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A criança cega de Vigostski, Trabalhos de Educação Física

Um documento a respeito de Vigostski

Tipologia: Trabalhos

2023

Compartilhado em 15/11/2023

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gabriela-souza-l3n 🇧🇷

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Nome do material
A Criança Cega
A Criança Cega-VIGOTSKY, L. S. Fundamentos de defectologia. En: Obras completas. Tomo V.
Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1997. p. 74 - 87.
VIGOTSKI, L. S. Fundamentos de defectologia. In: Obras completas. Tomo V. Havana: Editorial
Pueblo y Educación, 1997. p. 74 - 87.
A CRIANÇA CEGA
Neles (os cegos, L. V.) desenvolvem-se as particularidades que não podemos notar nos
videntes e é necessário supor que no caso de uma relação excepcional de cegos com cegos, sem
nenhum tipo de relação com os videntes, poderia surgir uma raça especial de homens. K. Bürklen
(1924, p.3)
Se deixarmos de um lado as particularidades e não nos determos em detalhes, pode-se
representar o desenvolvimento dos pontos de vista científicos sobre a psicologia dos cegos na
forma de uma linha, que se estende desde a Antigüidade remota até os nossos dias, ora perdendo-
se na obscuridade de idéias errôneas, ora aparecendo outra vez com cada novo avanço da ciência.
Como a agulha imantada aponta para o norte, assim esta linha indica a verdade e permite avaliar
qualquer tipo de equívoco histórico que desvie da linha fundamental.
A ciência sobre a pessoa cega, na medida em que avança na verdade, reduz-se ao
desenvolvimento de uma idéia central, a qual domina a humanidade há milênios, porque esta não
é somente uma idéia sobre o cego, senão também, em geral, sobre a natureza psicológica do
homem. Na psicologia dos cegos, igualmente a qualquer ciência, é possível equivocar-se de
maneira diversa, mas avançar em direção à verdade somente é possível por uma via.
Esta idéia se resume em que a cegueira é não apenas a falta da vista (o defeito de um
órgão específico), senão que assim mesmo provoca uma grande reorganização de todas as forças
do organismo e da personalidade.
A cegueira, ao criar uma formação peculiar da personalidade, reanima novas forças, altera
as direções normais das funções e, de uma forma criadora e orgânica, refaz e forma a psiquê da
pessoa. Portanto, a cegueira não é somente um defeito, uma debilidade, senão também, em certo
sentido, uma fonte de manifestação das capacidades, uma força (por estranho e paradoxal que
seja!).
Esta idéia tem ultrapassado três etapas principais; depois de comparar essas três etapas
ficam claras a direção e a tendência de seu desenvolvimento. A primeira época pode ser designada
como mística; a segunda, biológica ou ingênua e a terceira, a contemporânea, científica ou sócio-
psicológica.
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Nome do material

A Criança Cega

A Criança Cega- VIGOTSKY , L. S. Fundamentos de defectologia. En : Obras completas. Tomo V.

Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1997. p. 74 - 87.

VIGOTSKI, L. S. Fundamentos de defectologia. In: Obras completas. Tomo V. Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1997. p. 74 - 87.

A CRIANÇA CEGA

Neles (os cegos, L. V.) desenvolvem-se as particularidades que não podemos notar nos videntes e é necessário supor que no caso de uma relação excepcional de cegos com cegos, sem nenhum tipo de relação com os videntes, poderia surgir uma raça especial de homens. K. Bürklen (1924, p.3)

Se deixarmos de um lado as particularidades e não nos determos em detalhes, pode-se representar o desenvolvimento dos pontos de vista científicos sobre a psicologia dos cegos na forma de uma linha, que se estende desde a Antigüidade remota até os nossos dias, ora perdendo- se na obscuridade de idéias errôneas, ora aparecendo outra vez com cada novo avanço da ciência. Como a agulha imantada aponta para o norte, assim esta linha indica a verdade e permite avaliar qualquer tipo de equívoco histórico que desvie da linha fundamental.

A ciência sobre a pessoa cega, na medida em que avança na verdade, reduz-se ao desenvolvimento de uma idéia central, a qual domina a humanidade há milênios, porque esta não é somente uma idéia sobre o cego, senão também, em geral, sobre a natureza psicológica do homem. Na psicologia dos cegos, igualmente a qualquer ciência, é possível equivocar-se de maneira diversa, mas avançar em direção à verdade somente é possível por uma via.

Esta idéia se resume em que a cegueira é não apenas a falta da vista (o defeito de um órgão específico), senão que assim mesmo provoca uma grande reorganização de todas as forças do organismo e da personalidade.

A cegueira, ao criar uma formação peculiar da personalidade, reanima novas forças, altera as direções normais das funções e, de uma forma criadora e orgânica, refaz e forma a psiquê da pessoa. Portanto, a cegueira não é somente um defeito, uma debilidade, senão também, em certo sentido, uma fonte de manifestação das capacidades, uma força (por estranho e paradoxal que seja!).

Esta idéia tem ultrapassado três etapas principais; depois de comparar essas três etapas ficam claras a direção e a tendência de seu desenvolvimento. A primeira época pode ser designada como mística; a segunda, biológica ou ingênua e a terceira, a contemporânea, científica ou sócio- psicológica.

A primeira época abrange a Antigüidade, a Idade Média e uma parte muito considerável da História Moderna. Até o momento, as sobrevivências desta época são visíveis nos pontos de vista populares sobre o cego, nas lendas, nos contos e ditados.

Na cegueira se via antes de tudo uma enorme infelicidade, pela qual se sentia um medo supersticioso e um grande respeito. Em conjunto com o trato do cego como um ser inválido, indefeso e abandonado, surge uma afirmação geral de que nos cegos desenvolvem-se as forças místicas superiores da alma, que a eles é acessível o conhecimento espiritual e a visão (alucinações) no lugar do sentido da visão perdido. Até na atualidade muitas pessoas ainda falam acerca da tendência dos cegos para a "luz espiritual"; pelo visto, há uma parte de verdade, embora distorcida pelo medo e pela incompreensão do intelecto pensante com idéias religiosas. Por tradição, os cegos eram com freqüência guardiões da sabedoria popular, dos cantores e dos profetas do futuro. Homero era cego. Sobre Demócrito diz-se que o mesmo se cegou para dedicar- se inteiramente à filosofia. Se isso não é certo, em qualquer caso é demonstrativo da própria possibilidade de semelhante tradição, a qual a ninguém lhe parecia absurda, evidencia o critério sobre a cegueira, de acordo com o qual o dom filosófico pode intensificar-se com a perda da visão. É curioso que o Talmud, que iguala aos cegos, aos leprosos e aos estéreis, com os mortos, ao falar dos cegos, utiliza a expressão eufemística "pessoa com abundância de luz". Os provérbios alemães e os ditados populares da sabedoria tradicional conservam os rastros deste ponto de vista. "O cego quer ver o todo", "Salomão encontrou nos cegos a sabedoria, porque eles não dão um passo sem haver investigado o terreno que pisarão" (O. WANECEK, 1919). Na investigação do cego através do conto e da lenda, demonstrou-se que à arte popular lhe é característico o ponto de vista sobre o cego como uma pessoa com uma visão interior que se lhe tinha despertado, dotado do conhecimento espiritual alheio a outras pessoas.

O cristianismo, que trouxe consigo a superestimação dos valores espirituais, na essência, variou só no conteúdo moral desta idéia, mas deixou invariável a própria essência. "Aos últimos aqui", dentro dos quais também se incluíam os cegos, prometeu convertê-los "nos primeiros lá". Na Idade Média este era o dogma mais importante da filosofia da cegueira, no qual, no conjunto de toda privação e sofrimento viam um valor espiritual; o pátio da igreja foi entregue aos cegos como possessão absoluta sua. Por sua vez, isto significou também a mendicância na vida terrestre e a proximidade a deus. Daquele, então, se dizia que no corpo fraco vivia um espírito elevado.Outra vez na cegueira se descobria certo aspecto místico secundário, certo valor espiritual, certo sentido positivo. No desenvolvimento da psicologia dos cegos deve-se denominar mística esta etapa, não só porque está matizada de representações religiosas e de crenças, não só porque os cegos haviam sido aproximados por todos os meios possíveis a deus: os visíveis, mas não aos videntes, ao vidente, mas invisível, como diziam os sábios europeus.

Na realidade, as capacidades que se atribuíam aos cegos consideravam forças supra- sensíveis da alma, sua relação com a cegueira parece enigmática, prodigiosa e incompreensível.

Estes pontos de vista surgiram não da experiência nem do testemunho dos mesmos cegos sobre si, nem da investigação científica do cego e de seu papel social, senão da teoria sobre o espírito e o corpo e da fé no espírito incorpóreo. E, não obstante, ainda que a história tenha destruído completamente esta filosofia e a ciência tenha desmascarado até o final sua falta de fundamento, em suas bases mais profundas tem estado oculta uma pequena parte da verdade.

a substituição na esfera das funções fisiológicas é um caso particular da exercitação e da adaptação. Portanto, a substituição é preciso compreendê-la, não no sentido de que outros assumam diretamente as funções fisiológicas da visão, senão no sentido da reorganização complexa de toda atividade psíquica, provocada pela alteração da função mais importante, e dirigida por meio da associação, da memória e da atenção à criação e formação de um novo tipo de equilíbrio do organismo para mudança do órgão afetado.

Porém, se esta concepção biológica ingênua resultou ser incorreta e se viu obrigada a ceder seu lugar a outra teoria, não obstante deu um grande passo de avanço pelo caminho da conquista até à verdade científica sobre a cegueira. Pela primeira vez, partindo da observação científica e com o critério da experiência, abordou-se o fato de que a cegueira não é só um defeito, uma deficiência, senão também que incorpora novas forças, e novas funções à vida e à atividade e motiva certo trabalho criador orgânico, ainda que esta teoria não pode indicar em que consiste precisamente este trabalho. Pode-se julgar em que medida é grande a importância prática deste passo para a verdade, pelo fato de que nesta época criou-se a educação e o ensino dos cegos. Um ponto do sistema braile tem feito mais pelos cegos que milhares de filantropos; a possibilidade de ler e escrever tem resultado ser mais importante que o "sexto sentido" e a agudeza do tato e da audição. No monumento a V. Haüy, fundador do ensino dos cegos, foram escritas as seguintes palavras dirigidas à criança cega: "Encontrarás a luz no ensino e no trabalho". No conhecimento e no trabalho viu Haüy a solução da tragédia da cegueira e assinalou o caminho pelo que vamos agora. A época de Haüy deu o conhecimento, nossa época deve dar a eles o trabalho.

Na época moderna, a ciência tem se aproximado do domínio da verdade sobre a psicologia da pessoa cega. A escola do psiquiatra A. Adler, que elaborou o método da psicologia individual, ou seja, da psicologia social da personalidade, tem assinalado a importância e o papel psicológico do defeito orgânico no processo do desenvolvimento e da formação da personalidade. Se algum órgão, devido à deficiência morfológica ou funcional, não consegue cumprir inteiramente seu trabalho, então o sistema nervoso central e o aparato psíquico assumem a tarefa de compensar o funcionamento insuficiente do órgão, criando sobre este ou sobre a função uma superestrutura psíquica que tende a garantir o organismo no ponto fraco ameaçado.

Ao entrar em contato com o meio externo, surge o conflito provocado pela falta de correspondência do órgão, a função deficiente, com suas tarefas, o que conduz a que exista uma possibilidade elevada para a mobilidade e a mortalidade. Este conflito origina grandes possibilidades e estímulos para a supercompensação. O defeito se converte, desta maneira, no ponto de partida e na força motriz principal do desenvolvimento psíquico da personalidade. Se a luta conclui com a vitória para o organismo, então, não somente vencem as dificuldades originadas pelo defeito, senão se eleva em seu próprio desenvolvimento a um nível superior, criando do defeito uma capacidade; da debilidade, a força; da menos valia a supervalia. Sobre esta base, o cego de nascimento N. Sounderson elaborou um manual de geometria (A. Adler, 1927). Que enorme tensão deve alcançar nele as forças psíquicas e a tendência à supercompensação, reanimadas pelo defeito da visão, para que ela possa não somente vencer a limitação espacial, que traz consigo a cegueira, senão também dominar o espaço nas formas superiores acessíveis à humanidade somente no pensamento científico, nas construções geométricas. Lá onde temos

graus muito mais baixos deste processo, a lei fundamental segue sendo a mesma. Resulta curioso que nas escolas de pintura, Adler havia encontrado 70% dos alunos com anomalias da visão e outro tanto alunos com defeitos da linguagem nas escolas de arte dramática (A. Adler. No livre: Heiler und Bilder, 1914, p. 21). A vocação pela pintura e as capacidades para ela tem-se desenvolvido a partir do defeito da visão; e o talento artístico, a partir dos defeitos superados do aparato articulatório.

Sem dúvida, uma saída feliz não é solução única, ou inclusive o resultado mais freqüente da luta pela superação do defeito. Seria ingênuo pensar que qualquer enfermidade termina de um modo exitoso, e que todo defeito se transforma felizmente em um talento. Qualquer tipo de luta tem duas saídas, a segunda saída é o fracasso da supercompensação, a vitória total do sentimento de debilidade, o caráter associal da conduta, da criação de posições defensivas a partir de sua debilidade, sua transformação em instrumentos, o objetivo fictício da existência, em essência, a loucura, a impossibilidade da personalidade ter uma vida psíquica normal; é a evasão na enfermidade, a neurose.

Entre estes dois pólos encontra-se uma diversidade enorme e inesgotável de diferentes graus do êxito e o revés, do talento e da neurose, desde os mínimos aos máximos.

A existência de pontos extremos significa os limites do próprio fenômeno e brinda a expressão máxima de sua essência e natureza.

A cegueira cria dificuldades para a participação do cego na vida. Por esta linha se aviva o conflito. Na realidade, o defeito se projeta como um desvio social. A cegueira põe o seu portador em uma determinada e difícil posição social. O sentimento de inferioridade, de insegurança e debilidade surge como resultado da valorização por parte dos cegos de sua posição. Como uma reação do aparato psíquico desenvolve-se as tendências até a supercompensação. Estas tendências estão dirigidas à formação de uma personalidade de pleno valor no aspecto social, à conquista da posição na vida social. Também estão encaminhadas à superação do conflito e, portanto, não desenvolvem o tato, a audição, etc., senão que abrangem inteiramente a personalidade em seu conjunto, começando por seu núcleo interno e tendem não a substituir a visão, senão a vencer e supercompensar o conflito social, e a instabilidade psicológica como resultado do defeito físico. Neste reside a essência do novo ponto de vista.

Antes pensávamos que toda a vida e o desenvolvimento da criança cega avançariam pela linha de sua cegueira. A nova lei estabelece que os cegos irão em oposição a esta linha. Aquele que quer compreender a psicologia da personalidade do cego, partindo diretamente do fato da cegueira, como uma personalidade determinada diretamente por este fato, compreendê-la-á de um modo ta incorreto como aquele que vê na vacinação somente a enfermidade. É certo, a vacinação é a inoculação da enfermidade,

mas na verdade, é a inoculação da super saúde. À luz desta lei explicam-se todas as observações psicológicas particulares dos cegos em sua relação com a leitlínea do desenvolvimento, com o plano único de vida, com o objetivo final e com "o V acto" - como expressa Adler. Os diferentes fenômenos e processos devem ser compreendidos não na relação com o passado, senão com a tendência para o futuro. Para compreender totalmente as particularidades do cego devemos descobrir as tendências existentes em sua psicologia, os embriões do futuro. Em essência estas são as exigências gerais do pensamento dialético na ciência: para aclarar completamente um

videntes, Sem dúvida, é incorreto estabelecer a questão do desenvolvimento comparativo das funções psíquicas nos cegos e videntes, como um problema quantitativo. É necessário perguntar não sobre o desenvolvimento funcional quantitativo, senão sobre o desenvolvimento funcional qualitativo da mesma atividade nos cegos e nos videntes. Em que sentido desenvolve-se a atenção no cego? Assim é que deve ser indagado. E aqui, no estabelecimento das particularidades qualitativas, coincidem todos. Da mesma forma que no cego há uma tendência para o desenvolvimento da memória, de um modo específico, há uma tendência para o desenvolvimento específico da atenção. Ou, mais exatamente: a tendência geral para a compensação da cegueira inclui tanto um como outro processo, e proporciona a ambos uma direção. A particularidade da atenção no cego consiste na força peculiar da concentração das excitações do ouvido e do tato, que chega sucessivamente ao campo do conhecimento, a diferença das que chegam de forma simultânea, quer dizer, das que chegam imediatamente ao campo das sensações visuais e provocam uma rápida mudança e a distração da atenção

pela conseqüência da concorrência de muitos estímulos simultâneos. Quando queremos concentrar nossa atenção, segundo as palavras de K. Stumpf, fechamos os olhos e nos tornamos artificialmente cegos (1913). Em relação a isto se estabelece também uma particularidade oposta, niveladora e limitadora da atenção no cego: nos cegos não pode haver uma concentração plena num objeto até o esquecido total do que o rodeia, quer dizer, a concentração completa no objeto ( o que encontramos nos videntes); em todas as circunstâncias o cego seve forçado a manter certo contato com o mundo externo através da audição e, por isto, até um certo grau sempre deve distribuir sua atenção auditiva em prejuízo de sua concentração (ibidem).

Poder-se-ia mostrar em cada capítulo da psicologia dos cegos o mesmo que assinalamos agora nos exemplos da memória e da atenção. As emoções, os sentimentos, a fantasia, o pensamento e os demais processos da psique do cego, estão subordinados a uma tendência geral à compensação da cegueira. Esta unidade de todo objetivo vital, Adler denomina-a linha principal da vida, ou seja, o único plano vital que se cumpre inconscientemente nos episódios e períodos externos, isolados, e penetra-os como uma linha geral, servindo de base para a biografia da personalidade. "Já que com o transcurso do tempo todas as funções espirituais têm lugar no sentido eleito, todos os processos espirituais obtêm sua expressão típica, já que se forma uma soma de procedimentos táticos, aspirações e capacidades que se cobrem e traçam o plano da vida que se tem determinado. Nós denominamos a isto caráter" (O. RULE, 1926, P.12). Em oposição à teoria de Kretschmer, para a qual o desenvolvimento do caráter é somente o desenvolvimento passivo do tipo biológico fundamental, próprio do homem desde o nascimento, a teoria de Adler deduz e explica a estrutura do caráter e da personalidade, não do desenvolvimento passivo do passado, senão da adaptação ativa ao futuro. Daqui a regra principal para a psicologia dos cegos: não das partes pode ser explicado e compreendido o todo, senão a partir do todo podem ser compreendidas suas partes. A psicologia dos cegos pode ser estabelecida não da soma das diferentes particularidades, dos desvios pessoais, das particularidades únicas de uma ou outra função, mas estas mesmas particularidades e desvios se fazem compreensíveis somente quando partimos de um plano íntegro, único da vida, da leitlínea do cego e determinamos o lugar e a importância de cada particularidade e de cada propriedade neste todo, em relação com ele, ou seja, com todas as demais propriedades.

Até o momento a ciência dispõe de muito poucos intentos de investigar a personalidade do cego em geral, de compreender sua linha principal. Grande parte dos investigadores tem

abordado a questão, de um modo geral, e tem estudado as particularidades. Dentro do número destes experimentos sintéticos mais acertados, encontra-se o trabalho de A. Petzeld, mencionado anteriormente. Seu postulado fundamental é o seguinte: nos cegos, em primeiro lugar, encontra- se a limitação na liberdade de movimentos e a incapacidade na relação com o espaço, a qual, diferentemente do surdo-mudo, permite ao instante conhecer o cego. Depois, as demais forças e capacidades do cego podem funcionar plenamente numa medida tal que não podemos notar nos surdos-mudos. O mais característico na personalidade do cego é a contradição entre a incapacidade relativa no aspecto espacial e a possibilidade de manter, mediante a linguagem, uma relação total e completamente adequada com os videntes e conseguir a compreensão mútua (A. Petzeld, 1925), o que entra totalmente no esquema psicológico do defeito e da compensação. Este exemplo é um caso particular da contradição que estabelece a lei dialética fundamental da psicologia, entre a insuficiência organicamente dada e as aspirações psíquicas. No caso da cegueira, não é o desenvolvimento do tato ou a agudeza do ouvido, senão a linguagem, a utilização da experiência social, a relação com os videntes, constitui a fonte da compensação. Petzeld, com sarcasmo, se refere a opinião do oculista M. Düfur, de que aos cegos é necessários fazê-los timoneiros nos barcos, já que por conseqüência de sua audição aguçada devem captar na escuridão qualquer perigo. Para Petzeld (1925) é impossível buscar seriamente a compensação da cegueira no desenvolvimento da audição ou de outras funções diferentes.

Sobre a base da análise psicológica das representações espaciais dos cegos chega à conclusão de que a força motriz fundamental da compensação da cegueira, quer dizer, a aproximação através da linguagem à experiência social dos videntes, não há limites naturais contidos na própria natureza da cegueira, para seu desenvolvimento.

Há algo que o cego não possa conhecer devido à cegueira?, pergunta-se Petzeld e chega a uma conclusão que uma enorme importância de princípio para toda a psicologia dos cegos: "a capacidade para conhecer no cego, é a capacidade para conhecer no todo e sua compreensão na base é a capacidade para compreender o todo" (ibidem).

Isto significa que ante o cego abre-se a possibilidade de alcançar o valor social numa medida total.

É muito instrutivo comparar a psicologia e as possibilidades de desenvolvimento do cego e do surdo. Desde o ponto de vista puramente orgânico, a surdez é um defeito menor que a cegueira. O animal cego provavelmente é mais indefeso que o surdo. O mundo da natureza nos chega mais através dos olhos que dos ouvidos. Nosso mundo está organizado mais como um fenômeno visual que auditivo. Quase não existe nenhuma função biologicamente importante que experimente alteração devido à surdez; devido

à cegueira desaparece a orientação espacial e a liberdade dos movimentos, quer dizer, a função animal mais importante.

Deste modo, no aspecto biológico o cego tem perdido mais que o surdo. Mas, para o homem, no qual se apresentam em primeiro plano as funções artificiais, sociais e técnicas, a surdez significa um defeito muito mais grave que a cegueira. A surdez provoca a mudez, priva da linguagem, isola o homem e o tira do contato social que se apóia na linguagem. O surdo, como um organismo, como um corpo, tem mais possibilidades de desenvolvimento que o cego; mas o cego, como personalidade, como uma unidade social, encontra-se numa posição muitíssimo mais

I. P. Pavlov, ao estudar as ligações condicionadas mais elementares, tropeçou nas investigações com este fato e o descreveu, denominando-o reflexo do objetivo. Com esta expressão que parece paradoxal ele quer indicar dois momentos: 1) o fato de que estes processos têm lugar segundo o tipo de ato reflexo; 2) e o fato de que eles estão dirigidos para o futuro, em relação com o qual também podem ser compreendidos.

Há que acrescentar que não somente o ponto final e as vias do desenvolvimento conduzem a ele, são comuns no cego e no vidente, senão também a fonte principal da qual este desenvolvimento extrai seu conteúdo que é o mesmo em ambos, a linguagem. Já mencionamos anteriormente a opinião de Petlzed de que precisamente a linguagem, a utilização da linguagem, é o meio para vencer as conseqüências da cegueira. Ele estabeleceu que o processo de utilização da linguagem, em princípio, é igual no cego e no vidente: ele clareou também a teoria das idéias sucedâneas de F. Hitshmann: "O vermelho para o cego - se expressa ele - tem a mesma relação de significação que para o vidente, ainda que isto para ele possa ser somente um objeto de significação e não de percepção. O preto e o branco em sua compreensão, são tão opostos como os vê o vidente, e sua importância como relações entre os objetos tampouco é menor... A linguagem dos cegos, se admitirmos a simulação, seria totalmente distinta somente no mundo dos cegos. Düfur teria razão quando dizia que a linguagem criada pelos cegos parecer-se-ia pouco com a nossa. Mas não podemos estar de acordo com ele quando disse: "Eu tenho visto que na essência os cegos pensam num idioma e falam noutro" (A. Petzeld, 1925).

Deste modo, a fonte principal de onde a compensação extrai as forças, resulta ser outra vez a mesma nos cegos e nos videntes. Ao analisar o processo de educação da criança cega, desde o ponto de vista da teoria dos reflexos condicionados, chegamos oportunamente ao seguinte: no aspecto fisiológico não há uma diferença de princípio entre a educação da criança cega e da vidente. Esta coincidência não nos deve assombrar, já que anteriormente expomos que a base fisiológica da conduta manifesta a mesma estrutura que a superestrutura psicológica. Deste modo, de diferentes extremos abordamos o mesmo.

A coincidência dos dados fisiológicos e psicológicos deve convencer-nos ainda mais da veracidade da conclusão fundamental. Podemos formulá-la da seguinte maneira: a cegueira, como uma deficiência limitada, proporciona os impulsos para os processos de compensação, que conduzem à formação de uma série de particularidades na psicologia do cego e que reorganizam todas as diferentes funções particulares inferiores ao ângulo da tarefa fundamental, vital. Cada função particular do aparato psíquico do cego tem suas particularidades, freqüentemente muito significativas em comparação com os videntes; este processo biológico de formação e acumulação das particularidades e desvios do tipo normal, abandonado a sua própria sorte, no caso de viver o cego no mundo dos cegos, conduziria inevitavelmente à criação de uma raça peculiar de pessoas. Sob a pressão das exigências sociais dos videntes, dos processos de supercompensação e utilização da linguagem, iguais nos cegos e nos videntes, todo o desenvolvimento destas particularidades se forma, de maneira que a estrutura da personalidade do cego, em geral, tem uma tendência para um determinado tipo social normal. Com os desvios particulares podemos ter um tipo normal de personalidade em geral. O mérito do estabelecimento deste fato corresponde a W. Stern (1921). Ele admitiu a teoria da compensação e explicou como da debilidade nasce a força e, das deficiências, o mérito. No cego se refina de um modo compensador a capacidade da

diferenciação com o tato, não através do aumento real da excitabilidade nervosa, mas através do exercício na observação, a valorização e a compreensão das diferenças. Do mesmo modo, também na esfera da psique, a deficiência de alguma propriedade pode ser substituída de um modo parcial ou total pelo desenvolvimento intensificado de outra. A memória frágil, por exemplo, se equilibra com a formação da compreensão que se põe a serviço do espírito de observação e da memorização; a debilidade da vontade e a falta de iniciativa podem ser compensadas com a sugestibilidade e a tendência para a imitação, etc. Um ponto de vista análogo se fortalece na medicina: o critério único de saúde e de doença é o funcionamento conveniente ou inconveniente de todo o organismo, e os desvios parciais se avaliam somente pela medida em que estes se compensam ou não com outras funções do organismo. Contra as "análises microscopicamente refinadas das anormalidades", Stern expõe o postulado: as funções particulares podem representar um desvio considerável da norma e, não obstante, a personalidade ou organismo em geral podem ser totalmente normais. A criança com defeito não é indispensavelmente uma criança deficiente. Do resultado da compensação, quer dizer, da formação final de sua personalidade em geral, depende o grau de sua deficiência ou normalidade.

K. Bürklen assinala dois tipos fundamentais de cegos: um trata, segundo suas possibilidades, de diminuir e reduzir a nada o abismo que separa o cego do vidente; o outro, ao contrário, destaca a diferença e exige o reconhecimento da forma peculiar da personalidade que responde às supervivências do cego. Stern supõe que esta contradição também tem sua natureza psicológica; ambos os cegos provavelmente pertencem a dois tipos diferentes (K. Bürklen, 1924). Na nossa compreensão, ambos os tipos significam dois resultados extremos da compensação: o êxito e o fracasso deste processo fundamental. Já afirmamos que este processo, por si só, independentemente do mau resultado, não contém nada de excepcional, próprio apenas da psicologia do cego. Agregamos apenas que esta função elementar e fundamental para todas as formas da atividade e do desenvolvimento, como o é o exercício, a psicotecnia atual a considera um caso particular de compensa E7ão. Por isso é errôneo considerar o cego um tipo peculiar de pessoa, em virtude da presença e do domínio deste processo em sua psique, com fechar os olhos ante as profundas peculiaridades que caracterizam este processo geral dos cegos. V. Steinberg, com justeza, questiona a declaração comum dos cegos: "Nós não somos cegos, apenas não podemos ver" (K. Bürklen, 1924,

p. 8).

Todas as funções e todas as propriedades se reorganizam nas condições peculiares de desenvolvimento do cego: não se pode reduzir toda a diferença a um ponto.Mas, ao mesmo tempo, a personalidade, em geral, do cego e do vidente pode pertencer ao mesmo tipo. Manifesta-se de forma correta que o cego compreende mais o mundo dos videntes que o os videntes, o mundo do cego. Esta compreensão seria impossível se o cego, no seu desenvolvimento, não se aproximasse do tipo normal de pessoa. Surgem as interrogações: O que explica a existência de dois tipos de cegos? Isto não está condicionado por causas psicológicas ou orgânicas? Isto não refutaria os postulados expressos anteriormente, ou, pelo menos, não introduziria neles limitações essenciais ou emendas? Em alguns cegos, como descreveu de maneira maravilhosa Scherbina, compensa-se organicamente o defeito, "cria-se como que uma segunda natureza" (1916, p. 10) e eles encontram na vida, com todas as dificuldades relacionadas com a cegueira, um encanto peculiar ao qual não aceitariam renunciar por nenhum bem estar pessoal. Isto significa que nos cegos a superestrutura psíquica compensa de um modo tão

da Antigüidade e da Idade Média, pela primeira vez tratou de unir ambas as idéias sobre a cegueira, das quais emana a necessidade (da debilidade) e a possibilidade (da força) da

educação dos cegos; pois, então, não sabiam uni-las dialeticamente ou imaginavam a união da força e da debilidade de um modo puramente mecânico.

Por último, nossa época recorda o problema da cegueira como um problema sócio- psicológico e tem em sua prática três tipos de armas para lutar contra a cegueira e suas conseqüências. É certo, também no nosso tempo surgem com freqüência as idéias relacionadas com a possibilidade do triunfo direto sobre a cegueira. As pessoas de modo algum querem abandonar a promessa antiga de que os cegos recobrarão a visão.Todavia, faz muito pouco tempo, nós fomos testemunhas das esperanças enganosas que se originaram como se a ciência devolvesse a visão aos cegos.

Nestas explosões de esperanças quiméricas renascem na realidade velhas supervivências da Antigüidade e a ânsia do milagre. Não se encontra nelas a nova palavra da nossa época que, como já dissemos, dispõe de três tipos de armas: a profilática social, a educação social e o trabalho social dos cegos: estes são os três pilares em que se sustém a ciência atual sobre o homem cego. A ciência deve levar a cabo estas três formas de lutas, levando até o fim o proveito que criaram neste sentido as épocas anteriores. A idéia da profilaxia da cegueira deve ser inculcada nas enormes massas populares. Também é necessário acabar com a educação segregada, inválida para os cegos e desfazer os limites entre a escola especial e a normal: a educação da criança cega deve ser organizada como a educação da criança apta para o desenvolvimento normal; a educação deve formar realmente do cego uma pessoa normal, de pleno valor no aspecto social e eliminar a palavra e o conceito de "deficiente" em sua aplicação ao cego. E, por último, a ciência moderna deve dar ao cego o direito ao trabalho social não em suas formas humilhantes, filantrópicas, de inválidos (como se tem cultivado até o momento), senão as formas que respondem à verdadeira essência do trabalho, unicamente capaz de criar para a personalidade a posição social necessária.

Pois, acaso não está claro que estas três tarefas postas pela cegueira são, por sua natureza, tarefas sociais e que somente uma nova sociedade pode resolvê-las definitivamente?

A nova sociedade cria um novo tipo de homem cego. Na atualidade, na URSS, colocam-se as primeiras pedras da nova sociedade e, neste caso, formam-se os primeiros traços deste novo tipo.

Tradução livre de Lucia T. Zanato Tureck (janeiro de 2003)