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Antijuridicidade: A Relação Contrária entre o Homem e o Direito, Notas de aula de Direito

Este texto discute a concepção de antijuridicidade, definida como a relação de contrariedade entre a conduta humana e as exigências do direito. A antijuridicidade é a categoria lógica mais importante do direito penal, pois só com ela as ações adquirem significado penal. O texto explora a teoria finalista de welzel e as contribuições dos autores alemães, italianos e brasileiros sobre a antijuridicidade.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Wanderlei
Wanderlei 🇧🇷

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Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997 23
1. Da antijuridicidade
A antijuridicidade também é denominada
de injuridicidade ou ilicitude. Pode ser definida
como a relação de contrariedade do fato do
homem com o Direito. Como salta aos olhos,
essa relação não existe no mundo fenomênico
dos fatos, por isso ela é uma categoria lógica,
uma criação da mente humana. A importância
dessa relação é tamanha que, sem ela, a conduta
do homem sequer chega a ser considerada
criminosa, por isso ela é a categoria lógica mais
importante do Direito Penal. Ela traduz a
essência do crime. Considerá-la como um
elemento do mesmo é um erro e uma tautologia.
Erro porque é a essência; tautologia porque,
sendo um crime um fato jurídico, seus ele-
mentos têm de ser, necessariamente, jurídicos1.
Faz prova de ser a antijuridicidade a
essência do crime o fato de todos os elementos
do crime só adquirirem significação jurídico-
penal à luz da antijuridicidade. A culpabilidade
A importância da conceituação da
antijuridicidade para a compreensão da
essência do crime
CLÁUDIO ROBERTO C. B. BRANDÃO
Cláudio Roberto C. B. Brandão é acadêmico de
Direito da Faculdade de Direito do Recife – UFPE
e bolsista do CNPq.
SUMÁRIO
1. Da antijuridicidade. 2. Conceituação de
Mezger. 3. Conceituação de Beling. 4. Conceituação
de Welzel. 5. Conceituação de Maurach. 6. Concei-
tuação de Antolisei. 7. Conceituação de Battaglini.
8. Conceituação de Bettiol. 9. Conceituação de
Petrocelli. 10. Conceituação de Bruno. 11. Concei-
tuação de Hungria. 12. Conceituação de Reale
Júnior. 13. A conceituação de Everardo Luna. 14.
A antijuridicidade objetiva. 15. A antijuridicidade
subjetiva. 16. A antijuridicidade formal e material.
(As citações em italiano foram traduzidas pelo
autor para facilitar a leitura do texto).
1 LUNA, Everardo da Cunha. Estrutura Jurídica
do Crime. 4 ed. São Paulo : Saraiva. 1994. p. 49.
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Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997 23

1. Da antijuridicidade

A antijuridicidade também é denominada de injuridicidade ou ilicitude. Pode ser definida como a relação de contrariedade do fato do homem com o Direito. Como salta aos olhos, essa relação não existe no mundo fenomênico dos fatos, por isso ela é uma categoria lógica, uma criação da mente humana. A importância dessa relação é tamanha que, sem ela, a conduta do homem sequer chega a ser considerada criminosa, por isso ela é a categoria lógica mais importante do Direito Penal. Ela traduz a essência do crime. Considerá-la como um elemento do mesmo é um erro e uma tautologia. Erro porque é a essência; tautologia porque, sendo um crime um fato jurídico, seus ele- mentos têm de ser, necessariamente, jurídicos^1. Faz prova de ser a antijuridicidade a essência do crime o fato de todos os elementos do crime só adquirirem significação jurídico- penal à luz da antijuridicidade. A culpabilidade

A importância da conceituação da

antijuridicidade para a compreensão da

essência do crime

CLÁUDIO ROBERTO C. B. BRANDÃO

Cláudio Roberto C. B. Brandão é acadêmico de Direito da Faculdade de Direito do Recife – UFPE e bolsista do CNPq.

SUMÁRIO

_1. Da antijuridicidade. 2. Conceituação de Mezger. 3. Conceituação de Beling. 4. Conceituação de Welzel. 5. Conceituação de Maurach. 6. Concei- tuação de Antolisei. 7. Conceituação de Battaglini.

  1. Conceituação de Bettiol. 9. Conceituação de Petrocelli. 10. Conceituação de Bruno. 11. Concei- tuação de Hungria. 12. Conceituação de Reale Júnior. 13. A conceituação de Everardo Luna. 14. A antijuridicidade objetiva. 15. A antijuridicidade subjetiva. 16. A antijuridicidade formal e material._

(As citações em italiano foram traduzidas pelo autor para facilitar a leitura do texto). (^1) LUNA, Everardo da Cunha. Estrutura Jurídica do Crime. 4 ed. São Paulo : Saraiva. 1994. p. 49.

24 Revista de Informação Legislativa

a partir da doutrina de Welzel, qual seja, a Teoria Finalista, é a consciência da antijuridi- cidade; a ação humana só se transmudará em injusto à luz do juízo de valor que a torna contrária às exigências do Direito; a tipicidade

  • que de início foi considerada por seu criador (Ernst von Beling) como indício da antijuridi- cidade – evoluiu para ser a ratio cognoscendi da antijuridicidade. O crime é uma violação a uma proibição legal, definida em lei, sob ameaça de uma pena. A antijuridicidade traduz-se nessa proibição. Ela é um juízo de valor negativo ou desvalor, que atribui ao fato do homem a qualidade de ser contrário ao Direito, dando à ação o caráter não-querido pelo Ordenamento Jurídico.

A antijuridicidade é uma inferência feita pelo julgador, que encerra um juízo de valor, o qual expressa dois significados: 1º) Que a ação humana foi contrária às exigências do Direito; 2 º) Que o agente não poderia omitir-se de praticar esta ação. Ocorre que, por ser a antiju- ridicidade puro juízo de valor, não pode ser regulada pelo Direito. Como sabido, o Direito regula condutas, não juízos. Se não é regulada pelo Direito, a antijuridicidade nunca pode ser elemento do crime. É, enfatizamos, sua essência.

Agora vem-nos o questionamento: como o julgador fará o juízo de contrariedade ao Direito? Fá-lo-á livremente, ou fa-lo-á vincu- ladamente? O juiz utilizar-se-á, primeiramente, da relação de adequação da ação com a norma, ou seja, deve utilizar-se da tipicidade. Nesses termos, como dito, a tipicidade é a ratio cognoscendi da antijuridicidade. Em segundo lugar, deve o juiz analisar se o conteúdo proi- bitório da norma penal deve ser afastado, por estar a ação abrangida por uma causa que exclua a antijuridicidade. Daí se conclui que o juízo de antijuridicidade é feito vincula- damente, tendo como base o tipo penal.

Quando o julgador reconhece que a ação humana não poderia ser omitida, ela passa a ser uma ação justificada, ou seja, conforme às exigências do Direito, e por isso reveste-se de juridicidade. Desse modo, a ação humana abrangida pelas causas de justificação (exclu- dentes de ilicitude) não é simplesmente uma ação tolerada pelo Direito, mas uma ação querida pelo Direito.

Por fim, trazemos à baila a consideração de Bettiol. Ele acentua que são os valores que dão conteúdo e motivação às figuras singulares do

crime e, apesar de considerar a antijuridicidade como elemento do crime, reconhece que “entre os elementos constitutivos do crime não há outro que dê tamanha tonalidade e relevo à matéria quanto a contradição do fato com as exigências do Direito, vale dizer, esse choque entre o fato e a norma”^2.

2. Conceituação de Mezger

Os autores alemães deram uma significativa contribuição para a compreensão da antijuri- dicidade. Os principais expoentes da doutrina da antijuridicidade tedesca são Edmund Mezger, Ernst von Beling, Hans Welzel e Reinhart Maurach. Mezger afirma que a antijuridicidade é um juízo sobre a ação, pelo qual a questão da ação adquire uma determinação jurídico-normativa: “O juízo, que a ação contrasta com o ordenamento jurídico e com a norma legal, caracteriza qualitativamente a ação como ‘ilícita’ ou na verdade ‘antijurí- dica’”^3. Salienta ainda que, no Direito Penal, uma ação é vedada ou permitida, não havendo meio termo. Por isso a ação é lícita ou ilícita, não há a ação antijuridicamente indiferente^4. Considera o Professor de Direito Penal da Universidade da Baviera a antijuridicidade como uma ofensa objetiva ao Direito, posto que o juízo de ilicitude reveste a ação como um todo, mas recai especialmente sobre o seu elemento constitutivo essencial: a exteriorização da manifestação da vontade.

3. Conceituação de Beling

Beling entende que a antijuridicidade não comporta divisões. Quando uma ação é antiju- rídica, ela o é em todos os ramos do Direito; porém quando ela extrapola certos limites objetivamente previstos na lei, estará sujeita a uma sanção penal. Não há que se falar, pois, em uma antijuridicidade administrativa, civil,

(^2) BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal. Tradução de Paulo José da Costa Jr. e Alberto Silva Franco. São Paulo : Revista dos Tribunais. 1977. p. 358-359. (^3) MEZGER, Edmund. Diritto Penale .Tradução italiana de Filippo Mandalari. Padova : CEDAM,

  1. p. 182. (^4) Ibidem, p. 181-182.

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O professor de Direito penal da Univer- sidade do Torino não admite que a antijuridi- cidade seja objetiva ou subjetiva, é simplesmente a relação de contradição do fato unitariamente considerado, pois “A antijuridicidade, como caráter essen- cial ao crime, é imanente a ele: investe-o na sua totalidade, isto é, em todos os fatores que o constituem.”^10

7. Conceituação de Battaglini

Battaglini acentua que a antijuridicidade existe em todos os ramos do Direito, pois todos apresentam contradição do fato com a norma, sendo correto falar-se em antijuridicidade penal, administrativa, civil, etc. O crime é cons- tituído do ilícito penal, não interessando a este ramo do Direito os outros ilícitos.

Quanto à natureza da antijuridicidade, diz o professor da Universidade de Pavia que esta “não pode ser elemento (e nem mesmo carac- terística) do crime porque... é o crime mesmo!”^11 Desse modo, o doutrinador consi- dera a antijuridicidade como o crime em si, a essência mesma do delito.

8. Conceituação de Bettiol

Bettiol, em excepcional trabalho, afirma que a antijuridicidade é a violação do fato à norma. O fato viola a norma e a norma reage e reintegra com a pena a lesão ao Ordenamento. Define-a como a “valoração que realiza o juiz acerca do caráter lesivo de uma conduta humana”.^12

A relação entre fato e valor, que é feita em consonância com a norma, cabe basicamente ao Direito Penal. Fora da esfera dos valores, o Direto Penal perde sua razão de existir e se transforma num instrumento de arbítrio. São precisamente os valores que dão o contorno ao crime e dão o conceito intrínseco da ação humana. É por meio dos valores que o legislador vai atribuir o sentido do justo e do injusto, do certo e do errado. É, destarte, a valoração que leva o legislador a considerar

determinados fatos como delitos. Todo problema do Direito Penal adquire sentido quando relacionado à antijuridicidade. Não só o valor tutelado ajuda na compreensão do crime, mas também interfere na compreen- são da posição do sujeito passivo na causa, na capacidade de delinqüir e na intensidade do dolo. Isto posto, numa visão teleológica do crime, a antijuridicidade é o elemento principal, que dá forma à teoria do delito. Para o professor da Universidade de Pádua, a antijuridicidade é um elemento do crime, “mas um elemento diverso daquele naturalístico sobre o qual o crime sempre se lastreia. Ela se resolve num juízo de que um fato é lesivo a um bem jurídico. Essa lesão realmente não tem uma reali- dade perceptível aos sentidos”^13. “Todos os elementos do crime são, portanto, polarizados para a antijuridicidade”.^14

9. Conceituação de Petrocelli

Petrocelli, na sua magistral tese L’antigiu- ridicità , define a antijuridicidade como a qualidade do fato de ser contrário ao Direito. Na realidade, como os fatos advindos dos animais e das forças da natureza modernamente estão excluídos do Direito Penal, só o fato do homem, decorrido da manifestação da vontade humana, pode contrariar o Direito. Porque o Direito manifesta a sua vontade mediante as normas, a antijuridicidade é a violação dessas normas. Toda norma tutela um interesse e impõe um dever. A ação humana, destarte, contraria o dever imposto e o interesse tutelado. Com relação à contrariedade do interesse juridicamente protegido, a antijuri- dicidade é formal e material; com relação à contrariedade do dever imposto ao homem, é objetiva e subjetiva. A ação antijurídica viola a norma. É certo que não viola a letra da norma, a qual continua intacta, mas toda norma é dotada de uma auto- ridade e de uma força ideal que junge o homem a se comportar conforme o que é regulado por ela. É esta autoridade e força ideal que é violada pela ação, qualificando-a de antiju- rídica, posto que

(^10) Ibidem, p. 98. (^11) BATTAGLINE, Giulio. Diritto Penale : parte

generale. 3. ed. Pádua : CEDAM, 1949. p. 162. (^12) BETTIOL, op. cit., p. 360. Ver também

BETTIOL, Giuseppe, MANTOVANI, Luciano Pettoello. Diritto Penale. 124. ed. Padova : CEDAM,

  1. p. 325.

(^13) BETTIOL, op. cit. p. 364. BETTIOL, MANTOVANI, op. cit. p. 328-329. (^14) BETTIOL, op. cit. p. 361. BETTIOL, MANTOVANI, op. cit. p. 326.

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“A respeito da abstrata validade jurídico-positiva, na verdade, há uma autoridade e força ideal da lei, elemento indivisível e potente de sua validade e eficácia, que a infração indubitavelmente golpeia”.^15 Isto se dá vez que o ato vai diretamente de encontro ao imperativo da norma, violando, como dito, uma obrigação jurídica e agredindo o interesse tutelado. Por isso se define pura e simplesmente a antijuridicidade como a contradição da conduta humana com a norma do Direito.

Para o professor da Universidade de Nápoles, a antijuridicidade é um elemento do crime, e não se deve confundir esse elemento com o fato antijurídico, o qual é o crime em si. O fato antijurídico é composto da antijuridici- dade, da culpabilidade e do fato, enquanto a antijuridicidade, abstratamente considerada, é uma relação de contradição. Não pode ser considerada como o crime em si, posto que versa

“apenas sobre parte do crime, bem se pode definir, sobre esse aspecto, a carac- terística que o fato assume quando reúne em si todos os coeficientes aptos a produzir o contraste com a norma e os efeitos jurídicos desta estabilidade.” 16

10. Conceituação de Bruno

Dos autores brasileiros que mais se desta- caram no estudo da antijuridicidade, selecio- namos os conceitos de Everardo da Cunha Luna, Miguel Reale Júnior, Aníbal Bruno e Nelson Hungria. Everardo Luna foi um dos autores nacionais que mais se debruçou no estudo do problema, posto que trata dele em sua Estrutura Jurídica do Crime – que é citado por Bettiol e Mantovani – e em seus trabalhos Injuridicidade e Antijuridicidade. Reale Júnior escreveu sua tese de livre-docência sobre o tema, com o título de Antijuridicidade Concreta ; esta também citada por Bettiol. Bruno e Hungria trataram do tema em seus Direito Penal e Comentários ao Código Penal , respectivamente. Bruno considera a antijuridicidade como elemento do crime. O crime é formado pela

antijuridicidade e a tipicidade, e é punível quando se reveste da culpabilidade. Define o Catedrático da Faculdade de Direito do Recife a antijuridicidade de um fato como “esse contraste em ele se apresentar em relação às exigências da ordem jurídica, ou mais propriamente esse contraste entre o fato e a norma.”^17 A antijuridicidade é uma categoria comum a todos os ramos do Direito, não sendo exclu- siva do Direito Penal. Não há que se falar, destarte, em uma antijuridicidade penal, mas é possível falar-se em ilícito penal. Esse ilícito é a ação antijurídica revestida da tipicidade. A antijuridicidade como a contradição do fato do homem e da norma do Direito é a anti- juridicidade formal. Mas, em que pese a existência da antijuridicidade formal, com um exame mais apurado, como a norma jurídica tutela um interesse, materialmente a antijuri- dicidade é a contradição do fato com o interesse protegido pela norma. Essa contradição exprime a anti-socialidade da ação. A antijuridicidade formal transcende o Direito. Ela preexiste a ele, devendo o legislador atender à formalização da antijuridicidade material a fim de que o Direito Penal corres- ponda às exigências da sociedade. Sem a mencionada formalização da antijuridicidade , não é possível falar-se em existência de delito, por força do princípio nullum criinen, nulla poena sine lege.^18 Bruno conclui seu entendimento afirmando que esse juízo de contradição tem de ser feito no seu aspecto objetivo. Isto se dá porque a reprobabilidade da ação independe das condições psicológicas do agente, visto que ela é feita a partir da sua realidade objetiva, qual seja, da modificação ocorrida no mundo exterior.

11. Conceituação de Hungria

Hungria considera a antijuridicidade como um elemento do crime. Para ele o crime constitui uma ação a um só tempo típica e anti- jurídica. Define a ação antijurídica como aquela que está positivamente em contradição com a ordem jurídica, porque a excepcional licitude de uma conduta típica só é encontrada na órbita do Direito positivo. (^15) PETROCELLI, Bagio. L’antiguiridicità. 2. reimp. Padova : CEDAM. 1947. p. 14. (^16) Ibidem, p. 2.

(^17) BRUNO, Anibal. Direito Penal. Rio de Janeiro : Forense, 1956. p. 347. (^18) Ibidem, p. 348-350.

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dá origem à antijuridicidade objetiva; a contradição do “querer” com a norma dá origem à antijuridicidade subjetiva. As concepções objetiva e subjetiva da antijuridicidade, destarte, são decorrentes da ação humana. A norma jurídica, o segundo dos termos relacionados na definição da antijuridicidade, é a unidade dialética entre preceito e conteúdo. A contradição da ação humana com o preceito da norma origina a antijuridicidade formal; a contradição da ação humana com o conteúdo da norma origina a antijuridicidade material. Assim, as concepções formal e material da antijuridicidade decorrem da norma jurídica. Para o Catedrático de Direito Penal da Faculdade de Direito do Recife, não existe propriamente uma antijuridicidade formal em contraposição a uma antijuridicidade material, nem uma objetiva em contraposição a uma subjetiva. A antijuricididade é uma só, havendo, apenas, o aspecto objetivo, subjetivo, formal e material, que coexistem e não se excluem.^25 A antijuridicidade é um juízo, juízo de contrariedade ao Direito, de valor negativo ou desvalor. Como puro juízo, existe no sentido objetivo do ser e não no sentido material do fato. A antijuridicidade constitui a essência do crime, e esse dito juízo de valor é uma abstração jurídica.

14. A antijuridicidade objetiva

A antijuridicidade objetiva tem sua mais remota origem na doutrina da responsabilidade objetiva, ou reponsabilidade sem culpa.

Na responsabilidade objetiva não se consi- dera nenhum outro elemento para a configu- ração do delito, senão o puro ato de fazer ou não fazer do agente. Este agente não precisa ser pessoa humana, pois é sabido historicamente que se puniam coisas e animais que agissem de modo “criminoso”.

Em síntese, na responsabilidade objetiva só se observa a ocorrência do dano, despre- zando-se toda circunstância e elemento de cunho subjetivo, aí incluídos a qualidade do sujeito e a manifestação da vontade na prática do ato.

A antijuridicidade objetiva é um juízo de valor objetivamente feito, o qual relaciona a ação à norma. É óbvio que não se desprezam

os elementos e circunstâncias de ordem subje- tiva; todavia – para esta corrente – as valorações subjetivas interessam a um elemento do crime, qual seja, a culpabilidade. A antijuridicidade é, destarte, um juízo onde se depreende uma reprovação da ação, tendo em vista exclusivamente o conteúdo proi- bitório da norma, definindo-a Mezger “como uma ofensa objetiva à regra de valoração do direito”^26. Alheia-se, pois, a qualquer valoração de ordem ética ou social, tendo como única e exclusiva referência o Ordenamento Jurídico. Resumimos a noção de antijuridicidade objetiva , reportando-nos aos precisos argu- mentos de Petrocelli, que preceituam que a relação de contradição sobre a qual se funda a antijuridicidade tem com seu termo o fato e a norma de direito, mas esta não subjetivamente como fonte de obrigação. A norma jurídica, por conseguinte, é vista apenas como ordena- mento objetivo.^27 Entretanto, sabe-se que nem todo elemento subjetivo corresponde somente à culpabilidade. Do mesmo modo, nem todo elemento objetivo corresponde à antijuridicidade. A teoria da antijuridicidade objetiva, com efeito, é inconciliável com alguns aspectos da antijuridicidade, que são subjetivos. São deno- minados de elementos subjetivos do injusto, e podem ser encontrados em vários tipos penais. Podemos exemplificar este entendimento com a conduta do art. 159 do Código Penal: “Art. 159. Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate.” Nesse tipo penal há dois elementos subje- tivos. O primeiro está contido na expressão para si ou para outrem. Essa expressão traz uma finalidade da conduta interna do agente, posto que só no âmbito intersubjetivo é que o agente direcionará o produto do crime para um desti- natário. O segundo está na expressão com o fim de, porque o objetivo, a finalidade, depende da vontade do agente. Asúa ensina que os elementos subjetivos do antijuridicidade existem, ainda que não estejam expressamente previstos no tipo, posto que só esse elemento subjetivo é hábil para diferenciar, (^25) Idem. Injuridicidade. Recife : UFPE, 1970.

p. 158.

(^26) MEZGER, op. cit. p. 184. (^27) PETROCELLI, op. cit. p. 35.

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por exemplo, “el reconocimiento médico sobre el corpo de una muchacha, de la apalpación impudica del sátiro”.^28

15. A antijuridicidade subjetiva

A antijuridicidade subjetiva apregoa a antijuridicidade como parte da conduta interna do agente. Já não é mais juízo de valor objeti- vamente feito, porque – para esta corrente – a antijuridicidade confunde-se com a concepção psicológica da culpabilidade.

Essa concepção foi baseada na doutrina de Hegel, vez que este não distingue o direito da moral, sendo o direito apenas uma ordenação ética objetiva. Com efeito, não importa para a configuração da antijuridicidade a exteriori- zação da conduta, visto que o ato antijurídico torna-se perfeito e acabado com a simples vontade criminosa do agente. A antijuridicidade subjetiva teve seu ponto culminante na Alemanha, durante o período nazista. Nesta época surgiu a escola penal cognominada Escola de Keil, que se prestou a dar um subsídio filosófico às atrocidades e arbitrariedades cometidas pela Alemanha hitlerista.

Doutrinava esta Escola que o Direito Penal era um direito de luta, devendo-se lutar contra a periculosidade criminal, com o fim de extin- gui-la. Quem revele periculosidade deve ser sancionado antes de praticar o ato criminoso, pois o ato antijurídico perfaz-se com a vontade de praticá-lo.

Cada indivíduo tem uma parcela de dever para com o povo, e a antijuricidade é a viola- ção desse dever. Ocorre que esse dever não é captado por todos, mas só por uma seleta minoria de indivíduos, quais sejam, os seus líderes.

Esta vontade de delinqüir e, por conse- guinte, de trair o dever para com o povo é originada de bacilos que surgem no corpo do ser humano por conta da vontade de cometer delitos. Surge, pois, a Bacteriologia Criminal. Modernamente, o festejado penalista italiano Petrocelli doutrina a antijuridicidade subjetiva, porém com fundamentos totalmente diversos dos da Escola de Keil. Para o mestre da Universidade de Napoli, se é da vontade humana que depende a atuação do Direito e o

cumprimento de suas normas, é também da vontade humana que depende o contrário. É, portanto, da manifestação de vontade contrária à ação regulada pelo Direito, com o ato contrário ao querido pelo Direito, que surge o fato antijurídico. A manifestação de vontade humana viola, não a letra da norma, a qual permanece intacta, mas o comando ideal desta. A norma, portanto, impõe um dever ao sujeito, que é violado, e é nesta violação do dever que surge a antijuridi- cidade, que é subjetiva.

16. A antijuridicidade formal e material

A dicotomia antijuridicidade formal e material foi formulada por Franz von Lizt, por influência de Rudolf von Jhering. Para Lizt, o Direito tem por objeto a defesa dos interesses da vida humana. Os interesses protegidos são os bens jurídicos, os quais não são criados pelo Direito, mas preexistem a ele. O Direito, pois, existe para proteger os interesses. A maneira de se proteger o multir- referenciado interesse é por meio da coação, encontrada na norma. Tal coação advém do fato de que a ordem jurídica é uma ordem de luta, posto que ela utiliza a força para dobrar a vontade individual ante a vontade coletiva. São três as formas de coação do Estado: 1ª) Execução coativa ou forçada. 2ª) Restabeleci- mento das coisas ao estado anterior. 3ª) Pena, como castigo à desobediência. É na terceira forma que o Direito Penal se manifesta. O Direito Penal tem a missão pecu- liar de aplicar “La defensa más enérgica de los interés especialmente dignos y necesi- tados de protección, por medro de la ame- naza y execución de la pena, considerada como un mal contra el delincuente”.^29 O crime é um ato contrário ao Direito, e a reprovação que recai neste ato é dupla. O crime é formalmente antijurídico e materialmente antijurídico. É formalmente antijurídico porque é uma transgressão a uma norma estabelecida pelo Direito; é materialmente antijurídico porque é uma conduta contrária à sociedade, violando os interesses vitais desta. (^29) LIZT, Franz von. Tratado de Direito Penal. Tradução de Luís Jimenez de Asúa. Madrid : Réus, [192-?]. t. 2, p. 9.

(^28) JIMENEZ DE ASÚA, Luis. Tratado de Direito

Penal. Buenos Aires : Losada. 195l. t. 2, p. 717.

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