da pouca atenção que concedemos àquilo que nos constitui. É vertiginoso ver o “I AM WHAT I AM” da