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Este texto explora as opiniões de paulo barreto e joão do rio sobre a crítica literária no rio de janeiro durante a belle époque. Paulo barreto relata suas impressões sobre as manifestações culturais que se tornaram parte da vida social carioca, enquanto joão do rio examina as produções culturais da época e reflete sobre os escritores e formas de experienciar a vida cultural. Ambos mostram interesse na crítica literária, mas se mostram incomodados quando classificados como críticos. O texto também discute as tensões e contradições da modernidade e a importância de nomes como bilac, aluísio azevedo, coelho neto e eça de queiroz para o cenário literário brasileiro.
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Não há moço com intenções conquistadoras e com vontade de assistir aos espetáculos grátis que não seja crítico, a troco apenas das entradas. A colaboração é ainda a mais bem paga – muito mais bem paga que em Paris. E isto por deferência literária, porque a folha não aumenta um número da tiragem, dando todo dia um artigo do mais festejado e aclamado escritor. Joe
Muitas foram as edições da coluna Cinematographo dedicadas a livros, peças, apresentações musicais e artes plásticas do início do século XX. Nesses escritos, Paulo Barreto, sob o pseudônimo de Joe, relata e, por vezes, mostra sua impressão dessas manifestações culturais que passaram a fazer parte da vida social dos cariocas da belle époque. Neste capítulo, nosso olhar se volta para a observação desses textos. Mesmo tendo a ciência de que não há, na coluna, exemplos do que é a crítica como entendemos hoje, pode-se considerar a visão crítica presente no discurso do escritor e a aproximação do conceito de crítica de rodapé. Soma-se a isso a inexistência da especialização acadêmica naquele momento, fato que corroborava para a crítica aparecer, muitas vezes, dentro da própria crônica e até da reportagem, como parece ocorrer em algumas publicações de João do Rio. Para refletirmos acerca dessas questões, torna-se necessário retomar algumas considerações a respeito do referido gênero para que, assim, possamos compreender melhor as palavras de Joe sobre os produtos culturais.
Da crítica de rodapé ao crítico-teórico: um breve estudo
Em Literatura nos jornais: a crítica literária dos rodapés às resenhas , Cláudia Nina afirma que a crítica literária brasileira nasceu na imprensa ainda no século XIX. No entanto, tais textos eram um tanto diferentes do que os denominados hoje de crítica, consistiam em comentários sobre produções literárias da época. A autora coloca ainda que era comum a relação entre o “crítico” e o autor de uma determinada obra influenciar no tom do texto. Se eram amigos, os elogios estavam presentes. Quando havia desafeto, a palavra denunciava^18. Flora Süssekind, em “Rodapés, tratados e ensaios: a formação da crítica brasileira moderna”, explica a razão dessa conjuntura. Durante um tempo, as críticas não contavam com respaldo teórico. A chamada crítica de rodapé, isto é, a fundamentalmente não-especializada, para usar as palavras de Süssekind, eram feitas por bacharéis. A análise das obras era, portanto, pautada no empirismo dos escritores. Entre as características expostas, vale destacar que ora a crítica se aproximava da crônica ora da reportagem. Esse quadro só sofreu modificações após a abertura do curso de Letras, na década de 30 do século passado, como veremos mais adiante. No entanto, cabe salientar que, mesmo neste cenário, muitos críticos já tinham consciência de sua função; assim nos mostra Machado de Assis:
Outra, entretanto, deve ser a marcha do crítico; longe de resumir em duas linhas, - cujas frases já o tipógrafo as tem feitas, - o julgamento de uma obra, cumpre-lhe meditar profundamente sobre ela, procurar-lhe o sentido íntimo, aplicar-lhe as leis poéticas, ver enfim até que ponto a imaginação e a verdade conferenciaram para aquela produção. [...] Crítica é análise – a crítica que não analisa é a mais cômoda, mas não pode pretender a ser fecunda. [...] Para que a crítica seja mestra, é preciso que seja imparcial, - armada contra a insuficiência dos seus amigos, solícita pelo mérito dos seus adversários [...]. (ASSIS, 1962: 798)
(^18) Vale ressaltar que Paulo Barreto demonstra ter conhecimento da prática relatada pela autora, pois ao examinar o trabalho de J. Brito escreve: “Talvez eu fosse suspeito para dizer essas coisas – eu que sou amigo do autor há pelo menos dez anos. Mas quando se trata do talento – tenho por [ilegível] elogiar mesmo sem conhecer e sem que me peçam. O meu louvor [ilegível] neste caso – se é que o meu louvor vale alguma coisa – um pouco mais [ilegível] apenas porque se eu admiro Um Beijo , francamente, estimo e muito a alma boa e carinhosa [ilegível] de quantos o obtiverem...” ( Gazeta de Notícias , 22 de dezembro de 1907).
Ainda nessa linha, a autora enuncia que o alvo mais atingido foi Álvaro Lins. Tal fato dava-se pela representação desse escritor para o cenário literário brasileiro. Dessa forma, nos fala Süssekind, questionar o exercício de Lins:
era abalar o sistema literário que fizera dele ‘imperador’. E, com isso, se abriria espaço para um outro tipo de critério de avaliação profissional, para uma substituição do jornal pela universidade como ‘templo da cultura literária’ e da figura do crítico enciclopédico e impressionista, com sua habilidade para a crônica, pela do professor universitário, com seu jargão próprio e uma crença inabalável no papel ‘modernizador’ que poderia exercer no campo dos estudos literários. Trata-se, em suma, de substituir o rodapé pela cátedra. E conquistar o poder até então em mãos de não-especialistas para as daqueles dotados de ‘aprendizado técnico’, nas palavras de Afrânio. Isto é, para os críticos- professores. (Ibidem: 20 )
Dadas às incompatibilidades, o que ocorreu foi a convivência desses dois modelos distintos, nos anos 40 e 50 do século XX, até a perda de prestígio da crítica de rodapé e afirmação da crítica especializada. Mesmo já consolidados, os críticos- scholar , do meado para o fim da década de 60, perdem espaço nos jornais e, com o tempo, ficam restritos às publicações acadêmicas. É neste momento que surge, então, o crítico-teórico ou o ensaísta, que passa a teorizar sobre a literatura e sobre as formas de abordá-la. Süssekind comenta ainda sobre a década de 80, momento significativo para as transformações da crítica. De acordo com ela, o crescimento editorial não favorece a reflexão crítica, pois o foco se volta para a venda de títulos e não para a análise. A evidência aproxima, mais uma vez, a literatura e a imprensa, que oferece aos leitores resenhas, notícias e, por vezes, até textos comerciais. Há, portanto, um retorno da figura do crítico-jornalista e, mais uma vez, está formado o embate. Neste caso, declara Süssekind, não mais entre as figuras, contudo entre as instituições universidade e imprensa. Se fosse, então, necessário traçar um perfil do crítico brasileiro moderno, seria possível classificá-lo, usando as palavras da autora, em uma figura mutante, que alterna entre cronista, jornalista, scholar , professor, teórico e ensaísta. Após breve revisão teórica, no próximo tópico, vamos observar os textos da coluna Cinematographo que retratam as manifestações culturais do início do
século XX. Assim, propomos uma reflexão sobre essa crítica existente na crônica de Joe, além do estudo da vida literária, teatral e artística do período.
Joe: cronista-cultural ou crítico-cronista?
Na obra A vida literária no Brasil de 1900 , Brito Broca examina e reflete acerca das produções culturais da época, bem como dos escritores e das formas de experienciar a vida cultural. Em sua análise, aparecem muitos homens de letras, inclusive, João do Rio. Sobre o cronista, explana Broca:
Os contemporâneos descrevem-no como uma criatura particularmente encantadora, amigo dos escritores, favorecendo os jovens de talento que apareciam pelas redações dos jornais. Deu a mão a Diniz Júnior, a Batista Júnior, a Nogueira da Silva e outros. Os estreantes de valor mereciam-lhe com frequência um artigo de estímulo. (BROCA, 2004: 325)
A citação acima nos induz a pensar sobre esse chamado “artigo de estímulo”. Escritos dessa natureza comentavam as expressões da cultura oscilando entre o que entendemos por reportagem e crônica. Ora, se o antigo crítico- cronista, como nos mostrou Süssekind, apresentava essa característica, poderíamos assim considerar o nosso escritor. Por outro lado, quando era classificado de crítico, Paulo Barreto mostrava-se incomodado. Na coluna do dia nove de janeiro de 1909, conta que recebeu o volume Ânforas do poeta Agrippino Grieco. Na dedicatória, foi chamado de crítico literário, o que não agradou:
Não há qualificativo com que eu mais me incomode. Crítico literário é em primeiro lugar uma função social e mental fora da moda. Em seguida, crítico literário, os raros casos que esporadicamente estalam nas folhas diárias, são antes o que se poderia chamar uma impertinência pública. Por que diabo um cavalheiro que nada fez de bom ou mesmo de mau vem para o jornal agredir os que têm esperança e trabalham? E crítico literário aqui quer dizer: o notável sujeitinho que nota defeitos e passa descalçadeiras. Qual o crítico com esse estado de simpatia cerebral necessário para não cometer semanalmente a covardia de sapatear em cima do ideal alheio para mostrar que é famoso? (9 de janeiro de 1909).
República. Aqui só? Não. Em toda a parte a sensibilidade dos cabotinos torna-se um exagero fantástico. Em Paris agora há coisas tremendas no ar. Porque Brisson achou que o Bois Sacré tinha cenas de music-hall , os dois autores escreveram-lhe uma carta em que o menos a responder é mandar testemunhas logo. (22 de maio de 1910)
Joe atribui a situação à arrogância dos autores e artistas célebres estimulada pelos empresários. Falar o que realmente pensa seria causar uma situação de conflito. Ironicamente, conclui que as notícias podem ser feitas até mesmo sem assistir aos espetáculos, já que a solução é sempre elogiar. Assim, não teria o crítico problemas com empresários e artistas. Suas impressões sobre a referida atividade aparecem outras vezes em sua coluna dominical. Em 19 de setembro de 1909, ao discorrer sobre o espetáculo Escândalo , de Medeiros e Albuquerque, expõe a opinião de que a crítica falou menos do que deveria. Para Joe, são notórias “a elegância precisa do diálogo do primeiro ato, a sobriedade das cenas passionais e as situações de drama violento que as esmaltam (...)” (19 de setembro de 1909). Ainda de forma mais severa, em seis de fevereiro do ano seguinte, chega a lamentar a falta de existência da crítica ao observar a repercussão da morte do escritor Luiz Delphino. Paulo Barreto coloca que, com exceção de Veríssimo e de Araripe Junior, ambos afastados de jornal, as críticas sobre Delphino mais se assemelham a notícias do que a críticas propriamente ditas e contesta o fato de não ter alguém que explique ao mundo “o seu gênio lírico, o seu verso sensual – porque Luiz Delphino é o maior lírico sensual da língua portuguesa –, as suas incorreções súbitas e os seus voos d’águia” (06 de fevereiro de 1910). Na mesma linha, expõe a repercussão da peça Impunes , de Oscar Lopes, que, de acordo com a crítica, foi um desastre. A partir do caso, certifica que “é preciso saber que não há crítica de teatro no Rio, exceção feita de Rodrigues Barbosa”. Acrescenta o escritor que os demais textos são de noticiaristas, assim como ele se define. Em seguida, recorda o momento em que uma obra teatral de sua autoria foi alvo de julgamentos:
Que me lembre, nunca, em toda a minha vida, tive a menor contenda e a menor palavra desagradável com os noticiaristas teatrais. Muitos não conheço. Um belo dia, a Lucinda, o Cateysson, o Christiano representaram, em três atos, uma revista que eu escrevera para dois, com a colaboração do J. Brito. Era uma revista pelo menos diferente das “roupas velhas” da “Capital Federal”, que nos exibem há dez
anos. Os três artistas, sem saber papeis, o Christiano a pensar que descia da sua dignidade, em representar revista e a mostrar em cena isso (o Christiano é ingenuamente pretensioso), tudo prognosticava um desastre. Fui para o teatro, à espera da pateada, e gozei todas essas misérias do autor abandonado entre os cenários dos cabotilhos, lançando piadas irônicas, etc, etc. Só o público, só o público se conservou sem a manifestação, única que eu julgaria justa. No dia seguinte, abri os jornais. As notícias eram sapos vivos. Uma das gazetas, numa fúria hidrófoba, não se contentava em insultar-me no lugar em que comumente elogia toda a bagaçaria teatral. Era preciso mais. Atirou um artigo na 1ª página, com todos os desesperos imagináveis e duas entrelinhas! Nesses desesperos, vinham como um crime até os artigos que nesse tempo compunha para a Alma encantadora das ruas. Eu era um criminoso da pior espécie! (12 de junho de 1910).
Paulo Barreto narra que as ofensas lhe deram força para acreditar ainda mais na peça e iniciar outra, a Última Noite , que teve 50 representações consecutivas. Comenta, então, que, em outro país, basta vencer o intelectual uma única vez e, no Brasil, é preciso fazê-lo diariamente. Essas tensões e contradições da própria crítica expostas nos textos que revelam a opinião de João do Rio acerca da atividade parecem, contudo, evidenciar as tensões e contradições da própria modernidade. Diante de um momento marcado por dualismos, é até natural que estes também apareçam em outras conjunturas e situações. E por que não surgiria também dentro do exercício da escrita? Assim sendo, poderíamos, então, considerar Joe, em Cinematographo , vezes cronista-cultural, vezes crítico-cronista. A partir disso, nosso olhar se volta, agora, para alguns dos escritos de Paulo Barreto sobre as expressões culturais da época. No que se refere à literatura, pode-se assegurar o significativo interesse de João do Rio. Prova disso é o volume O momento literário (1905), no qual o escritor realiza enquetes com grandes nomes da literatura da época a fim de traçar um panorama da referida arte, do fazer literário, do movimento e da vida literária. Não à toa, grande é o número de colunas destinadas a novas publicações de obras da área mencionada. No dia cinco de julho de 1908, o jornalista fala da quantidade de livros recebidos constantemente e aproveita para elogiar o brasileiro que, em suas palavras, sabe escrever versos. A oportunidade também serviu para enaltecer os livros Poemas do Sonho e da Saudade , de Paulo Brandão, e Emeutário , de Gustavo Teixeira.
A decisão por deixar quase o texto completo a respeito do livro de Baptista Cepellos não se deu sem razão. Acredita-se que o escrito representa a crônica atravessada pela visão crítica de Joe, sobre a qual debatemos. Inicialmente, o jornalista utiliza o recurso do diálogo possibilitado pelo encontro com o autor, que no exato momento é caracterizado como poeta. Assim, já configura o cenário para tratar da obra, a primeira prosa de Baptista Cepellos. Ao analisá-la, atribui adjetivos, faz comparações com Eça de Queiroz e pontua as influências deste no novo livro do brasileiro, além de comentar sobre os personagens e o espaço onde se passa a narrativa. Vale pontuar a referência a autores estrangeiros, nomes de relevância da literatura ocidental. O fato revela a adoção de um critério de valor pautado nesse padrão. Temos, portanto, uma amostragem significativa do exercício da crítica de João do Rio em relação ao cenário cultural; um texto aparentemente narrativo, no entanto, marcado pelo conhecimento e opinião do autor. A literatura infantil também foi lembrada. O livro Os meus brinquedos , de Figueiredo Pimentel, aparece em crônica do dia 17 de julho de 1910. No texto, Paulo Barreto discorre sobre o trabalho do escritor para crianças:
Li Os meus brinquedos. E por que não dizer? a impressão foi encantadora. Os enredos dos pequenos contos são os mais conhecidos, desde a história da Baratinha, a história das três princesas que foram transformadas em três cidras. É este um dos valores do livro. Não há invenção pessoal, há apenas a maneira de dizer. (17 de julho de 1910)
Em seguida, fala de sua relação com as histórias infantis, as quais eram contadas por uma tia e que ainda menino sabia todas de cor. Assume, então, que seria um tanto prazeroso escrever histórias para as crianças assim como o fez Figueiredo Pimentel, “homem feliz, que, na idade madura, amou os contos de crianças e de novo os disse às crianças, num meigo estilo sem pretensões!” (Ibidem). Apesar de reforçar constantemente a capacidade literária do povo brasileiro, Paulo Barreto já havia falado da dificuldade que é escrever prosa. Em uma das crônicas do dia cinco de abril de 1908, afirma que músicos, pintores e escultores seriam capazes de escrever versos; no entanto, prosa é coisa diferente, algo mais difícil. É aqui que Joe pondera sobre os livros: Lendas Brasileiras , de
Carmen Dolores; Intruso , do tenente Augusto de Sá; e de Coelho Neto, Fabulário e Jardim das Oliveiras. Define o volume de Augusto como um romance de costumes militares; o de Dolores como “um apanhado muito leve e muito interessante do nosso ‘folk-lore’ para crianças, em que a vigorosa escritora pôs o melhor da sua alma de mulher: a doçura, a simplicidade, o encanto” (05 de abril de 1908). A grande admiração, no entanto, é mérito de Coelho Neto^19. Segundo Paulo Barreto, “só a publicação de um livro desses faria a reputação e o renome de um escritor” (Ibidem), mas Neto vai além e publica três em apenas um mês. A respeito do gênio literário, declara:
Coelho Neto! O nome desse homem consegue desorganizar-me, enchendo-me de orgulho e de pasmo. Será ele mesmo o autor de tantos livros? Daria Deus a um homem só tanto talento e a força de o mostrar inextinguível, contínuo, vivo, perpétuo pelos anos afora na perpétua apoteose? Como não o venerar, moço assim e forte como o grande mestre e o guia honesto? Como não o indicar à mocidade? Como não o invejar, almejando ao menos fazer um pouco do que se assemelha a sua obra — o mais vasto, o mais completo monumento da intelectualidade brasileira neste começo de século? (05 de abril de 1908)
Em oito de março de 1908, já apontara Joe a habilidade de Neto. O cronista se revela abismado com o fato do literato “renunciar a todos os prazeres para aquela eterna prisão da pena” (08 de março de 1908). No mesmo dia, confessa o temor, outrora sentido, ao imaginar que o cérebro de Neto poderia se esgotar. Tal sofrimento só passa quando o encontra no teatro certa vez. O literato faria um discurso, mas parecia tão acabado que Paulo Barreto se preocupou. No entanto, “Coelho Neto assomou ao camarote todo, o teatro caiu no silêncio meio hostil que é hábito nessas ocasiões”; Barreto observou “o feixe de nervos crescer e (^19) Em O Momento Literário , de João do Rio, Coelho Neto fala que sua formação literária deve-se a pessoas e não a autores. Suas histórias têm influência do sertão, onde viveu os primeiros anos de vida. Entre os escritores estrangeiros que o impressionaram, destaca Shakespeare, Plutarco, Flaubert, Maupassant e Taine, o último foi base de sua visão crítica. Neto também ressalta os ingleses de sua época e os clássicos portugueses, além de Eça de Queirós. Na ocasião, conta o entrevistado que escreve diariamente, exercício, para ele, de imenso prazer. No entanto, devido à grande produção, não há tempo de “retocar” os escritos antes da entrega para os editores. Para ele, o Brasil formaria ainda uma escola literária que depende, antes de tudo, do prestígio oficial: “No dia em que a proteção oficial for uma realidade, o público admirará a arte no teatro e no romance, como se encaminhou para a Avenida, e o artista, tendo-se deleitado num grabato, acordará num leito de púrpura” (NETO apud RIO, 1905: 59). Vale ainda pontuar que, de acordo com Neto, a literatura brasileira já se encontrava dividida entre Norte e Sul e o feito foi obra, de acordo com ele, de Euclides da Cunha. Prevê Neto que, em alguns anos, o Norte seria “a grande poesia natural do Brasil” e à região caberia a literatura do sertão, com a presença de um lirismo, com pretos caboclos e seus descendentes. Ao Sul, a literatura campina, marcada pela terra fria, pelas lutas e elementos estrangeiros.
Hoje Bilac é o maior, tendo a graça de não julgar que o é, hoje Bilac é bem o amado poeta da cidade, que a cidade enaltece e eu nesse banquete que parece o fim de uma flerie , onde tudo é luz, é olor, é beleza, é distinção, sinto a imensa alegria que a todos causa uma festa dada a Bilac, o espírito que alia a honra antiga de Plínio o jovem, a embevecedora posse de todas as harmonias. (...) A civilização ainda é o respeito pelos espíritos de escol e as almas representativas. E, Bilac é nas suas crônicas o bom, o humanitário, o generoso poeta da cidade que entre as suas glórias conta a de tê-lo visto nascer, e Bilac é nos seus versos a alma inteira do Brasil, vibrando em cada estrofe as delicadezas, [ilegível] em cada rima a visão perturbante dos sentidos ardentes. (06 de outubro de 1907)
Acabamos de ver, por meio dos escritos de João do Rio, que nomes como Bilac, Aluísio Azevedo e Coelho Netto, assim como suas obras, eram de grande valia e sinônimo de orgulho já naquele momento para o cenário literário brasileiro. Contudo, cabe dizer que não só os consagrados, mas também a nova geração literária animava o cronista. Segundo Paulo Barreto, os novatos formam um grupo forte que surge para deixar de lado o “período da sandice, da pelotiquice e da proteção de um punhadinho de rapazinhos e velhos tolos com a empáfia chefiadora de estéticas arrevesadas!” (06 de outubro de 1907). Os novos escritores, para ele, são dotados de inteligência. Por isso, recebem elogios de artistas, são admirados pelo público e não encontram dificuldades para publicar seus livros. Entre eles, destacam-se “Goulart de Andrade, um poeta que vê em menos de seis meses esgotada a primeira edição de seus versos; Luiz Edmundo, a que o mesmo acontece; Flexa Ribeiro, um sensual delicado, Thomaz Lopes, Oscar Lopes...” (Ibidem) e Domingos Ribeiro Filho, que lançou O Craco Vermelho. Embora critique alguns pontos da obra, o nome do escritor e sugira que o mesmo use um pseudônimo, Joe reconhece que o livro “(...) tem novidade, tem paixão, tem topete e é, (...) não contrário à opinião do Sr. José Veríssimo ou de outro qualquer luminar antigo, a psicologia mais intensa, mais forte e mais verdadeira de um homem no nosso romance” (17 de novembro de 1907).
o poeta acredita na segregação de forma lenta, a partir da raça, do gosto e da corrente dos colonizadores e arrisca que “talvez em 2500 existam literaturas diversas no vasto território que hoje forma o Brasil” (Ibidem: 10).
Ao saltar para uma perspectiva nacionalista, nos deparamos com a reclamação de Paulo Barreto do afastamento intelectual entre Brasil e Portugal^21. Ele observa que poetas, artistas e filósofos nacionais não têm prestígio algum fora do país e conta que, de acordo com um amigo poeta, os portugueses conheciam apenas: “Coelho Netto, Bilac, Raimundo Correia e, de nome, muito, José do Patrocínio” (03 de maio de 1908). Os brasileiros, por sua vez, se assemelham, pois só falam de “Eça, Ramalho, Fialho, Junqueiro, uma grande geração passada” (Ibidem). Joe considera espantoso países “irmãos em língua” e na “fonte de inspiração” (francesa) terem as literaturas tão “escandalosamente ignoradas”. Para ele, com um “pouco de menos preguiça” essa situação se reverteria. Um dado interessante também digno de destaque é a movimentação da vida literária. Nesse sentido, um dos programas atraentes eram as conferências literárias. Raymundo Magalhães Júnior, em A vida vertiginosa de João do Rio , dedica um capítulo a esses eventos. Segundo o autor, Medeiros e Albuquerque, inspirado em experiências que acabara de obter em viagem pela Europa, foi o precursor das conferências no Brasil. Na verdade, eram reuniões semelhantes as que aconteciam em um teatro parisiense promovidas pela revista Les Annales , nas quais os envolvidos discutiam sobre diversos saberes, como arte, literatura, ciência etc. Para participar, bastava pagar o valor da entrada. Assim, foi criada uma ocupação para as tardes do Rio de Janeiro, a qual era também uma fonte de remuneração para os escritores. Em pouco tempo, os encontros se multiplicaram e tornaram-se, para usar o termo de Magalhães Júnior, uma epidemia. Em diversas crônicas, Joe relata as reuniões:
Uma conferência literária. Mais uma! Graças a Deus que é de um delicado espírito e de um homem delicioso. E todos nós, no salão cheio [ilegível] em inteligências e mundanismos, assistimos chocados a essa visão [ilegível] da alma de Espanha, a alma complexa de Espanha, que vai da rígida aristocracia de Madrid ao permanente [ilegível] da Catalunha. Tomás Lopes é o [ilegível] , um [ilegível] talhado pelo Modernismo^22 na fantasia de um veneziano. A sua ironia esfuzia: o seu respeito pelas coisas graves da etiqueta e da pragmática à sua voz tonalidades graves. Não foi inutilmente que esse espírito, evidentemente assimilador, ficou em Espanha dois anos na vida diplomática. (^21) Em tese intitulada “João do Rio a caminho da Atlântida: por uma aproximação luso-brasileira”, Cristiane D’Avila Almeida aborda a questão. 22 A respeito do traço moderno presente no Rio de Janeiro antes da Semana de Arte Moderna de 1922 ocorrida em São Paulo trataremos no próximo capítulo.
resto, antes e depois, é brincadeira...” (03 de novembro de 1907). Arthur Azevedo reaparece na coluna em primeiro de março de 1908. Na ocasião, Paulo Barreto qualifica-o como um grande escritor de teatro e incomparável quando o assunto é o conhecimento. O cronista relata que foi encomendado a Azevedo o espetáculo Cordão , um pequeno ato para o Carnaval, mas ele surpreendeu ao oferecer uma deliciosa comédia. Nesse compasso, cabe também destacar a “sátira feroz” intitulada Quebranto , de Coelho Netto (30 de agosto de 1908). Em 15 de agosto de 1910, temos o exemplo de um texto que se aproxima consideravelmente da crítica da época. As palavras que elucidam a opinião do jornalista se referem ao espetáculo Grand Guignol , considerado, na época, um “acontecimento teatral”. Encenada no Teatro Municipal, local que já era um dos ícones da modernidade, a peça foi assistida por grande número de pessoas todas as noites. O segredo do sucesso estava, segundo Joe, relacionado ao estilo, um tanto diferente:
O público encontrou agora um teatro que lhe agrada os nervos, teatros de violência, de fúria, teatro frenético, teatro sem literatura, teatro notícia de polícia. André de Lorde que o criou em Paris no Teatro Libre de Antoine, esse calmo homenzinho denominado o Príncipe do Terror, e que depois tem sido o mais assíduo colaborador de Max Maurey no Grand Guignol, pensava como Poe, sonhava em fazer um teatro tão assustador que fizesse desmaiar de medo os espectadores. Conseguiu em parte. A nossa corda emotiva cansou-se bastante da Grécia até hoje. Impressões de terror conseguia Ésquilo e o próprio Sófocles sem os horrores de Folley e de Lorde. Agora mesmo, muitas daquelas peças parecem caricaturas lúgubres e fazem rir. Mas não há dúvida: é o máximo da emoção numa sobriedade literária quase cenográfica. Eu chamaria o Grand Guignol um teatro cirúrgico. Cada peça é uma operação sem clorofórmio. Os autores, cirurgiões frios e indiferentes. Das primeiras noites, a casa era pelo meio cheia. Agora são enchentes, e o público sai como se saísse de um grande trabalho: fatigado e pálido, tanto mais quanto o repertório ganhou uma atriz nascida para ele e que não tem rival em França: a Sra. Bella Starace Sainati. (...) (15 de agosto de 1910).
Assim como vimos anteriormente quando Joe expôs sua visão crítica a respeito de obras literárias, temos aqui um exemplo da mesma postura, agora, em relação a um espetáculo teatral. A análise de Paulo Barreto é marcada por referências e adjetivos, além de tocar na recepção e evidenciar seu conhecimento em relação à modernização do teatro na Europa. Ao mesmo tempo, não se pode negar a presença da narrativa jornalística, como evidenciado no último parágrafo ao recordar as primeiras noites e comentar sobre as últimas apresentações.
Embora seja notório o tom de crítica em alguns textos de Paulo Barreto, ao tratar da encenação de Della Guardia, ele reitera que não é um crítico. Suas palavras, segundo ele próprio, revelam apenas a opinião sobre o desempenho da atriz: “uma excelente atriz daquela mediania de que falava Horácio”^23 , “uma burguesa com a nota emotiva da dor” (9 de maio de 1909). No entanto, vemos as marcas da crítica quando o assunto é a atuação do Sr. Zoncada, que se apesentou ao lado de Della Guardia:
Esse Sr. Zoncada tem um tal entusiasmo em todas as cenas, corta as réplicas de tantas interjeições, que a fazer o Morllot (um tipo de que era preciso dar impressão de medíocre pueril, do lamentável egoísta curto de sentir, curto de refinamento, curto de ideal) rompeu a medida e deu-nos verdadeiras cenas de teatro frenético. Aquilo para o Armand Duval, num teatro do Paraguai sem querer com isso ofender nem o Sr. Zoncada nem o Paraguai nem o falecido Armand Duval, estava a calhar. Ora, as peças modernas precisam de muito estudo, de muita observação, de muita compreensão. É tão difícil representar a “Veine”, a “Femme Nue” como a “Antígona”, a “Electra” ou o “Hamlet.” Daí muitas não serem compreendidas. Quando saí do teatro no dia da “Marcha Nupcial”, estava certo de que a Sra. Della Guardia, cujo talento aliás é um fato indiscutível, poderia com tempo criar uma Graça de Plessans, mas faria votos para que o Sr. Zoncada, na flor da idade, ao descansar da sua “tournée”, fosse a Paris ver representar, conversar e ouvir um homem que se chama Guitry. O Sr. Zoncada veria como a arte é diferente do frenesi e jamais faria aquela cena do plano, quase a gritar, quase num “steeple- chase” de barulho com o pianista do bastidor. (Ibidem)
Os comentários do escritor sobre a atuação do Sr. Zoncada revelam conhecimento sobre a arte dramatúrgica. Dizer que o ator se entusiasmou, usou de forma excessiva as interjeições e, no final, apresentou um teatro frenético marca o olhar crítico de Barreto. Outra evidência que vale salientar é a referência ao teatro moderno, já de ciência do cronista, o que, acreditamos, possibilita uma avaliação ainda mais completa de uma determinada obra. Para finalizar a amostragem das avaliações de Joe sobre as manifestações teatrais, cabe ainda observar o texto publicado em 15 de setembro de 1907. Uma reflexão sobre o teatro e a plateia é realizada por ele a partir da peça Céu com escritos de João Cláudio. Segundo o escritor, a cada dia vai ao teatro uma plateia diferente, que pode ser solidária e às vezes detestável. Em relação às peças, ao assistir ao espetáculo citado, ele comenta: “Já não há gêneros teatrais, nem mesmo
(^23) Vale recordar o princípio de Horácio utile dulci , que significa instruir deleitando.
mais o encontramos. A indiferença, o esnobismo, a politiquice e a soma destes três elementos: o analfabetismo terá dado esse resultado” (Ibidem)^24. Se o assunto é arte, abordaremos também a pintura. Em cinco de janeiro de 1908, Joe conta de uma visita ao ateliê do mestre Rodolpho Amoedo, na Avenida Sete de Setembro. O cronista reforça a preparação do pintor para compor as suas obras e reconhece ser essa a razão do seu êxito: “É que Amoedo pensa muito as suas obras antes de compô-las. O trabalho de preparo cerebral para a Narração de Philetas, a Partida de Jacob , a Saudade foi de três a quatro anos” (05 de janeiro de 1908). No ano seguinte, narra outra visita, quando encontra Amoedo entusiasmado com uma exposição que acontecerá no Chile e terá a participação de alguns artistas brasileiros. O pintor participaria do evento com o quadro Saudade , um dos seus melhores quadros, segundo Paulo Barreto, já que nele está “a maturidade de esteta ardente e sofredor” (19 de junho de 1910) do pintor. Sobre a tela que será exposta, opina:
É simbolismo? É. Mas aquela paisagem de [ilegível] morno, aquele ambiente que atrai e macera, aquela exausta fisionomia de mulher, caminhando, com os olhos fixos, resumem o desânimo da amarga recordação imperecível, são um imenso sonho desolador. Não se poderia contemplar esse quadro sem uma grande comoção. Saudade, gozo amargo de infelizes... Quem não tem saudade no mundo e quem não é infeliz, sob a abóbada imensa, ilusão azul, que nos dá a negra e infinita vastidão de espaços? Nós temos sempre saudades, mesmo saudades do que nunca vimos, saudades da morta... A tela de Amoedo como que nos relembra toda a miséria do sentir. (19 de junho de 1910).
É interessante notar como Joe analisa o quadro. Após classificá-lo de simbolista, atenta para detalhes que tornam a obra ainda mais sedutora. Ao traçar o paralelo com a saudade tão conhecida pelo ser humano parece tentar personificar o sentimento que dá título à obra. Não foi apenas Amoedo que mereceu a atenção de Joe. Helios Selinger também foi tema de um de seus textos. De volta de Paris, o artista faz uma exposição de suas obras em terras tupiniquins. Em conversa, o pintor – que traz influências da Alemanha – exalta as belezas do Brasil em detrimento daquelas do exterior. Comportamento este, considerado por
(^24) O envolvimento de João do Rio com a questão do teatro era tão grande que obteve participação na fundação - junto a autores da referida arte, escritores e compositores - da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, em 1917, da qual foi o primeiro presidente. A instituição existe até hoje.
Joe, o de um artista completo, pois “o amor da pátria é um aperfeiçoamento, talvez o último, dos espíritos de eleição...” (19 de janeiro de 1908). Os eventos musicais também marcaram presença nos textos de Cinematographo. No dia três de novembro de 1907, por exemplo, Paulo Barreto escreve sobre o Centro Musical do Rio de Janeiro, que recebe uma “respeitável classe de músicos”. No local, era realizado o four-o´-clock concert , segundo ele, um programa delicioso comandado por um regente admirável.
Kabelick. Duas companhias líricas. Giraldoni. O Da Rosa. Sete óperas novas, quarenta óperas, quarenta óperas velhas. Luiz de Castro, Wagner, Guanabara. Estamos no nosso elemento. Nós sempre entendemos de música. Esta cidade é a cidade [ilegível] ... Dez mil fonógrafos [ilegível] têm no seu repertório de [ilegível] gravadas a ária da “Tosca”, pelo Caruso e a modinha “A cor morena” pelo Eduardo da Neves. No Instituto não há mais lugar para os primeiros prêmios. As orquestras são tão abundantes e os solistas tão extraordinários, que, aos [ilegível] , gênios, maiores do que [ilegível] , executam para a freguesia melodias sublimes a troco de [ilegível]. Os meninos, quando nascem, choram musicalmente e os garotos são de tal forma precoces em tudo quando é tocar que ninguém se abala mais para vê- los. As últimas estatísticas da Urca a Santa Cruz, como vítimas de batuques pertinazes, [ilegível] mil planos, fora os violinos, as violas, as vozes dos discípulos do Sr. Carlos de Carvalho e principalmente os violões. No Rio, tudo é música desde a clássica e poética música dos beijos a não menos clássica música de pancadaria. (03 de julho de 1910)
Como exposto na citação acima, a música fazia parte do cotidiano da urbe, seja a companhia lírica, as óperas ou as orquestras. A bem da verdade, não apenas a música, mas, como vimos no decorrer deste capítulo, a literatura, o teatro e as artes plásticas. Ser espectador dessas expressões artísticas fazia parte da vida urbana moderna; afinal, essas manifestações estavam na própria cidade, estavam na própria vida. E ninguém melhor do que um amante da cidade e da vida moderna para narrar – ou criticar – todas essas expressões. E assim fez Joe, um cronista da vida cultural que mostra a cidade do Rio de Janeiro também atravessada pela cultura. Através de suas crônicas, em alguns momentos contaminadas pelo sentido de crítica da época, é possível mapear a vida cultural do início do século XX.