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O Humanismo e a Questão do Livre Arbítrio: Erasmo de Rotterdam e Lutero, Notas de estudo de Religião

Este texto discute o papel do humanismo na evolução da religião ocidental, focando no debate entre erasmo de rotterdam e lutero sobre o livre arbítrio. O humanismo, que valorizava o poder da razão humana, levou à redescoberta da antiguidade e à relaçãoção dos valores da cultura pagã com a tradição cristã. No entanto, essa evolução podia correr o risco de desencarnar o cristianismo e secularizá-lo. O texto explora como a discussão entre erasmo e lutero influenciou a reforma protestante e a igreja católica.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Abelardo15
Abelardo15 🇧🇷

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CONCLUSÃO
O humanismo ao inserir o método crítico nas ciências religiosas, pondo em
dúvida a autoridade da vulgata latina, apresentou as Escrituras sob a luz de uma nova
fé, que tinha na exaltação do livre poder da razão e da experiência do homem no
mundo o seu centro. Convicto da dignidade de sua curiosidade investigativa, Pico
Della Mirandola, por exemplo, como já vimos, chegou a pensar que uma parte
importante da revelação escapara à Igreja até então, e para complementá-la, foi direto
à tradição oral judaica, a cabala. Lefèvre D`Etaples e Erasmo, a partir de seus estudos
de grego e hebraico não hesitaram em ignorar ou corrigir a vulgata, a fim de vivificar
a palavra divina. Prisioneira de uma venerável tradição, ela agora agiria diretamente
sobre o coração dos homens, inspirando-lhes a essência do verdadeiro cristianismo,
definido pelos ensinamentos mais simples do Cristo, a caridade, a piedade, a
tolerância, que levariam à transformação espiritual dos homens, signo de sua
ascensão, garantida pela força de seu livre arbítrio.
Os humanistas de uma maneira geral foram muito mais religiosos do que se
costuma crer, porém, em sua exaltação do poder da razão humana, foram, antes de
tudo, espíritos independentes1. Redescobrindo a Antiguidade e relacionado os valores
da cultura pagã à tradição cristã, seu pensamento e sua religiosidade evoluíram
fundamentalmente para uma concepção demasiado otimista do homem. Podemos
apreciá-la, por exemplo, na Theologia Platônica de Marsílio Ficino, no esforço de
Pico pela conciliação entre os ensinamentos da Igreja e todas as demais doutrinas,
enquanto sinais da grandeza do impulso humano para o divino e ainda, no deísmo
tolerante dos habitantes da Utopia de Tomas More, tão avesso à corrupção do espírito
cristão de seu tempo. O cristianismo humanista aspirando a uma religião simples,
vivida e evangélica, era, por essência, adogmático 2. Avessa a cerimônias
1 DELUMEAU, J., op. cit., p. 79.
2 Ibid., p. 81.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210207/CA
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CONCLUSÃO

O humanismo ao inserir o método crítico nas ciências religiosas, pondo em dúvida a autoridade da vulgata latina , apresentou as Escrituras sob a luz de uma nova fé, que tinha na exaltação do livre poder da razão e da experiência do homem no mundo o seu centro. Convicto da dignidade de sua curiosidade investigativa, Pico Della Mirandola, por exemplo, como já vimos, chegou a pensar que uma parte importante da revelação escapara à Igreja até então, e para complementá-la, foi direto à tradição oral judaica, a cabala. Lefèvre D`Etaples e Erasmo, a partir de seus estudos de grego e hebraico não hesitaram em ignorar ou corrigir a vulgata, a fim de vivificar a palavra divina. Prisioneira de uma venerável tradição, ela agora agiria diretamente sobre o coração dos homens, inspirando-lhes a essência do verdadeiro cristianismo, definido pelos ensinamentos mais simples do Cristo, a caridade, a piedade, a tolerância, que levariam à transformação espiritual dos homens, signo de sua ascensão, garantida pela força de seu livre arbítrio. Os humanistas de uma maneira geral foram muito mais religiosos do que se costuma crer, porém, em sua exaltação do poder da razão humana, foram, antes de tudo, espíritos independentes^1. Redescobrindo a Antiguidade e relacionado os valores da cultura pagã à tradição cristã, seu pensamento e sua religiosidade evoluíram fundamentalmente para uma concepção demasiado otimista do homem. Podemos apreciá-la, por exemplo, na Theologia Platônica de Marsílio Ficino, no esforço de Pico pela conciliação entre os ensinamentos da Igreja e todas as demais doutrinas, enquanto sinais da grandeza do impulso humano para o divino e ainda, no deísmo tolerante dos habitantes da Utopia de Tomas More, tão avesso à corrupção do espírito cristão de seu tempo. O cristianismo humanista aspirando a uma religião simples, vivida e evangélica, era, por essência, adogmático 2. Avessa a cerimônias

(^1) DELUMEAU, J., op. cit., p. 79. (^2) Ibid., p. 81.

supersticiosas ou farisaicas e embebido do moralismo dos antigos, a verdadeira religião de Jesus, como afirmou Erasmo em uma de suas cartas, não era outra coisa que “ uma verdadeira e perfeita amizade ”^3. A filosofia de Cristo marca definidora do novo cristianismo humanista, ao centrar o sentimento religioso no mundo, na razão humana em seu exercício constante, em seu livre impulso para o bem, corria o risco, em sua evolução, de desencarnar o cristianismo, de secularizá-lo, por sua estreita associação com a cultura pagã. Como destaca Jean Delumeau^4 , havia para Erasmo um aspecto completamente mitológico no cristianismo, tal como podemos ver na audácia que pratica em seu colóquio O Naufrágio^5 ”Antigamente, era Vênus quem assegurava proteção aos marinheiros; não na dizem nascida no mar? Ela cessou suas funções. No lugar dessa mãe que não era virgem, colocaram uma Virgem que era mãe.” Em O Anticristo de Nietzsche, Lutero é apresentado como pai da filosofia idealista alemã 6 , que o filósofo tanto repudia enquanto negadora da vida, falseadora da realidade e castradora da potência humana, ao reafirmar uma fé ardorosa que despreza o homem e o mundo. Nietzsche insiste que o reformador alemão, em sua religiosidade rústica, inteiramente espiritual e abstrata, tendo no exercício do poder humano a expressão do pecado, contribuiu para impedir na Europa a última grande colheita de cultura que foi possível alcançar, ou seja, a grande transmutação dos valores cristãos da Renascença^7 : “ Lutero restabeleceu a Igreja: atacou-a... A Renascença converteu-se num acontecimento desprovido de sentido, num eterno em vão”^8. Como já vimos, a discussão sobre o livre arbítrio entre Erasmo e Lutero foi um dos marcos mais importantes da dissolução do movimento reformador humanista. Doravante, a ambiência ideológica européia já não mais seria dada pelo impulso de valorização da ação humana, numa reforma conciliatória e pacífica, mas, ao contrário, estaria dominada pelo avanço das ortodoxias religiosas e pela intolerância. Os próprios humanistas, partidários, sobretudo, da paz e do consenso, passariam a ser

(^3) Apud Ibid., p. 82. (^4) Ibid. (^5) ERASMO, O Naufrágio , Apud Ibid. (^6) NIETZSCHE, F. , O Anticristo , p. 24. (^7) Ibid., p. 129. (^8) Ibid., p. 130.

ocasião da revolta dos camponeses, quando estes irromperam em saques e pilhagens dos claustros e dos campos, o reformador alemão incitou os príncipes à sua repressão violenta justamente por discordar da violência. As guerras religiosas, em uma palavra, não tiveram sua origem em Lutero, mas sim, nos seus discípulos que ele foi impotente para controlar, ainda que tivesse regressado de Wartburg para Wittenberg com esse fim, ao tempo em que Carlstatd liderava o movimento. Erasmo, por outro lado, nem sempre fora tão amável. Ainda que insistisse no Essai sur le libre arbitre em que o debate devesse ser conduzido com civilidade, evitando a rudeza, o tom ofensivo e destruidor, não deixava, contudo de ser cortante^11 : “ quando Erasmo acertava com uma seta oblíqua de ironia, a vítima podia preferir torcer-se em silêncio, a revelar com uma réplica como tinha sido afectada e ferida profundamente.” Não é tão simples definir qual das duas estratégias foi a mais amável, mas é certo que a religião erasmista, ainda que branda, conduziu às medidas drásticas dos sacramentários Zwinglio, em Zurique, e Ecomlapádio em Basiléia, que vinham para deitar por terra de forma violenta os sacramentos e as cerimônias. Ambos consideravam Erasmo como seu progenitor ainda que o humanista os rejeitasse como filhos. Mais tarde diante da evolução dos acontecimentos ele iria, como já vimos, se posicionar de maneira mais conservadora, evitando as críticas que pudessem aguçar mais os conflitos. Pode-se dizer que, de maneira geral, o modo como Erasmo em suas obras desferia suas críticas mordazes à Igreja contribuiu mais do que Lutero para lançar o descrédito sobre a vida monástica e a tradição católica. O embate sobre o livre arbítrio, enfim, e a título de conclusão, se define para nós, antes de tudo, como o confronto entre duas experiências de subjetividade radicalmente diversas, mas características da época do Renascimento, surgidas de um mesmo impulso generalizado de interiorização da fé, que nos leva a reconsiderar a problemática das relações entre o humanismo e as reformas religiosas. Ambas possuem conseqüências e resultados inesperados e de longo alcance, influindo de maneiras variadas sobre a formação do mundo moderno. Mais que isso, como afirma

(^11) Ibid., 355.

Georges Lagarrigue^12 , a importância histórica do debate vai muito além da consideração do embate entre posições confessionais e doutrinais opostas, se funda no reconhecimento de que ele se constitui numa questão universal e permanente, constitutiva da consciência moral e ética da humanidade.

(^12) LAGARRIGUE, G., op. cit., p. 09.