









Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Este documento analisa a doutrina de hans kelsen sobre o direito natural, enfatizando as discrepâncias entre as teorias monista e dualista, e a inabilidade do direito natural em sustentar um valor de justiça universal. Também é discutida a fundamentação do direito positivo e as falhas na tentativa de fundamentar o direito natural como direito racional.
O que você vai aprender
Tipologia: Resumos
1 / 17
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
Como pretendemos confrontar o positivismo de Kelsen com o Direito natural finissiano, torna-se imprescindível delimitarmos que, apesar de ambos os autores não serem contemporâneos e de não encontrarmos diretamente uma crítica do primeiro autor quanto ao segundo, contudo, principalmente no livro “A Lei natural e os Direitos naturais” , há várias referências de Finnis a Kelsen, em sua maioria em um contexto crítico e negativo. Na presente abordagem, será dada ênfase à reflexão de Kelsen quanto ao debate que se refere à justiça em seus principais aspectos, para que, após, possamos considerar que apesar de não haver uma crítica expressa a Finnis, tal fato não afasta o contexto de debate então sugerido. Isso porque o positivismo kelseniano ataca a concepção jusnaturalista formulada por Santo Tomás de Aquino, explícito e reconhecido marco teórico de Finnis, e que formulou sua teoria de um Direito natural à sombra da razão humana, mesmo que numa abordagem particular. O limite do que aprestaremos no corrente trabalho, como filosofia do Direito natural, é de suma importância para o êxito de nosso objetivo, pois, além de trazer pertinência temática quanto ao objeto da presente dissertação, mais uma vez evidenciamos que, na doutrina jusnaturalista, encontramos largas discrepâncias quanto aos seus elementos, como por exemplo, quando se indaga precisamente quanto às suas origens, o que para nós seria irrelevantemente abrangente. Apontamos, desde já, que tal falta de concordância, na visão de Kelsen, demonstra por si só a fragilidade do jusnaturalismo frente ao positivismo jurídico, ou seja, uma completa falta de coesão daquele, o que o torna inegavelmente obscuro. Nesses termos, relativamente ao Direito natural, não há acordo quanto a um conceito do que seria à própria “natureza”, da qual emanam os princípios do Direito natural. Ciente desse problema, adverte Norberto Bobbio que é questionável o êxito de um estudo
do Direito natural que se baseie numa rígida distribuição de concepções, pois o mesmo se apresentava em traços distintos na Antiguidade, na Idade Média etc^1. Prosseguindo, a natureza vista sob a óptica do jusnaturalismo e que aqui merece ser ressaltada, refere-se à sua autoridade em funcionar como atividade legiferante, observando-se, contudo, as ressalvas que acima citamos. Como aduz Kelsen:
A natureza – a natureza em geral ou a natureza do homem em particular – funciona como autoridade normativa, isto é, como autoridade legiferante. Quem observa os seus preceitos, actua justamente. Estes preceitos, isto é, as normas de conduta justa, são imanentes a natureza. Por isso, elas podem ser deduzidas da natureza através de uma análise, ou seja, podem ser encontradas ou por assim dizer, descobertas na natureza – o que significa que podem ser reconhecidas (KELSEN, fl. 94). Em linhas gerais, essa natureza, conforme as lições de Kelsen, extraídas da citação acima colada, era aquela empírica do acontecer ou a natureza particular do homem, ou seja, observável por um critério de causa e efeito. Assim, via em tal assertiva um erro lógico fundamental, pois esse empirismo do Direito natural demonstra nada mais do que um “ser”, e desta observação jamais levaria a um “deve ser”, ou seja, uma norma. Assim, para o Direito natural, para se saber se uma determinada lei deve ser acatada, a mesma deve ser avaliada por uma relação de Direito e sua aptidão em garantir justiça. Aqui reside o grande traço distintivo da doutrina kelseniana daquela desenvolvida pelo jusnaturalismo, pois, naquela, o que se defende é a tese de uma teoria monista do Direito e que, segundo ela, só existe um Direito: o Direito positivo, independente de qualquer avaliação moral, com a desvinculação da norma quanto à sua aptidão de garantir ou não a justiça^2. Ao se determinar que a teoria do Direito natural seja uma teria dualista, onde o Direito válido somente assim será considerado caso corresponda às exigências de justiça, sendo que daqui se extraí a premissa de que “Direito válido é Direito justo”; para Kelsen é uma antinomia, isso porque o escrutínio moral, imposto pelo Direito natural, via uma autoridade transcendente ao Direito positivo, é apontado por nosso autor como falacioso, pela constatação de que a grande crítica que se possa fazer ao Direito natural foi sua inabilidade de sustentar um valor de justiça universal. Ao contrário, o que se apresenta em relação ao jusnaturalismo é justamente o desenvolvimento de normas de justiça diferentes e
(^1) BOBBIO, 2006, p. 1990. (^2) KELSEN, p. 172.
Direito e Natureza
Para Kelsen, há indelével dicotomia entre as ciências sociais e as ciências da natureza. Exara que o critério de identificação destas diferentes ciências reside no critério da “significação jurídica”. Assim, o critério empírico de observação será sempre insuficiente para se determinar se um ato possui conexão com o Direito ou não, pois há que se observar se esse mesmo ato possui relevância do ponto de vista jurídico. De acordo com a doutrina kelseniana, somente quando há a confrontação do “ser” com o “dever ser”, ou seja, os fatos com as normas jurídicas, é que se poderá julgá-los, frise-se, de acordo com a norma^4. Como exemplo, Kelsen traz a seguinte situação hipotética: “Um comerciante escreve a outro uma carta com determinado conteúdo, à qual este responde com outra carta. Isso significa, do ponto de vista jurídico, que eles fecharam um contrato”. Segundo os ensinamentos de Kelsen, podemos depreender importante lição: a de que o Direito não é um fenômeno natural, mas sim com pertencimento a ciência social, cujo objeto de enfoque é a sociedade e não a natureza. Para o Direito, tal explicação, como destacado, não vem de uma observação física, mas sim por um critério de significação jurídica do fato externo, que ocorre por intermédio de uma norma. Uma norma criada por um ato da conduta humana é uma norma positiva, que traz em seu bojo a prescrição ou permissão de determinada conduta ou se algo deve ou não deve ser feito.
Princípio da Imputação
Merece ressalva que Kelsen, de acordo com a metodologia acima apresentada, adota como importante lastro de sua tese jurídica o princípio da imputação, para confrontá-lo com o princípio da causalidade, utilizado pela doutrina jusnaturalista mais conservadora. Assim, parte-se da ideia de que um legislador, dotado de competência, entendeu que determinado assunto carecia de proteção jurídica, cominado,
(^4) KELSEN, Hans. A Justiça e o Direio Natural. Trad. João Baptista Machado. 2ª ed. São Paulo : Studium, fl. 95.
inclusive, de sanção no caso de descumprimento. E ainda, que imputação é justamente atribuição, ou seja, a descrição de uma norma como tuteladora da conduta humana. Afastou-se dessa forma, segundo Kelsen, a teoria da causalidade, como já dito, comumente utilizada pela doutrina jusnaturalista. A relação causa e efeito desta não é o bastante, segundo a doutrina kelseniana, para que haja essa relação entre o mundo dos fatos e sua significação à ordem jurídica. Essa metodologia particular de Kelsen foi abordada por Tércio Sampaio de Ferraz Júnior, em “Função Social da Dogmática Jurídica”, do seguinte modo:
Um dos conceitos-chave ao qual Kelsen dá um especial tratamento é o da vontade. Para ele, a vontade é apenas o resultado de uma operação lógica fundamental para a compreensão da normatividade do Direito, a chamada imputação. Imputação é o modo como os fatos se enlaçam dentro de uma conexão normativa. A pena é imputada a um comportamento de onde temos a noção de delito. O comportamento que evita a pena e não é imputado conduz a noção de dever jurídico. Assim, sujeitos de Direito nada mais são do que centros de imputação normativa e vontade, em outras palavras, em termos jurídicos, seria uma construção normativa que representa o ponto final num processo de imputação (FERRAZ JÚNIOR, p.79). Disso resulta que a proposição normativa tem um significado diferente daquela que a lei natural descreve, ou seja, o da causalidade, pois a primeira se exprime por um ato de vontade de uma autoridade jurídica e através de uma norma, sendo a segunda, numa relação empírica de causa e efeito, como, por exemplo, a ligação entre o calor e expansão^5. Podemos depreender que ponto distinto marcante entre o principio da imputação e o principio da causalidade reside no fato de que, para este, a natureza se apresenta como causa e sua conseqüência, que é o efeito. Isso, é importante ressaltar, ocorre independentemente de um ato humano, ao contrário do primeiro princípio, em que a relação de condição e consequência é estabelecida por um ato humano. Aponta ainda Kelsen, que, aqui, é justamente o significado específico da ligação da condição e conseqüência que é expresso pelo termo “dever ser” 6. Merece destacarmos também aqui, que não só as normas jurídicas estabelecem uma conduta, mas também os costumes, a religião, a moral etc. Isso se dá pelo fato de que o princípio da imputação interliga dois atos da conduta humana: a conduta de um indivíduo com a conduta de outro, por exemplo, na lei
(^5) KELSEN, 2006, p. 86. (^6) KELSEN, 2001, p. 331.
segunda concepção sobre a validade do Direito determina que o mesmo é válido independentemente da norma de justiça, ou seja, avalia-se sua fonte e não sua moral. O Direito positivo vale não porque é justo, mais porque determinada conduta é tutelada por uma norma jurídica, mesmo que essa possa ser vista como injusta. Essa é sem sombra de dúvida a concepção utilizada pelo positivismo jurídico conceitual que reconhece a validade do Direito como independente de qualquer relação com a justiça. Não nos afastando do seu propósito maior, ou seja, de tornar o Direito uma ciência, Kelsen não se preocupa com juízos de valor acerca de determinada proposição normativa, mas, sim, se esta é apta a exercer sua função em uma determinada sociedade. Dessa lição, podemos depreender que para Kelsen, o conceito de validade de uma norma, se dirige no sentido de que esta possa valer, ser vigente; tendo aptidão e cogência para regular a conduta dos homens (“dever ser”). Assim, a validade de determinada ordem jurídica, consiste na existência de uma norma jurídica, com forma, procedimento, momento, modo etc. Ressalva merece ser destacada no sentido de que a doutrina kelseniana entende o Direito como uma ordem normativa coesa. Nesse sentido, as normas jurídicas, vistas sob o positivismo aqui estudado, não encontram sua validade se vistas isoladamente. De acordo com Kelsen, o fundamento de validade de uma norma, não é outro senão uma outra norma 8. Dessa constatação podemos auferir que, em um sistema jurídico normativo, sempre haverá leis inferiores e que encontraram seu fundamento de validade em seu pertencimento a uma determinada ordem jurídica, em uma norma superior, o que Kelsen denominou como “norma fundamental”. Nesse sentido, Kelsen também resolveu grande problema em sua busca para explicar a fundamentação do Direito. Dizemos isso, pois, se o mesmo não estabelecesse um marco de orientação finalístico, onde, como já dissemos, todas as outras normas buscariam sua validade, essa busca seria perigosamente interminável, o que colocaria em risco todo o fundamento de validade de uma ordem normativa positivista. Diga-se que essa norma superior há de ser
(^8) KELSEN, 2006, p. 215.
interpretada como a mais elevada e a última de um determinado ordenamento jurídico. É importante ressaltarmos também que, de acordo com Kelsen, mais precisamente na “Teoria Pura do Direito”, a norma fundamental não pode ser vista como norma positiva, mas, sim, pressuposta e que confere validade a todo o ordenamento jurídico, na medida em que, em decorrência de sua superioridade, outorga validade à norma positiva que ocupa o topo, o ápice do ordenamento, e essa confere validade, sucessivamente, às demais normas do ordenamento 9. O que merece ser aqui destacado, é que Kelsen retira a validade das normas de uma “norma fundamental”, e não de qualquer norma de justiça:
Uma teoria jurídica positivista não reconhece o fundamento de validade de uma ordem jurídica positiva em nenhuma das muitas normas de justiça – pois não pode dar nenhuma delas preferência sobre as demais – mas, como já se mostrou, numa norma fundamental hipotética (isto é, pressuposta pelo pensamento jurídico) por força da qual nos devemos conduzir e por força da qual devemos tratar os homens conforme uma primeira constituição histórica, global e regularmente eficaz, sem importar a questão de saber se a ordem jurídica erigida em conformidade com esta constituição corresponde ou não a qualquer norma de justiça (KELSEN, p. 70).
A difícil fundamentação do Direito Natural aos olhos de Kelsen
Se para o positivismo de Kelsen a indagação da fundamentação do Direito pode ser explicada sem maiores dificuldades, tal constatação não é encontrada, segundo o autor, quando do estudo do mesmo ponto, porém, sob a perspectiva jusnaturalista. Ao se levantarem as indagações como: Qual é o motivo de validade do Direito? Por que os indivíduos de uma sociedade devem obediência ao Direito? As leis injustas são leis? Ainda, não perdendo o enfoque de nosso estudo, ou seja, estabelecer as principais diferenças presentes na doutrina kelseniana e aquela inerente a doutrina jusnaturalista de Finnis, buscaremos agora explicitar, segundo Kelsen, como pode ser entendida a validade do Direito sob o óptica do Direito natural? Citamos que, de acordo com as premissas do jusnaturalismo, a natureza, seja aquela geral ou aquela do homem em particular, funciona como verdadeira (^9) Ibid. p. 245.
Direitos naturais, ou melhor, várias fundamentações, é muito criticada por Kelsen, que aponta aqui uma contradição insuperável, se vista sob a luz da doutrina positivista conceitual. Como exemplo crasso do que acabou de ser citado, Kelsen afirma que:
Segundo uma doutrina do Direito natural, só é natural, isto é, justa, a propriedade individual, segunda outra, só é a propriedade coletiva, segundo uma só natural, isto é, justa, a democracia, segundo outra, só o é a autocracia (Ibid. p. 245). Que fique destacado que Kelsen analisou a fundo o Direito natural, deixando-nos a impressão de que as diferentes ramificações do próprio jusnaturalismo são realmente inaptas a legitimarem um conceito de justiça absoluto, e que realmente pudessem ser relevantes ao ponto de descredenciar o direito positivo conceitual. Aqui, merece ser destacado que várias correntes do jusnaturalismo se empenharam a trazer argumentos consistentes no que tange a fundamentação do Direito natural, como o fundamento metafísico-religioso da doutrina do Direito natural, a tentativa de fundamentar o Direito natural na natureza humana, o Direito natural como Direito racional, sua fundamentação pela função, dentre outras. De toda essa busca, o que ficou mais evidente para Hans Kelsen era justamente essa discrepância dentro do Direito natural em estabelecer um conceito de justiça universalmente válido e que pudesse ser indistintamente aplicado. Essa é de fato uma constatação problemática atribuída ao Direito natural, de acordo com a doutrina kelseniana, pois, se não há um consenso no jusnaturalismo quanto a este aspecto, ou seja, na previsão de um conceito seguro de seus princípios basilares, no início destacados por nós, não se pode pelo menos nesse aspecto sustentar a defesa do jusnaturalismo como uma ciência. Melhor; como poderíamos justificar o Direito positivo como derivado dessa incerteza, ou ainda, como justificar o limite a atividade do legislador, como base ao Direito natural, se essa mesma baliza não se presta como fonte segura_?_ Na verdade, a resposta acerca da fundamentação do Direito natural, em uma visão geral, carece realmente de uma verdadeira compressão e acerto sobre uma definição segura de um juízo de valor absoluto, o que não se mostrou claro para Kelsen. O que muito se dá é a própria constatação de que a atribuição de um valor, por si só, é exercício dotado de subjetividade, não podendo este ser extraído da realidade. Aqui sucumbe realmente o jusnaturalismo.
Dando seguimento à nossa abordagem, referenciamos, em um primeiro momento, aspectos de relevo referentes ao modo como o Direito natural é visto aos olhos de Kelsen em um contexto mais amplo, para somente agora fazermos menção quanto às críticas desse autor, às vertentes do jusnaturalismo que, de alguma forma, mais aproximada ou não se contextualizam à teoria apresentada por Finnis.
Possível fundamentação da validade do Direito positivo segundo a doutrina jusnaturalista e segundo a Teoria Pura do Direito
Decerto que é citada pela doutrina uma única conexão entre o positivismo de Hans Kelsen e o jusnaturalismo, que é a fundamentação do Direito positivo em uma “norma fundamental”. Tal corrente defende que realmente há certa semelhança entre a fundamentação do Direito em uma “norma fundamental”, nos moldes da “Teoria Pura do Direito” e o Direito natural. Tal ilação é sustentada, no sentido de que a “norma fundamental”, na doutrina kelseniana, não se apresenta como uma norma do Direito positivo, ou seja, norma posta, mas sim norma extraída do pensamento jurídico que confere o fundamento de validade ao Direito. Essa, inegavelmente, é uma preposição do Direito natural, mais precisamente em seu dualismo. Porém, foi apresentado o conceito de “norma fundamental” como sendo aquela da qual extraímos as regras de conduta em que os indivíduos devem seguir, tal como prescreve a primeira constituição histórica em conformidade com a qual foi criada a ordem jurídica positiva. Frisamos que a “norma fundamental” não é um ato da vontade de uma autoridade jurídica, assim, aqui não há um conteúdo de validade, mas, sim, o fundamento de validade do Direito positivo. Dessa maneira, o Direito positivo não pode estar em contradição com a norma fundamental, porém, essa pode não corresponder ao Direito natural, pois não tem a pretensão de ser Direito justo. Nesse ponto é que Kelsen repudia eventual conexão, pois, ao contrário do Direito natural, a norma fundamental não aprecia eventual justiça do Direito positivo, mas, sim, sua fundamentação na ordem jurídica como Direito válido.
conclusão não só é logicamente falsa como conduz ainda a resultados praticamente impossíveis 14 ”. Aqui parece inquestionável que, devido à diversidade de impulsos do homem, seja impossível fundamentar uma doutrina de Direito natural. Lembrando o exemplo de Tomás de Aquino, de autoconservação do homem como expoente da natureza humana, na busca de fundamentar o Direito natural e trazendo o que acabou de ser exposto, fica clara a falha em tal exemplificação, segundo Kelsen. Ora, a falha existe justamente na constatação de que o ser humano é um ser sociológico, que interage intensamente com os outros indivíduos, de modo que é temerário atribuir-se valor a uma determinada conduta em detrimento de uma outra. Assevera Kelsen que o próprio instinto de autoconservação é relevante como exemplo da natureza humana, se visto de maneira isolada. Questiona que a doutrina do Direito natural não é capaz de responder a solução no caso de conflito entre o próprio instinto aqui citado, no sentido de que em determinadas situações a autoconservação de um pode ser a aniquilação de outro. Enfim, o impulso humano de conservar a vida, conforme assevera Kelsen, somente pode ser considerado natural porque existe.
Tentativa de fundamentar o Direito natural como Direito racional
Prosseguindo, quanto a uma tentativa de fundamentar o Direito natural como Direito racional, de onde se deduz um Direito justo, ou seja, “o justo é o natural, porque é o racional”^15. Kelsen nos lembra que tal empreitada também estará fadada ao fracasso. Isso porque a natureza do homem, aqui analisado na sua razão, jamais poderá ter a aptidão em prescrever aos homens uma conduta reta, atuando como verdadeira autoridade legiferante, pela simples constatação de que a natureza aqui afirmada não seria uma natureza empírica do homem, mas sim uma natureza que refletiria uma razão ideal ou previamente estipulada, como refere Kelsen, “a razão não como ela de fato é, mas como deve ser”^16.
(^14) KELSEN, p. 104. (^15) KELSEN, p. 85. (^16) Ibidem. p. 87.
Considera ainda que o grande equívoco de tal vertente do Direito natural é de justamente considerar que somente há uma razão dirigida paro o bem, negligenciando, desse modo, a ideia de que existe também uma real razão dirigida para o mal. Refuta, desse modo, a formulação de Santo Tomás de Aquino quanto a uma razão prática; dirigida precisamente como parâmetro à atividade legislativa, às normas e à própria conduta do homem, pois a mesma se limita a prescrever uma conduta como boa e, por consequência, também justa, se esquivando da consideração de que a razão nem sempre se contextualiza ao bem, sendo, assim, um conceito de moral absoluto torto, da mesma forma inábil a conduzir o Direito natural quanto à legitimidade buscada. Essa crítica de Kelsen ao conceito de razão prática é expressa na seguinte passagem de “O Problema da Justiça”:
Se a razão da qual a teoria do Direito natural crê deduzir as suas normas justas é a razão divina do homem e não a razão empírica deste, uma tal teoria não pode ser designada como racionalista. A doutrina do Direito natural afirma descobrir estas normas – que não são criadas pelo homem mas dadas pela razão – por meio de uma análise da razão do homem. Se esta razão não fosse a razão humana empírica, o conhecimento do Direito natural teria de ser autoconhecimento do homem. Somente então esta teoria teria caráter racionalista (KELSEN, p. 87/88).
A regra de ouro
A presente fórmula é extraída da natureza e impõe a orientação de que “Não faças aos outros o que não queres que façam a ti”. Para Kelsen, a presente regra, que em um contexto positivo “se traduz em um princípio de justiça: devemos tratar os outros como gostaríamos de ser tratados^17 ”, também se encontra contaminada por um grave erro. Isso porque, argumenta nosso autor, caso quiséssemos realmente tratar os outros como queremos ser tratados, um malfeitor, por exemplo, não poderia ser punido, nos termos desse próprio princípio de justiça inserido em tal regra. Segundo Kelsen:
Muito daquilo que, do ponto de vista da moral ou do Direito, tem que ser proibido não é, para muitos homens, desejável, mas também não é indesejável. Logo não basta exigir que não tratemos os outros de forma como não gostaríamos de ser
(^17) KELSEN, p. 19.
Como aqui já foi mostrado, Kelsen se interessa justamente por apresentar o fundamento de validade do Direito, no que concernem às mais destacadas teorias do jusnaturalismo. Mesmo que neste tópico somente tenhamos apresentado as vertentes do Direito natural que, de alguma forma se contextualizam com a teoria de John Finnis, podemos afirmar que mesmo não havendo uma referência direta de Kelsen a este autor, tal constatação, de maneira alguma, afeta o objeto da presente dissertação. Isso porque o positivismo kelseniano repudia qualquer teoria que defenda uma concepção de justiça absoluta, já que mesmo que limitando por demais nosso foco de abordagem do Direito natural, é inegável que diferentes teorias em torno do Direito natural se revelam, já que tal constatação se demonstra até em Finnis, que reconhecidamente propôs uma nova interpretação do jusnaturalismo de Santo Tomás de Aquino. Desse modo é difícil reconhecer uma teoria do Direito natural de cunho eminentemente objetivo, pois a falta de coesão tão referida por nós demonstra uma subjetividade irremediável, sendo que, realmente, a ciência pura do Direito deve inevitavelmente se afastar de tal campo especulativo, pois não cabe a essa definir o que é justo daquilo que não é justo, mas sim aquilo que é válido daquilo que não é válido, sem que a resposta a tal indagação se socorra de qualquer discussão em torno de uma justiça absoluta, universalmente eficaz. Assim, para Kelsen, alegada injustiça dos textos normativos é ponderação completamente dissociada de sua Ciência Pura do Direito. Nesse ponto, colamos interessante passagem de “O que é justiça?”, de Hans Kelsen, que muito bem resume essas conclusões:
Iniciei este ensaio com a questão: o que é justiça? Agora, ao final, estou absolutamente ciente de não tê-la respondido. A meu favor, como desculpa, está o fato de que me encontro nesse sentido em ótima companhia. Seria mais do que presunção fazer meus leitores acreditarem que consegui aquilo que fracassaram os maiores pensadores. De fato, não sei e não posso dizer o que seja justiça, a justiça absoluta, esse belo sonho da humanidade. Devo satisfazer-me com uma justiça relativa, e só posso declarar o que significa justiça para mim: uma vez que a ciência é minha profissão e, portanto, a coisa mais importante da minha vida, trata-se daquela justiça sob cuja proteção a ciência pode prosperar e, ao lado dela, a verdade e a sinceridade. É justiça da liberdade, da paz, da democracia, da tolerância (KELSEN, 2001, p. 25). Por fim, na conclusão da presente dissertação, em razão das fortes e irrefutáveis constatações aqui referidas, refletiremos sobre como a doutrina de
John Finnis possa ser relevante nesse contexto jurídico, ou seja, o que de fato sobrou desse autor?