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Este texto discute a relevância da herança grega para as ciências sociais no século xxi, enfatizando sua plasticidade simbólica e valor para uma concepção de ciência social pensada em função do futuro. O texto também explora a história da europa e as ideias gregas sobre a europa, desafiantes da noção de uma europa humana unida.
Tipologia: Provas
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Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, n." 14, Lisboa, Edições Colibri, 2001, pp. 249-
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último, fundador primeiro, regulador depois, legitimador por fim, dos res- tantes saberes (aqui a teologia pode ser tida por excepção, mas não a pode- mos incluir nas Ciências Humanas), isso sabe-se pelo menos desde Husseri (a Krisis e a atomização dos saberes) e tem sido um topos constante de muita da reflexão acadêmica sobre as ciências sociais e humanas. Mas em 2002, precisamente na perspecdva de futuro que caracteriza a investigação em ciências sociais nas suas formas mais inovadoras e influentes nas nossas sociedades, há pelo menos dois pontos da herança Grega que merecem uma breve referência: a sua plasticidade simbólica e o seu valor para uma con- cepção de ciência social pensada em função do futuro. Enquanto herança, o mundo Grego possui valor pela sua plasticidade intrínseca, que se presta às interpretações mais díspares, e também pela extrínseca, ou seja pela imensidade de concepções dos Gregos que dois mil anos de cristianismo (e ainda antes vários séculos de Roma) nos legaram. Esta plasticidade não se limita a subsistir, desenvolve-se e multiplica-se desde os mais insignificantes aspectos da vida quotidiana (o "nosso" minis- tro não é um lince qualquer, é um Lynce com Y) até às sempre renovadas interpretações da cultura Grega no seu conjunto ou nas suas mais ínfimas particularidades. Talvez se possa dizer que a herança subsiste porque nin- guém a pode esgotar mas, nas tentativas de o fazerem, muitos foram os que a enriqueceram adicionalmente (Renascimento na Arte, Filologia do séc. XIX nas ciências sociais, por ex.). Mas esta característica autoprodutiva, autopoiética, da herança Grega só adquire o seu valor específico para as ciências sociais quando participa da relação que estas estabelecem com o futuro, isto é, quando integra a reflexi- vidade que as ciências sociais geram nas sociedades em que incidem. Tam- bém esta vertente da herança Grega não é própria do século XXI. Por isso mesmo vamos referir-nos a ela através de um comentário a um texto de Lucien Febvre, historiador como poucos disponível para uma verdadeira comunicação entre as ciências sociais no seu sentido mais alargado (a pro- pósito de Febvre, dos Annales e das Humanidades, uma sugestão para o tema dos próximos encontros da F.C.S.H.: marcas de Vitorino Magalhães Godinho na Universidade Portuguesa). Esse texto é A Europa. Gênese de uma civilização, reunião do conjunto de lições dadas no College de France em 1944-1945. O que é a Europa? Como nasceu? Eis as principais questões de Lucien Febvre nesta obra. Obviamente que o historiador não se refere à nossa Euro- pa da UE, em que cada vez se tende para uma maior unidade organizadora. Aliás, para ele uma Europa encarada como uma formação política organi- zada mais não é do que um sonho. Febvre fala da Europa enquanto unidade histórica, que agrupa todo um conjunto de países, de populações, com uma diversidade imensa. Esta Europa teve a sua origem numa época determinada
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Ásia e que nunca chegou a esta região que os Gregos chamam Europa; veio apenas da Fenícia para Creta, e de Creta para a Lícia."
Eis a prova da razão de Lucien Febvre: os Gregos não concebiam a Europa como uma enüdade una, mas como um espaço físico habitado por sociedades distintas, com costumes e culturas igualmente diversas, a que se contrapunham a Ásia e a Líbia, cada uma delas menor do que a Europa. E a comprovar esta afirmação, recorde-se que nem nos poemas homéricos nos deparamos com a noção de continentes distintos, tendo sido Hecateu de Mileto quem primeiro se terá debruçado sobre cada uma destas regiões sepa- radamente. Mas, se a noção de uma Europa humana é inexistente na Antigüidade, isso não significa que nesta não exista qualquer dpo de unidade. Em pri- meiro lugar, o mundo helénico, que, muito embora tudo o que se possa depreender da sua organização social e política, das lutas intestinas travadas entre várias das suas cidades, constituía uma unidade - lingüística, religiosa, cultural. Todos conhecemos os símbolos mais notáveis desta unidade, como os Jogos Olímpicos ou a concepção do célebre oráculo de Delfos como umbigo do mundo; podemos acrescentar todo um conjunto de obras literá- rias que comprovam essa mesma unidade, embora nos pareça suficiente referir os poemas homéricos, dado o seu conteúdo ser por demais conhecido. Contudo, o traço mais relevante de uma verdadeira concepção de helenismo encontra-se no império de Alexandre, simultaneamente veículo propagador de uma cultura e de uma língua e obstáculo à gênese da noção de Europa. É precisamente no mundo helenístico que nos deparamos com um dos maiores desenvolvimentos culturais da história da humanidade, que se deve tanto à criação de novos centros de estudo quanto à descentralização cultural que os sucessores de Alexandre, nomeadamente os Ptolomeus, promoveram. Mas esta difusão cultural, longe de gerar uma unidade cultural, civilizacional, européia, criou uma vasta base cultural, sim, mas helénica, já que, na seqüência da política de Alexandre, todos tinham acesso à cultura, indepen- dentemente da sua raça-. Este não foi, contudo, o único factor de unidade na Antigüidade, nem sequer o mais duradouro. O mundo antigo girava à volta de um centro, comum às várias regiões já referidas, o Mediterrâneo. E é este o fulcro da grande unidade com que nos deparamos. Não o Mediterrâneo como mar, mas o Mediterrâneo como um conjunto de comunidades, de civilizações, como a helénica, por exemplo, que têm entre si vários pontos de contacto.
A Herança Grega 253
^ Lucien Febvre, A Europa. Gênese de uma Civilização (trad. port. de Telma Costa), Lisboa, Teorema, 2001, pág. 70.