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A caça em marcha, Notas de estudo de Literatura

Em 1970, Lygia Fagundes Telles publicou o livro Antes do Baile Verde, trazendo contos inéditos e contos publicados anteriormente, revisados pela própria autora ...

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Vinicius20
Vinicius20 🇧🇷

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL
FACULDADE DE LETRAS - FALE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA- PGLL
NILTON JOSÉ MELO DE RESENDE
A caça em marcha:
leituras e edição crítica do livro Antes do baile verde, de Lygia Fagundes Telles
Maceió/AL
2014
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL

FACULDADE DE LETRAS - FALE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA- PGLL

NILTON JOSÉ MELO DE RESENDE

A caça em marcha: leituras e edição crítica do livro Antes do baile verde, de Lygia Fagundes Telles

Maceió/AL 2014

NILTON JOSÉ MELO DE RESENDE

A caça em marcha: leituras e edição crítica do livro Antes do baile verde, de Lygia Fagundes Telles

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras Linguística (PGLL), da Universidade Federal de Alagoas, como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em Estudos Literários.

Orientadora: Profa. Dra. Gilda de Albuquerque Vilela Brandão.

Maceió-AL 2014

Para Aloisio Oliveira de Resende ( in memoriam ), Solange Melo de Resende, Sandra Ozana Melo de Resende, Solange Enoi Melo de Resende; Para Lygia Fagundes Telles; Para Alfredo Monte, Nelly Novaes Coelho, Vera Maria Tietzmann Silva, Vicente Ataíde; Para

. Gilda de Albuquerque Vilela Brandão.

Aos professores que compuseram a banca de defesa deste trabalho: Eliana Kefalás de Oliveira, Jeová Silva Santana, Marcos Henrique Lucena Serafim e Márcio Ferreira da Silva; Ana Cláudia Aymoré Martins e Carlos Henrique Almeida Alves, suplentes da banca de defesa deste trabalho;

A Stella Maris, Graça, Irmã Sofia Duba, Daniel, Ana Batinga, Dom Henrique Soares, pela ajuda no torvelinho de minha mente e de minha alma;

A todos os estudiosos da obra de Lygia Fagundes Telles que vieram antes de mim, em especial, Vera Maria Tietzmann Silva e Vicente Ataíde, além de Nelly Novaes Coelho e José Paulo Paes, pois prepararam o terreno, plantaram ― por conta de seus trabalhos, pude colher (agora, planto);

Àqueles que, como eu, têm a obra de Lygia Fagundes Telles como objeto de paixão e de estudo;

A Lúcia Telles e Regina Vampré, pela ajuda e incentivo;

A Bach, Beethoven, Handel, Mahler, Mozart, Pixies, Vivaldi, por me acompanharem na feitura deste trabalho, povoando o vazio na solidão da escrita;

A Hilda Hilst, sempre ( in memorian );

A Lygia Fagundes Telles, pela obra-manancial;

À querida professora Gilda de Albuquerque Vilela Brandão, por ter aceitado me acompanhar em minha trajetória, desde o mestrado até agora.

Ao Pai, ao Filho, ao Espírito Santo;

A Nossa Senhora;

Aos santos a quem, por diversas vezes, roguei;

À tia Fátima, pelos primeiros livros e canetas com que me presenteou, ainda na infância; ao tio Eugênio, por permitir que eu, pequeno, dormisse em seu quarto, em meio a estantes; ao tio Newton, pelo incentivo, pelos livros, pelas orações, por ter cedido espaço para eu trabalhar;

Às minhas irmãs, Sandra (Dinha) e Solange (Só), por serem minhas irmãs, e por me cederam suas casas para a escrita desta tese, entendendo minhas necessidades, minhas ausências, apoiando-me durante todo este trabalho; Aos meus pai, Solange e Aloísio (ele, agora in memoriam ), por serem meus pais: a ela, que neste doutorado me apoiou e incentivou com suas palavras e gestos; a ele, que fez tudo isso mesmo em sua cama, em silêncio;

Ao tempo, à história;

À CAPES, financiadora deste projeto.

―― Pareceu-me que eu devia ser ao mesmo tempo escritor e leitor. Comprei um caderno e tentei escrever ― realmente escrevi páginas que começavam com autoridade mas, em seguida, o veio secava, por isso eu precisava arrancá-las e torcê-las como castigo e por fim atirá-las na lata de lixo. Fiz isso repetidamente até só me restar a capa do caderno. Comprei então um segundo caderno e recomecei o processo. O mesmo ciclo ― excitação e desespero, excitação e desespero.‖ A ilha de cortes — Alice Munro (trad. Lya Wiler)

―Tenho instantes de grande coragem: é preciso muitas vezes tratar o corpo como a um cavalo que não quer pular o obstáculo, a chicote. Eu me chicoteio, me autoflagelo, tento vencer este medo e às vezes venço. Às vezes fico tão extraordinária como um condor, pairando em cima da montanha, num lugar assim tranquilo. É lindo, de repente, venço tudo, eu consigo isto. De repente, volto nas rodas e enrolo outra vez o fio, e fico então um ser novamente mais frágil que uma criancinha escondida embaixo da cama. Tudo isso nós somos, isso que é lindo em nós.‖ Lygia Fagundes Telles

―O leitor é meu cúmplice no mistério da criação literária.‖ Lygia Fagundes Telles

ABSTRACT

In 1970, Lygia Fagundes Telles published the book Antes do Baile Verde , disclosing previously unpublished tales and short stories, reviewed by the author herself for this new edition, beginning the creation of a personal canon, by excluding some texts and altering those which remained. That being so, this book emerges as a kind of critic to her own work - criticism that is true not only because of the tales reviewing, but also for the reviewing of the book itself, which configuration has been changing for more than a decade, until reaching its current version. This shows us a constant movement as a writer on pursuit of an never achievable perfection. The work here presented is an attempt undertaken by a "model reader" to understand the intent of a hypothetical "model author" by modifying the tales here gathered and studied - according to the researcher Umberto Eco (1994). Besides Eco, we based ourselves on other novelists, also theoretical, such as Alberto Manguel (2005), Osman Lins (1974), Ricardo Piglia (2006), which addressed the issue of construction and reading of literary texts; and the work of Lygia Fagundes Telles, specifically: Alfredo Monte (2013), Nelly Novaes Coelho (1971), Vera Maria Tietzmann Silva (1985 and 2009), Vicente Ataíde (1972). In that search, we looked quantitatively and qualitatively upon tales review presented before the book Green Ball, examining how some recurring elements were gradually incorporated into the narrative, giving them an authorial homogeneity. The changes seen in the tales are of different natures: employment of more conversational tone; update of words; greater adaptation of language to the characters; option for buildings that do not call too much attention to themselves; larger economy in the construction of the scenes and characters; etc. Such changes can be perceived in the critical edition through the comparison between the first and last issues of each of the stories in this book. Here, we give the reader the latest edition of these tales, bringing, beside them, modified excerpts, as they appeared in their primary editions, presented on books from 1949 to 1970.

Keywords: Lygia Fagundes Telles. Antes do Baile Verde. Critical edition. Model author. Model reader.

RESUMEN

En 1970 Lygia Fagundes Telles publicó el libro Antes do Baile Verde , trayendo cuentos inéditos y cuentos publicados anteriormente, revisados por la propia autora para esa nueva edición, empezando la creación de un canon personal, renegando algunos textos y cambiando aquellos que permanecerían. Así, ese libro surge como una especie de crítica a la propia obra, – crítica que se da no solo en relación en la revisión de los cuentos, sino del propio libro cuya configuración se alteró por más de una década hasta lograr la forma actual. Eso nos muestra un constante movimiento autoral en la persecución de una presunta perfección narrativa. Este trabajo es la búsqueda emprendida por un ―lector-modelo‖ en el intento de comprender las intenciones de un posible ―autor- modelo‖ al cambiar los cuentos aquí reunidos y estudiados – categorías esas según las acepciones dadas por el teórico Umberto Eco (1994). Además de Eco, nos valemos todavía de otros teóricos también ficcionistas, como Alberto Manguel (2005), Osman Lins (1974), Ricardo Piglia (2006), que tratan de la cuestión de la construcción y de la lectura del texto literario; y de expertos de la obra de Lygia Fagundes Telles, como Alfredo Monte (2013), Nelly Novaes Coelho (1971), Vera Maria Tietzman Silva ( e 2009), Vicente Ataíde (1972). En esa búsqueda, nos inclinamos cuantitativamente y cualitativamente, sobre las revisiones de los cuentos presentes en el libro Antes do Baile Verde , examinando el modo como algunos elementos recurrentes fueron poco a poco siendo incorporadas a las narrativas, dándoles unan homogeneidad autoral. Los cambios percibidos en los cuentos son de diversas naturalezas: empleo de tono más coloquial; actualización de vocablos; adecuación más amplia del lenguaje a los personajes; opción por construcciones que no llamen mucha la atención sobre si mismas; mayor economía en la construcción de escenas de los personajes; etc. Tales cambios pueden ser vistos en la edición crítica a través del cotejo entre la primera y la última edición de cada uno de los cuentos de ese libro. Aquí damos al lector la última edición de esos cuentos, trayendo, al lado de ellas, los trozos cambiados, en la forma como aparecen en sus ediciones príncipes, presentes en libros que van desde 1949 hasta 1970.

Palabras claves: Lygia Fagundes Telles. Antes do baile verde. Edición crítica. Autor- modelo. Lector-modelo.

  • CONCLUSÃO: COMO SE
  • REFERÊNCIAS

1 INTRODUÇÃO: NOMES E PRETENSÕES

1.1 Nomes possíveis

Alguns contos de Lygia Fagundes Telles (LFT), ao serem reeditados, foram modificados por sua autora. Esgotando-se seus primeiros livros, a autora reviu os contos que viriam a ser novamente publicados, fazendo neles alterações de diversos tipos, tais como: supressões, acréscimos; substituições de palavras; mudanças na pontuação; mudanças nos nomes das personagens; colocações de períodos em lugares diferentes daqueles em que se encontravam nas edições príncipes. Isso se deu a partir de 1970, quando foi publicado o livro Antes do baile verde , enfeixando contos inéditos e contos publicados anteriormente, nos livros agora esgotados ― nele, os textos foram dispostos dos mais recentes aos mais antigos, indo de 1969 a 1949. Nessa edição, chamou a atenção da crítica e dos leitores o fato de se apresentarem essas modificações. Aqui, é desse fato que se irá tratar, discorrendo-se sobre mudanças ocorridas nos textos e sobre mudanças ocorridas com o livro, pois ele mesmo sofreu alterações em sua estrutura. Tratar-se-á desses aspectos, valendo-se deles como referência para o que possa ser o caminhar de LFT em busca da construção de um mundo ficcional particular, com elementos que, aos poucos, dariam à sua obra uma homogeneidade autoral: por mais diferentes que sejam as fabulações, há algo que nos permite reconhecer a autoria. O homogêneo ocorre através de temas e elementos recorrentes e também através do estilo visível na construção do mundo ficcional de Lygia Fagundes Telles, de seu universo literário, eivado de uma simbologia própria e que iria dialogar com símbolos já cristalizados em nossa cultura, permitindo, ao leitor afeito a essa obra, a leitura do que estaria sendo narrado sob a superfície das palavras. Por conta disso, eis os títulos primeiramente pensados para este trabalho: A Caça, No Princípio, Em Marcha. Fosse ―A Caça‖ a batizar o que ora se lê, seria dito: tenha em mente o leitor a obra de Antonio Vivaldi (Veneza, 1678 – Viena, 1741), mais especificamente, As Quatro Estações; e dela, ―O outono‖; e dele, ―A caça‖. Tenha em mente esse allegro , terceiro movimento dessa estação, e eleja-o como fundo para esta leitura. Junte-se à música o soneto que a acompanha^1 :

O caçador, na nova manhã, à caça, Com trompas, espingardas e cães, irrompe;

(^1) Não se tem certeza sobre a autoria dos poemas que acompanham As Quatro Estações , e nem se eles são anteriores ou posteriores às músicas correspondentes.

originais dos textos bíblicos, as sentenças não se iniciam desse modo, mas sim com a expressão ―Em marcha‖, que apontaria para o contínuo movimento, para a não estabilização, para o caminhar em direção ao pretendido. Desse modo, não teria sido dito ―Bem-aventurados os que têm fome de justiça‖, e sim, ―Em marcha os que têm fome de justiça‖ ― que eles não se acomodem, mas caminhem em direção ao almejado. Aqui, em relação à obra de Lygia Fagundes Telles, assume-se a coerência dessa expressão, por conta das flutuações do pensamento autoral, do contínuo movimento em busca do pretendido, ao contrário da expressão comumente utilizada, que apontaria para uma espécie de conformismo diante do estado em que se encontra. Sendo o movimento e a busca uma constante na produção da escritora paulistana, seria esse um bom nome para ilustrar este trabalho em que se trata da incessante procura de refinar um estilo, tornando-se a autora implacável para consigo mesma, para com sua obra, em permanente estado de reverberação, numa busca de construir um estilo e de, através dessa construção, ir atrás de uma maior expressividade narrativa, reveladora de uma consciência do poder persuasivo da linguagem literária, reveladora de um conhecimento e aprimoramento das técnicas de narração, ao mesmo tempo em que vai firmando com seu público leitor um pacto autoral, pelos sinais recorrentes, pela possibilidade de reconhecimento à medida que, a cada novo texto lido, há não apenas um encontro com uma história, mas um reencontro com temas e modos de tratá-los. Junte então o leitor esses elementos; junte-os e comece a dar forma à imagem que se pretende aqui, e que deverá acompanhá-lo durante sua leitura: a música de Vivaldi representando uma reiterada caça; a caça; uma face a soprar sobre sua criação; um criador continuamente em movimento, sem descansar enquanto não atingir o objetivo pretendido, mas como quem já sabe que esse movimento talvez jamais cesse. Sendo a figura de uma caçada, então, uma possível representação da vida, sempre uma busca, elege-se ―A caça‖ como a imagem que se juntará a ―Em Marcha‖, dando aí uma rica significação: a vida em constante mover-se, em constante busca; a obra de LFT em contínuo modificar-se; a autora em constante criação. Assim, ―A caça em marcha‖, além de nomear este trabalho, cabe como uma expressão englobante que poderia dar conta de muito daquilo que caracteriza a obra lygiana. Interessante notar que, ao se dizer que este trabalho é um estar em estado de caça, há aí uma bem-vinda ambiguidade, pois poderíamos ser nós, estudiosos e leitores, os que caçam ou os que são caçados. E isso bem condiz com a leitura/estudo de um texto literário e da trajetória de um autor. Afinal, ao se mergulhar na leitura de um texto literário, não se sabe mais quem lê e quem é lido; não se sabe mais quem abate e quem é

abatido ― ou se alguém o é. E mesmo sendo este autor que ora escreve um caçador, a caça sempre foge, sendo este trabalho uma leitura de leituras, tentando supor o que move um leitor ― aqui, uma leitora em específico, a autora ― ao revisitar sua obra. Tarefa sob o signo da falência, como de muitos outros modos a falência aqui aparecerá. Assim, nem haverá aqui a intenção de abater a presa. Não se pretende que ela, como no poema que ilustra ―O outono‖ de Vivaldi, fique ―exausta e apavorada com o grande rumor‖; nem que seja ―por tiros e mordidas ferida‖, ameaçando ―uma frágil fuga‖; e principalmente, não se pretende que ela caia e morra oprimida. Assim, não se tenta exaurir possibilidades nesta leitura; apenas, serão feitas algumas possíveis interpretações das mudanças efetuadas pela autora. Deixar-se-á que outros façam suas análises, busquem interpretar e justificar as alterações feitas por Lygia Fagundes Telles. Aqui, com este trabalho, apenas se inicia uma nova trilha na floresta, dando continuidade a outras trilhas ― na floresta, ou no ―jardim selvagem‖ que é a obra lygiana. Dito isso, ponhamo-nos em marcha, em caça.

1.2 O que se pretende ser

Como dito anteriormente, Lygia Fagundes Telles, ao publicar o livro Antes do baile verde , enfeixou contos inéditos e contos já publicados, mas com mudanças em relação a suas primeiras edições. Com este trabalho, permite-se ao leitor o contato com essas modificações, através de uma edição crítica que coloca, ao lado das versões atuais dos contos, os trechos que foram alterados, o que pode dar uma medida da busca incessante da autora por uma maior expressividade narrativa, ora excluindo partes, ora acrescentando; ora mudando a pontuação, ora substituindo palavras; podem-se ler os contos desse livro e ter-se uma ideia de sua ―vida textual‖ (GUIMARÃES, 2012, p. 892). Além disso, pode-se ―pressupor o desdobramento do autor em leitor de si mesmo‖ (REYNAUD, 2000, p. 57), um autor que, ao se debruçar sobre suas construções, parece encontrar possibilidades a serem mais exploradas. ―As transformações sofridas por um texto posteriormente à sua publicação podem ser reveladoras de uma fundamental inquietação do criador‖ e podem, também, ―dar-nos a medida do desencontro entre um tempo interior de elaboração e um tempo exterior de pressão que pode afectar mais ou menos profundamente essa relação‖ (REYNAUD, op. Cit., p. 80). Pode-se perceber, na leitura atenta dos contos em suas variantes, um caminhar para a construção de um mundo mitopoético próprio, um caminhar para a construção de um particular mundo simbólico, com gestos, objetos, elementos vários que, numa leitura da obra

teríamos as primeiras versões em edição fac-similar, ao lado de uma edição diplomática das últimas versões, digitadas tal qual se encontram atualmente. Por pertencerem as primeiras versões a diversos livros, haveria uma heterogeneidade formal nos fac-símiles, ferindo certa busca de uniformidade na apresentação. Além disso, haveria os textos na íntegra, sem a atenção dirigida às variações dessas variantes em específico. Assim, das primeiras versões, reproduzem-se, aqui, apenas os trechos que sofreram modificações, facilitando ao leitor o deparar-se com o ponto nevrálgico deste trabalho. Não havendo manuscritos dos textos, e procurando-se compreender o caminho de cada um dos contos até o que é hoje o livro Antes do baile verde , não se utiliza aqui a comparação entre a primeira e a última edição desse livro, mas a comparação entre a primeira edição de cada conto e a versão dele encontrada na última edição do livro em questão. Isso, porque Antes do baile verde sofreu modificações em sua história, não tendo sempre o mesmo número de contos; e porque alguns contos (sua maioria) vieram de livros publicados anteriormente. Então, há o cotejo entre a edição príncipe e a edição última de cada um dos contos ― na primeira versão, em livros diversos; na última, em Antes do baile verde. Nesse cotejo, registram-se todas as discrepâncias criadas por Lygia Fagundes Telles nessa sua ―luta pela expressão‖ — frase de Fidelino de Figueiredo citada por Candido (2005, p. 69) —, para que se vejam as trajetórias individuais de cada conto, além da trajetória do livro em questão. Alerta-se que esta não é uma edição de crítica genética, pois o seria se houvesse o levantamento de todas as variantes de cada um dos contos, se fossem anotadas as discrepâncias encontradas em todas as suas publicações ― por exemplo, as suas variantes desde sua edição príncipe, passando por todas as outras variantes, incluindo-se aí todas as edições do livro Antes do baile verde. No aparato crítico, dois sinais serão utilizados: [§], quando indicando a presença de um parágrafo; [Ø], quando assinalando a ausência de algum trecho na primeira edição. Durante sua transmissão, os textos podem, ao longo do tempo, sofrer modificações de dois tipos: endógenas e exógenas. Estas se devem à ―corrupção do material‖; aquelas, ao ―ato de reprodução do texto em si‖, de sua cópia. Podem ser, as endógenas, modificações não autorais ou autorais; as não autorais ocorrem como ―fruto de atividade de terceiros‖, podendo ser ―voluntárias ou involuntárias‖: voluntárias quando há, por exemplo, discordância ideológica, censura etc.; involuntárias quando se devem a algum lapso daquele que reproduz o texto, o que é chamado ―erro de cópia‖. Aqui, interessam-nos as modificações autorais, que dão origem às ―variantes de autor‖ (CANDIDO, 2005, p. 2–10). É com essas variantes que o

leitor desta edição vai-se encontrar ― marcas de uma escritora insatisfeita consigo mesma e sempre em busca de um melhor modo de dizer a sua obra. Mas, ele vai se deparar, também, com um outro leitor, que, não satisfeito de apenas seguir as fábulas dos contos, pretende ser um leitor modelo , um perseguidor de uma autora modelo que ele enxerga nas revisões dos textos. Uma autora que, existindo, dá a ele o status de leitor modelar ― aquele de uma espécie que, além de construir imageticamente as histórias narradas, constrói também um autor cujos modos ele julga conhecer, um autor- cúmplice. Então, este trabalho é não apenas um estudo sobre a obra de Lygia Fagundes Telles, mas a exteriorização de um modo específico de lê-la; é assumidamente a construção de um leitor modelo ― e aqui a palavra tem duplo sentido: é, este estudo, a construção/o resultado da leitura de um leitor modelo e, também, a construção/o construir um leitor modelo. Lendo, ele faz e faz-se. Para evitar possíveis ambiguidades, teremos dois modos de nos referirmos aos substantivos autor e leitor: ao tratarmos do autor e do leitor empíricos, usaremos as palavras em sua grafia normal; sendo eles autor e leitor modelos, serão grafados em itálico. A obra da autora Lygia Fagundes Telles, desde quando sofreu suas primeiras revisões, teve a atenção de críticos e estudiosos voltada para esse aspecto ― já no prefácio da primeira edição de Antes do baile verde , fala-se disso, como se verá mais adiante. Vicente Ataíde, em seu ―A narrativa de Lygia Fagundes Telles‖ (1972), foi o primeiro estudioso a explicitar e analisar mudanças feitas por essa autora em seus contos, comentando a respeito de variações presentes em textos da primeira edição de Antes do baile verde. Nesses comentários, ele compara variações e analisa-as, elogiando-as, mas também chamando a atenção para momentos em que, para ele, a variação da edição príncipe estaria melhor. Esses seus comentários serão vistos em momento oportuno, ao ser tratado cada conto em específico. Outro estudioso a tratar desse aspecto foi Vera Maria Tietzmann Silva, em seu livro A metamorfose nos contos de Lygia Fagundes Telles , estudo em que trata da metamorfose na obra de LFT sob diversas formas, inclusive a textual, analisando modificações presentes em diversos contos, pertencentes ou não a ABV^4 ― afinal, a releitura e revisão da obra é uma constante no trabalho de Telles. Julgamos importante afirmar ser esse livro de Vera Tietzmann o primeiro grande estudo sobre a obra lygiana. Se consideramos outras publicações dela a respeito de LFT, podemos dizer, sem receio, ser ela a maior estudiosa da obra de Lygia Fagundes Telles,

(^4) Para Antes do baile verde , alguma vezes utilizaremos esta abreviação.