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Este documento analisa a obra 'a essência da constituição' de ferdinand lassalle, um dos fundadores do socialismo científico alemão. A obra é fortemente criticada por negar força normativa à constituição e vê-la como mera reprodução das situações de controle existentes. No entanto, a tese dos fatores reais de poder, apesar de ter ganho novas formas, ainda não está totalmente superada. O documento também discute a relação entre a constituição e os fatores reais de poder, bem como a noção de que a constituição deve informar e gerar as leis comuns.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
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Ano 50 Número 197 jan./mar. 2013 301
Introdução. 1. Biografia e contextualização histórica. 2. A essência da Constituição. 2.1 A monarquia. 2.2. A aristocracia. 2.3. A grande burguesia. 2.4. Os banqueiros. 2.5. A pequena burguesia e a classe operária. 3. Considerações e cotejo.
vinicius de Moura Xavier é pós-graduado do Programa de Mestrado em Direito e Políticas Públicas do Curso de Teoria do Poder e da Constituição da Faculdade de Direito do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).
vInICIUS DE MOUrA XAvIEr
Introdução
Na concepção de Lassalle (1998), os problemas constitucionais não são primariamente problemas de Direito, mas de poder. Nesse contexto, Lassalle é considerado o iniciador da doutrina que desconhece a importância do Direito como instrumento de organização social, e desconsidera seu aspecto dirigente, afirmando-o apenas descri- tivo das relações sociais que sustentam o poder político. Sua obra, “A essência da Constituição”, é, até hoje, duramente criticada por negar qualquer força normativa à Constituição e traduzi-la como mera reprodução das situações de controle existentes nos âmbitos nacionais. Todavia, como veremos no curso desta exposição, a tese dos fatores reais de poder, embora possa ter ganhado novas roupagens, não se encon- tra totalmente superada, seja no âmbito nacional, seja no internacional. Por fim, resta uma questão a ser analisada: qual ou quais eram as intenções reais de Lassalle por trás de seu discurso, mercê do contexto histórico em que se inseria? Nesse passo, embora impossível analisar o âmbito interno da mente desse importante personagem da história do Direito, afigura-se factível inferir axiologicamente o valor encontrado em suas afirmações.
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Destarte, a pergunta que se faz após a leitura atenta e contextualizada do livro é: seria o pai da construção da ideia de Constituição antijurídica, na verdade, o fecundador do constitucionalismo jurídico moderno?
1. Biografia e contextualização histórica
Ferdinand Lassalle nasceu em Wrocław (Breslau), há época cidade alemã, (hoje da Polônia), com cerca de 640.000 habitantes, em 11 de abril de 1825, em uma família judia e próspera (DAWSON, 1891, p. 114). Seu pai era um comerciante do ramo da seda e pretendia que o filho seguisse carreira no mundo empresarial, mandando-o para uma escola em Leipzig com esse escopo. Todavia, posteriormente Lassalle trilhou outros caminhos, sendo discente na Universidade de sua cidade natal e mais tarde em Berlim. Na Alemanha, Lassalle estudou filologia e filosofia, tornou-se um seguidor do sistema filosófico de Hegel (DAWSON, 1891, p. 114), e depois se dedicou à advocacia. Durante a denominada “Primavera^1 dos Povos^2 ”, Lassalle começou a discursar em encontros coletivos incitando o povo de Düsseldorf a preparar-se para uma resistência armada contra a decisão do governo da Prússia de dissolver a Assembleia Nacional (DAWSON, 1891, p. 120). Por conta desses discursos, Lassalle foi preso sob a acusação de inci- tação à oposição armada contra o Estado prussiano (DAWSON, 1891, p. 120). Todavia, essa acusação foi desqualificada para incitação à resistência contra oficiais públicos. E, em razão disso, teve sua pena reduzida de vinte e três anos para seis meses de prisão. Banido de Berlim, Lassalle somente retornou à cidade em 1859, disfarçado de condutor de trem. Conta-se que buscou o auxílio de seu colega dos tempos de escola, Alexander von Humboldt, para que pudesse ficar na então capital prussiana (DAWSON, 1891, p. 125), tendo logrado êxito na sua intenção.
1 Membros do operariado e do campesinato passaram a exigir melhores condições de vida e trabalho. Aproveitando das novas tendências que surgiam, fizeram uma forte oposição ao regime monárquico por meio de uma série de levantes. Alimentando ainda mais esse sentimento de mudança, devemos salientar que nesse mesmo ano houve a publicação do Manifesto Comunista, de Karl Marx, obra que defendia a mobilização de trabalhadores. 2 Dá-se o nome de Revoluções de 1848 à série de revoluções na Europa central e orien- tal que eclodiram em função de regimes governamentais autocráticos, de crises econô- micas, de falta de representação política das classes médias e do nacionalismo despertado nas minorias da Europa central e oriental, que abalaram as monarquias da Europa, onde tinham fracassado as tentativas de reformas políticas e econômicas. Também chamada de Primavera dos Povos, este conjunto de revoluções, de caráter liberal, democrático e nacionalista, foi iniciado por membros da burguesia e da nobreza que exigiam governos constitucionais, e por trabalhadores e camponeses que se rebelaram contra os excessos e a difusão das práticas capitalistas.
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Irresignado, Lassalle desafiou o pai da moça e o Sr. Racowitza para um duelo, tendo este aceito. O embate teve efeito em 28 de agosto de 1864, resultando na morte de Lassalle, dias depois, em 31 de agosto, em decorrência de ferimentos sofridos. Na data de sua morte, o partido de Lassalle tinha 4.610 filiados, mas sem programa político detalhado. A agremiação foi importante na estabilização posteiror do Partido da Social Democracia Alemã em 1875 (DAWSON, 1891, p. 125) existente até hoje, com cerca de 495.000 membros.
2. A essência da Constituição
A concepção de Lassalle enquadra-se no conceito sociológico de Constituição. Sobre o tema, destaca Jorge Miranda (1991) as diversas correntes que tentaram conceituar e analisar o que seria uma Constituição: as concepções jusnaturalistas “manifestadas segundo as premissas do jus- racionalismo nas Constituições liberais e influenciadas depois por outras tendências”, as positivistas (Laband, Jellinek ou Carré de Malberg e Kelsen), as historicistas (Burke, De Maistre, Gierke), as sociológicas (Ferdinand Las- salle), as marxistas, as institucionalistas (Hauriou, Renard, Burdeau, Santi Romano, Mortati), a decisionista (Schmitt), as concepções decorrentes da filosofia dos valores (Maunz, Bachof) e as concepções estruturalistas (Spagna Musso, José Afonso da Silva) (MIRANDA, 1991, p. 53-54). Nesse contexto, – o livro – na verdade a redução a termo de um dis- curso de Lassalle proferido em conferência à Associação de Contribuintes de Berlim – divide-se em três capítulos. No primeiro, denominado “Sobre a Constituição”, Lassalle (1998) inda- ga: qual a verdadeira essência, qual o verdadeiro conceito de uma Constitui- ção? Não basta apresentar a matéria concreta de determinada Constituição, tampouco basta buscar, na legislação precedente, seus dispositivos para alcançarmos um conceito de Constituição e, portanto, a sua essência. Segundo um jurisculto, para Lassalle, a Constituição seria “um pacto juramentado entre o rei e seu povo, estabelecendo os princípios alicerçais da legislação e do governo dentro de um país” ou “a lei fundamental pro- clamada pela nação, na qual se baseia a organização do Direito público do país” (LASSALLE, 1998). Todavia, essas respostas não explicam a pergunta; ao revés, limitam- -se a descrever exteriormente como se formam as Constituições e o que fazem, mas não explicam o que ela é. Para tentar responder à pergunta, Lassalle (1998) utiliza o método de comparação, ou seja, coteja o objeto de conceito desconhecido com outro, similar, esforçando-se para penetrar nas diferenças que os separam.
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Desse modo, compara Lei e Constituição. Inicialmente, ressalta as semelhanças, como a essência genérica comum e a aprovação legisla- tiva necessária a ambas. Entretanto, ao acentuar as diferenças, estabelece que a Constituição afigura-se mais sagrada, mais delicada, de modo que sua alteração deve ocorrer, em geral, por quórum mais qualificado. E isso demonstra- ria o “espírito unânime dos povos [que] uma Constituição deve ser qualquer coisa de mais sagrado, de mais firme e de mais imóvel que uma lei comum” (LASSALLE, 1998). Prosseguindo, assevera que a Constituição deve, por óbvio, constituir algo, ou seja, infor- mar e engendrar as leis comuns originárias daquela, mas ao se deparar com a questão do fundamento, Lassalle (1998) aprofunda-se na tentativa de encontrar resposta à sua pergunta. Consigna que as coisas existem porque devem existir, têm uma função, se regem pela necessidade. Assim, a ideia de fundamento traria, implicitamente, a noção de uma neces- sidade ativa, de uma força eficaz e determinante que atuasse sobre tudo em que nela se baseia, fazendo-a assim e não de outro modo. Indaga: e qual seria essa força ativa que fun- damenta uma Constituição? Lassalle responde expressamente: os fatores reais de poder^3. Para legitimar a sua ideia e explicá-la, Lassalle (1998) propõe o seguinte exercício: suponhamos que um país, por causa de um sinistro, ficasse sem nenhuma das leis que o governavam e que por força das circunstâncias fosse necessário decretar novas leis. Nesse caso, o legislador, completamente livre, poderia fazer leis por capricho ou de acordo com o seu pró- prio modo de pensar?
3 Os fatores reais de poder que atuam no seio de cada sociedade são essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são (LASSALLE, 1998, p. 26).
A resposta que ecoa na eloquência do silên- cio é imediata: não. Assim, Lassalle (1998) passa a explicar o que entende por “fator real de poder”. Vejamos.
2.1. A monarquia
Seria possível a existência de uma lei abo- lindo a monarquia? Não. E a resposta, segundo Lassale (1998), assenta-se no fato de que o rei, por possuir o controle do exército, o poder real efetivo, não permitiria tal proposição.^4
2.2. A aristocracia
De início, Lassalle (1998) critica a posição da aristocracia na sociedade ao afirmar: “Não sabemos por que esse punhado, cada vez menor, de grandes proprietários agrícolas pos- sui tanta influência nos destinos do país como os restantes milhões de habitantes reunidos, formando somente eles uma Câmara Alta que fiscaliza os acordos da Câmara dos Deputados, eleita esta pelos votos de todos os cidadãos. [...] Destruídas as leis do passado, somos todos ‘iguais’ e não precisamos absolutamente ‘para nada’ da Câmara Senhorial.” Entretanto, em tom de ceticismo e derrotis- mo, afirma que a nobreza seria influente e bem vista pelo rei, modo pelo qual essa influência poderia garantir-lhe o uso do exército e dos canhões para seus fins, sendo, portanto, parte da Constituição, ou seja, um fator real de poder.
2.3. A grande burguesia
Ao caracterizar a grande burguesia como um fator real de poder, Lassalle (1998) propõe
4 Neste ponto, é importante destacar que o exército prussiano à época não jurava respeito à Constituição e estava sob as ordens diretas do monarca.
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1849, foi instituído pelo rei, o sistema eleitoral de três classes, após a dissolução do parlamento. Tal sistema dividia o eleitorado em três grupos de acordo com suas posses e com os impostos por eles pagos. Destaca Lassale (1998) que no primeiro grupo estariam 153.808 pessoas, no segundo 409.945 e no terceiro 2.691.950. Dessa forma, o opulento teria o mesmo poder político de 17 cidadãos comuns. Em suma: 17 vezes a influ- ência política de uma pessoa comum. Critica também a existência do Senado, o que para ele significava “pôr nas mãos de um grupo de velhos proprietários uma prerrogativa política formidável que lhes permitirá contraba- lançar a vontade nacional e de todas as classes que a contrapõem, por mais unânime que seja essa vontade” (LASSALLE, 1998). Todavia, é nesse cenário de crítica e deses- perança que Lassalle (1998) começa a esboçar o que seria a força motriz do constitucionalismo moderno. Ao perguntar se o governo poderia tirar não somente as liberdades políticas, mas também a pessoal da pequena burguesia e do corpo operário, transformando-os em escravos ou servos, responde prontamente: não, mesmo que todos os demais fatores de poder se posicionem nesse sentido. Dessa forma, expressamente se manifesta: “nos casos extremos e desesperados também o povo, nós todos, somos uma parte integrante da Constituição” (LASSALLE, 1998, p. 32). Mas, deixando-se levar novamente pelo ceti- cismo, afirma que, sob o poder político do rei, o exército está organizado, ou seja, pode se reunir a qualquer hora do dia ou da noite, funcionando com uma disciplina única e pode ser utilizado a qualquer momento quando dele se necessite, ao contrário do poder que se apoia na nação, embora infinitamente maior – e essa frase ganha especial relevo – por não estar organizado.
Para respaldar suas ideias, Lassalle (1998) cita Virgílio: “tu, povo, fabrica-os e paga-os, mas não para ti”, referindo-se ao equipamento bélico utilizado pelo exército contra o próprio povo. Desse modo, para ele, uma força organizada pode sustentar-se anos a fio, sufocando o poder, muito mais forte, porém desorganizado, do país. Importante ressaltar que ao denominar a Constituição escrita de “folha de papel”, expres- são que ficou célebre, Lassalle (1998) apenas fazia alusão à frase de Frederico Guilherme IV, que disse “Julgo-me obrigado a fazer afora, so- lenemente, a declaração de que nem no presente nem para o futuro permitirei que entre Deus do céu e o meu país se interponha uma folha de papel escrita como se fosse uma segunda providência”. Desse modo, estabelece a relação que existe entre esses fatores reais de poder e a Constituição jurídica:
“Juntam-se esses fatores reais do poder, os escrevemos em uma folha de papel e eles adquirem expressão escrita. A partir desse momento, incorporados a um papel, não são simples fatores reais de poder, mas sim ver- dadeiro direito, instituições jurídicas. Quem atentar contra eles atenta contra a lei, e por conseguinte é punido” (LASSALLE, 1998).
No segundo capítulo, Lassalle (1998) faz uma retrospectiva histórica demonstrando a importância e a influência dos fatores reais de poder no caminhar evolutivo da sociedade. Neste ponto, é importantíssima a sua definição do motivo pelo qual seria necessária, na visão dos detentores de poder, a existência de uma Constituição escrita. Para Lassalle (1998), seria como mera forma de legitimação, mais fácil, mais convincente. Observando que todos os países tiveram e terão sempre uma Constituição real e efetiva, afirma ser essa uma necessidade que se impõe, “pois não é possível imaginar uma Nação onde
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não existam os fatores reais de poder, quaisquer que sejam eles” (LASSALLE, 1998). Segundo Lassalle (1998),
“todos os países possuem ou possuíram sempre, e em todos os momentos de sua his- tória, uma Constituição real e verdadeira. A diferença, nos tempos modernos – e isto não deve ficar esquecido, pois tem muitíssima importância –, não são as constituições reais e efetivas, mas sim as constituições escritas nas folhas de papel”.
Nos Estados Modernos, com o fenômeno do monopólio do Direito pelo Estado, é que surgem, de modo generalizado, as Constitui- ções escritas, “cuja missão é a de estabelecer documentalmente, numa folha de papel, todas as instituições e princípios do governo vigente” (LASSALLE, 1998). Por isso, aspirar a uma Constituição escrita tem como origem o fato de ter-se operado uma transformação nos elementos reais do poder imperantes dentro do país, num determinado momento:
“se esses fatores do poder continuassem sen- do os mesmos, não teria cabimento que essa mesma sociedade desejasse uma Constituição para si. Acolheria tranqüilamente a antiga, ou, quando muito, juntaria os elementos dis- persos num único documento, numa única Carta Constitucional” (LASSALLE, 1998).
Nesse contexto, realiza uma breve análise da história constitucional europeia. Destaca que no Estado pouco povoado da Idade Média, sob o domínio governamental de um príncipe e com uma nobreza que possuía a maior parte da propriedade territorial, necessitava-se de uma Constituição feudal. A nobreza detinha, além da posse das terras, o poder sobre os feudatários, os servos, os colonos, obrigando-os a formar suas hostes e a lutar com os seus vizinhos. Os senhores
feudais tinham, ainda, chefes de armas, solda- dos, escudeiros e criados que, sob o seu poder, também serviam ao rei, que não mantinha outra força efetiva que a dos próprios que compunham a nobreza. O príncipe não poderia criar, sem seu consentimento, novos impostos e ocupava entre eles apenas a posição de primus inter pares. Acrescenta que a passagem do feudalismo ao capitalismo determinou novas mudanças. Novos fatores reais de poder surgiram determi- nando novo modelo de Constituição:
“a população cresce, a indústria e o comér- cio progridem e seu progresso facilita os recursos necessários para fomentar novas mudanças, transformando as vilas em cida- des. Nasce a pequena burguesia e os grêmios se desenvolvem, circulando o dinheiro e formando os capitais e a riqueza particular” (LASSALLE, 1998).
Esclarece que a população urbana não mais dependia da nobreza; tem interesses opostos a esta que, pouco a pouco, perde as prerrogativas e os poderes. O príncipe alcança maior poder efetivo, chegando a manter Exército permanente. Ato contínuo, o poder central se fortalece, reti- rando da nobreza a prerrogativa de receber tri- butos e obrigando-a ao pagamento de impostos. Com a transformação dos fatores reais do poder, transforma-se também a Constituição vigente no país. O absolutismo sucede ao feu- dalismo, iniciando uma nova ordem. Entretanto, o príncipe, como soberano abso- luto, não acredita na necessidade de se pôr por escrito a nova Constituição. O príncipe tinha em suas mãos o instrumento real e efetivo do poder – o exército permanente – que forma a Constituição efetiva dessa sociedade, e ele e os que o rodeiam dão expressão a essa ideia e dão ao país a qualificação de Estado militar. Além disso, o poder efetivo do príncipe é reconhecido pela nobreza, que abandona os
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3. Considerações e cotejo
Inicialmente, cumpre destacar que a lógica de Hegel e sua dialética
“A Constituição deve ser considerada verdadeiramente criadora do Estado de Direito, pois se antes dela o Poder é um mero fato, resultado das circunstâncias, produto de um equilíbrio frágil entre as diversas forças políticas, com a Lei Fundamental ele muda de natureza e se juridiciza, convertendo-se em Poder de direito, desencarnado e des- personalizado.”
Entretanto, o próprio Hesse (1991, p. 14) reconhecia que a norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade e que, por isso, a sua pretensão de eficácia não pode ser separada das condições históricas de sua realização. Em verdade, esse autor desloca essa discussão do plano dos fatos para o plano dos valores, axiologicamente, modo pelo qual sua crença se dá ao fundamento de que, em ultima ratio, a constituição só se mantém por um acordo dos poderes em legitimá-la. No mesmo sentido, Häberle (1997, p. 12), pois a sua “Sociedade aberta dos intérpretes da Constituição” apenas aumentou e legitimou maior
5 A visão total é necessária para enxergar, e encaminhar uma solução a um problema. Hegel dizia que a verdade é o todo. Que se não enxergamos o todo, podemos atribuir va- lores exagerados a verdades limitadas, prejudicando a compreensão de uma verdade geral. 6 Nessa obra, a ideia principal é a de que toda e qualquer pessoa que leia livremente a Constituição acaba sendo co-intérprete do texto. 7 Que, em entrevista recente, desenvolveu assuntos deveras interessantes (HAIDAR; SCRIBONI, 2011).
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número de hermeneutas aptos a participarem do debate constitucional, sem, contudo, fechar portas aos antigos detentores do poder. A questão que se coloca em debate, já secular, é se a Constituição é manifestação de força ou de fé. E o cerne dessa questão panorâmica pode restringir-se a uma pergunta: a Constituição, escrita, dogmática, pode ir de encontro aos detentores dos fatores reais de poder? Todavia, a importância não está na resposta, mas sim na própria pergunta. Afinal, quem seriam os verdadeiros detentores dos fatores reais de poder? Creio que no âmbito interno, nacional, o próprio Lassalle dá pistas quando destaca:
“Dentro de certos limites, também a consciência coletiva e a cultura geral da nação são partículas e não pequenas da Constituição. Nos casos extremos e desesperados também o povo, nós todos, somos uma parte integrante da Constituição. O poder que se apóia na nação, meus senhores, embora seja, como de fato o é, infinitamente maior, não está organizado. Uma força organizada pode sustentar-se anos a fio, sufocando o poder, muito mais forte, porém desorganizado, do país” (LASSALLE, 1998, p. 31-32, 36-37, grifo nosso). Como se denota, no decorrer do texto as ideias vão ganhando força e expressão, deixando a timidez e partindo quase para incitação explícita. Ora, cambiemos a expressão “do país” na última citação por “do povo”, o contexto e a profundidade semântica seriam muito semelhantes. Referido argumento ganha força conclusiva na página 48, quando Lassalle começa um subcapítulo com o título “O poder da nação é in- vencível” e destaca que “em 1848, ficou demonstrado que o poder da nação é muito superior ao do exército e, por isso, depois de uma cruenta e longa luta, as tropas foram obrigadas a ceder” (LASSALLE, 1998, p. 48). Segundo Sahid Maluf (2003, p. 15), “nação” é uma realidade socioló- gica, subjetiva, uma entidade de direito natural e histórico. Conceitua-se como um conjunto homogêneo de pessoas ligadas entre si por vínculos permanentes de sangue, idioma, religião, cultura e ideais. Sarida Maluf (2003, p. 17) dispõe sobre “povo” afirmando que em sentido amplo, genérico, equivale à população. Porém, no sentido estrito, qualificado, condiz com o conceito de “nação” e cita Cícero:
“Populus est non omnis hominum coetus, quoquo modo congregatus sed cuetus moltitudinis iuris consensu et utilitaris comunione sociatus. 8 ”
8 Povo não são todos os seres humanos, em conjunto em qualquer forma, mas sim um conceito jurídico e utilitário de comunhão social (Tradução livre).
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universal, no qual não há nação, mas sim nações, é possível entender que a força armada ainda é a maior detentora do poder?
Referências
BOURDEAU, Georges. Traité de science politique: tome IV, Le statut du pouvoir dans l’État. Paris: LGDJ, 1969. DAWSON, William Harbutt. German socialism and Ferdinand Lassalle. London: Swan Sonnenschein, 1891.
HAIDAR, Rodrigo; SCRIBONI, Marília. Constituição é declaração de amor ao país. Con- sultor Jurídico, Brasília, maio 2011.
HALÉVY, Élie. The age of tyrannies. Economica, London, v. 8, n. 29, p. 77-93, Feb. 1941. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Cons- tituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1997.
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1991.
LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. 4. ed. Rio de Janeiro: Líber Juris, 1998. MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 1991. v. 2.