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Guias e Dicas
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A Escola Histórica Alemã de Economia: Origens e Figuras Chave, Notas de aula de Economia Política

Este texto apresenta a história da escola histórica alemã de economia, uma importante corrente teórica e metodológica na economia política europeia do século xix. A documentação aborda a resistência aos conceitos britânicos de smith e ricardo no mundo germanófono, a publicação de obras marcantes como o grundriss de wilhelm roscher e a liderança de gustav schmoller na nova escola histórica. O texto também discute os debates metodológicos entre schmoller e menger, que marcaram a história da economia política.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Michelle87
Michelle87 🇧🇷

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A ESCOLA HISTÓRICA ALEMÃ
DE ECONOMIA POLÍTICA
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Autoria: Lucas Cardoso Corrêa Dias *
Os postulados teóricos iniciados pelos fi-
siocratas, e em seguida desenvolvidos e sistemati-
zados por Adam Smith e David Ricardo, não foram,
por assim dizer, plenamente aceitos pelos intelectuais
de toda Europa ocidental. Um dos locais em que as
tendências teórico-metodológicas britânicas foram
mais fortemente combatidas foi o mundo germanófo-
no, especialmente na ainda não unificada Alemanha,
que, antes mesmo dos próprios britânicos e com certo
pioneirismo, já tinha a ciência econômica institucio-
nalizada por meio da disciplina Staatswirtschaft, que
tinha como especificidade suas raízes no cameralismo
alemão (STREISSLER & MILFORD, 1993). Por conta
dessa tradição prévia, as ideias econômicas anglófo-
nas foram assimiladas com certas ressalvas pelos au-
tores alemães do período, que argumentavam contra
o “cosmopolitismo” das teorias citadas.
Friedrich List, por exemplo, rejeitava o recei-
tuário de abertura comercial defendido por Smith e Ri-
cardo por acreditar que países em estágios anteriores
de desenvolvimento econômico deveriam adotar polí-
ticas protecionistas para, após alcançarem o mesmo
estágio dos seus pares, desfrutarem das benesses do
laissez-faire, como preconizavam os economistas clás-
sicos. Tribe (2007) salienta que a abordagem de List,
contudo, era considerada pouco acadêmica e servia
mais aos interesses de unificação e desenvolvimento
econômico alemão da época.
O que marcou, de fato, a criação de um
esforço teórico e metodológico de se construir uma
ciência econômica em bases mais “realistas”, sem
a figura do homem auto-interessado sendo tomada
como lei universal, foi a publicação do Grundriss de
Wilhelm Roscher, em 1843, que é considerado o mar-
co fundador da chamada Escola Histórica Alemã de
Economia1 (STREISSLER & MILFORD, 1993). Roscher,
influenciado pelo desenvolvimento da Escola História
Alemã de Jurisprudência2, embora apresente algumas
influências da economia política clássica (STREISSLER
& MILFORD, 1993), representa claramente um rompi-
mento com a tradição econômica alemã anterior3 no
que concerne ao método da economia política. Ros-
cher rejeita a ideia de comportamento essencialmente
individualista dos agentes econômicos e sustenta que
através da história das civilizações as regularidades
no desenvolvimento das nações seriam reveladas, e
esse seria, por fim, o objetivo da ciência econômica
(ROSCHER, 1878[1854]).
As concepções de Roscher acerca do esco-
po e método da economia política, segundo Veblen
(1901), se tornaram dominantes na Alemanha da épo-
ca, o que gerou uma nova tradição no tratamento do
tema pelos teóricos do mundo germanófono. Entre
esses teóricos, Karl Knies e Bruno Hildebrand, junta-
mente com Roscher formaram o que ficou conhecido
como Velha Escola Histórica. Contudo, embora sejam
tratados como uma primeira geração da Escola Histó-
ria Alemã, Betz (1995) mostra as diferenças entre o
escopo e os métodos utilizados por Roscher, Knies e
Hildebrand na economia política, evidenciando a hete-
rogeneidade desse grupo de autores, como preconi-
1 Hodgson (2001), contudo, credita o início da
Escola Histórica Alemã à publicação, em 1841, do National
System of Political Economy, de Friedrich List.
2 Muito provavelmente em virtude do seu conta-
to com Savigny, principal expoente dessa escola, nos tempos
universidade (PRIDDAT, 1995).
3 Tomamos como referência as produções teóricas
de Rau e Hermann (STREISSLER & MILFORD, 1993).
Revista Multiface | Belo Horizonte | Vol. 3 | 2015
*Graduando em Ciências Econômicas pela FACE/UFMG e
bolsista do PET-Economia.
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A ESCOLA HISTÓRICA ALEMÃ

DE ECONOMIA POLÍTICA

Autoria: Lucas Cardoso Corrêa Dias *

Os postulados teóricos iniciados pelos fi- siocratas, e em seguida desenvolvidos e sistemati- zados por Adam Smith e David Ricardo, não foram, por assim dizer, plenamente aceitos pelos intelectuais de toda Europa ocidental. Um dos locais em que as tendências teórico-metodológicas britânicas foram mais fortemente combatidas foi o mundo germanófo- no, especialmente na ainda não unificada Alemanha, que, antes mesmo dos próprios britânicos e com certo pioneirismo, já tinha a ciência econômica institucio- nalizada por meio da disciplina Staatswirtschaft, que tinha como especificidade suas raízes no cameralismo alemão (STREISSLER & MILFORD, 1993). Por conta dessa tradição prévia, as ideias econômicas anglófo- nas foram assimiladas com certas ressalvas pelos au- tores alemães do período, que argumentavam contra o “cosmopolitismo” das teorias citadas. Friedrich List, por exemplo, rejeitava o recei- tuário de abertura comercial defendido por Smith e Ri- cardo por acreditar que países em estágios anteriores de desenvolvimento econômico deveriam adotar polí- ticas protecionistas para, após alcançarem o mesmo estágio dos seus pares, desfrutarem das benesses do laissez-faire, como preconizavam os economistas clás- sicos. Tribe (2007) salienta que a abordagem de List, contudo, era considerada pouco acadêmica e servia mais aos interesses de unificação e desenvolvimento econômico alemão da época. O que marcou, de fato, a criação de um esforço teórico e metodológico de se construir uma ciência econômica em bases mais “realistas”, sem a figura do homem auto-interessado sendo tomada como lei universal, foi a publicação do Grundriss de Wilhelm Roscher, em 1843, que é considerado o mar-

co fundador da chamada Escola Histórica Alemã de Economia^1 (STREISSLER & MILFORD, 1993). Roscher, influenciado pelo desenvolvimento da Escola História Alemã de Jurisprudência^2 , embora apresente algumas influências da economia política clássica (STREISSLER & MILFORD, 1993), representa claramente um rompi- mento com a tradição econômica alemã anterior 3 no que concerne ao método da economia política. Ros- cher rejeita a ideia de comportamento essencialmente individualista dos agentes econômicos e sustenta que através da história das civilizações as regularidades no desenvolvimento das nações seriam reveladas, e esse seria, por fim, o objetivo da ciência econômica (ROSCHER, 1878[1854]). As concepções de Roscher acerca do esco- po e método da economia política, segundo Veblen (1901), se tornaram dominantes na Alemanha da épo- ca, o que gerou uma nova tradição no tratamento do tema pelos teóricos do mundo germanófono. Entre esses teóricos, Karl Knies e Bruno Hildebrand, junta- mente com Roscher formaram o que ficou conhecido como Velha Escola Histórica. Contudo, embora sejam tratados como uma primeira geração da Escola Histó- ria Alemã, Betz (1995) mostra as diferenças entre o escopo e os métodos utilizados por Roscher, Knies e Hildebrand na economia política, evidenciando a hete- rogeneidade desse grupo de autores, como preconi- 1 Hodgson (2001), contudo, credita o início da Escola Histórica Alemã à publicação, em 1841, do National System of Political Economy, de Friedrich List. 2 Muito provavelmente em virtude do seu conta- to com Savigny, principal expoente dessa escola, nos tempos universidade (PRIDDAT, 1995). 3 Tomamos como referência as produções teóricas de Rau e Hermann (STREISSLER & MILFORD, 1993).

*Graduando em Ciências Econômicas pela FACE/UFMG e

bolsista do PET-Economia.

zam Schumpeter (1954) e Tribe (2007). Ao con- trário dessa primeira geração, a chamada Nova Escola Histórica liderada por Gustav Schmoller, se mostrou mais coesa teórico e metodologicamente e, de acordo com Streissler e Milford (1993), pode ser considerada uma escola de pensamento econômico. Schmoller é o principal autor da tradição his- toricista em economia política e um dos maiores cien- tistas sociais alemães da segunda metade do século XIX. Tal proeminência conferiu a Schmoller papel de destaque no meio acadêmico de seu país. Hutchison (1988) salienta que o autor controlava a indicação de cargos nas universidades alemãs, e isso também ga- rantia a supremacia do método histórico em solos ger- mânicos durante esse período. Além disso, Schmoller

  • dentre outros - tinha como preocupação central as mudanças sociais provocadas pela industrialização tar- dia e acelerada da Alemanha. Para discutir e propor soluções para essas questões é fundada, em 1872, a Verein für Sozialpolitik, espécie de associação de cien- tistas sociais que se debruçava sobre tais questões da qual Schmoller foi o fundador e principal nome da época. Schmoller, contudo, é mais famoso entre os economistas contemporâneos pelo seu debate meto- dológico com Carl Menger, um dos proponentes da re- volução marginalista e considerado fundador da Escola Austríaca de Economia, do que pela sua produção teó- rica propriamente dita. No que ficou conhecido como Methodenstreit, Menger e Schmoller gladiaram acerca do método mais apropriado para a ciência econômi- ca. Enquanto Menger advogava que os fenômenos econômicos eram erguidos a partir das economizing actions dos agentes individuais (CALDWELL, 2005)^4 , Schmoller defendia a especificidade histórica e com- plexidade do comportamento humano, que só poderia ser realmente entendido através de um minucioso es- tudo empírico, por meio da história, que levasse em 4 “Most of the time, however, I will use the term compositive todescribe Menger’s methodological approach. […] Compositive emphasizes that social phenome- na like exchange or market valuation are built up or compo- sed from economizing actions of individual agents and, thus, nicely captures the method that Menger employs.” (CAL- DWELL, 2005, pp. 22 – 23)

consideração aspectos éticos, culturais, geográficos e tantos outros fatores que fizeram Schumpeter (1954) dizer que nada no “cosmo ou caos social” escapa à economia schmolleriana. Entre as avaliações da Methodenstreit que buscam estabelecer um vencedor para a disputa, esse vencedor é, na grande maioria das vezes, Menger (BOSTAPH, 1978). O economista austríaco, mais próxi- mo à ortodoxia metodológica compreendida pelo mé- todo hipotético-dedutivo de John Stuart Mill, tem hoje muito mais simpatia dos economistas do que o autor alemão. Boa parte da argumentação schmolleriana, por outro lado, acabou se tornando objeto de sínte- se por obra de uma série de autores, dando origem, por exemplo, à sociologia econômica e ao programa de pesquisa de Schumpeter (SHIONOYA, 2005). Isso, de certa forma, gerou um distanciamento em relação ao programa de pesquisa original de Schmoller, e, a nosso ver, autores posteriores como Sombart, Weber e Spiethoff, embora sejam classificados como uma No- víssima Escola Histórica (SHIONOYA, 2005), muito se distanciam de Schmoller, o principal nome entre todos os representantes da Escola Histórica Alemã. Embora tenha sido a principal corrente teóri- ca da economia política alemã na segunda metade do século XIX, a Escola Histórica hoje é negligenciada a ponto de ser esquecida no estudo da ciência econô- mica (HODGSON, 2001). Os debates metodológicos, tanto com Menger (na Methodenstreit) quanto com Weber 5 (Werturteilsstreit) acabaram por estigmatizar o principal expoente da Escola Histórica, Gustav Sch- moller. Esse estigma se estendeu por toda a tradição historicista no âmbito da economia política, e hoje, a contribuição teórica desses autores é tratada com um menor grau de importância, principalmente a de Schmoller, que ficou marcado pelos debates supraci- tados como um autor avesso à teoria (em virtude da Methodenstreit) e partidário do uso de juízos de valor 5 Weber, em meio à sua defesa da objetividade das ciências sociais, faz uma crítica a Schmoller ao acusá-lo de não ser neutro axiologicamente. O debate entre Sch- moller e Weber acerca da neutralidade ou não neutralidade axiológica nas ciências sociais ficou conhecido como Wertur- teilsstreit (CUNHA, 2014).

MULTIFACE

CORRÊA DIAS

REFERÊNCIAS

BOSTAPH, Samuel (1978). “The Methodological Deba- te between Carl Menger and the German Historicists”, Atlantic Economic Journal, vol. 6 September, pp. 3 –

CALDWELL, Bruce (2001). “There Really Was a Ger- man Historical School of Economics: A Comment on Heath Pearson”, History of Political Economy, v. 33, n. 3, pp. 649 - 654.

CALDWELL, Bruce (2005). Hayek’s Challenge: An Inte- lectual Biography of F. A. Hayek. Chicago: The Univer- sity of Chicago Press.

HODGSON, Geoffrey M. (2001). How Economics For- got History: The problem of historical specificity in so- cial science. 1st^ ed. London: Routledge.

HUTCHISON, Terence W. (1988). “Gustav Schmoller and the Problems of Today”, Journal of Institutional and Theoretical Economics, n. 144 v. 3, pp. 527 – 531.

ROSCHER, Wilhelm (1878). Principles of Political Eco- nomy. New York: Henry Hold & Co.

SCHMOLLER, Gustav (1905). Política Social y Econo- mía Política: cuestiones fundamentales. Tradução de Lorenzo Benito. Barcelona: Imprenta de Henrich e Cia.

SCHUMPETER, Joseph A. (1954). History of Economic Analysis. New York: Oxford University Press.

SHIONOYA, Yuichi (2005). The Soul of the German Historical School: methodological essays on Schmoller, Weber and Schumpeter. 1st^ ed. Boston: Springer.

STREISSLER, Erich; MILFORD, Karl (1993). “Theoreti- cal and Methodological Positions of German Economi- cs in the Middle of the Nineteenth Century”, History of Economic Ideas, v. 1/2 n. 3/1, pp. 43 – 79.

TRIBE, Keith (2007). Strategies of Economic Order: German Economic Discourse 1750-1950. Cambridge University Press.

VEBLEN, Thorstein (1901). “Gustav Schmoller’s Eco- nomics”, Quarterly Journal of Economics, Vol 16, nº 1, pp. 69-93.

MULTIFACE

CORRÊA DIAS