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A Debilidade do Direito Positivo: Normas Jus Cogens e o Direito Natural, Resumos de Direito

Este artigo discute a debilidade do direito positivo através dos ensinamentos de parmênides, com ênfase nas normas jus cogens do direito internacional público. As normas jus cogens são imperativas, não derrogáveis e possuem uma natureza peculiar, como a proibição da tortura, do tráfico de seres humanos e do genocídio. A importância dessas normas é imprescindível para evitar experiências trágicas passadas de violação da dignidade humana.

Tipologia: Resumos

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Revista do CAAP | Belo Horizonte
n. 1 | V. XVII | p. 183 a p. 200 | 2012
A ATUALIDADE DO PENSAMENTO DE
PARMÊNIDES EM CONTRAPOSIÇÃO A
TRANSITORIEDADE DO DIREITO POSITIVO
THE ACTUALITY OF PARMÊNIDES THOUGHT IN
CONTRAST TO THE TRANSIENSE OF POSITIVE
LAW
Priscila romero santos
talita alvarenga Flausino
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo abordar
como tema a filosofia de Parmênides, que deu ensejo à teo-
ria jusnaturalista da supremacia do Direito Natural sobre o
Direito Positivo. Concatenando essa teoria com a complexa
questão das normas jus cogens, procura-se comprovar a im-
perfeição do Direito positivado. Tendo o ponto de partida
na investigação do universo de tais normas imperativas de
Direito Internacional, que são reflexo máximo da pretensão
da eficácia estável do Direito Positivo, e também, através da
exposição de seu significado, contexto, aplicação e, princi-
palmente, dos efeitos da previsão do procedimento de der-
rogação.
Palavras-chave: Parmênides, jus cogens, Direito Natural, Di-
reito Positivo.
ABSTRACT: This article aims to address the theme of
Parmenides’ philosophy that gave rise to the jusnaturalist
theory about the supremacy of natural law over the positive
law. Joining this theory with the complex issue of jus cogens
norms, is searched to prove the imperfection of positive
law. Taking as basis the investigation about a sum of these
International Law mandatory rules, which reflects the maxi-
mum claim of the effective stability of positive law, and also,
through the explanation of its meaning, its context, applica-
tion and, especially, the effects of the derogation process’
prevision.
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Revista do CAAP | Belo Horizonte 183

A ATUALIDADE DO PENSAMENTO DE

PARMÊNIDES EM CONTRAPOSIÇÃO A

TRANSITORIEDADE DO DIREITO POSITIVO

THE ACTUALITY OF PARMÊNIDES THOUGHT IN

CONTRAST TO THE TRANSIENSE OF POSITIVE

LAW

Priscila romero santos

talita alvarenga Flausino

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo abordar

como tema a filosofia de Parmênides, que deu ensejo à teo-

ria jusnaturalista da supremacia do Direito Natural sobre o

Direito Positivo. Concatenando essa teoria com a complexa

questão das normas jus cogens, procura-se comprovar a im-

perfeição do Direito positivado. Tendo o ponto de partida

na investigação do universo de tais normas imperativas de

Direito Internacional, que são reflexo máximo da pretensão

da eficácia estável do Direito Positivo, e também, através da

exposição de seu significado, contexto, aplicação e, princi-

palmente, dos efeitos da previsão do procedimento de der-

rogação.

Palavras-chave: Parmênides, j us cogens , Direito Natural, Di-

reito Positivo.

ABSTRACT: This article aims to address the theme of

Parmenides’ philosophy that gave rise to the jusnaturalist

theory about the supremacy of natural law over the positive

law. Joining this theory with the complex issue of jus cogens

norms, is searched to prove the imperfection of positive

law. Taking as basis the investigation about a sum of these

International Law mandatory rules, which reflects the maxi-

mum claim of the effective stability of positive law, and also,

through the explanation of its meaning, its context, applica-

tion and, especially, the effects of the derogation process’

prevision.

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A ATUALIDADE DO PENSAMENTO DE PARMÊNIDES EM CONTRAPOSIÇÃO ...

Key-words : Parmenides, jus cogens , Natural Law, Positive

Law.

  1. Contextualizando: Parmênides de Eléia Os dados biográficos disponíveis acerca do filósofo pré-socráti- co Parmênides são escassos. Sabe-se que nasceu em Eléia, na Itália, sendo desconhecida a data exata de seu nascimento. Provavelmente, nasceu por volta de 500 a.C. A visão, que nos foi transmitida desde a Antiguidade, sobre o pensamento do filósofo Eleata é a de uma teoria abstrata e apartada da realidade, sendo obscura e inconsistente. Todavia, é irrefutável o seu diálo- go com a realidade em que vivia. Vale ponderar que ele se expressava por meio da oralidade empregando a épica e, além disso, interagiu recorren- temente com as doutrinas pitagóricas. De qualquer forma, certo é que o pensamento de Parmênides serviu de substrato para seus contemporâneos e para os que lhe sucederam. Na cátedra de Alberto Bernabé, vejamos: (...) los filósofos que lo siguieron no tuvieron más remédio que partir de sus formulaciones e intentar resolver sus aporías, por lo que la especulaci- ón posterior habría de orientarse por caminos muy diferentes de los que se habrían tomado anteriormente. 1 No tocante a sua obra, seria ela formada exclusivamente pelo poema “Da natureza” (ou “Sobre a natureza”). O referido texto foi escrito em hexâmetros e com vocabulário rebuscado, semelhante ao utilizado por Homero e Hesíodo. A escolha da poesia e o emprego da métrica, ou seja, a opção pela épica, tornou-o alvo de críticas contundentes quanto a uma obscuridade e uma tendência mitológica. A esse respeito, Giorgio Colli dispõe que “ poder-se-ia desconfiar, inclusive, que a caracterização do eleata – frieza, abstração esvaída em sangue, negação da vida, tautologia do conhecimento – contradiz precisamente a verdade ”^2. Aristóteles, ao tratar das teorias filosóficas que seguiam a mesma vertente de Parmênides, “ os chama de imobilistas e não-físicos; imobilistas, porque são partidários da imobilidade; e não-físicos, porque a natureza é princípio de movimen- 1 “Os filósofos que o seguiram não tiveram outro remédio, senão partirem de suas formulações e tentarem resolver suas aporias, em razão de que a especulação posterior tinha que se orientar por caminhos muito diferentes dos que se haviam tomado anteriormente”. (Tradução livre). 2 Nietzsche, Friedrich. Nachwort. In: Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe. Edição organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari. Berlim/ Nova York, Wlater de Gruyter, 1999, vol. 1, p. 917. Citado por Fernando Moraes de Barros na introdução de “A Filosofia na era trágica dos gregos”.

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A ATUALIDADE DO PENSAMENTO DE PARMÊNIDES EM CONTRAPOSIÇÃO ... No caso específico do ordenamento jurídico grego, insta salien- tar que O direito grego não era sistemático, mas tendente ao prático. Os gregos foram hábeis em renovar suas instituições segundo ordenavam as circuns- tâncias. O espírito jurídico grego era facilmente adaptável, assim o seu direito, mesmo o direito codificado, que se expandia pelas colônias.^5 A abordagem do problema jurídico no poema de Parmênides não é infundada. Dentre os poucos dados biográficos com os quais conta- mos, sabe-se também que ele governou e atuou com destaque na elabora- ção legislativa de sua cidade. Apesar de a teoria de Parmênides constituir-se em um pensa- mento distante da atualidade, ainda conserva a relevância de seu estudo. Vale ressaltar que o embate entre as teorias ondulatórias e corpusculares traz, constantemente, à baila os seus ensinamentos. Posto que, ao negar a existência do tempo e afirmar a ordem cíclica de todas as coisas, se serve aos préstimos das formulações físicas que também refutam o evolucionis- mo temporal. Neste trabalho objetivamos expor a debilidade do direito posi- tivado através dos ensinamentos parmenídicos, sendo o Direito Positivo aqui representado pelas normas de jus cogens , em razão de estas serem a expressão de sua pretensa excelência, sendo suas normas superiores e pos- suindo uma natureza peculiar, conforme será exposto adiante.

  1. A relação entre Díke e Themis no poema de Parmêni- des É lá que estão as portas aos caminhos de Noite e Dia, e as sustenta à parte uma verga e uma soleira de pedra, e elas etéreas enchem-se de grandes batentes; destes Justiça de muitas penas tem chaves alternantes. A esta, falando-lhe as jovens com brandas palavras, persuadiram habilmente a que a tranca aferroada depressa removesse das portas; (...) O desenvolvimento de teorias sobre a justiça e sobre a temática jurídica é um traço marcante da cultura grega que considera que o homem, 5 FORTES, Betty Y. B. Borges. Literatura e Direito na tragédia grega. In: SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa; PANDOLFO, Alexandre Costi (Org.). Encontros entre Direito e Literatura: pensar a arte. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. p. 19 - 36.

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Priscila Romero Santos e Talita Alvarenga F lausino por excelência, é um animal político. Segundo os ensinamentos de Betty Fortes, “ o conceito de Direito entre os gregos parecia apresentar-se como uma crença em que os deuses regiam o destino humano, por isso o Direito era um dom dos deuses, uma lei eterna, divina ”. A fim de designar as especificações relativas à Justiça, esta era concebida em diversos âmbitos de pertinência. Podemos falar que o jus- naturalismo surge incipientemente com os filósofos originários. Nesta pri- meira fase, o jusnaturalismo assume uma denotação cosmológica e se liga a conceitos metafísicos.^6 Dentre as diferentes acepções de Justiça, era recorrente o empre- go da dicotomia dialética entre Díke e Themis. Ainda de acordo com Betty Fortes, o conceito de “Themis” abarcava a vontade dos deuses, através da natu- reza. Díke abrangia a norma jurídica. O direito distinguia “Themis” como um direito quase familiar, consuetudinário, que se distinguia do direito interfamiliar, fundado sobre arbitragens, decisões judiciais, a “Dike”. (...) Os juízos e as decisões eram a manifestação da vontade dos deuses, inter- pretadas pelos themistas. Deste modo, Díke desempenharia uma função mediadora entre o ser humano e o ser que é divino, além de atuar como mantenedora da di- ferenciação unificadora entre ser e seres. Ao passo que, Themis seria aquela norma eterna que só poderia ser conhecida pelo homem através da razão, qual seja, a lei divina. Isto decorre do fato de o homem já possuir dentro de si o elemento divino. Entretanto, essa potencialidade não exprime uma relação de causalidade. Ela pode vir a se desenvolver caso se utilize o mé- todo de pesquisa adequado. A busca pelo conhecimento deve se pautar pelo primado da racionalidade sobre a sensibilidade. O discurso acerca das opiniões é “não-verdadeiro”, mas serve ao aprendizado humano e não implica em um discurso falso. No tocante à relação existente entre Díke e Themis , Marcelo Pi- menta Marques dispõe que A justiça humana são sentenças proferidas dentro de contextos de conflito que só podem ser arbitrados por referência à Thémis divina. Thémis é inse- rida na ordem da vida dos homens através das sentenças justas proferidas pelos reis. Thémis estabelece e díke mostra o que está estabelecido no cos- mos e que deve ser estabelecido entre os homens. Este entrelaçamento é tal que as duas ordenações cósmica e humana não se distinguem. 6 MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997, pp.26-35.

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Priscila Romero Santos e Talita Alvarenga F lausino No contexto da ação prática, dentro dos parâmetros culturais da sociedade grega arcaica, díke é fala normativa, palavra que prescreve este ou aquele curso para a ação, a propósito de uma ação particular vivida como conflito. Em Parmênides díke é transposta para o contexto de busca de saber e, ape- sar de envolver os mesmos elementos de díke no contexto da vida prática ela acaba por adquirir um novo sentido. Considerando que Parmênides opera a transmutação de Díke , Marcelo Pimenta pondera que isso se dá através do deferimento da referi- da busca parmenídica pela verdade, vejamos: Ao fazer com que o desejo que o faz percorrer este caminho seja prescrito e aceito por díke , Parmênides propõe o discurso do filósofo como díkaios e assim estabelece um diálogo crítico com a ordem tradicionalmente aceita, que acaba por levar à sua transformação. Díke é transformada na medida em que é convocada a referendar o caminho do filósofo que se distancia dos outros caminhos humanos. O novo caminho aparece como verdadei- ro e justo, por oposição aos caminhos tradicionais, os dos mortais não- -justos. Finalmente, à título de resumidamente retomar o papel desempe- nhado por Díke no primeiro poema filosófico, recorremos mais uma vez à cátedra de Marcelo Pimenta: A convivência, própria do registro mítico, entre oposição e complemen- tariedade permite que díke seja, a um só “tempo”: potência cósmica regu- ladora das portas que se abrem aos caminhos de noite e dia; mandatária do percurso e limite justo do desejo do jovem em busca de conhecimento; ordenação interna que estrutura o seu discurso para que, sendo justo, ele seja verdadeiro; potência amarradora que mantém o ser em limites que descartam nascer e morrer.

  1. A pretensa excelência do Direito Positivo: jus cogens Ao Jus cogens pertencem normas imperativas de Direito Interna- cional Público que criam direitos e obrigações a todos os Estados, não po- dendo ser derrogadas mediante acordo por se tratarem de normas absolu- tas^8. Representam assim, normas de direito cogente, dotadas de peremp- toriedade. Sua posição de superioridade em relação às demais normas do direito dá-se, sobretudo, pelo objeto de sua proteção. Essas normas res- 8 VERDROSS, Alfred_. Derecho Internacional Público._ Tradução de Truyol y Serra. Madri: Ed. Aguilar, 1963, p.

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A ATUALIDADE DO PENSAMENTO DE PARMÊNIDES EM CONTRAPOSIÇÃO ... guardam conquistas surgidas a partir da superação de grandes traumas da humanidade e protegem os interesses coletivos essenciais da comunidade internacional a fim de garantir a convivência e a solidariedade. Não há um rol taxativo, ou ao menos exemplicativo dessas nor- mas superiores, o que dificulta sobremaneira sua identificação e provoca debates entre juristas de todo o mundo. Algumas normas são citadas em trabalhos da Comissão de Direi- to Internacional e nas obras de doutrinadores como exemplificações das normas de j us cogens. Essas reuniriam historicamente o reconhecimento, a importância e a imprescindibilidade próprios de tal categoria, assumindo a identidade de normas imperativas de Direito Internacional. Passemos à pontuação das normas comumente citadas como do- tadas de tal imperatividade e inderrogabilidade. O princípio Pacta Sunt Servanda que se estabelece como alicerce aos pactos, tratados e diversos compromissos internacionais, garantindo seu respeito e efetividade, e, assim, as conquistas estabelecidas nas relações internacionais ao longo do processo de evolução histórica. O princípio do uso ou da ameaça do uso da força, bem como, a proibição de atos que infrinjam a soberania e a igualdade dos Estados. A proibição da tortura, do tráfico de seres humanos, de crimes contra humanidade (Ago,1971, p. 324), do genocídio (CDI, 1966-II, p. 248-249; 1976, p. 103; Wouters e Verhoeven, 2005; Lauterpacht, 1993, p. 439-441), e o respeito à autodeterminação dos povos,^9 seriam também exemplos de normas j us cogens, cujo respeito seria imprescindível para evi- tar trágicas experiências passadas de violação da dignidade humana. Segundo Virally, sobreditas normas garantem a proteção dos Es- tados mais fracos ante aos mais fortes.^10 Verdross afirma que a peculiaridade dessas normas consiste no fato de que elas não existem para satisfazer interesses individuais dos Es- 9 O tema do direito à livre determinação dos povos é objeto de uma bibliografia muito vasta. Entre os diversos estudos dedicados do tema, vale destacar as reflexões que, a esse respeito, tem exposto Héctor Gros Espiell, sobre tudo em sua obra Estudos sobre Díreítos Humanos – Ed. jurídica Venezuelana, Caracas, 1985. Em especial, merecem destaque as páginas dedicadas ao Direito à Livre Determinação dos Povos e aos Direitos Humanos e Não-Discriminação como Normas Imperativas de Direito Internacional, com Especial Referência aos Efeitos de sua Denegação sobre a Legitimidade dos Estados que Violam ou Desconhecem essas Normas Imperativas. 10 Virally in: FIORATI, Jete Jane. Jus cogens : as normas imperativas de Direito Internacional Público como modalidade extintiva dos tratados internacionais. Franca: Unesp, 2002, pag 87

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A ATUALIDADE DO PENSAMENTO DE PARMÊNIDES EM CONTRAPOSIÇÃO ... também do jusnaturalismo clássico, pois não remete o direito a um or- denamento superior e objetivo, mas a uma interpretação construtiva das práticas sociais, vistas então sob sua melhor luz.^13 Nas palavras de Miguel Reale: (...) o sentido da expressão Direito Positivo, como sendo o Direito que, em algum momento histórico, entrou em vigor, teve ou continua tendo eficácia. A positividade do Direito pode ser vista como uma relação entre vigência e eficácia. (...) A Ciência do Direito é sempre ciência de um Di- reito positivo, isto é, positivado no espaço e no tempo, como experiência efetiva, passada ou atual.^14 Dessa forma, as normas de jus cogens são positivas enquanto par- te da ordem internacional, com vigência reconhecida pela comunidade e, cuja violação gera responsabilização internacional. Ademais, apesar da não haver consenso sobre quais seriam as normas pertencentes a essa categoria, o reconhecimento da existência dessas, assim como, a tentativa de formulação de um rol exemplificativo, aparece, frequentemente, nas últimas décadas, em diversos documentos internacionais como tratados, decisões de cortes e na doutrina. Na Resolução 1514 (XV) da Assembléia Geral da ONU, por exemplo, tratou-se da questão da autodeterminação dos povos, enquanto norma imperativa e inderrogável de Direito Internacional. No entanto, o reconhecimento definitivo dessas normas ocorreu após a superação do positivismo e do domínio absoluto da vontade dos Estados. A Escola Positivista Voluntarista, da qual adeptos Sztuck, Ni- sot, Charles Rousseau, Schwarzenberger, Morelli e Paul Reuter, defendia a inexistência das normas imperativas do Direito Internacional.^15 Charles Rousseau e George Schwarzenberger argumentam, em suas obras, que o jus cogens não se identifica com as normas de Ordem Pública Interna, ou seja, aquelas normas do direito interno que garantem a organização jurídica, estatal e social e que não podem ser revogadas. Alicerçando essa afirmação na idéia de que a inexistência de tribunais com jurisdição obri- gatória para aplicar as normas de jus cogens , ou seja, o não reconhecimento 13 TAVARES, Rodrigo de Souza. O Jus Cogens na Corte Interamericana de Direitos Humanos e Algumas Reflexões sobre a Teoria do Direito. Revista Eletrônica Unigrandrio. 14 REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. 15 FIORATI, Jete Jane. Jus cogens : as normas imperativas de Direito Internacional Público como modalidade extintiva dos tratados internacionais.Franca: Unesp, 2002, pag 93.

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Priscila Romero Santos e Talita Alvarenga F lausino de uma Ordem Pública Internacional, impossibilitaria a existência de nor- mas internacionais dotadas de inderrogabilidade.^16 A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 no seu artigo 53 reconhece a existência dessas normas e as define, não utilizando, entretanto, o termo jus cogens , a fim de evitar conotações jusna- turalistas.^17 “(...) uma norma peremptória de direito internacional geral é aquela acei- ta e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como uma norma cuja nenhuma derrogação é permitida e que pode ser modificada somente por norma subseqüente dotada do mesmo caráter”.^18 (Tradução livre do autor) Comprovado o reconhecimento dessas normas e seu pertenci- mento ao Direito Positivo,^19 deve-se passar a uma análise mais profunda de suas principais características elementares: a imperatividade e inderro- gabilidade. As normas de jus cogens do direito internacional geral obrigam todos os Estados, tenham eles participado da sua formação ou se opos- to a ela firmemente. Ter-se-á um direito que não permite aos Estados se furtarem, nem lhes permite afastamento ou derrogação, é um direito imperativo nesse sentido. Vedada, assim, está a hipótese de um Estado se constituir em objetor persistente de uma norma de jus cogens, ou seja, não há possibilidade de estabelecer-se um posicionamento constantemen- te contrário a norma, firmado pelo Estado e passível de ser alegado pelo mesmo em casos de responsabilização. As normas pertencentes a esse “direito cogente” geram obriga- ções erga omnes , ou seja, obrigações que são oponíveis a todos. A universa- lidade dessas normas, no entanto, não implica que elas devam ser reconhe- cidas por todos os Estados, bastando que sejam aceitas de modo geral. 20 16 ROUSSEAU, Charles; SCHWARZENBERGER, George. In : FIORATI, Jete Jane. Jus cogens : as normas imperativas de Direito Internacional Público como modalidade extintiva dos tratados internacionais. Franca: Unesp, 2002, p. 93. 17 FIORATI, Jete Jane. Jus cogens : as normas imperativas de Direito Internacional Público como modalidade extintiva dos tratados internacionais. Franca: Unesp, 2002, p. 85-86. 18 “(…) a perempetory norm of general international law is a norm accepted and recognized by the international community of States as a whole as a norm from which no derogation is permitted and which can be modified only by a subsequent norm of general international law having the same caracter.” 19 NIETO-NAVIA, Rafael. International Peremptory norms (jus cogens) and international humanitarian law. 20 FIORATI, Jete Jane, Jus cogens: as normas imperativas de Direito Internacional Público como modalidade extintiva dos tratados internacionais. Franca: Unesp, 2002.

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Priscila Romero Santos e Talita Alvarenga F lausino podendo ser derrogadas por meio de acordos entre Estados, desde que não haja prejuízo de terceiros. O que diferencia, por exemplo, uma norma de jus cogens de outra norma de direito costumeiro de caráter geral não está na aceitação e no reconhecimento da primeira pela comunidade dos Esta- dos como um todo, mas no fato de que ela teria sido aceita e reconhecida como norma da qual não se admite derrogação, o que nos leva a segunda característica e ao debate estabelecido nesse artigo. A inderrogabilidade é característica inerente a essas normas, re- flexo de seu valor enquanto protetoras dos interesses essenciais da comu- nidade, de expressões máximas do poder normativo do Direito Positivo. Sendo essencial à manutenção de seu status superior e imperatividade. Qualquer outra norma que entre em conflito com essa é derrogada. No texto das atas das sessões que precederam a assinatura da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, constam alguns exem- plos de tratados que atestariam essa força derrogatória: tratados que le- gitimassem o emprego da força, contrários aos dispositivos da Carta da ONU, tratados que organizassem o tráfico de escravos, ou que legitimas- sem a pirataria ou o genocídio, tratados que violassem normas de proteção aos direitos humanos. A respeito desse conflito, no que concerne aos tratados, os arti- gos 64 e 71 da Convenção de Viena de 1969 dispõem: Art. 64: Se sobrevier uma nova norma imperativa de Direito Internacional geral, qualquer tratado existente que estiver em conflito com essa norma torna- -se nulo e extingue-se. Art. 71:

  1. No caso de um tratado nulo em virtude do artigo 53, as partes são obrigadas a: a) eliminar, na medida do possível, as conseqüências de qualquer ato pra- ticado com base em uma disposição que esteja em conflito com a norma imperativa de Direito Internacional geral; b) adaptar suas relações mútuas à norma imperativa do Direito Interna- cional geral. Essa inderrogabilidade não se apresenta, contudo, de forma ab- soluta, mas relativa. As jus cogens são inderrogáveis por outras supervenien- tes pertencentes a mesma categoria. Uma norma de jus cogens superveniente derroga norma de jus co- gens anterior diante do estabelecimento de conflito entre elas. Questão so- bre a qual dispõe o supracitado artigo 53 da Convenção de Viena de 1969.

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A ATUALIDADE DO PENSAMENTO DE PARMÊNIDES EM CONTRAPOSIÇÃO ... Assim, obrigarão todos os Estados, tenham eles participado da sua forma- ção ou se oposto a ela firmemente, ter-se-á um direito que não permite aos Estados que o afastem ou derroguem, mas que é passível de derrogação perante o surgimento de nova norma da mesma categoria. O surgimento de uma nova realidade na comunidade interna- cional que resulte em novas necessidades essenciais poderá desencadear o processo. A derrogação se dará a partir da formação, da necessidade, do consenso e do reconhecimento de determinada nova prática como objeto do j us cogens.

  1. A imperfeição do Direito Positivo mediante a possibi- lidade de derrogação das normas de jus cogens Relacionar o tema das controversas normas de jus cogens ao filó- sofo imobilista pode parecer, em um primeiro momento, ambicioso, mas encontra sentido quando refletimos sobre a natureza peculiar dessas nor- mas, sobre sua posição de superioridade no Direito Positivo e sobre seu papel de representante da máxima pretensão de eficácia, poder normati- vo e estabilidade desse Direito. Sobretudo, quando em contraponto com suas características de pretensa infalibilidade e estabilidade nos deparamos com a possibilidade de sua derrogação. Apresentando-se talvez como um “referendo” à teoria jusnaturalista de imperfeição do Direto Positivo e da absoluta superioridade do Direito Natural. O Jusnaturalismo é a teoria que fundamenta, explica e defende a existência do Direito Natural, apresentado como superior ao Direito Posi- tivo, servindo-lhe de critério inspirador e de norma valorativa.^25 Embora, o Direito Natural tenha, ao longo dos tempos, recebido significados plurais é unívoca a classificação de seu conteúdo como uma ordem de princípios externos, absolutos e imutáveis.^26 Diante do exposto, podemos dizer que a teoria desenvolvida por Parmênides integrou essa corrente jusnaturalista ao dispor sobre dualida- de entre o mundo dos conceitos e o mundo sensorial. Precisamente no que concerne ao jurídico e ao problema da Justiça, o filósofo de Eléia aderiu à concepção que lhe foi contemporânea acerca da distinção entre Díke e Themis. Apregoou que Díke seria uma expressão prática relativa à lei humana e deveria se orientar pelos ensinamentos de Themis , que constitui- 25 PEREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Iusnaturalismo y Positivismo Jurídico en la Italia Moderna, 1971, p. 33. 26 Idem, p. 37

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A ATUALIDADE DO PENSAMENTO DE PARMÊNIDES EM CONTRAPOSIÇÃO ... próprio homem, que valeriam para sempre e que nunca poderiam deixar de existir. Afinal, a deturpação hermenêutica é sempre uma ferramenta latente aos serviços do autoritarismo. Tomando em conta o raciocínio desenvolvido acima, concluí- mos que a debilidade é inerente ao Direito Positivo, que sendo produto direto das atividades humanas não poderia escapar ao caráter transitório impresso na forma com a qual o ser humano apreende o mundo. Mesmo a expressão excelente da normativa positivada está fadada ao dinamicismo sensorial.

  1. Conclusão Como já tratado, pouco restou da obra de Parmênides, basica- mente sobreviveu o poema “Da natureza”. Contudo, o limitado arcabouço disponível não diminui a importância de suas idéias e a influência dessas na construção do pensamento ocidental. Dada essa importância, torna-se tão interessante, quanto relevante levantar debates sobre questões moder- nas fundamentadas em seu pensamento. A superioridade do Direito Natural sobre o Direito positivo, en- quanto eterno, imutável e absoluto é o objeto da corrente jusnaturalista e encontra fundamento no pensamento de filósofos pré-socráticos como Parmênides. A teoria de Parmênides sobre o mundo falso, aparente e contin- gencial dos sentidos e da criação humana, que pode ser superado no ca- minho em busca da verdade, assim como, aquela sobre a justiça e a razão, torna-se sustentáculo para a defesa da imperfeição do Direito Positivo. Essa alegada imperfeição, ganha confirmação, num segundo momento, na medida em que se constata perene a característica contingencial da ordem positiva. A questão das normas das normas imperativas do direito interna- cional, pertencentes ao j us cogens surge, como definitivo referendo à teoria, uma vez que, fruto da produção humana e do mundo aparente, fazem parte do Direito Positivo. Mesmo que guardem sua mais alta pretensão de estabilidade e infalibilidade, mostram-se passíveis de derrogação. Afinal, mostram-se submetidas à contingência do mundo sensível, às transforma- ções da sociedade e não atingem a essência pura da justiça e da verdade, embora sejam talvez o mais próximo se tenha conseguido chegar do re- presentado pela relação de Themis e Díke.

Revista do CAAP | Belo Horizonte 199

Priscila Romero Santos e Talita Alvarenga F lausino Referências bibliográficas

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