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Análise da Narrativa de Spohr: Mitos Bíblicos na Criação de uma Nova História, Notas de estudo de Literatura

Este documento analisa o romance de spohr, 'a batalha do apocalipse', e sua intertextualidade com a bíblia. O autor centra-se na análise dos mitos bíblicos incorporados ao romance e na maneira que spohr os utiliza para criar uma nova narrativa. O texto também discute a intertextualidade entre o romance e a bíblia, as referências aos arcanjos, a criança sagrada e a figura de deus, e as diferenças entre a narrativa bíblica e a narrativa de spohr.

O que você vai aprender

  • Como a figura de Deus é representada na narrativa de Spohr e como isso se difere da representação bíblica?
  • Quais arcanjos são mencionados na narrativa de Spohr e como eles se diferem dos arcanjos bíblicos?
  • Qual é a importância dos mitos bíblicos na narrativa de Spohr?
  • Como Spohr utiliza os mitos bíblicos para criar uma nova narrativa?
  • Quais são as principais diferenças entre a narrativa bíblica e a narrativa de Spohr?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Florentino88
Florentino88 🇧🇷

4.7

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA
REBECA FERREIRA TIPPLE
A BATALHA DO APOCALIPSE:
A APROPRIAÇÃO DE MITOS BÍBLICOS PARA CRIAÇÃO DE
UMA NARRATIVA DE FICÇÃO
Goiânia GO
2018
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Baixe Análise da Narrativa de Spohr: Mitos Bíblicos na Criação de uma Nova História e outras Notas de estudo em PDF para Literatura, somente na Docsity!

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA

REBECA FERREIRA TIPPLE

A BATALHA DO APOCALIPSE :

A APROPRIAÇÃO DE MITOS BÍBLICOS PARA CRIAÇÃO DE

UMA NARRATIVA DE FICÇÃO

Goiânia – GO 2018

sra

PRPG sistema de bibliotecas ufc

UFG ••

TERMO DE CIENCIA E DE AUTORIZA(;AO PARA DISPONIBILIZAR VERSOES ELETRONICAS DE TESES E DISSERTA(;OES NA BIBLIOTECA DIGITAL DA UFG Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de Goias (UFG) a disponibilizar, gratuitamente, por meio da Biblioteca Digital de Teses e Disserta1,;6es (BDTD/UFG), regulamentada pela Resolu<;ao CEPEC n° 832/2007, sem ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei n° 9610/98. o documento conforme permissoes assinaladas abaixo, para fins de leitura, impressao e/ou download, a tftulo de divulga<;ao da produ<;ao cientffica brasileira, a partir desta data.

1. Identificac;ao do material bibliografico: (^) [X] Dissertac;ao [^ ]^ **Tese

  1. Identificac;ao da Tese ou Dissertac;ao:** Nome completo do autor: Rebeca Tipple

Titulo do trabalho:A Batalha do Apocalipse: a apropria<;ao de mitos biblicos para a cria<;ao de uma narrativa de fic<;ao

3. Informac;oes de acesso ao documento: Concorda com a libera<;ao total do documento [ X ] SIM ] NAO^1 Havendo concordancia com a disponibiliza1,;ao eletronica, torna-se imprescindivel o envio do(s) arquivo(s) em formato digital PDF da tese ou disserta<;ao.

~ autor(a)'

Assinatura do ) orientador(a) 2

Neste caso o documento sera embargado por ate um ano a partir <la data de defesa. A extens iio deste prazo suscita justificativa junto acoordena9iio do curso. Os dados do documento niio serao disponibilizados durante o periodo de embargo. Casos de embargo:

  • Solicitai;iio de registro de patente
  • Submissiio de artigo em revi sta cie ntifica
  • Publica9iio como capitulo de livro
  • Publicai;iio da dissertai;iio/tese em livro (^2) A assinatura deve ser escaneada. Versilo atualizada em maio 1k 2017.

Data: 08 / 11 / 2018

Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração Automática do Sistema de Bibliotecas da UFG.

CDU 821.134.

Tipple, Rebeca criação de uma narrativa de ficção [manuscrito] / Rebeca Tipple. - 2018.A Batalha do Apocalipse: a apropriação de mitos bíblicos para a xi, 130 f.: il. Orientador: Profa. Dra. Zênia de Faria.Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Letras (FL), Programa de Pós-Graduação em Letras eLinguística, Goiânia, 2018. Bibliografia. Anexos. Apêndice.

de Faria, Zênia, orient. II. Título.1. Literatura. 2. mito. 3. Bíblia. 4. apropriação. 5. intertextualidade. I.

AGRADECIMENTOS

À Deus, por ser grande e por me fazer sentir guiada mesmo quando eu não fazia ideia de para onde estava indo.

À Profa. Dra. Zênia de Faria, pelo aprendizado, pela paciência, pelo estímulo constante, pelo suporte, pela orientação e pelos merecidos puxões de orelha, meu eterno agradecimento.

À minha mãe, Anaclara Tipple, pelo incentivo incondicional ao meu crescimento intelectual e por me fazer acreditar no meu potencial por meio de sua fé inabalável.

Ao meu pai, Stanley Tipple, por estar sempre por perto pronto para me fazer rir.

Ao meu irmão, Jairo Tipple, por ter me passado seu amor pela leitura e me inserido no universo da ficção, de onde eu nunca mais saí.

À J. K. Rowling, por ter escrito Harry Potter e mudado a minha vida aos meus onze anos de idade, incutindo-me o gosto pela leitura.

Ao Eduardo Spohr, pela acessibilidade, simpatia e inspiração.

Às minhas grandes amigas: Verônica Landre, Catarina Tipple, Marina de Paula, Ellen Ferreira e Gabriella Vieira, por dividirem a vida comigo e me inspirarem a ser exatamente quem eu sou.

Ao Rubens Pires, pelo auxílio, disponibilidade e por ter sido a minha enciclopédia bíblica ao longo desta pesquisa.

Ao Jack e à Maia, pela companhia e amor incondicional que só os cachorros sabem dar.

À todos os meus professores e funcionários da Faculdade de Letras da UFG.

À CAPES, pelo apoio financeiro.

À todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho.

O anjo do Senhor acampa-se ao redor daqueles que o teme e os livra.

Salmos 37:

ABSTRACT

The Bible is undoubtedly a work of great relevance to our imagination, regardless of what we think or believe about it. One of the proofs of this is that artists from different backgrounds have used different aspects of the Bible as a starting point for their artistic creations. This is the case of A Batalha do Apocalipse: da queda dos anjos ao crepúsculo do mundo by Eduardo Spohr (2007), which we have used as corpus of this Dissertation. The purpose of this work is to approach the Bible as a raw material for the creation of this novel. In view of the extension of the Bible as a whole, we chose to focus this work on the biblical myths rewritten by Spohr in his narrative. For this purpose, on the one hand, we will make a brief review of the Bible/Literature dialogue. This implies an incursion into the contemporary theoretical views of the question. Among the various scholars of the Bible as Literature and their dialogue with fictional works, we rely mainly on Northrop Frye and Robert Alter whose works were fundamental to the development of this Dissertation. On the other hand, to examine the dialogue of Spohr's work with the Bible, we will rely mainly on theories of intertextuality, particularly the quantitative transformations of Gérard Genette (1982), in Palimpsestes: la littérature au second degré. Furthermore, due to the fact that Eduardo Spohr is an author who, initially became known through the internet, we will discuss the possibilities — both of inspiration and of publication — made possible by the diversity of sources in the contemporary world. In addition, due to the confirmation of the great reception of his work by the readership, we will make a brief foray into the so-called "entertainment literature", more commonly referred to by the academic world as "mass literature".

Keywords: Myth, Bible, Intertextuality, Bible/Literature.

SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO

A Bíblia é, sem dúvida alguma, uma obra de imensa relevância para o nosso imaginário, independentemente do que pensemos ou acreditemos a respeito dela. Sabe-se que não apenas a literatura, mas a arte em geral encontra na Bíblia uma valiosa fonte de inspiração. Uma vasta quantidade de artistas, principalmente escritores, pintores, escultores, sem falar nos cineastas e produtores televisivos, baseiam-se com frequência no universo bíblico para criar suas próprias obras. No campo da literatura, a utilização de personagens sagrados e de mitos bíblicos para a criação de obras pertencentes aos diferentes gêneros literários — narrativas, poemas e peças de teatro —, embora já tenha sido objeto de estudo de diferentes pesquisadores, há ainda muito a ser estudado. Grandes autores da literatura clássica, como Dante Alighieri em A Divina Comédia, William Blake em obras como Canções da inocência e da experiência , John Milton em Paraíso Perdido e Thomas Mann em José e seus irmãos fazem parte de um vasto grupo de autores que recorreram aos textos bíblicos e os utilizaram para a criação de novas obras nos mais diferentes gêneros literários. Para ficarmos apenas em pouquíssimos exemplos, podemos citar: as peças Salomé de Oscar Wilde, L’Annonce faite à Marie de Paul Claudel; os romances O diário de Adão e Eva de Mark Twain, Absalão, Absalão de William Faulkner. Há, ainda, os autores que usaram o universo da fantasia para dialogar com a Bíblia e disseminar valores do cristianismo, como por exemplo, J. R. R. Tolkien em O Silmarillion , O Hobbit e na trilogia O Senhor dos Anéis e C.S. Lewis em As Crônicas de Nárnia.

Da mesma maneira, diversos autores publicaram obras em língua portuguesa utilizando esta mesma fonte, dentre os quais destaca-se Jorge de Lima, que dedicou boa parte de sua obra à poesia de inspiração bíblico-cristã como, por exemplo, em Tempo e Eternidade e em A Túnica Inconsútil. Não podemos deixar de citar um dos maiores poetas da nossa língua, Fernando Pessoa, que dialogou com a Bíblia por meio de seu heterônimo Álvaro de Campos, como vemos no poema “Ali não havia eletricidade” e principalmente por meio de Alberto Caeiro, por exemplo, em seu poema “O guardador de rebanhos” entre outros. Quanto aos autores de romances, temos Machado de Assis em Esaú e Jacó , José Saramago em algumas obras como O evangelho segundo Jesus Cristo e Caim, Raduan Nassar em Lavoura Arcaica e Moacyr Scliar em A mulher que escreveu a Bíblia.

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É oportuno observar que, no universo literário, devido à diversidade de crenças dos autores que fazem parte dele, há tanto aqueles que dialogam com a Bíblia respeitando-a como um Livro Sagrado, como é o caso de G. K. Chesterton, T. S. Eliot, John Donne, Fidór Dostoiévski e Jorge de Lima, quanto aqueles autores declaradamente ateus, como é o caso de José Saramago, que dessacraliza a Bíblia de tal forma que se apropria da narrativa sobre a vida de Jesus em O evangelho segundo Jesus Cristo e a modifica de acordo com sua vontade, assumindo uma postura irreverente altamente criticada pelos cristãos.

Atualmente, dentre os autores que dialogam com a Bíblia, temos no Brasil o carioca Eduardo Spohr, que elegeu o universo bíblico como matéria prima para a criação de suas obras: o romance A Batalha do Apocalipse: da queda dos anjos ao crepúsculo do mundo (2009) e a trilogia Filhos do Éden , composta pelos romances Filhos do Éden: Herdeiros de Atlântida (2011), Filhos do Éden: Anjos da Morte (2013) e Filhos do Éden: Paraíso Perdido (2015). Após o lançamento destes quatro livros, intitulados pelo autor de Tetralogia Angélica, Spohr juntamente com o ilustrador Andrés Ramos, lançaram um guia ilustrado dessa tetralogia, denominado Filhos do Éden: Universo expandido (2016). Neste livro, os autores informam aos leitores sobre aspectos diversos da obra de Spohr: a cronologia, o cenário, as castas infernais e angélicas, as personagens principais. Há também quadros com estatísticas para jogos de RPG (Role-Playing Game)^1 , e até mesmo uma parte sobre fanfiction^2 , isto é, diretrizes para quem deseja escrever suas próprias histórias.

Além dos textos do Antigo e do Novo testamento propriamente ditos, Eduardo Spohr, em uma de suas entrevistas para o Jovem Nerd^3 , cita como uma de suas maiores fontes de inspiração e pesquisa para a escrita de A Batalha do Apocalipse , a obra sobre

(^1) O Role-Playing Game, ou RPG, é um tipo de jogo em que os jogadores assumem papéis de personagens e criam narrativas colaborativamente. O progresso de um jogo se dá de acordo com um sistema de regras predeterminado, dentro das quais os jogadores podem improvisar livremente. As escolhas dos jogadores determinam a direção que o jogo irá tomar. 2 O fanfiction ou fanfic é uma narrativa ficcional, escrita e divulgada por fãs em blogs, sites e em outras plataformas pertencentes ao ciberespaço, que parte da apropriação de personagens e enredos provenientes de produtos midiáticos como filmes, séries, quadrinhos, videogames, etc, sem que haja a intenção de ferir direitos autorais ou obter de lucros. Portanto, tem como finalidade a construção de um universo paralelo ao original e também a ampliação do contato dos fãs com as obras que apreciam para limites mais extensos 3 O “Jovem Nerd” é um blog brasileiro de humor e notícias, criado em 2002 por Alexandre Ottoni de Menezes e Deive Pazos Gerpe, que aborda temas sobre entretenimento, em especial, cinema, séries de televisão,ficção científica, quadrinhos, role-playing game e viagens.

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Brasileira, na categoria Revelação, em 2012. Atualmente, o livro se encontra em sua 67ª edição, tendo sido um sucesso absoluto de vendas desde os primeiros anos de seu lançamento, tornando-se um best-seller durante os cinco primeiros anos de venda. Até o presente momento, já foram vendidos mais de 260 mil exemplares somente de A Batalha do Apocalipse , o primeiro romance de Spohr.

Resumidamente, A Batalha do Apocalipse: da queda dos anjos ao crepúsculo do mundo tem como protagonista um anjo renegado, Ablon, que foi expulso do paraíso e aprisionado na terra, na condição de homem, por ter se revoltado contra o Arcanjo Miguel, o Príncipe dos Anjos, que governa o mundo, enquanto Deus (Yahweh) descansava durante o Sétimo Dia após a criação do Universo. Pelo fato de os anjos terem inveja dos homens por seu livre arbítrio, pela capacidade de sentirem o que eles não conseguem, e, principalmente por possuírem alma, Miguel sentencia o fim da raça humana através de um dilúvio, por não concordar com o que os humanos haviam se tornado e por ciúmes do amor de Deus por “criaturas feitas de barro”. Por discordar da decisão de Miguel, Ablon, anteriormente seu braço direito, e também um querubim — casta de anjos inferior à dos arcanjos – se junta ao irmão de Miguel, o arcanjo Lúcifer para tentar salvar a raça humana. Contudo, Lúcifer trai Ablon, e este, juntamente com mais dezessete anjos são expulsos do paraíso e aprisionados em seus avatares terrestres. Miguel, então, ordena que cada um dos dezoito anjos renegados sejam caçados e mortos. Um por um, todos os companheiros de Ablon perecem, e ele se torna o único renegado sobrevivente. Assim, o livro relata a jornada de Ablon na Terra, por meio de uma narrativa anacrônica contada em flashbacks — seja por um narrador heterodiegético omnisciente, seja pelo próprio protagonista, através de suas memórias. Em tal jornada, acompanhamos o protagonista vivendo desde as ruínas da Babilônia até o Rio de Janeiro nos dias atuais, passando pelo Império Romano, pelas planícies da China e pelos castelos da Inglaterra medieval. No fim do Sétimo Dia, Yahweh despertará de seu sono e trará sobre a terra o Juízo Final, consolidando assim o Apocalipse e o fim dos tempos.

Apenas pelo resumo da obra, pode-se observar que se trata de uma narrativa em que há uma diversidade de elementos mitológicos bíblicos a serem estudados, e que serão discutidos a partir da noção de intertextualidade.

Com raras exceções na história do cristianismo, a Bíblia sempre foi entendida como verdade absoluta e revelação divina escrita por homens inspirados por Deus. Por esta razão, por muito tempo, não foi considerada um objeto de estudo para os críticos

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literários. Hoje, no entanto, esta situação mudou, e, tendo em vista o fato de que a Bíblia é um compilado de livros ricos em histórias e repletos de personagens distintos pela intensidade e pela diversidade de ações, é mais do que legítimo que: por um lado, os textos bíblicos sejam utilizados como matéria prima por autores de obras ficcionais; por outro lado, que os críticos literários se debrucem sobre estas questões.

Desde a última metade do século XX, os estudos teóricos a respeito da interface Bíblia/Literatura têm ganhado força, e alguns estudiosos dessa questão serão de fundamental importância para a nossa pesquisa, dentre os quais podemos citar Northrop Frye, Robert Alter e Frank Kermode. No entanto, é conveniente frisar que o foco desta pesquisa não é a Bíblia em si como literatura, e sim a sua utilização como ponto de partida para criações de narrativas de ficção, no nosso caso especificamente, A Batalha do Apocalipse.^5

A justificativa da escolha da obra e do tema analisados se dá a partir de um interesse pessoal devido à constante presença da Bíblia na minha formação. Pelo fato de eu ter nascido em uma família cristã protestante e ter tido contato com histórias bíblicas desde criança, com o tempo, meu interesse por narrativas provenientes de histórias bíblicas foi se acentuando. Por isto, no momento de definir o objeto de estudo da minha dissertação, não só o diálogo constante de Spohr com a Bíblia em A Batalha do Apocalipse , mas também a maneira como o autor se apropria de tais mitos bíblicos e os transforma em uma aventura épica, atraíram particularmente minha atenção, levando-me a eleger a análise das relações de intertextualidade — Bíblia/Literatura — presentes nessa obra como o principal foco da minha pesquisa.

Como já foi dito, a obra tem como personagem principal um anjo renegado, e trata essencialmente de uma guerra celestial. Tendo o protagonista habitado no mundo desde sua fundação até o seu fim, ele participa de vários episódios narrados na Bíblia. Foram principalmente tais episódios que despertaram o meu interesse e a vontade de examinar mais a fundo a maneira como Spohr reutiliza os mitos bíblicos em seu romance. Além do meu interesse por essa obra, a constatação da ausência de fortuna crítica — particularmente no que se refere à crítica acadêmica — com relação a ela, apesar de seu elevado número de edições e exemplares vendidos, levaram-me a querer estudá-la mais

(^5) Para maior praticidade, vamos nos referir à obra A Batalha do Apocalipse: da queda dos anjos ao crepúsculo do mundo apenas por A Batalha do Apocalipse.

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No terceiro capítulo, A reescritura dos mitos bíblicos em A Batalha do Apocalipse , focaremos nossa pesquisa na análise da reescritura de alguns mitos utilizados por Spohr, numa tentativa de verificar, em diferentes níveis, semelhanças e diferenças entre a narrativa do autor e os mitos bíblicos, isto é, de examinar de que modo este se apropria desses mitos, em seu romance.

É oportuno observar que, considerando a quantidade de mitos do Antigo e do Novo Testamento reescritos por Spohr, em A Batalha do Apocalipse, não é possível, no quadro de uma Dissertação de Mestrado, examiná-los todos. Por isso, optamos por analisar não somente os que são de maior relevância para o romance, mas também aqueles que apresentam maior interesse para um estudo da questão da intertextualidade — Bíblia/Literatura — na obra. Os mitos a serem analisados serão: o mito da Criação do Universo; mito o Dilúvio; o mito da Torre de Babel; o mito da destruição de Sodoma e Gomorra; o mito da Criança Sagrada e o mito do Fim dos Tempos.

Por fim, concluiremos nosso trabalho com as considerações finais. Há, também, alguns anexos que escolhemos para ilustrar certas partes desta Dissertação. O primeiro deles é o texto de abertura do romance denominado “O Manuscrito Sagrado dos Malakins”. Nele, o autor contextualiza o espaço de tempo em que as ações serão narradas. O segundo é a passagem do romance que relata a destruição de Sodoma e Gomorra, pois, acreditamos que este seja um excelente exemplo da ampliação de um mito bíblico — que, originalmente ocupa apenas alguns versos da Bíblia — feita por Spohr. O terceiro anexo se refere à Linha do Tempo do universo criado pelo autor, retirado dos apêndices do próprio romance. Anexamos também a ilustração do protagonista do romance, Ablon, feita por Andrés Ramos e presente em Filhos do Éden: Universo expandido. Finalmente, incluímos um apêndice referente à transcrição de uma entrevista exclusiva que o autor de A Batalha do Apocalipse , Eduardo Spohr nos concedeu no dia 12 de junho de 2018, via Skype.

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CAPÍTULO 1: A BÍBLIA E A LITERATURA

A Bíblia talvez seja a mais importante fonte isolada de toda a nossa literatura. Robert Alter

Neste capítulo, como dissemos anteriormente, vamos levantar algumas questões significativas para a nossa pesquisa no âmbito do diálogo da Literatura com a Bíblia. Neste sentido, iniciaremos nossas reflexões com uma breve sondagem sobre as visões teóricas de alguns estudiosos recentes da interface Bíblia/Literatura, como Robert Alter, Frank Kermode e Northrop Frye, que discutem a relação de teóricos literários com as “Sagradas Escrituras” e como este diálogo é mutuamente enriquecedor tanto para os estudiosos da literatura quanto aos estudiosos da Bíblia e da teologia como um todo.

1.1 Bíblia/Literatura: Visões teóricas contemporâneas da questão Que seja do nosso conhecimento, a Bíblia vem sendo utilizada como matéria prima para a criação de narrativas, pelo menos desde Dante Alighieri, em A Divina Comédia — obra composta por três partes: Paraíso, Purgatório e Inferno, que remetem a noções provenientes das Sagradas Escrituras —, no século XIV. Não se considera atualmente a Bíblia apenas como uma obra que merece profundo respeito dos crentes que professam o monoteísmo, mas é, sobretudo, um livro pertencente à literatura mundial, como fonte de estudos históricos e de inspiração espiritual, pelo seu conteúdo variado. Esta é a razão pela qual se acha traduzida para todos os idiomas do mundo e é, ainda, na atualidade, considerado o livro mais lido do mundo. O compilado de livros que compõem a Bíblia – tanto o Antigo quanto o Novo Testamento — foi traduzido para a língua portuguesa no século XVII por João Ferreira de Almeida, e o número de venda dos exemplares de sua tradução já passa de 150.000.000 de unidades, o que o torna o tradutor mais produtivo dentre os tradutores deste idioma.

Por estas razões, a Bíblia, tem servido de inspiração para autores literários, e, por isso, pode-se dizer que direta ou indiretamente ela está presente em uma parte considerável de obras literárias ocidentais, com vimos na nossa introdução. Embora a Bíblia tenha sido estudada por vários críticos de diversas áreas de conhecimento, através dos tempos, ela começou a ser percebida, no tocante à sua natureza literária, mais tardiamente, pelo fato de se tratar de “textos sagrados”, reconhecidos como regra de prática e de fé de judeus e cristãos.