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A Historia das Constituicoes Br - Marco Antonio Villa, Notas de estudo de Direito Constitucional

uma analise histórica das constituições feita pelo historiador Marco Antonio Villa

Tipologia: Notas de estudo

2015

Compartilhado em 24/11/2015

davi-ferreira-36
davi-ferreira-36 🇧🇷

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Sobre a obra:

A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

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Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível.

“Há uma série de fatores, que a lei não substitui, e esses são o estado mental da nação, os seus costumes, a sua infância constitucional...”

MACHADO DE ASSIS

Apresentação

ESTE LIVRO CONTA A HISTÓRIA DAS Constituições brasileiras, relacionando-as aos respectivos momentos históricos. Não é mais um livro de Direito Constitucional. Longe disso. Pretende mostrar como, na maioria das vezes, os textos constitucionais estavam distantes da realidade brasileira. Acabei destacando um grande número de passagens absurdas, desconhecidas em qualquer Carta de algum país com tradição democrática, não para desqualificar as Constituições, mas para demonstrar que a permanência desse exotismo tem relação direta com a forma de fazer política no Brasil. Em vários momentos da nossa história vivemos sob regimes ditatoriais. As liberdades democráticas vigoraram por períodos muito restritos. Na verdade, só teríamos democracia plena após a promulgação da Constituição de 1988. Portanto, ao falar de uma sociedade democrática, nosso universo temporal, infelizmente, é muito restrito. Fiz uma análise sumária das Constituições, destacando seus pontos mais relevantes. Enfatizei as “pegadinhas” autoritárias dos textos constitucionais e como foram usadas para limitar as liberdades. Não é exagero afirmar que os últimos 200 anos da nossa história têm como ponto central a luta do cidadão contra o Estado arbitrário. E, na maioria das vezes, o Estado ganhou de goleada. Este não é um livro acadêmico. A linguagem é direta. Mas a pesquisa buscou ter o cuidado de uma reconstrução detalhada dos pontos considerados centrais das Constituições e do momento em que foram produzidas. Cada Constituição mereceu um capítulo e no fim foi dedicado um especialmente ao Supremo Tribunal Federal, o guardião da Carta (ou das Cartas, afinal tivemos tantas), mas que nem sempre cumpriu com suas atribuições legais. Os poderes Executivo e Legislativo estão presentes no livro, mas é o Judiciário o personagem principal. Foi silenciado muitas vezes, é verdade. Contudo, aceitou ser calado. Nunca deu – e o livro fornece diversos exemplos

  • lições de cidadania, de defesa intransigente do cidadão e das liberdades. Ao contrário, deixou de exercer a sua função primordial, a aplicação da justiça. Tivemos sete Constituições, uma no Império (1824) e seis na República (1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988). Pode ser acrescentada ainda à lista a Emenda Constitucional no 1 de 1969, tendo em vista o número de alterações realizadas na Constituição de 1967. Se cada uma teve suas peculiaridades, o conjunto desses textos foi marcado pela dissociação com o Brasil real. Pode ser que Machado de Assis tenha razão: ainda estamos na fase da infância constitucional. Mas quando vamos crescer?

1824: liberal, monárquica e escravista

DURANTE TODO O PERÍODO COLONIAL, que, na prática, se encerrou em 1808, quando da chegada de D. João VI ao Brasil, não vigorou nenhuma Constituição no reino português nem, evidentemente, no Brasil. Nossa primeira Constituição nasceu com o processo de Independência. Após o retorno de D. João VI a Portugal, em 1821, e a convocação de eleições para compor a representação brasileira nas Cortes – que estavam preparando a primeira Constituição de Portugal –, o panorama político ficou cada dia mais complicado. A política das Cortes – o Parlamento da época – criou uma série de problemas com os interesses brasileiros. A antiga colônia tinha suplantado economicamente a metrópole. Era uma aberração manter a união por causa do antagonismo de interesses. Quando D. Pedro I resolveu permanecer no Brasil (9 de janeiro de 1822), recusando-se a atender à ordem das Cortes de regresso a Portugal, a independência ficou mais próxima. Em maio de 1822, o príncipe regente recebeu o título de Protetor e Defensor Perpétuo do Brasil, concedido pelo Senado da Câmara do Rio de Janeiro. Em 3 de junho desse ano, expediu um decreto convocando uma Assembleia Constituinte. Não estava claro quais eram suas reais atribuições, pois, em Portugal, estava em andamento, nas Cortes, a redação de uma nova Constituição, que serviria para todo o Império, incluindo, obviamente, o Brasil. Com a Independência, em setembro, a Assembleia Constituinte se transformou na fundadora da vida legal brasileira. Sua primeira tarefa era a de redigir a Constituição. Foram eleitos 100 deputados. A maior delegação era de Minas Gerais (20), seguida de Pernambuco (13), São Paulo (9), Rio de Janeiro e Ceará (ambos com 8). A maioria era formada por bacharéis em Direito (26), mas havia também desembargadores (22), clérigos (19) e militares (7). A primeira reunião ocorreu oito meses depois, em 3 de maio de 1823. O imperador fez um discurso na sessão de abertura, com ameaças implícitas à “licenciosa liberdade”. Concluiu dizendo que esperava que a Carta “mereça a minha imperial aceitação”. A resposta da Assembleia à fala de D. Pedro I já denotava a possibilidade de um conflito entre os poderes. O voto, redigido por Antônio Carlos, irmão de José Bonifácio, considerado o Patriarca da Independência, dizia que a Assembleia não trairia os votos recebidos

“oferecendo os direitos da Nação, em baixo holocausto ante o trono de Vossa Majestade Imperial, que não deseja e a quem mesmo não convém tão degradante sacrifício”, e que as prerrogativas da Coroa, que completariam o ideal da monarquia, “quando se conservam em raias próprias, são a mais eficaz defesa dos direitos do cidadão e o maior obstáculo à erupção da tirania

de qualquer denominação que seja”^1. Depois de dezenas de sessões e muito debate, o projeto constitucional não foi do agrado do imperador. Era muito liberal para um autocrata. Impedia, por exemplo, que pudesse dissolver a Câmara. Pouco depois, Bonifácio saiu do governo. A nova administração deu uma guinada em direção aos interesses dos portugueses. Em novembro, a tensão chegou ao auge: choques entre cidadãos brasileiros e portugueses, jornais atacando o Ministério e D. Pedro I, além de ameaças de dissolução da Constituinte. A linguagem dos periódicos era extremamente violenta. O Tamoio , jornal dos irmãos Andradas, é um bom exemplo. Nele, os ministros do imperador eram ridicularizados. O da Fazenda, Nogueira da Gama, era chamado de “jesuíta versátil, de cuja improbidade, mesquinhez de ideias e nulidade em administração financeira ninguém duvida”. O da Justiça, Montenegro, era considerado “um corpo sem alma, incapacidade personificada, e debaixo da

envernizada fronte e chocho rosto, salpicado de sorriso apatetado”.^2 As últimas sessões tiveram grande audiência: centenas de populares assistiram aos debates. Em 1.º de novembro de 1823, oficiais das guarnições militares, no Rio de Janeiro, dirigiram-se ao imperador exigindo a expulsão dos Andradas da Constituinte. D. Pedro contemporizou e pediu aos deputados que adotassem medidas para garantir a paz pública. Em 11 de novembro, a Assembleia declarou-se em sessão permanente. Antônio Carlos foi o maior defensor da independência dos constituintes, para que pudessem concluir seu trabalho, ameaçados pelas pressões do poder militar do imperador: “Não admito, pois, restrições à liberdade de imprensa; quero é que se diga ao governo que a falta de tranquilidade procede da tropa e não do povo, e que a Assembleia não se acha em plena liberdade, como é indispensável para deliberar, o que só poderá conseguir-se removendo a tropa para maior distância”. De nada adiantou seu protesto. A Assembleia foi cercada por centenas de soldados, e a Constituinte foi dissolvida. Parlamentares foram presos. Um deles, o mesmo Antônio Carlos, irônico, na saída do prédio, saudou, ao passar ao lado de uma peça de artilharia: “Respeito muito seu

poder”.^3 Começava a triste história dos golpes de Estado no Brasil. A palavra foi derrotada pelo canhão. O poder impôs pela força sua vontade. Os irmãos Andradas (José Bonifácio, Antônio Carlos e Martim Francisco) e mais três deputados foram deportados para a França. Numa curiosa inversão, no ato de dissolução da Constituinte, D. Pedro I afirmou que outorgaria uma Constituição “duplicadamente mais liberal”. Justificou até as prisões: “As prisões agora feitas serão pelos inimigos do Império consideradas despóticas. Não são. Vós vedes que são medidas da polícia próprias para evitar a anarquia e poupar as vidas desses desgraçados, para

artigo 94, era necessária renda mínima anual de 200 mil-réis. Assim, o critério era a renda (chamado censitário) e não envolvia a alfabetização, como será disposto, no fim do Império, pela Lei Saraiva, de 1881. Pelo projeto da Constituinte, a restrição da renda tinha como referência alqueires de farinha de mandioca, daí a expressão Constituição da mandioca. A Constituição começava com uma afirmação falsa, logo no primeiro artigo: “O Império do Brasil é a associação política de todos os cidadãos brasileiros”. Todos, para o imperador, era uma ínfima minoria: os livres e que tivessem renda mínima, que, naquela época, não era desprezível. O conceito de “cidadão”, em vez de ser geral, como representante do povo com direitos democráticos, serviu para restringir. Esse desvirtuamento permaneceu ao longo do tempo, tanto que acabou virando vocábulo policial. É comum ouvir um policial falando que o “cidadão se evadiu”; aqui o conceito democrático, numa cruel inversão, virou sinônimo de meliante. Democracia, para o imperador, era boa desde que controlada. O Senado seria eleito – de forma restrita, como era estipulado –, mas os eleitores somente indicariam suas preferências ao imperador. Dos três mais votados, um deles seria escolhido. O mandato seria vitalício. Assim, seriam evitadas, tanto quanto possível, as eleições para o Senado. Machado de Assis, que, quando jovem, trabalhou como setorista do Diário do Rio de Janeiro , cobrindo as sessões do Senado, retratou como a vitaliciedade transformava aquela Casa em um cenáculo de anciãos. O Marquês de Itanhaém, quando chegava ao Senado, “mal se podia apear do carro, e subir as escadas; arrastava os pés até à cadeira […] Era seco e mirrado […]. Nas cerimônias de abertura e encerramento agravava o aspecto com a farda de senador. Se usasse barba, poderia disfarçar o chupado e engelhado dos tecidos, a cara raspada acentuava-lhe a decrepitude”. Precavido, o imperador reservou 11 artigos para tratar da “família imperial e sua dotação”. Afinal, nem ele era de ferro. Determinou que caberia ao país manter seus príncipes, e a Assembleia determinaria os valores das dotações. Não se esqueceu de si mesmo e fez uma reclamação constitucional no artigo 108: “A dotação assinada ao presente imperador e à sua augusta esposa deverá ser aumentada, visto que as circunstâncias atuais não permitem que se fixe desde já uma soma adequada ao decoro de suas augustas pessoas e dignidade da nação”. Sequioso, e sem distinguir os recursos familiares daqueles originários do Erário nacional – dando início a uma prática nociva, que se manteve no Brasil –, impôs mais um artigo, o 115: “Os palácios e terrenos nacionais, possuídos atualmente pelo senhor D. Pedro I, ficarão sempre pertencendo aos seus sucessores; e a nação cuidará nas aquisições e construções que julgar convenientes para a decência e o recreio do imperador e sua família”. Preocupado ao extremo em manter o poder absoluto, mesmo com o manto de imperador constitucional, impôs mais um artigo ultracentralizador. O governador provincial seria “nomeado pelo imperador, que o poderá remover, quando entender que assim convém ao bom serviço do Estado”. Como no Brasil os maus exemplos são sempre seguidos, o Estado Novo

(1937-1945) e a ditadura militar implantada em 1964 usaram também desse artifício e impuseram à força os governadores estaduais como meros delegados do poder central. Dentro desse perfil autoritário, o imperador reservou apenas 14 artigos constitucionais para o Judiciário – três a mais que os dedicados aos recursos pecuniários da família real – e restringiu o quanto pôde a autonomia dos juízes. Mesmo afirmando que “o poder judicial é independente”, o artigo 154 determinava que o “Imperador poderá suspendê-los [os juízes] por queixas contra eles feitas, precedendo audiência dos mesmos juízes, informação necessária, e ouvido o Conselho de Estado”. Não satisfeito com tanta concentração de mando, D. Pedro I criou mais um poder, o quarto: o Poder Moderador, que era “delegado privativamente ao Imperador como chefe supremo da nação”. E mais: o artigo 99 determinava que “a pessoa do Imperador é inviolável e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma”. Além disso, “o Imperador é o chefe do Poder Executivo”. Foi esse sentimento de poder absoluto que pode explicar a forma como, em 1831, abdicou do trono, após forte pressão popular. Sem apoio militar, D. Pedro I teve de optar pela renúncia. No texto de cinco linhas, em um papel sem timbre, escreveu: “Usando do direito que a Constituição me concede, declaro que hei mui voluntariamente abdicado na pessoa do meu mui amado e prezado filho o Sr. D. Pedro de Alcântara”. O documento não tem destinatário, nem explicita do que abdicou. Não precisava. Para D. Pedro I, o poder era uma extensão de si mesmo. O pior é que fez escola. Não é acidental que o autoritarismo esteja tão presente no Brasil. O país já nasceu com uma organização política antidemocrática. E o poder nunca se reconheceu como arbitrário. Ao contrário, D. Pedro I inaugurou o arbítrio travestido de defensor das liberdades – a esquizofrenia de um discurso liberal e uma prática repressiva. No mesmo ano da Constituição outorgada, escreveu que era indigno um governante “que não ama a liberdade de seu país e que não dá aos povos aquela justa liberdade”. Continuou: “Amo a liberdade e, se me visse obrigado a governar sem uma Constituição, imediatamente deixaria de ser imperador, porque quero governar sobre corações com brio e honra, corações livres”. Encontrou resposta dos autênticos liberais, como Cipriano Barata: “Os habitantes do Brasil desejam ser bem governados mas não se

submeter ao domínio arbitrário”.^6 E foi ainda mais direto: ele “não é o nosso dono”. No fim da Constituição, o imperador incluiu algumas garantias políticas e civis no artigo 179. Mesmo perseguindo, ameaçando e prendendo jornalistas que criticavam seus atos, a Carta fala que “todos podem comunicar os seus pensamentos por palavras, escritos, e publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura”. Não é o que a prática imperial demonstrou. Em junho de 1823, o jornalista Luís Augusto May, redator de A Malagueta , acreditando no “liberalismo” do imperador, fez duros ataques ao seu governo. Em vez do respeito à liberdade de imprensa, foi alvo de um bárbaro espancamento na própria casa por um grupo de quatro mascarados

contrários, 30 foram de representantes dos produtores de café, principal produto de exportação do país. O fundo de emancipação criado pela lei obteve poucos resultados: os proprietários aproveitaram para libertar escravos doentes, portadores de deficiência física, cegos, em suma, aqueles “imprestáveis” para o trabalho. O movimento abolicionista foi um produto dos anos 1880. Foi no Ceará que, pela primeira vez, o abolicionismo se transformou em um movimento de massa. Em 16 meses libertou 23 mil escravos. Do Ceará, o movimento chegou às províncias do Amazonas e Rio Grande do Sul, onde foram libertados 40 mil escravos. Em 1885, a Lei Saraiva-Cotegipe (também chamada Lei dos Sexagenários) libertou todos os escravos maiores de 65 anos. Foi considerada meramente protelatória da abolição total da escravidão, um instrumento para esvaziar o crescente movimento abolicionista, que tinha como principal figura o deputado pernambucano Joaquim Nabuco. Quando chegou ao governo o gabinete parlamentarista liderado por João Alfredo (março de 1888), a abolição era a principal questão política do país. O governo tentou, inicialmente, apoiar a abolição imediata, mas com um adendo: obrigava os escravos a permanecer nas fazendas onde foram cativos, por mais dois anos. Qualquer proposta protelatória – dado o vertiginoso crescimento do sentimento nacional abolicionista – estava fadada ao fracasso. Restou a abolição direta, imediata. O projeto tramitou rapidamente. Na Câmara ainda teve nove votos contrários, dos quais oito de representantes da província do Rio de Janeiro. No Senado foi aprovada facilmente, ainda que com objeções, como do senador Cotegipe: “Decreta-se que neste país não há propriedade, que tudo pode ser destruído por meio de uma lei, sem atenção

nem a direitos adquiridos, nem a inconvenientes futuros!”.^8 Imediatamente a lei foi sancionada pela regente, a princesa Isabel, no Paço da Cidade. Após o autógrafo real, Nabuco foi à sacada para anunciar à multidão que tinha terminado a escravidão no Brasil. A Constituição de 1824 foi a que por mais tempo permaneceu em vigência. Não necessariamente pelas suas qualidades, mas pelas características do regime imperial. Foi no século XIX, juntamente com a Constituição estadunidense, a mais longeva. Tudo indicava que passaria por modificações com o reinado de Isabel, sucessora ao trono. A abolição e as transformações oriundas do grande desenvolvimento da economia cafeeira estavam levando ao nascimento de uma sociedade mais plural. Contudo, o golpe militar republicano de 1889 acabou interrompendo esse processo.

  1. HOMEM DE MELLO, Francisco Ignacio Marcondes. A Constituinte perante a história. Brasília, Senado Federal, 1996, p. 7.

1891: liberdade, abre as asas sobre nós?

NO RIO DE JANEIRO, na manhã do dia 15 de novembro de 1889, dona Mariana, a zelosa esposa de Deodoro da Fonseca, quis, por todos os meios, impedi-lo de sair de casa. O velho marechal estava doente. No dia anterior, seu médico particular tinha recomendado repouso absoluto. Mesmo assim, o velho marechal saiu, contrariando as recomendações médicas e da esposa, e dirigiu-se ao Campo de Santana, sede do quartel-general do Exército. Lá, depois de alguns entreveros meramente verbais, liderou a queda da monarquia. Horas depois foram nomeados os ministros do novo regime. A resistência foi quase nula. O regime estava desgastado e sem bases sociais. Perdeu apoio dos escravocratas e não conseguiu obter adesões dos setores dinâmicos da nova economia cafeeira. O republicanismo era uma corrente de pouca importância na política brasileira. Basta recordar a última eleição parlamentar do Império, em 30 de agosto de 1889. Dos 125 parlamentares eleitos, apenas dois eram republicanos. O temor de que o imperador – ou sua sucessora constitucional, a princesa Isabel – apoiasse um programa de reformas econômico-sociais acabou acelerando o nascimento da República. E mais: a introdução do novo regime federativo, com a transferência de grande parte dos poderes do governo central para as oligarquias estaduais, propiciou a adesão em massa dos antigos monarquistas. No dia 16 de novembro de 1889 todos eram republicanos. O decreto no 1 formalizou o surgimento do novo regime. De acordo com o artigo 1.º, “fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da nação brasileira a República Federativa”. No artigo 7.º do mesmo decreto, ficou disposto que a forma republicana ficaria aguardando o “pronunciamento definitivo do voto da nação, livremente expressado pelo sufrágio popular”. A vontade popular teve de esperar mais de um século: somente em 1993 foi realizado o plebiscito sobre os regimes e as formas de governo. O Governo Provisório emitiu decretos em larga escala. A pressa foi tão grande que muitos acabaram levando o mesmo número. Como solução, receberam, após o número, uma letra para distinguir um do outro. Todos vinham com uma justificativa oficial do governo: “constituído pelo Exército e pela Armada, em nome da nação”. Da lista dos decretos, vale selecionar os mais bizarros. O de no 78 baniu do Brasil o Visconde de Ouro Preto – último

chefe de gabinete do Império –, Carlos Afonso e Silveira Martins, este último, além de desterrado, obrigado a residir em algum país europeu, caso sui generis em matéria de banimento. O 78A confirmou o banimento do imperador e acrescentou a proibição de sua família possuir bens em território nacional. O 113E criou o cargo de secretário-geral do Conselho de Ministros para o sobrinho predileto de Deodoro, Fonseca Hermes, que, posteriormente, foi acusado de falsificar atas de reuniões do Governo Provisório para favorecer banqueiros, durante o período de especulação financeira conhecido como Encilhamento. O decreto 42B transformou o dia 8 de dezembro em feriado nacional. Era uma forma de homenagear a Argentina. Os republicanos tinham apreço especial para com o país vizinho. No fim do Império, uma questão azedava a relação entre os dois países. Era a reivindicação argentina de se apossar da maior parte de Santa Catarina. Chamavam o estado brasileiro de território das Missões. O Império dava à região a denominação de Palmas. Lá, de acordo com um levantamento, moravam 5.793 habitantes, dos quais somente 30 eram estrangeiros. E pior: nenhum era argentino. Mesmo assim, Buenos Aires insistia que o território pertencia à Argentina. Quintino Bocaiuva, ministro das Relações Exteriores, foi enviado para negociar uma solução para a região em litígio. Incluiu na comitiva, além da sua família, 14 auxiliares. Esqueceu, porém, de levar os mapas brasileiros. Teve de analisar os mapas confeccionados pelos argentinos. Aceitou, sem discutir, todas as reivindicações: chamou oficialmente a região de Missões e concordou em entregar todo o território para a Argentina. Quando a notícia chegou ao Brasil, causou grande comoção. O Congresso platino, claro, ratificou imediatamente o tratado; o brasileiro, que só se instalou em 25 de fevereiro de 1891, rejeitou. Criou-se um impasse. Para encontrar uma solução, os dois países concordaram com o arbitramento do presidente dos Estados Unidos, proposta defendida pelo último gabinete do Império e que já tinha sido aceita pela Argentina antes da proclamação da República. Quatro anos depois, o presidente Grover Cleveland apresentou laudo favorável ao Brasil. Em tempo: o feriado homenageando a Argentina só foi comemorado em 1889. Com o objetivo de refundar o Brasil, o governo criou uma nova bandeira, quis – mas não conseguiu – impor um novo hino (acabou permanecendo o composto por Francisco Manuel da Silva) e, pelo decreto 155B, determinou uma nova relação dos feriados nacionais: “1 de janeiro, consagrado à comemoração da fraternidade universal; 21 de abril, consagrado à comemoração dos precursores da independência brasileira, resumidos em Tiradentes; 3 de maio, consagrado à comemoração da descoberta do Brasil; 13 de maio, consagrado à fraternidade dos brasileiros; 14 de julho, consagrado à comemoração da República, da liberdade e da independência dos povos americanos; 7 de setembro, consagrado à comemoração da independência do Brasil; 12 de outubro, consagrado à comemoração da descoberta da América; 2 de novembro, consagrado à

contra a República, […] serão julgados militarmente por uma comissão militar nomeada pelo ministro da Guerra e punidos com as penas militares de sedição”. A insânia republicana era permanente. Em 15 de janeiro, para comemorar o segundo mês do novo regime, desfilaram tropas do Exército e da Marinha pelas ruas do Rio de Janeiro até o Palácio Itamaraty, sede do governo. Um grupo de populares resolveu aclamar Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant e o almirante Eduardo Wandelkolk, que estavam na sacada externa do palácio. Açulados pelo major Serzedelo Correa, secretário de Constant, populares saudaram Deodoro aos gritos de “viva o generalíssimo”. Emocionado, o velho marechal “aceitou” a promoção a generalíssimo. De acordo com o decreto, tudo correu por “aclamação popular”. É caso único na história militar brasileira, mais ainda porque a patente inexistia no Exército. Demonstrando um ar magnânimo, Deodoro resolveu promover imediatamente os dois colegas de farda que o acompanhavam na sacada: Constant virou general e Wandelkolk, vice-almirante. Não satisfeito, Deodoro estendeu para todos os ministros civis a patente de general de brigada. Da noite para o dia, Rui Barbosa, Francisco Glicério, Campos Sales, Quintino Bocaiuva e Aristides Lobo viraram generais e foram tratados como tais pelo velho generalíssimo. De acordo com o decreto, “honras militares constituem a maior remuneração que excepcionalmente se pode prestar aos beneméritos da pátria e que os ministros civis, por sua dedicação e amor à causa pública, se tornam credores desta distinção”. Eduardo Prado, escrevendo ainda no calor da hora, resumiu bem a situação: “Aquilo já não é militarismo, nem

ditadura, nem república. O nome daquilo é carnaval”.^10 Em junho de 1890, o Governo Provisório convocou para setembro as eleições para a Assembleia Constituinte, que deveria ser instalada no primeiro aniversário da Proclamação da República. No mesmo decreto (510) foi divulgada a proposta do governo para a nova Constituição. Era, inegavelmente, uma interferência indevida do Executivo nos trabalhos da futura Constituinte. Para piorar, o governo determinou que sua proposta entraria em vigor imediatamente, até a promulgação da Constituição a ser elaborada. Além disso, impôs aos constituintes a obrigação de primeiramente apreciar o projeto do governo. Entre outras propostas, indicava que o mandato presidencial seria de seis anos. Pior: eleito indiretamente por um colégio eleitoral. E mais um conjunto de medidas que acabaram sendo ignoradas pelos constituintes. Durou pouco: quatro meses depois, pelo decreto 914, o governo revogou a Constituição anterior e apresentou outra Carta, que também ignorava a futura Constituinte, que se reuniria no mês seguinte. Ainda em junho foi definido, também por decreto, o regulamento da eleição. Foi elaborado pelo ministro do Interior, Cesário Alvim. O ato foi severamente criticado pelos oposicionistas, pois permitia que quem estivesse no exercício de funções de confiança, nomeado pelo Governo Provisório, fosse candidato. Dessa forma, governadores, secretários, comandantes

militares, juízes, funcionários administrativos e ministros poderiam ser (e foram) candidatos. Dos ministros de Deodoro, somente Benjamin Constant não foi eleito, pela simples razão de não ter sido candidato. Dois irmãos de Deodoro e um sobrinho foram eleitos, apesar de desconhecidos dos eleitores. Pelo regulamento, o total de constituintes a serem eleitos deveria ser de 268, dos quais 63 senadores (três por estado, além do Distrito Federal) e 205 deputados (a maior bancada era de Minas Gerais, com 37 membros, seguida da de São Paulo e da Bahia, com 22 cada uma). O regulamento Alvim determinava no artigo 32 que, “no caso de não saber ou não poder o eleitor escrever o seu nome, escreverá em seu lugar outro por ele indicado e convidado pelo presidente da mesa”. Contudo, o decreto 200A, de 8 de fevereiro de 1890, no artigo 4.º declarava que são eleitores “todos os cidadãos brasileiros natos, no gozo dos seus direitos civis e políticos, que souberem ler e escrever”. Cabe indagar: se o eleitor sabe ler e escrever, por que precisaria que outra pessoa assinasse a ata? Se o eleitor lia e escolhia os nomes escritos na cédula eleitoral, como não conseguiria simplesmente assinar seu nome? Mas o regulamento não ficou só nisso. O presidente da mesa eleitoral era o prefeito ou o presidente da antiga Câmara. E mais: qualquer dúvida que surgisse no momento da eleição caberia ser resolvida pelo presidente da mesa (artigos 13 e 17). As atas seriam preenchidas em quatro vias: a primeira seria enviada para as capitais estaduais; a segunda, para o Ministério do Interior; e as duas restantes, uma, para a Câmara e outra, para o Senado, que só se reuniriam inicialmente em 15 de novembro, dois meses após as eleições. E aí, para quem a oposição poderia recorrer? Não havia nenhum poder independente. A máquina eleitoral da União e dos governos estaduais elegeu quem bem quis. Um dos casos mais escandalosos foi o de Silva Jardim. Republicano histórico e considerado o grande propagandista do novo regime, resolveu ser candidato pelo seu estado, o Rio de Janeiro. Tinha planos de presidir a Constituinte. Ledo engano. Não fez parte da chapa do governador, nem foi eleito. Recebeu metade dos votos do último colocado da chapa oficial, Alberto Brandão, um conhecido escravocrata, que propôs ao governador aplicar o artigo 295 do Código Criminal de modo que os libertos de 13 de maio fossem obrigados a regressar para as fazendas onde haviam sido escravos. Jardim protestou, denunciou diversas irregularidades, atas falsas e eleições fictícias em vários municípios. De nada adiantou. Desiludido, semanas após o pleito, viajou para a Europa. Acabou morrendo tragicamente na Itália, em 1891, ao visitar o Vesúvio, caindo numa fenda próxima à cratera e tragado pelo vulcão. Demonstrando a orientação laica (e com algum viés positivista), a Constituição de 1891 iniciava-se sem fazer referência a Deus ou, como na de 1824, à Santíssima Trindade. Os constituintes optaram pela forma “representantes do povo brasileiro”. No artigo 3.º foi determinado que a União demarcaria uma área de 14.400 quilômetros quadrados – é curiosa a precisão da extensão da demarcação – no Planalto Central, para “nela