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Uma pesquisa sobre a história da música popular no brasil, com ênfase na cidade de são paulo. Ele discute ensaios importantes sobre música popular e moderna poesia brasileira, bem como a interação entre jovens músicos interessados na linguagem da vanguarda musical e os poetas concretos. O texto também aborda a quebra da hegemonia nacionalista no campo da música artística no brasil nos anos 1960 e a vinculação de setores da inteligência com a música popular, que permitiu a musicologia começar a produzir estudos sérios sobre a música popular. Além disso, o documento discute as conexões entre estética musical e projetos políticos e ideológicos.
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Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
Compartilhado em 07/11/2022
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Tese apresentada ao Programa de Pós‐Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Doutor. Orientador: Prof. Dr. Marcos Francisco Napolitano de Eugenio
À Marcos Napolitano, pela orientação competente, generosa e com plena liberdade intelectual. À Tânia da Costa Garcia, pela participação nas banca de qualificação e pelas conversas esclarecedoras sobre temas deste estudo. À José Geraldo Vinci de Moraes, pela participação no exame de qualificação com contribuições relevantes para a continuidade do trabalho. À Lia Vera Tomás, pela confiança e estímulo em minha trajetória acadêmica. À Elias Thomé Saliba, pela participação na banca de defesa com questões para reflexão. À Adalberto Paranhos, pela participação na banca de defesa e pelas anotações de sua leitura atenta que contribuíram para a revisão do trabalho. À Paulo Fernandes Baia, meu irmão, pelas muitas conversas sobre história, música e sociedade ao longo da vida, que se refletiram neste trabalho. Aos familiares, amigos, colegas e pessoas queridas, Cláudia Soares de Oliveira, José Roberto do Carmo Jr., Josefina Pereira Baia, Juliano de Carvalho Vera Baia, Luciana Mourão Arslan, Renata Mancini, Ruy Barreto, Selma Santos Borges e Sheila de Carvalho Vera, por distintas e diversas contribuições. À FAPESP, pela concessão da bolsa, que utilizei por 2 anos, e que foi fundamental nesse período para a realização da pesquisa. Ao CNPQ, pela concessão da bolsa, que usufruí por um mês, mas que foi importante naquele momento. Ao Departamento de História da USP, pela oportunidade da realização deste estudo. Aos colegas do Curso de Música da Universidade Federal de Uberlândia. À todos, que com pequenas contribuições, ajudaram muito a realização desta pesquisa.
BAIA, S.F. The historiography of popular music in Brazil (1971 1999). Tese de doutorado em História Social. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2010. This thesis presents a study on the historiography of popular music in Brazil, which was developed in post‐graduate education programs in History, in the states of São Paulo and Rio de Janeiro, delimited within the timeframe between the beginning of the 1970’s and the end of the 1990’s. This work aims at identifying and analyzing thematics, contents, as well as approaches, concepts, sources and methodologies. Another purpose for this work is to comprehend the agendas and dynamics of the researches, as far as its trends and inclinations are concerned, along with the aesthetical and ideological inflows that appear over time. It consists of an analytical map of popular music historiography in the country, from a critical perspective. It presents a theoretical, methodological and also, historical reflection destined for a review of the process involving the formation and assertion of a field of studies inscribed in the area of Human Sciences and, particularly, in History. Keywords: Popular music, Historiography, History of music, Brazilian music, Popular song.
INTRODUÇÃO 8 FONTES E PROCEDIMENTOS 12 PROCESSO FORMATIVO DE UM CAMPO DE ESTUDOS 15 CAPÍTULO 1 O LEGADO DOS MUSICÓLOGOS, MEMORIALISTAS E PRIMEIROS HISTORIADORES DA MÚSICA POPULAR NO BRASIL 23 1.1. TINHORÃO: DE JORNALISTA POLÊMICO A HISTORIADOR DA MÚSICA POPULAR 34 1.2. A DEFESA DA TRADIÇÃO NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA 39 CAPÍTULO 2 O ENSAIO ACADÊMICO: MOMENTO FORMATIVO DE UM CAMPO DE ESTUDOS. FUNDAMENTOS PARA A HISTORIOGRAFIA 43 2.1 ANOS 70: ENSAIOS MENOS POLÊMICOS E MAIS ANALÍTICOS. A FORMATAÇÃO DE UM OBJETO DE ESTUDO. 52 2.2 AS PRIMEIRAS PESQUISAS ACADÊMICAS 68 2.3 TINHORÃO, WISNIK E CONTIER: LINHAS MESTRAS PARA A HISTORIOGRAFIA 78 2.3.1 Wisnik: uma leitura da formação da música brasileira^80 2.3.2 Contier: nova relação entre história e música^86 CAPÍTULO 3 MAPA DA PRODUÇÃO NA ÁREA DE HISTÓRIA 91 3.1 A PESQUISA SOBRE AS “ORIGENS”: MOMENTO FORMATIVO DA MÚSICA POPULAR NO BRASIL 92 3.2 HISTORIOGRAFIA DO SAMBA 96 3.3 MÚSICA E POLÍTICA 101 3.4 HISTORIOGRAFIA DOS MOVIMENTOS E GÊNEROS MUSICAIS 107 3.5 HISTORIOGRAFIA E TRAJETÓRIAS INDIVIDUAIS 114 3.6 HISTÓRIA, MÚSICA E CIRCUITOS DE PRODUÇÃO E CONSUMO 118 3.7 HISTORIOGRAFIA, LINGUAGEM E TEMAS POÉTICOS. 122 3.8 A PESQUISA ACADÊMICA E SEUS DOMÍNIOS HISTORIOGRÁFICOS 123 3.9 VERTENTES HISTORIOGRÁFICAS EM OUTRAS DISCIPLINAS 127 3.10 PRINCIPAIS LINHAS TEMÁTICAS NAS PESQUISAS 132 3.11 QUESTÕES 134
O objetivo deste trabalho é analisar a produção acadêmica sobre música popular urbana no Brasil, realizada na pós‐graduação na área de História, visando identificar e analisar os conteúdos, abordagens, conceitos, fontes e metodologias, entender as agendas, dinâmicas e tendências de pesquisa, bem como seus influxos estéticos e ideológicos ao longo do tempo. Ao fazer uma reflexão sobre a recente e crescente historiografia acadêmica (ou seja, alocadas em programas de pós‐graduação universitários) da música popular, esta pesquisa pretende contribuir para a compreensão de como foram se constituindo as linhas principais de pensamento sobre esta moderna música urbana no Brasil. A periodização da pesquisa abrange desde as primeiras dissertações e teses sobre música popular realizadas no início dos anos 1970 até o final da década de 1990, momento em que se consolida a presença do tema no campo científico, e na área de História em particular, e já se encontra esboçado o atual quadro teórico metodológico com suas distintas vertentes. Mais precisamente, entre os anos de 1971, com a defesa do primeiro trabalho a ter a música popular como objeto, e 1999, considerado como final da década de 1990 e do século XX. Ainda que não exista uma definição cabal de música popular aceita por todos os pesquisadores, está se formando um entendimento entre os estudiosos do campo acerca das características gerais desse objeto de estudo. Entende‐se por música popular a música urbana, surgida a partir do final do século XIX, instrumental ou cantada, mediatizada, massiva e moderna.^1 Naturalmente isso não quer dizer que não existiram, ao longo da história, outras músicas que pudessem ser classificadas de popular. Existem também em nossos dias, dependendo do sentido que se agregue à palavra popular. Mas, em geral, está associada à expressão música popular o caráter urbano, a música que surgiu nos grandes conglomerados pós‐revolução industrial em estreita ligação com o mercado. Esta música tem um caráter massivo e sua produção, reprodução e consumo estão mediados por um amplo leque de influências socioculturais. Esta música constituiu‐se num dos fenômenos culturais mais marcantes (^1) A expressão “mediatizada, massiva e moderna” encontra‐se na definição dada por Juan Pablo Gonzáles em Musicología popular en América Latina: síntesis de sus logros, problemas y desafíos. Revista Musical Chilena , nº 195, p.38‐64, janeiro‐junho, 2001, p. 38.
do século XX e grande parte da produção musical de nossa época se insere no amplo leque de manifestações musicais que chamamos música popular. Ela esteve presente nos principais processos sociais da história recente, como forma de lazer e entretenimento, ligada à dança e ao convívio social, mas também como veículo de luta ideológica, de mudanças comportamentais, estando sempre presente nos movimentos de juventude, constituindo‐se assim num importante documento historiográfico. Nos últimos anos, a literatura sobre música popular urbana no Brasil, e também no plano internacional, tem apresentado um crescimento exponencial. Este crescimento dá‐se tanto no plano da produção acadêmica, com a elaboração de artigos e estudos sobre este objeto, como também no mercado editorial que tem continuamente lançado títulos dedicados ao assunto. Em minha dissertação de mestrado,^2 listei 258 dissertações e teses sobre música popular, realizadas em diversos ramos do conhecimento apenas no Estado de São Paulo entre 1971 e 2004. A distribuição cronológica da produção apresentou um crescimento significativo: entre 2000 e 2004 foram realizadas 125 pesquisas, praticamente o mesmo que em todo o período anterior. Reflexo do interesse da sociedade pelo tema, o crescimento quantitativo – e também qualitativo – da literatura sobre música popular atinge uma proporção que tem tornado inclusive muito difícil acompanhar a evolução da produção. O primeiro impulso nos estudos acadêmicos sobre a música popular urbana não se deu, como se poderia considerar natural, a partir da área de Música, ainda que, nos últimos anos, a área venha apresentando um aumento expressivo na produção de pesquisas sobre o tema, já consolidado dentro da musicologia brasileira, mesmo que ainda existam algumas resistências. Desde o momento inicial, os estudos acadêmicos sobre a música popular no Brasil foram um “projeto” da área de Humanidades e Ciências Sociais de uma maneira ampla. Embora as primeiras pesquisas estivessem mais concentradas nas áreas de Letras, Sociologia e Comunicação, tivemos também, até 1982, trabalhos em Antropologia, Filosofia, Linguística, História e Psicologia. De fato, o estudo deste complexo fenômeno cultural contemporâneo requer a utilização de um diversificado instrumental teórico‐metodológico na busca de uma visão integrada dos (^2) BAIA, Silvano Fernandes. A pesquisa sobre música popular em São Paulo. Dissertação de mestrado em Música. Instituto de Artes da UNESP, São Paulo, 2005.
historiográficos acadêmicos se iniciam, existia uma concepção tacitamente estabelecida, mas amplamente aceita, do que seria música popular brasileira : ela era apreendida como uma certa linhagem desenvolvida em torno da música popular do Rio de Janeiro popularizada nacionalmente na década de 1930 através do rádio, num momento em que se operava a construção de uma identidade nacional. Existiam também narrativas históricas nesta visão de senso comum de música popular brasileira , que incluíam concepções de nacionalidade e de autenticidade enquanto cultura popular, bem como um conjunto de autores e obras canônicas. Estas narrativas, que vinham se construindo a partir dos primeiros textos sobre música popular escritos nos anos 1930, tinham, portanto, cerca de meio século quando se iniciaram as pesquisas na área de História nos anos 1980. Mesmo considerando‐se os intensos debates estético‐ políticos ocorridos na década de 1960 e a modernização da linguagem musical ocorrida a partir da bossa‐nova, ainda eram marginais aqueles que como Raul Seixas diziam que não tinham nada a ver com a linha evolutiva da música popular brasileira. Mas os ensaios acadêmicos dos anos 1970 e 1980, tanto os artigos e livros voltados para uma circulação ampla, como os estudos pioneiros na pós‐graduação, ofereceram problemas, questões e novos olhares para o fenômeno da música popular urbana que se constituíram em referências para a historiografia acadêmica que surgia.^3 De início, os pesquisadores se enfrentaram com a escassez e dificuldade de acesso às fontes primárias, com poucos e desorganizados acervos públicos e parte importante da documentação disponível apenas em arquivos particulares. Assim, as pesquisas sobre música popular que estudavam os eventos das primeiras décadas do século XX, num primeiro momento, recorreram a fontes secundárias, narrativas de memorialistas e à historiografia de pesquisadores não acadêmicos. Como as narrativas e a própria seleção das fontes destes autores foram, em grande parte, orientadas por (^3) Este processo formativo de um pensamento historiográfico sobre música popular no Brasil já foi estudado anteriormente por outros pesquisadores do campo. Especialmente os artigos de José Geraldo Vinci de Moraes e Marcos Napolitano se constituíram em referências importantes para esta tese: MORAES, José Geraldo Vinci de. Os primeiros historiadores da música popular urbana no Brasil. In: ArtCultura. Uberlândia: EDUFU, v.8 nº 13, 2006, p.117‐133; História e música: canção popular e conhecimento histórico. Revista Brasileira de História , nº 39. São Paulo: Humanitas, 2000, p. 203‐221; NAPOLITANO, Marcos. História e música popular: um mapa de leituras e questões. In: Revista de História. São Paulo: FFLCH‐USP, nº 157, 2007, pp. 153‐171; A historiografia da música popular brasileira (1970‐1990): síntese bibliográfica e desafios atuais da pesquisa histórica. In: ArtCultura. Uberlândia: EDUFU, v.8 nº 13, 2006, p.135‐150. Ver também: CONTIER, Arnaldo. Música no Brasil : História e interdisciplinaridade. Algumas interpretações (1926‐1980). In: Anais do XVI Simpósio da ANPUH, 1991, pp. 151‐
suas concepções estéticas e ideológicas, sua utilização como fonte e referencial privilegiado para outros estudos tendia a reproduzir e consolidar uma determinada leitura dos fatos, uma certa visão da história, por vezes sem a devida contextualização crítica. Por outro lado, o estudo dos eventos mais recentes, da segunda metade do século XX, para os quais as fontes estavam mais disponíveis, também ecoavam influências estético‐ideológicas, uma vez que os pesquisadores geralmente tinham vínculos políticos ou afetivos com uma determinada corrente musical. O samba carioca da década de 1930, gênero central na construção de um discurso sobre música popular no Brasil, com confluências no pensamento social brasileiro, e a MPB dos anos 1960, que canalizou as lutas político‐culturais daquele momento histórico, foram tomados como objetos privilegiados nos estudos pioneiros. Considere‐se que, nestas pesquisas, foi se construindo uma metodologia, até então inexistente, para a abordagem da história da música popular, ou das relações entre história e música, questão ainda não plenamente resolvida. Também o contexto no qual estes trabalhos foram realizados, momento de redemocratização do país após anos de regime militar, bem como o ambiente intelectual da Universidade brasileira, precisam ser observados. De toda forma, as visões que foram se configurando até por volta dos anos 1980 como versão predominante da história da música popular no Brasil, mereceram destes primeiros historiadores acadêmicos uma reflexão quanto aos documentos e aos pressupostos estéticos e ideológicos em que se fundamentavam, num processo contínuo de construção do conhecimento histórico. Novas pesquisas tem ampliado os horizontes e contribuído para uma maior compreensão da música no Brasil e da própria história política, social e cultural do país. É a história desta historiografia o objeto desta pesquisa. FONTES E PROCEDIMENTOS As fontes para a realização deste estudo são as dissertações de mestrado, teses de doutorado e de livre docência realizadas na área de História nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro até 1999. A inclusão de artigos, comunicações em congressos e outras publicações tornaria a coleta de dados muito dispersiva, embora aqueles
listadas no Anexo. A definição desse corpo documental, por mais que se tenha buscado a objetividade, contém um certo arbítrio; outras concepções de música popular ou critérios de seleção poderiam resultar em listas mais reduzidas ou ampliadas. Mas, ainda assim, certamente constitui uma base consistente para uma reflexão acerca desta produção historiográfica dentro da periodização definida. As 35 dissertações e teses, que compõem as fontes desta pesquisa, estão listados no Anexo com dados complementares. Nas referências, estão relacionados não apenas estes trabalhos, mas também pesquisas realizadas na área de História fora de nossa periodização e trabalhos realizados em outras áreas considerados relevantes para a discussão da historiografia, como referências, exemplos ou citações. Como os trabalhos sobre música popular no período, nas diversas áreas, constituem um conjunto muito grande de pesquisas, foram listados como fontes apenas aqueles que foram analisados ou citados. No estudo desta produção, quatro aspectos estão em foco: 1) Análise dos objetos, da argumentação e das principais conclusões dos trabalhos e definição de um panorama geral das principais abordagens e linhas de pesquisa; 2) Conceitos e teorias: serão investigados quais são os principais conceitos e categorias utilizados nas pesquisas, eventuais premissas de ordem estética em que se apóiam e instrumental teórico em que estão referenciados; 3) Documentação e sua utilização: serão verificadas quais as fontes que informam as pesquisas assim como aspectos da seleção do material; 4) Metodologia: reflexões acerca das relações entre história e música e história da música como encontro entre as disciplinas histórica e musicológica, com ênfase no manejo analítico das fontes musicais e extra‐musicais e nas conexões entre análise técnico‐estética da música e abordagens histórico‐sociológicas. Estes aspectos serão estudados numa perspectiva temporal, na tentativa de compreender a construção do pensamento acadêmico que vai se formando em torno da música popular no Brasil. Uma vez definido o corpo documental de trabalhos para esta pesquisa, foi realizada uma leitura crítica com fichamento dos trabalhos. A perspectiva desta leitura foi localizar, no texto das pesquisas, elementos para a compreensão do trabalho, tais como seus objetivos, as metodologias e conceitos empregados, as teorias em que se fundamentam (ou eventuais premissas ideológicas) e conclusões, estando estes
elementos explícitos ou não, numa tentativa de leitura heurística e objetiva dos dados apresentados. Para facilitar o posterior cruzamento destes dados, foi elaborado um fichamento com os seguintes itens: 1) objetivos da pesquisas; 2) fontes utilizadas ‐ primárias e secundárias; 3) conceitos, categorias e instrumentais teóricos utilizados; 4) abordagens metodológicas; 5) periodizações; 6) gêneros musicais ou personalidades estudadas, quando for o caso; 7) obras analisadas, quando existirem; 8) conclusões do autor e 9) considerações a partir da leitura. PROCESSO FORMATIVO DE UM CAMPO DE ESTUDOS Embora o objeto deste estudo seja a produção realizada no âmbito da Universidade, muita coisa já tinha sido pensada, dita e escrita sobre música popular antes que se iniciasse o processo de legitimação deste tema dentro do campo científico. Podemos afirmar que quatro grandes referências inspiraram e informaram as primeiras pesquisas acadêmicas realizadas na década de 1970 e 1980: a) o discurso sobre música popular presente nos textos de musicólogos como Mário de Andrade, Renato Almeida e Oneyda Alvarenga; b) a historiografia não acadêmica da música popular no Brasil, realizada por memorialistas, jornalistas, colecionadores, músicos e amadores a partir da década de 1930; c) o debate entre intelectuais nos anos 1960 acerca dos rumos da música popular e a publicação de importantes ensaios nos anos 1970 e 1980; d) as elaborações teóricas da Sociologia da Comunicação, da Teoria da Informação, da Teoria Literária e das semióticas ainda em processo de desenvolvimento. A partir dos anos 1970, temos a publicação de ensaios e das primeiras dissertações de mestrado, impulsionadas, entre outros fatores, pela reforma da pós‐ graduação no Brasil. As elaborações dos intelectuais sobre música popular não estavam mais direcionadas para a participação no debate estético‐ideológico visando incidir nos rumos da canção popular no país, como na década anterior, pois a discussão tinha se esvaziado com o recrudescimento da ditadura militar e o aumento da repressão política e cultural após a edição do AI‐5 em dezembro de 1968, que alterou a agenda política da esquerda. A canção popular emergia dos anos 1960 com status privilegiado na cultura
Neste ponto, o campo se ressente da não incorporação de pesquisas na área de Economia. Também existem trabalhos em que a questão étnica tem um peso exacerbado, na visão de um Brasil dual apoiada no conceito de raça. Trabalhos como o de Hermano Vianna vêm se contrapondo a ideias deste tipo. É interessante observar a existência de certa sincronia temporal entre os estudos musicais populares no Brasil, na América Latina e nos Estados Unidos e Europa. De uma maneira geral, esses estudos começaram nos anos 1970 e foram precedidos por ensaios da década anterior que procuravam compreender a revolução musical e tecnológica em curso, a exemplo dos trabalhos de Umberto Eco e Edgar Morin. Na década de 1970, o fenômeno cultural da moderna música popular urbana começou a ser tomado como objeto de estudo por pesquisadores acadêmicos em diversos países. O jazz já havia sido aceito na academia norte‐americana por volta do final dos anos 1960, mas este é um caso muito particular, dado o status social adquirido pelo gênero naquele país, elevado à condição de “música artística”.^5 Ainda assim, lembremos que Eric Hobsbawm publicou, entre as décadas de 1950 e 1960, textos sobre o jazz com o pseudônimo de Francis Newton, que utilizava para crítica musical^6. Os pioneiros na afirmação de um objeto de estudo até então desconsiderado na hierarquia de valores acadêmicos foram os chamados scholar fans , os fãs acadêmicos, músicos ou aficionados, pessoas de alguma forma envolvidas com esta produção.^7 A existência de diversos estudos acadêmicos sobre a música popular durante a década de 1970 na Europa e Estados Unidos e o crescente interesse de pesquisadores de diversas áreas motivaram a realização de uma conferência internacional de pesquisa sobre música popular, em junho de 1981 em Amsterdã, onde foi fundada a International Association for the Study of Popular Music (IASPM) e no mesmo ano foi lançada a primeira edição do jornal Popular Music , editado pela Cambridge University Press , até hoje a mais importante publicação do campo no plano internacional. Os estudos sobre (^5) SNYDER, Randy L. College jazz education during the 1960 : its development and acceptance_._ PhD Thesis_._ University of Houston, USA, 1999. (^6) HOBSBAWM, Eric. J. História social do jazz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. Título original: The Jazz Scene. Hobsbawm utilizava, entre a segunda metade da década de 1950 e o início dos anos 1960, o pseudônimo de Francis Newton em artigos sobre o jazz e, por vezes, também música popular, para a revista New Statemans. (^7) É bastante ilustrativa a passagem de Nicholas Cook na qual ele, falando do surgimento de uma nova geração de musicólogos que buscou ampliar os horizontes da disciplina, comenta a situação desses pesquisadores nos anos 1960: “É fácil imaginar como incipientes musicólogos, trabalhando durante o dia em, digamos, problemas textuais na música do século XVI, pela noite se uniam à contracultura fumando, falando de política, escutando música de protesto.” COOK, Nicholas. Agora somos todos (etno)musicólogos. Ictus , n.7, 2006, p.9.
música popular na América Latina começaram simultaneamente ao hemisfério norte, ainda que, por aqui, tenham tido um desenvolvimento posterior mais lento.^8 Mas se existe em certo nível esta sincronia temporal no desenvolvimento das pesquisas em diversos países, a integração e a troca de experiências e elaborações iriam demorar mais tempo a ocorrer, e as pesquisas tiveram seus objetos e ritmos ditados pelas especificidades nacionais. No Brasil, a formação de um corpo conceitual desenvolvido a partir das características específicas do nosso universo cancional, tais como o lugar sociocultural da música popular, seus entrecruzamentos complexos com a política e outras séries culturais, demonstra originalidade na formação do campo em relação à agenda de estudos do mundo anglo‐americano. Entretanto, pontos importantes nas pesquisas no hemisfério norte, como as questões de gênero, identidade e juventude, bem como suas elaborações teórico‐metodológicas, vêm sendo recentemente incorporadas pelo campo no país. Estes trabalhos pioneiros da década de 1970 e 1980 fundaram um campo de estudos que vem crescendo e se consolidando na universidade brasileira. Desde então muitos passos foram dados na construção de teorias e elaboração de metodologias para o estudo da música popular. Porém, este passo inicial foi fundamental não apenas no sentido de legitimação do objeto, mas também na apresentação de elaborações que, através da reflexão crítica, fizeram aumentar o conhecimento da sociedade sobre o tema. Nos anos 1990, a música popular se consolida como objeto de estudo para a área de História e nos primeiros anos do século XXI, já fora da periodização desta pesquisa, o número de estudos historiográficos cresceu de maneira exponencial. Esta produção significou um aumento do conhecimento da história social da música no Brasil e da própria história do país. Nesta leitura crítica dos primeiros trabalhos e daqueles que os sucederam até o final dos anos 1990, é preciso destacar a sua contribuição e reconhecer sua importância decisiva na construção do atual estado do conhecimento. Este período constituiu uma fase formativa dos estudos da música popular no geral, e da historiografia em particular. Podemos nos perguntar se o campo já superou esta fase formativa e chegou a se constituir como um sistema mais estruturado, no qual as obras (^8) GONZÁLES, Juan Pablo. Musicología popular en América Latina: síntesis de sus logros, problemas y desafíos. Revista Musical Chilena , nº 195, p.38‐64, janeiro‐junho, 2001.
que, de um ponto de vista crítico, que espero que tenha utilidade para futuras pesquisas, este trabalho tem uma visão respeitosa dessa produção e dos pesquisadores pioneiros. Esta tese está dividida em seis capítulos. No Capítulo 1, será mostrado como, a partir do desinteresse dos intelectuais do nacionalismo musical pela música popular, esta foi tomada como objeto por escritores não acadêmicos. Será observada a formação de uma corrente de memorialistas, jornalistas, radialistas, músicos e aficionados que, em estreita ligação com o campo de produção, constituíram‐se nos primeiros historiadores da música popular no Brasil. O herdeiro e expoente máximo desta linhagem de estudiosos da música urbana popular é José Ramos Tinhorão, cuja obra merece destaque especial, por elevar esta vertente historiográfica a um patamar superior, ainda que a verve excessivamente polemista e normativa do autor prejudique sua argumentação. De conjunto, ainda que com nuanças interpretativas, esta corrente caracteriza‐se pelo nacionalismo e pela defesa da idéia de “autenticidade” e “tradição” da música popular no Brasil articulada em torno de uma linhagem da música popular do Rio de Janeiro. No Capítulo 2, será analisado o ensaísmo acadêmico dos anos 1970 e 1980, entendido como publicações de artigos ou livros e primeiras pesquisas de pós‐ graduação, conforme já abordado nesta introdução. O capítulo inicia com a contraposição às posições nacionalistas e conservadoras que tiveram em Tinhorão seu principal arauto, expressas no livro Balanço da Bossa , de Augusto de Campos , publicado ainda no calor dos debates dos anos 1960. A seguir, dentre os ensaios do período, terão destaque os livros Música popular e moderna poesia brasileira , Música popular: de olho na fresta , Samba, o dono do corpo , e o artigo Música sertaneja: a dissimulação na linguagem dos humilhados , textos que apontaram caminhos e se tornaram referências nas pesquisas. Iremos observar os trabalhos pioneiros realizados nas áreas de Letras, Comunicação e Sociologia, com destaque para os textos que apresentaram reflexões de caráter histórico‐social. O capítulo se encerra com um olhar para os trabalhos de José Miguel Wisnik e Arnaldo Contier, que se constituíram, ao lado dos textos de Tinhorão, com distintas abordagens, concepções e metodologias, em pavimentos do campo historiográfico.
O Capítulo 3 apresenta um mapeamento da produção realizada nos programas de pós‐graduação em História, distribuída naquelas que parecem ser as principais linhas temáticas de pesquisa, destacando seus temas e conclusões em linhas gerais. Esta produção será também localizada em relação aos domínios da disciplina histórica, aos quais serão agregados outros trabalhos que apresentem uma perspectiva historiográfica desenvolvidos em outras disciplinas. Ao final desta apresentação da produção, será feita uma reflexão sobre os principais temas e questões propostos pelas pesquisas em foco. O Capítulo 4 está dedicado aos conceitos e teorias que orientam as distintas leituras da história encontradas nos trabalhos. As principais vertentes teóricas que se pode localizar nesta historiografia são aquelas de inspiração marxista, consideradas em suas diversas leituras, desde as mais ortodoxas até as linhas renovadas do marxismo ocidental como os Estudos Culturais Ingleses , por um lado, e as linhas identificadas com a Nova História e com o trabalho de historiadores e cientistas sociais que pensaram a história da cultura e influenciaram ou dialogaram com suas posições, por outro. No Capítulo 5, são abordados dois aspectos que dizem respeito ao trato com as fontes na historiografia da música popular: a) a utilização da partitura e do fonograma como fontes na pesquisa histórica, a partir de uma reflexão e algumas considerações conceituais sobre os suportes para a composição e circulação da música, dos quais a notação em pentagrama e a gravação são as principais, mas não as únicas; b) um segundo tópico está dedicado a alguns aspectos relacionados à seleção do material musical das pesquisas, que, na grande maioria, no recorte cronológico deste estudo, se moveu em torno de um repertório que constitui uma linhagem dentro da música popular no Brasil. O Capítulo 6 apresenta uma reflexão sobre a história da música e as relações entre história e música. O centro desta reflexão é o problema metodológico da compatibilização entre abordagens histórico‐sociológicas e análise técnico‐estética, ou seja, a articulação entre texto e contexto, sincronia e diacronia. No sentido de melhor se entender o olhar das musicologias para a história da música, é apresentado um breve histórico da disciplina. Na avaliação das posições em questão, será desenvolvida a