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Este texto descreve as experiências pessoais e profissionais de eleanor oliphant, uma funcionária de escritório anônima que trabalha num escritório de design gráfico por quase trinta anos. Ela reflete sobre as preconceitos e estereótipos que as pessoas têm sobre pessoas que trabalham em escritórios e sobre sua própria identidade. O texto também descreve as rotinas diárias de eleanor, suas preferências culinárias e suas interações sociais limitadas.
O que você vai aprender
Tipologia: Resumos
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Não perca as partes importantes!
Tradução de Elsa T. S. Vieira
Quando as pessoas – taxistas, higienistas orais – me perguntam o que faço, respondo-lhes que trabalho num escritório. Em quase nove anos, nunca ninguém quis saber que tipo de escritório é, nem qual o trabalho que lá faço. Não consigo decidir se é porque encaixo na perfeição na ideia que têm de uma empregada de escritório, ou porque as pessoas ouvem a expressão «empregado de escritório» e preenchem sozinhas os espaços em branco de forma automática
percebido também que eu nunca precisaria de me ausentar em lua de mel ou licença de maternidade. Não sei.
No escritório temos um sistema hierárquico de dois níveis: os cria- tivos são as estrelas do filme e os restantes, meros atores secundários. Basta olhar para cada um para perceber a que categoria pertence. Para ser justa, isso tem muito a ver com os ordenados. O pessoal do es- critório recebe uma miséria, por isso não podemos gastar muito em cortes de cabelo elegantes e óculos da moda. Roupas, música, gadgets
minha morada aos arquivos do pessoal. Calculo que acabariam por chamar a polícia, não? As autoridades arrombariam a porta do meu apartamento e entrariam, com a mão na boca, a conter os vómitos por causa do cheiro. Isso daria motivo de conversa no escritório. Eles odeiam-me, mas não me desejam a morte. Pelo menos, acho que não.
Ontem fui ao médico. Parece que a última vez tinha sido há sé- culos. Apanhei o médico mais novo, o tipo pálido e ruivo, o que me deixou satisfeita. Quanto mais novos são, mais recente é a sua for- mação, o que só pode ser bom. Detesto quando tenho consulta com a velha doutora Wilson; tem cerca de sessenta anos e não me parece que esteja muito a par dos mais recentes medicamentos e avanços da medicina. Mal sabe trabalhar com o computador. O médico estava a fazer aquela coisa em que falam connosco sem olhar para nós, a ler o meu processo no ecrã, a carregar com cada vez mais frenesi nas teclas para andar para baixo.
Isto foi ontem de manhã, numa outra vida. Hoje, depois, o au- tocarro estava a andar bem no caminho para o escritório. Chovia e todos os passageiros pareciam infelicíssimos, encolhidos dentro dos seus sobretudos, com o hálito matinal a embaciar as janelas. A vida cintilava em direção a mim através das gotas de chuva no vidro, tre- meluzindo, perfumada, por cima do fedor a roupas molhadas e pés húmidos. Sempre me orgulhei muito de conseguir gerir a minha vida so- zinha. Sou uma sobrevivente solitária: sou Eleanor Oliphant. Não
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No escritório havia aquela sensação palpável de boa disposição das sextas-feiras, com toda a gente a acreditar na mentira de que o fim de semana seria espantoso e de que, para a semana, o trabalho seria diferente, melhor. Esta gente nunca aprende. Para mim, contudo, as coisas tinham mudado. Não dormira muito mas, apesar disso, sentia- -me bem, melhor, excelente. As pessoas dizem que quando encontra- mos «o tal», simplesmente sabemos. E tudo nesta ideia é verdade, até o facto de o destino o ter colocado no meu caminho numa quinta- -feira à noite, pelo que agora o fim de semana se estendia à minha frente, convidativo, repleto de tempo e de promessas. Era o último dia de um dos designers na empresa e, como de costume, a ocasião seria assinalada com vinho barato, cerveja cara e batatas fritas de pacote despejadas em tigelas de cereais. Com um pouco de sorte, a festa começaria cedo e eu poderia comparecer e, mesmo assim, sair a horas. Tinha de chegar às lojas antes da hora de fecho. Abri a porta e o frio do ar condicionado fez-me estremecer, apesar de ter o colete vestido. Billy estava a falar, rodeado pelos ou- tros e de costas para mim; os restantes pareciam demasiado atentos para darem pela minha entrada.
EELEAN-
tem nada a ver com a minha vida, e não queria ter de explicar ao Bob porque viera trabalhar num fim de semana e mesmo assim não con- seguira reduzir a pilha de faturas à espera de processamento. Além disso, em casa podia ir fazendo outras coisas ao mesmo tempo, como praticar os pratos que cozinharia no nosso primeiro jantar juntos. Há muitos anos, a mamã disse-me que os homens perdem a cabeça por folhados de salsicha. A melhor forma de conquistar o coração de um homem, assegurou-me, é um folhado de salsicha caseiro, a massa quente e estaladiça, carne de boa qualidade. Há anos que não cozinho mais nada a não ser esparguete. Nunca fiz um folhado de salsicha. No entanto, não me parece que seja assim tão difícil. É apenas massa folhada e carne picada. Liguei o computador e introduzi a minha palavra-passe, mas o ecrã encravou. Desliguei e voltei a ligar o computador, e desta vez nem chegou ao ecrã da palavra-passe. Que chatice! Fui falar com Loretta, a gerente do escritório. Loretta tem ideias exageradas sobre as suas próprias capacidades administrativas e, no tempo livre, faz joias hediondas, que depois vende a idiotas. Informei-a de que o meu computador não estava a funcionar e que não conseguia falar com Danny da informática.
mais pormenores, pode encontrar-me na extensão cinco-três-cinco. Muitíssimo obrigada. Esperava que a minha mensagem clara e concisa lhe servisse de exemplo. Esperei dez minutos, arrumando a secretária para passar o tempo, mas ele não ligou. Depois de duas horas a arquivar papelada sem qualquer comunicação do Sr. Gibbons, decidi ir almoçar mais cedo. Passara-me pela cabeça que devia preparar-me fisicamente para um potencial encontro com o músico, nomeadamente com alguns melhoramentos. Seria melhor uma transformação de dentro para fora, ou deveria trabalhar de fora para dentro? Fiz uma lista mental de todo o trabalho relacionado com a aparência que tinha a fazer: cabelos (cabeça e corpo), unhas (mãos e pés), sobrancelhas, celulite, dentes, cicatrizes… Todas estas coisas precisavam de ser atualizadas, realçadas, melhoradas. Por fim, decidi começar por fora e trabalhar em direção ao interior – afinal de contas, é o que acontece com mais frequência na natureza. A muda da pele, o renascimento. Animais, aves e insetos podem fornecer-nos revelações muito úteis. Sempre que não tenho a certeza do rumo a seguir, penso O que faria um furão? ou Como é que uma salamandra reagiria a esta situação? e en- contro sempre a resposta certa. Todos os dias, a caminho do trabalho, passo pelo salão de beleza Julie’s Beauty Basket. Por sorte, tinham uma vaga de última hora. Demoraria cerca de vinte minutos, seria atendida por uma Kayla e custaria quarenta e cinco libras. Quarenta e cinco! Mas ele mere- cia-o, recordei a mim própria enquanto Kayla me conduzia a uma sala no piso de baixo. Tal como as demais funcionárias, Kayla vestia uma bata branca que fazia lembrar a do equipamento cirúrgico e calçava socas também brancas. Aprovei esta indumentária pseudo- médica. Entrámos numa sala acanhada e desconfortável, onde mal cabia uma marquesa, uma cadeira e uma mesinha.