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Guias e Dicas
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A ARTE DE FALAR DA MORTE PARA CRIAN çAS - Paiva, Lucelia Elizabeth (1) 238, Notas de estudo de Psicologia

Gestalt terapia

Tipologia: Notas de estudo

2018

Compartilhado em 12/04/2018

laussani-campos-4
laussani-campos-4 🇧🇷

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Baixe A ARTE DE FALAR DA MORTE PARA CRIAN çAS - Paiva, Lucelia Elizabeth (1) 238 e outras Notas de estudo em PDF para Psicologia, somente na Docsity!

Sumário

Dedicatória Agradecimentos 1 — UM POUCO SOBRE MIM... Era uma vez... Como Surgiu a Ideia de Falar sobre a Morte com Crianças 2 — VISITANDO ALGUNS AUTORES: O QUE ELES DIZEM SOBRE

  1. A Morte
  2. A Criança
  3. A Escola
  4. Literatura Infantil
  5. Biblioterapia 3 — BATENDO À PORTA DAS ESCOLAS PARA FALAR SOBRE A MORTE
  6. Apresentação da Pesquisa
  7. Sobre os Livros
  8. Sobre as Escolas
  9. Sobre os Participantes
  10. Sobre os Encontros 4 — IN LOCO / ACHADOS
  11. As Escolas
  12. Os Livros Infantis
  13. Temas Relevantes Levantados Durante os Encontros
  14. A Criança e a Morte
  15. Introdução do Tema da Morte no Contexto Escolar
  16. A Educação para a Morte
  17. O Educador e a Morte
  18. Palavras-chave
  19. Os Educadores — Grandes Descobertas 5 — MEU NOVO DESAFIO: ABRINDO NOVAS PORTAS 6 — UM POUCO DE CADA UM... E viveram felizes para sempre (?) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEXOS

DIRETOR EDITORIAL

Marcelo C. Araújo COORDENAÇÃO EDITORIAL Ana Lúcia de Castro Leite COPIDESQUE Mônica Reis REVISÃO Bruna Marzullo DIAGRAMAÇÃO Juliano de Sousa Cervelin CAPA Alfredo Castillo ILUSTRAÇÃO DE MIOLO Juliana Paiva Zapparoli Giovanna Paiva Zapparoli

Paiva, Lucélia Elizabeth A arte de falar da morte para crianças: a literatura infantil como recurso para abordar a morte com crianças e educadores / Lucélia Elizabeth Paiva. — Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2011.

Todos os direitos reservados à Editora Idéias & Letras — 2011 Rua Pe. Claro Monteiro, 342 — Centro 12570-000. Aparecida, SP. Tel. (12) 3104-2000 — Fax (12) 3104-

Bibliografia.

ISBN 978-85-7698-112-1 (eBook)

  1. Biblioterapia
  2. Crianças — Desenvolvimento
  3. Crianças — Educação
  4. Educação de crianças
  5. Educação em relação à morte
  6. Literatura infantil — Estudo e ensino
  7. Luto — Aspectos psicológicos
  8. Morte
  9. Pedagogia
  10. Professores — Formação
  11. Psicologia educacional
  12. Psicologia infantil I. Título.

Palavras-chave: 1. Literatura infantil como recurso pedagógico: Educação de crianças: Educação em relação à morte: Psicologia escolar e desenvolvimento humano 370.

www.ideiaseletras.com.br vendas@ideiaseletras.com.br

Dedicatória

À minha querida e eterna avó, madrinha de vida inteira, Maria do Carmo. A meu querido vovô Manoel , com quem aprendi a falar da morte de uma forma suave, com quem compartilhei a vida e a morte. A meus queridos pais, Afonso e Anunciação , que me ampararam para que eu tivesse condições de trilhar meus caminhos. A minhas queridas filhas, Juliana e Giovanna , meus frutos, que lancei no mundo... minha eternidade! E àqueles que fazem parte da minha história!

Agradecimentos

São muitas as pessoas que participaram da minha história... Minha gratidão, pois todos foram muito importantes, cada qual com sua passagem, contribuição, de maneira pessoal e singular. Em especial, agradeço à Prof.a^ Dr.a^ Maria Júlia Kovacs incentivar-me a acreditar nos livros infantis e acompanhar-me nesse percurso; à Prof.a^ Dr.a^ Maria Júlia Paes da Silva e à Prof.a^ Dr.a^ Solange Aparecida Emílio, as críticas, as contribuições e o grande apoio; à Prof.a^ Dr.a^ Ana Laura Schielman e à Prof.a^ Dr.a^ Nely A. Nucci as ricas reflexões e participação na Banca de Defesa do Doutorado. Vivo com minhas histórias, ora criança, ora mulher... ora triste, ora feliz... entre sonhos e espantos, mas vou vivendo cada canto, cada momento, muitas vezes tropeçando na morte que atravessa a vida, mas sempre com a esperança de poder compartilhar a vida que há na morte. Muito obrigada a todos que me fizeram pensar. Uma vida, uma morte: uma história para contar!

1 — UM POUCO SOBRE MIM...

Era uma vez...

M uitas princesas entraram em meus sonhos e muitas bruxas me assustaram, mas Cinderela sempre me encantou com sua simplicidade e humildade, sonhando com a felicidade... Branca de Neve ensinou-me a valorizar a amizade... Bela Adormecida ensinou-me a acreditar no amor. Eu ficava muito aflita com o Lobo Mau, que sempre perseguia a Chapeuzinho Vermelho e os Três Porquinhos, mas tive o privilégio de conhecer Rapunzel! Ah, Rapunzel! Com ela aprendi a arriscar-me, a jogar as tranças mesmo correndo riscos, apesar dos perigos... Fadas e bruxas sempre me acompanharam na vida, e as histórias fazem parte de minha vida desde minha meninice. Lembro-me de minha irmã, seis anos mais velha que eu, muito estudiosa, lendo histórias da coleção “O Mundo da Criança” (1954) para mim. E eu... viajava em meus pensamentos e em minha imaginação em cada história que ela contava. Hoje, fico pensando na criança aprisionada em mim mesma, buscando uma magia, encanto ou feitiçaria que me fizesse destrancar minhas amarras. Nunca me esqueço da paciência de minha irmã (e de suas reclamações) cada vez que eu pedia para contar-me a linda história de Rapunzel, mais uma vez, como se fosse a primeira vez... Ela sempre me perguntava: “Essa, de novo?”. E eu sempre tentava convencê-la de que seria a última vez... Mas minha irmã não foi a única a coroar-me com histórias. Minha avó materna, a minha eterna dona Maria do Carmo, apesar de analfabeta — muito sábia! —, sempre tinha uma história para contar. Quando dormíamos juntas, ela sempre me contava histórias de santos — era muito católica! — ou episódios de sua vida. Cresci ouvindo suas histórias da lavoura, dos lobos que, ainda muito jovem, enfrentava quando guiava seu rebanho. Eu ficava boquiaberta ouvindo minha avó, com aquele sotaque português que por vezes não me deixava entender alguma palavra, mas eu não a interrompia. Eu ficava imaginando a coragem dela. Apesar de tímida, calada, tola, eu desejava um dia ser igualzinha à minha avó: uma mulher muito boa, cheia de vida e, por isso mesmo, cheia de histórias... Histórias encantadoras! E foi assim que eu aprendi a apreciar as histórias: contos maravilhosos e histórias de vida. Saboreava cada palavra, levando, para dentro de mim, a aventura da vida, em minha imaginação. Com isso, sempre valorizei as histórias. Acho que o fato de ouvir tantas histórias me incentivou a apreciá-las e a contá-las. Já bem crescidinha, durante um processo de psicoterapia pessoal (início da década de 1980), deparei-me com Soprinho (Almeida, 1971), que me soprou um desejo de adentrar a floresta e descobrir os mistérios que nela existem. E, a partir de então, eu percebi o quanto a história infantil poderia servir como facilitadora para olhar os meus fantasmas.

Instituto de Psicologia da USP, tive a oportunidade de apresentar-lhe meus livros. Tantos livros infantis que falavam de tudo: da vida e da morte, de perdas, diferenças, mudanças e sentimentos... “Meus tesouros”! Nessa oportunidade, com grande entusiasmo, ela me incentivou a transformar seu uso na produção de conhecimento. E foi assim que tudo começou. E quero mostrar um pouco do que pude descobrir com eles. Esses meus tesouros têm um brilho próprio, uma riqueza singular. E, por essa estrada afora, tentarei falar um pouco deste meu caminho. Um caminho que é estranho, mais uma vez. Aliás, eu, como Maria, personagem do livro A Corda Bamba (Nunes, 1982), sempre resolvi espiar com muita curiosidade o que se passava em outros lugares e, assim, fui abrindo muitas portas estranhas e diferentes em minha vida. Portas de dentro e de fora, da frente e dos fundos. Sempre muito curiosa e até audaciosa. E mais uma vez sinto-me uma estrangeira em terra estranha, onde não se partilham a mesma cultura, os mesmos valores; onde não se fala a mesma língua... Senti-me assim quando, no início de minha vida profissional, aventurei-me no hospital geral: a casa do médico! (Isso faz tempo. Na época em que alguns poucos psicólogos trilhavam esse mesmo caminho. E, hoje, depois de mais de 20 anos, temos a Psicologia Hospitalar como especialidade!)

Lembro-me que, em 1988, ao ingressar por concurso público no Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, escolhi o Pronto Socorro e as UTI s para construir meu percurso profissional no contexto hospitalar. Comecei a descobrir nos pacientes e familiares/acompanhantes, o material/ conteúdo que seria possível desenvolver em termos de trabalho nesses espaços. Não era e nunca foi um trabalho fácil. Naquela época, fui compreender melhor a rotina e os valores a partir das obras de Foucault (1987, 1989). Existe uma história, uma cultura por trás de tudo isso que vivenciamos e que assistimos no cotidiano hospitalar — inclusive a forma como as relações são estabelecidas. A partir de minha vivência, enquanto participante desse contexto, comecei a sentir certo incômodo ao me deparar com as críticas que se faziam aos profissionais mais diretamente ligados aos pacientes, principalmente à figura do médico. Fala-se muito a respeito da frieza e indiferença do contexto hospitalar, nas relações interpessoais, principalmente na relação que se estabelece com o paciente. Chamo aqui de paciente não somente o paciente em si, mas seus familiares, que também devem ser vistos assim, uma vez que estão passando por um processo de adoecimento, só que um adoecimento diferente, que se dá pelo processo da perda real ou pela possibilidade de perda. Diante desse cenário eu quis entender o porquê desse distanciamento, dessa indiferença na relação profissional-paciente. Podia entender claramente os mecanismos de defesa presentes nessa relação, mas isso não era o suficiente. Decidi, então, tentar entender no Mestrado esses mecanismos advindos da necessidade de se defender do sofrimento vivenciado na relação médico-paciente. Durante o curso de Mestrado (Paiva, 2000), estudei os médicos em sua relação com pacientes com câncer avançado e em fase terminal. Procurei analisar, utilizando um questionário e uma entrevista, as atitudes dos médicos em relação à doença, ao doente, à família, à morte e a seu percurso durante sua formação acadêmica e profissional. Observei que, apesar de todos os médicos entrevistados trabalharem com pacientes com câncer

avançado e em fase terminal, nem todos, na verdade, suportavam esse contato e relataram dificuldades pessoais e/ou limitações para enfrentar tais situações. Quanta dor e quanta morte encontrei em meus entrevistados. Que dificuldade e quanto sofrimento vivenciado nessa relação! Pensei muito na formação do médico e em seu despreparo para trabalhar com a vida e a morte, nas situações que mobilizam tantos sentimentos, como a impotência, por exemplo. Foi pensando na formação do médico e, depois, ampliando esse questionamento para a formação de todos os profissionais de saúde que se deparam com as várias mortes em seu cotidiano que passei a me questionar como nós, de modo geral, lidamos com essa questão. Os profissionais são treinados/ preparados para curar e salvar — curar a dor física de quem sofre —, mas não são preparados para lidar com angústias, dores e sofrimentos emocionais advindos do sofrimento físico. Essa relação de troca existe no próprio contato humano e, por mais que se tente fugir dela, ela existe por si e em si. A partir dessa compreensão, fiquei imaginando quanto os profissionais de saúde são mal preparados para lidar com essas mortes, com todo esse sofrimento e essa dor e buscam, em sua profissão, encontrar uma poção mágica. Não a encontram! Apenas enfrentam mais sofrimento, muitas vezes, sentindo-se fracassados. Um sofrimento solitário, engolido, calado, sufocado, não compartilhado... Pensei, então, se estavam conscientes da escolha profissional que fizeram, se tinham consciência do que iriam encontrar e com o que lidariam ao longo da trajetória e vida profissional, e em muitos momentos pareceu-me que não! Diante disso, deduzi que a problemática seria anterior. Acredito que a necessidade maior esteja em lidar com essas questões (dores, morte e sofrimento) ao longo da vida, para uma escolha profissional mais madura e mais consciente. E não só nisso, mas também nas nossas outras escolhas, ao longo da vida. Pensar a morte é repensar a vida! Acredito que isso sugira uma possível mudança de cultura. Concluí, portanto, que a melhor forma de se encarar o sofrimento, a vida e a morte, é poder falar das angústias que acompanham essas questões, olhá-las de frente, desvendá-las e revelá-las. Mas como fazer isso, se falar desses temas é proibido? Ilustrarei esse desafio com uma passagem interessante através do olhar de uma menina de 12 anos em relação a um livro infantil. Certa noite, em 2004, estávamos minhas filhas — Juliana e Giovanna, com 12 e 9 anos na época, respectivamente — e eu numa grande livraria de São Paulo. Enquanto procurava alguns livros que precisava comprar, minhas filhas saboreavam alguns livros no “cantinho da criança”. De repente, Juliana apareceu com um livro inédito. Disse-me entusiasmada: “Mamãe, mamãe, esse livro deve te interessar... ele fala de morte!”. O livro era Sadako e os Mil Pássaros de Papel (Coerr, 2004). Ela quis que eu o comprasse e o leu rapidamente, achando-o muito bonito, embora triste. A menina, personagem central, morre no final da história. O livro baseia-se na história verídica de Sadako, uma menina vigorosa e atlética, nascida em Hiroshima, que contraiu leucemia, decorrente dos efeitos tardios da radiação da bomba atômica. Aborda o diagnóstico, o tratamento e a morte da menina, assim como o

morte — ou sua possibilidade — em seu cotidiano profissional, ficou muito claro o quanto eles acumulam de sofrimento e justificam que se tornaram “frios e distantes” (como são acusados) pela falta de preparo para lidar com doentes em situações nas quais a morte é uma possibilidade quase sempre certa (Paiva, 2000). Atualmente, já se pensa em maneiras de preparar o profissional de saúde ao longo de sua formação acadêmica. No entanto, ressalto que tal preparo deve acontecer ao longo da vida inteira, uma vez que as várias mortes fazem parte de nossa existência enquanto seres humanos (justamente para que seja preservado o humano). Por isso, entro neste estudo, que busca alternativas ao preparo dos cuidadores, para que possam acolher os questionamentos advindos de seres humanos de todas as idades, inclusive de nossos pequenos, nos vários contextos de suas vidas. Acredito que, ao se adentrar o universo infantil com abertura para esse acolhimento, poderemos repensar aspectos pertinentes à morte, perdas e luto, tecendo reflexões, partilhando experiências e sentimentos nesse exercício de con vivência. Para isso, elegi a literatura infantil como meio de intermediar essas reflexões e compartilhamento de opiniões, sentimentos e emoções. Acredito que a literatura infantil mobilize também várias emoções de nossas crianças internas, trazendo à tona bruxas e fadas que habitam nosso interior. Fadas e bruxas trazem-nos, cada qual com seu potencial, encantos e feitiços que podem transformar-nos e ajudar-nos a encontrar respostas (nem sempre tão mágicas) para enfrentarmos nosso universo ameaçador. Contar contos de fadas, histórias de vida... de vida e de morte... Encontrar sempre nelas o final feliz, nem que seja a felicidade de encontrar a dor doce da saudade!^1

Como Surgiu a Ideia de Falar sobre a Morte com Crianças

No passado, de acordo com o livro A História da Morte no Ocidente (Ariès, 1977), a morte era um evento público e social, ou seja, fazia parte da vida de todos, inclusive contava com a participação de crianças nesse evento. Atualmente, a morte é colocada do lado de fora da vida, entretanto, ela está muito próxima. Basta nos depararmos com a violência que encontramos nas metrópoles, envolvendo assaltos, sequestros, acidentes e o anonimato. Observamos também o medo aterrorizador das guerras e dos ataques terroristas em outros países divulgados diariamente pelos meios de comunicação. Se olharmos com atenção a questão da saúde, notaremos mudanças que ocorreram com os avanços da Medicina. Hoje, os idosos têm uma sobrevida maior; os pacientes acometidos por algum tipo de doença crônica, como o câncer, por exemplo, têm uma chance de cura e/ou de viver por mais tempo. Além disso, indivíduos soropositivos para o HIV , que antes eram vistos como condenados, hoje passam a ter uma vida muito mais próxima do normal, por um tempo considerável, inclusive com chances de constituir família. Por outro lado, temos como consequência muitos jovens e crianças que já perderam algum parente próximo ou até mesmo os pais vítimas do câncer ou da AI DS. Perguntamo-nos: Como a morte é trabalhada com essas crianças e com esses jovens? No caso da AI DS, há muitas crianças e jovens cujos pais são soropositivos, e em

muitos casos eles próprios são soropositivos para a doença e têm que viver com essa condição, embora ainda não estejam preparados para enfrentá-la. Muitas crianças e jovens vivem e convivem com a doença, tendo sempre a morte como uma possibilidade muito presente, além de terem que lidar com o luto de pais, amigos e parentes nessas condições. Penso nas crianças que sofrem o estigma de conviver com essa “tarja preta” da orfandade da AI DS. Como constroem seu percurso e como lidam com a perda do(s) pai(s) por causa de uma doença que, socialmente, é vista como resultado de uma vida promíscua? Comecei a refletir sobre a formação do indivíduo e, então, a percorrer a seguinte linha de pensamento: seria interessante que as várias mortes com as quais a criança se depara em seu dia a dia pudessem ser trabalhadas, para que ela fosse preparada desde cedo a enfrentar esse tema. Nesse contexto, o termo morte adquire um conceito bem mais amplo, abrangendo não só a morte física como também as mortes simbólicas, envolvendo perdas, dores e frustrações. Ao longo da infância, a criança, muitas vezes, se depara não só com a morte de seu bichinho de estimação ou de uma pessoa importante, mas também com a separação dos pais (morte de uma família constituída), a dor da diferença (sofrimento decorrente do fato de ser diferente) ou a impossibilidade de conseguir algo. Tais frustrações, dores, perdas e mortes provocam sofrimento e dores psíquicas e, algumas vezes, levam a mudanças e reformulações na vida da criança. Portanto, parto da premissa de que, com adultos que saibam compreender essas várias mortes, provavelmente a criança estaria mais bem preparada para enfrentar perdas. Além disso, poderia elaborar o processo de luto com mais facilidade e, provavelmente, também conseguiria se relacionar melhor com as situações inevitáveis, sendo capaz de encarar a morte como algo que faz parte do processo do viver. Ao longo de meu percurso profissional, como psicóloga hospitalar, sempre me chamaram a atenção a questão da onipotência médica e a postura fria e distante que os médicos adotam para lidar com seus pacientes, mostrando-se muitas vezes apressados, sem tempo, com uma linguagem própria, às vezes não compreendida. No Mestrado, ao estudar como acontece a relação do médico com situações de morte, constatei o sentimento de impotência diante de um prognóstico da impossibilidade de cura e a frustração que esse paciente poderia representar para o médico. De modo geral, esses profissionais demonstraram dificuldades emocionais para lidar com a finitude e com os limites da Medicina, reclamaram de uma formação acadêmica voltada para a cura e o despreparo para lidar com uma gama de sentimentos e aspectos psicológicos que estão presentes na situação de não cura (Paiva, 2000). A partir dessas constatações, em relação aos médicos e a outros profissionais de saúde, comecei a me questionar sobre o preparo dos profissionais da área da educação para lidar com situações de morte, perdas e luto, uma vez que, culturalmente, pensa-se que a morte não faz parte do contexto da educação. Durante o processo de seleção para o Doutorado, fui questionada sobre meu projeto, tendo como argumento a questão de que os profissionais da área de educação não estão voltados para a problemática da morte nem são preparados para lidar com o tema. Ouvi que a escola não é um espaço no qual se queira saber de conflitos dessa ordem. Tive a impressão de que meu projeto não era bem-vindo, embora tivesse sido aprovado, e de que seria melhor pesquisar questões mais pertinentes à educação e que pudessem trazer resultados mais significativos e “proveitosos”. Não me atrevi a discutir tal questionamento, decidi defender meu projeto.

morte de tantos inocentes. Todos querem falar sobre isso, pois a possibilidade de morrer tornou-se presente. Pois bem, mais uma vez questiono: Qual é o espaço da morte em nossa vida? Existe um espaço específico para a morte? Quem é o responsável para trabalhar com a morte? Existe algum preparo para enfrentá-la? Particularmente, acredito que a morte está na vida, em todos os lugares, a qualquer momento, enquanto realidade ou possibilidade, ou lembrança, ou manifestação de perdas, ou ausência, ou... ou... ou.. Enfatizo a importância de se dar voz àqueles que perdem. Enfatizo a necessidade da escuta e do acolhimento a todos os possíveis sentimentos e manifestações relacionados às várias mortes. Corr, Doka e Kastenbaum (1999) valorizam a escuta ativa e a atenção especial como formas de acolhimento, facilitadoras no enfrentamento da morte. No entanto, reforçam que o enfrentamento é individual, variando de pessoa para pessoa. Por isso, é um assunto que implica esforços individuais e sociais para superar perdas e desafios arrostados durante o processo de morte. Priszkulnik (1992) afirma: “A criança está disposta a saber a verdade sobre a morte, tanto que indaga sobre ela de várias maneiras. Muitas vezes, é o adulto que teme falar sobre o assunto” (p. 496).

Ricardo Azevedo (2003) diz que:

falar sobre a morte com crianças não significa entrar em altas especulações ideológicas, abstratas e metafísicas nem em detalhes assustadores e macabros. Refiro-me a simplesmente colocar o assunto em pauta. Que ele esteja presente, através de textos e imagens, simbolicamente, na vida da criança. Que não seja mais ignorado. Isso nada tem a ver com depressão, morbidez ou falta de esperança. Ao contrário, a morte pode ser vista, e é isso o que ela é, como uma referência concreta e fundamental para a construção do significado da vida (p. 58).

Kovács (2003) afirma que a morte é tema para ser discutido na escola com jovens e crianças, uma vez que vivem grande parte de suas vidas nesse espaço. Essa discussão pode envolver o psicólogo escolar, além dos profissionais da área de educação. Para isso, porém, é necessário que exista um preparo, o que certamente não foi assunto priorizado em sua formação acadêmica. De que forma, então, isso deveria ou poderia acontecer? Com este estudo espero propor uma possibilidade de se trabalhar melhor com os educadores, que terão que dar conta das várias mortes com as quais a criança tem contato, para que ela consiga elaborar melhor e de forma mais saudável seus lutos. Para isso, introduzo uma reflexão a respeito da morte enquanto fato em si, concentro a atenção na observação da criança e dos profissionais da educação frente à morte e discuto a viabilidade de uma seleção/estudo de literatura infantil relacionada ao tema morte.

Dividirei os temas em capítulos para melhor explorar os vários tópicos relacionados ao tema proposto:

— Morte

— Criança — Escola — Literatura Infantil — Biblioterapia