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A história e a identidade visual de quatro dos principais clubes de futebol no rio de janeiro: flamengo, botafogo, vasco e fluminense. Ele discute as cores e símbolos que representam cada clube, suas origens e a importância do futebol e do remo no contexto da cidade. O texto também aborda a influência das ligas de basquete e futebol americano nos estados unidos no desenvolvimento do futebol no rio de janeiro.
Tipologia: Exercícios
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Na frase “O campeonato carioca é o mais charmoso do Brasil”, percebe-se de forma historicamente diferenciada a importância da prática do futebol carioca no contexto do futebol brasileiro; a relevância deste esporte no Rio de Janeiro e o seu impacto em nível nacional, podem ser facilmente percebidos nas referências da crônica esportiva, que destaca o certame carioca como o “campeonato mais charmoso do Brasil”. O Rio de Janeiro detém ainda o título de “clássico mais charmoso do Brasil” – o tradicional Fla x Flu (Figura 64), bastante celebrado pelo aspecto cromático percebido nas partidas, em virtude da mistura das cores. O vermelho, o preto, o grená, o verde e o branco, quando integrados durante os enfrentamentos desses clubes, conferem um visual diferenciado, que vai permitir destaques particulares. O Fla-Flu é reconhecido por todos como o clássico mais colorido do Brasil. O emprego da palavra “charme” para designar o futebol brasileiro revela aspectos dependentes de fatores incertos, sujeitos ao acaso, eventos casuais, fortuitos ou acidentais. O que significa “charmoso”? O Dicionário Aurélio^77 define o termo como: “q ue tem charme; atraente, fascinante, sedutor, encantador ”. Assim, voltamos àquela dimensão que nomeamos “sagrada” no início deste trabalho.
Figura 64 – O espetáculo das torcidas no Fla x Flu, 2007.
O número de simpatizantes em todo território brasileiro também reforça a idéia da incalculável relevância ou inqualificável charme do futebol carioca. Considera-se que alguns elementos anteriormente apresentados permitem caracterizar o universo do futebol carioca de forma diferenciada em relação ao restante do Brasil, destacando-se o aspecto cultural e geográfico. A presença geográfica do mar e a incorporação dos aspectos culturais que lhe são decorrentes, principalmente no campo esportivo, podem ser consideradas como elementos diferenciadores.
De acordo com o apresentado anteriormente, outro importante agente de influência na iconografia do futebol foi o turfe (Figuras 65 e 66). Considerando a relevância do Rio na prática deste esporte, admite-se que sua influência foi mais marcante nas agremiações esportivas cariocas. Curioso e talvez simbólico é o fato de que a principal praça do turfe foi substituída pelo estádio do Maracanã.
Figuras 65 e 66 – O Derby clube localizava-se onde está atualmente o estádio do Maracanã. Ao lado o Maracanã em construção em 1949.
Dentro do aspecto cultural, considera-se que o próprio sincretismo religioso, a natureza carnavalesca e a típica festividade carioca compõem essa diferenciação. Na presente abordagem não se entende a iconografia estritamente como o uso de elementos gráficos que compõem formalmente a identidade visual das agremiações, mas toda a cultura visual resultante da prática do esporte, principalmente aquela relacionada às torcidas e seus adereços. Recentemente, em atitude inovadora, o governo municipal, em ato público, elevou a torcida do Flamengo à condição de patrimônio cultural da cidade do Rio de Janeiro. Entende-se que o “visual” da torcida desempenhou papel fundamental nesse
77 In: FERREIRA Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da
Figura 68 – Praia de Copacabana; Brasão da cidade do Rio de Janeiro com a representação de dois golfinhos; e Pavilhão de Regatas construído por Pereira Passos. na enseada de Botafogo.
Para compreensão da identidade de visual dos clubes de futebol analisaremos, além das características visuais do Rio de Janeiro, a singularidade de cada associação. Entendemos que cada associação esportiva apresenta cultura particular, que envolve códigos sociais e valores próprios. Como escreve Hobsbawm^78 , os clubes poderiam ser considerados ‘tradições inventadas’. Os hinos; os rituais do esporte os símbolos gráficos aplicados na bandeira e no uniforme, seriam invenções dessas práticas sociais denominadas esportivas, e expressariam a cultura das pessoas reunidas em torno dessas associações.
Podemos estabelecer uma analogia entre a concepção do clube e o conceito de nação ou identidade local – a mais recorrente, de acordo com Hollanda^79. É possível compará-los e concluir que tanto um país quanto um clube apresentam em sua simbolização aspectos similares, expressos na bandeira, no hino e nas cores. Hollanda^80 acrescenta que, por ocasião de sua fundação, as agremiações esportivas constituíam uma forma de o imigrante europeu manter um elo, ainda que no plano simbólico, com a cultura da sua terra natal. Entendemos que os clubes, assim como as nações, mantêm sua própria cultura e seus próprios símbolos.
78 HOBSBAWM, E., RANGER, T., A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1984, p. 271. 79 HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque. O descobrimento do futebol: modernismo, regionalismo e paixão esportiva em José Lins do Rego. Rio de Janeiro: Mauad, 2005. p. 121. 80 Ibid. HOLLANDA, 2005.
Nogueira^81 analisa o fato de que atualmente os clubes encaram a si próprios como algo além de uma associação destinada à prática do esporte. Cada um mitifica sua história, suas cores, seus feitos no passado, seus grandes atletas, e projeta para si um futuro grandioso. O pesquisador lembra que, nos Estados Unidos, as Ligas de basquete, NBA, ou de futebol americano, NFL, destinam-se apenas a disputar determinado campeonato, não existe trabalho social dentro das sedes dos clubes. Analisaremos neste capítulo a identidade visual dos clubes cariocas: Flamengo, Botafogo, Vasco e Fluminense. Abordaremos o sentido dessas escolhas gráficas, e as modificações do seu design, na maioria dos casos ocorridas por motivo de superstição ou por aspectos mercadológicos, a fim de maximizar a renda do campo esportivo.
Vamos nos remeter à formação do campo esportivo no Brasil para entender a construção social das agremiações esportivas e chegar ao futebol contemporâneo. Pretende-se previamente apresentar uma contextualização histórica do turfe e do remo, destacando os seus elementos gráficos a fim de permitir maior consistência na tentativa de diferenciar a possibilidade de uma identidade visual carioca. Contudo não se intenciona, com esta abordagem, a formulação de pareceres conclusivos. As observações realizadas ao longo deste estudo permitem certa “especulação” inicial acerca desta abordagem, mas não foi considerada uma análise mais aprofundada, com inclusão de elementos mais consistentes para sua validação..
Os aspectos gráficos do Turfe
Além do remo e do futebol, o turfe, em sua origem, constituía um esporte de grande popularidade no Brasil, reunindo praticamente todas as classes sociais. Além das touradas, são famosas as cavalhadas no Brasil colonial. Esse esporte, de
81 NOGUEIRA, Claudio. Futebol Brasil Memoria – De Oscar Cox a Leonidas da Silva (1897- 1937). Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2006. p. 45.
que se refere às classes abastadas. As corridas de cavalo eram acontecimentos sociais que entusiasmavam o público, mas a sua finalidade não se restringia apenas ao esporte.
No público presente às competições, podemos observar que as elites se distinguiam socialmente através de hábitos europeizados, expressos em suas vestimentas. Os homens trajavam geralmente casaca cinzenta, chapéu alto da mesma cor, e binóculos a tiracolo Já as mulheres usavam geralmente vestidos brancos, com ‘manga presunto’, e sobre a cabeça ostentavam chapelões de palha ornados com flores, laços de fitas e plumas ou frutas.
Do lado oposto, na pista de corridas, estavam os atletas. Podemos associar da seguinte forma os elementos visuais contidos na vestimenta dos jóqueis: o padrão gráfico do uniforme do turfe era composto por listras, estrelas e grandes círculos estampados de forma histriônica. As roupas dos jóqueis ainda se assemelham de algum modo às roupas circenses (Figuras 69, 70 e 71), como a do palhaço; o tecido era cetim de seda, bem brilhoso, como aquele empregado nos espetáculos. Essa semelhança vem ao encontro da observação de Pastoureau, segundo o qual pelo fato de também figurar como uma espécie de marginal, out sider , ou seja, por estar presente no evento apenas para “trabalhar”, e não para se divertir, o atleta se mostra grande consumidor de listras, tal como o palhaço, o saltimbanco, o ator e todos aqueles que se entregam ao espetáculo e se situam à margem da sociedade. Essa característica lúdica e jovial da forma nos remete ao atual uniforme da seleção de futebol da Croácia de 2006, o qual chamou atenção do público na última Copa , por conta das formas empregadas. (Figura 71).
Figuras 65, 66 e 67 – Similaridades gráficas entre a roupa do circo, do jóquei e do futebol.
Constatamos o uso desses elementos gráficos nos uniformes através dos conhecidos registros pictóricos de Oscar Pereira da Silva^84 : “Jóquei montado sobre o cavalo Cyaxari”, o cavalo mais popular da época, conhecido vulgarmente como “Boi da Moca”, em 1885. A farda do jóquei constituía-se basicamente de boné; camisa de manga comprida em seda (ou cetim) geralmente bicolor, com gola militar,; botas de montaria com cano longo; calça justa. A nomenclatura atribuída à gola e ao uniforme, conhecido como farda, parece indicar a herança militar, a qual, de resto, não se reduz apenas aos termos empregados para designar elementos dos uniformes. No que se refere às estampas, como afirmamos, a característica parece lembrar a roupa do espetáculo circense. A blusa era azul, com aplicações de grandes bolas na cor rosa, combinando com o boné. Grafismo com características semelhantes eram as grandes estrelas de cinco pontas aplicadas no uniforme. Outra característica que cabe frisar, pois aproxima o uniforme do turfe ao uniforme do remo, é o estilo clássico “papagaio vintém”, do CR Flamengo. (Figura 72 ).
Figura 72 – Uniforme clássico do turfe, no estilo “papagaio vintém”.
Nos quadros de Oscar Pereira da Silva há inúmeros registros de listras bicolores, horizontais e verticais. O jóquei George Roudghler (e sua montaria
84 CARVALHO, Ney. Jockey Club Brasileiro, 130 anos. Um século e meio de turfe. Rio
Para concluirmos este subtítulo acreditamos importante compreender que a prática do esporte na época era algo extremamente novo ou moderno, e a prática do esporte aquático, ainda mais inovadora. O mar, dentro da mentalidade então vigente, era sinônimo de modernidade porque simbolizava toda a noção de Saúde e Higiene. Agua era profilática e limpava as impurezas. A água salgada curava os males das doenças. Se anteriormente o mar era inacessível ao homem, agora passa a ser um lugar moderno, destinado a atividades de esporte e lazer.
A Identidade Visual dos Clubes de Regatas.
O desenvolvimento do esporte do remo na cidade estava ligado a um complexo quadro de transformações socioculturais. Podemos entender que a nova relação do homem com o mar e a valorização do esporte urbano propiciaram a popularização desse esporte. As listras praianas que protegiam o corpo vêm a se estampar também no uniforme dos remadores, além de estar presentes em outros esportes da época. Muitos times de futebol tiveram origem nas agremiações de remo; desta forma é importante entender o processo de formação do campo esportivo no Rio, no qual estão inclusas as associações de remadores. Ao final do século XIX, quando o “campo esportivo” começa a se desenvolver no Brasil como organização autônoma, ocorre o estabelecimento de um calendário próprio de competições, a imprensa dá início à legitimação do esporte, e as instituições vêm a se formar em torno das agremiações. Muitos imigrantes já se exercitavam com essas práticas, consideradas civilizatórias, e as introduziram no Rio de Janeiro. A modernidade já via o esporte como espetáculo de consumo; esta característica já vinha se prenunciando desde a Revolução Industrial; tratava-se de uma grande novidade civilizadora. Mas modernidade não significa modernização, ou seja, muitos aspectos da modernização industrial ou burguesa não se acompanharam de equivalente modernização cultural.
Canclini^85 , por exemplo, considera as práticas civilizatórias da modernidade como algo artificial e fabricado; neste viés, a modernidade pode ser vista como uma máscara, um simulacro gerenciado pelo Estado e pelas elites, o qual deixava de fora a maioria da população. Os jovens, em particular, buscavam os ideais de beleza contidos no remo. Nascia um novo tipo de homem, o Sportsman , que além de elegante e dono de um corpo semelhante a uma escultura clássica, mostrava-se também saudável, viril, atlético e musculoso. Os padrões estéticos mudam ao longo do tempo e conforme a sua situação geográfica, mas também estão associados à distinção social. Os escravos no Brasil, por exemplo, apresentavam corpos musculosos em conseqüência dos trabalhos braçais. Porém, não foram incluídos nesse ideal estético e moral. O ideal de beleza para as mulheres também era diferente. Ociosas, as mulheres brancas e ricas não freqüentavam as praias, e por não se exercitarem, desenvolveram formas avantajadas. Enfim, o trabalho braçal não representava um valor social para a classe dominante, muito menos para as mulheres. Certamente há um nó nessa postura; talvez seja necessário apontar o seu viés hipócrita, pois a noção “trabalho braçal” não compreende o cuidado com os filhos e a rotina dos trabalhos domésticos para as mulheres brancas pobres em uma época em que ainda não existia a eletrificação da casa. A distinção social estava manifesta no corpo, e esta nova estética corporal distinguia as camadas mais abastadas que praticavam o sport. Os jovens remadores bronzeados exibiam musculosos e bem desenhados corpos, trajavam calções longos que iam abaixo da linha do joelho e blusa listrada sem manga, tudo de acordo com a orientação “médica” da época. A estética do corpo saudável encontrava sua justificativa na fundação dos clubes, nos quais quase sempre se assentava a concretização do sonho de associação de jovens abnegados desportistas, interessados em um espaço para a prática esportiva. Dessa forma, vários clubes despontam na cidade, distribuídos pelos mais diversos bairros. A maior parte surge no final do séculos XIX e início do século XX, quando a cidade vive momentos de grandeza, e o esporte simboliza um novo modo de vida.
85 Canclini, Néstor Garcia. Culturas Hibridas. São Paulo: Edusp. 1998. p. 25.
Passos ainda construiu barracões que funcionaram como garagens de barcos dos clubes Botafogo e Guanabara, e melhorou as condições do local onde a população se banhava com freqüência88”. Como podemos perceber, o Sport foi associado às melhorias no âmbito da cidade, no sentido da modernização imposto no começo do século. A rua Santa Luzia e o Passeio Público sediaram associações esportivas populares da época, como a natação, a corrida de bicicleta e as corridas a pé (primórdios do atletismo). Mas foram as associações de remo as que maior impulso conferiram à organização e difusão dos esportes, contribuindo para a fundação de clubes em diversos bairros, como veremos a seguir. Podemos destacar, no ano de 1873, a criação do Club Guanabarense; logo depois proliferam outras associações de esportes aquáticos. O clube de Regatas Cajuense; o Club de Regatas Internacional, em 1892; paralelamente, a “Union des Canotiers”, uma espécie de federação de remo da época, incorpora-se às sociedades náuticas que surgem. Em seguida, a partir de uma dissidência do Clube Guanabarense, nasce o Grupo do Botafogo, que recebe a denominação de clube, em 1894, e mais tarde dá origem ao Botafogo Futebol Club. A origem do Flamengo também está intimamente ligada ao ambiente do remo. Jovens remadores da época - José Agostinho Pereira da Cunha, Mário Spindola, Nestor de Barros, Augusto Lopes, José Félix da Cunha Meneses e Felisberto Laport - resolveram comprar um barco de segunda mão, adequado às finanças disponíveis do grupo. Cotizaram-se para reunir o dinheiro, adquiriram o primeiro patrimônio, nomeado Pherusa , e efetuaram uma reforma completa para utilizá-lo. No dia 6 de outubro, os jovens, acompanhados de Maurício Rodrigues Pereira e Joaquim Bahia, saíram para a primeira volta com o barco. Partiram à tarde, embarcando na Ponta do Caju, praia de Maria Angu (atual praia de Ramos). Mesmo com o tempo ameaçador, Mário Spindola navegou rumo à praia do Flamengo. Então, surgiu o primeiro grande desafio do grupo. O forte vento virou a embarcação, e os náufragos tiveram que se segurar no que restou do Pherusa.
87 Na verdade Pereira Passos foi um dos maiores colaborados da introdução da "modernidade" na capital do Brasil, impondo a reforma urbanista do antigo Centro da cidade. 88 MELO V. A. O mar e o remo no Rio de Janeiro do século XIX. Revista de Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 23, p. 41-60, 1999.
Joaquim Bahia, excelente nadador, tentou chegar à praia em busca de ajuda. Mas a chuva e o vento cessaram; logo apareceu outro barco, o Leal, pertencente a pescadores da Penha, e foi realizado o resgate dos jovens e do Pherusa. A preocupação passou a ser Bahia; este felizmente sobreviveu ao naufrágio e depois de quatro horas alcançou a praia.^89 À época, o fato foi encarado como uma brincadeira de jovens remadores entusiasmados com o esporte, mas para o grupo, a sobrevivência ao naufrágio foi interpretada como façanha de um time predestinado à vitória, que desde sua criação enfrentou e superou muitas adversidades. Bahia foi considerado o primeiro herói da equipe, e mais tarde emprestaria seu nome a um clube. Porém o importante para esta pesquisa é o fato de o evento ter contribuído para solidificar os atributos imateriais de “garra” e “fibra” assumidos por esses jovens e, posteriormente, pelos atuais torcedores do Clube Flamengo Futebol e Regatas – ou seja, razões abstratas ou evanescentes. A recuperação do Pherusa foi iniciada novamente. Porém, quando já quase pronta, a embarcação foi roubada, e nunca mais vista. Mas o entusiasmo em fundar um grupo de regatas não desapareceu. Os jovens decidiram comprar outro barco. George Leuzinger, José Agostinho, José Félix e Felisberto Laport entraram no rateio, juntaram o dinheiro necessário, e compraram o Étoile (estrela, em francês), pertencente a Luciano Gray, logo batizado de Scyra (pedra, em grego), e registrado na Union de Canotiers. Na noite de 17 de novembro de 1895, no casarão de n° 22, propriedade de Nestor de Barros e situado à Praia do Flamengo, foi fundado o Grupo de Regatas do Flamengo. A mansão, antigo abrigo do Pherusa e, mais tarde, do Scyra , foi apelidada República Paz e Amor No encontro reuniram-se dezoito rapazes fundadores do grupo, e foi estabelecido que a data oficial comemorativa da fundação do GRF seria o dia 15 de novembro, em homenagem à Proclamação da República, que naquele ano completava apenas seis anos. Decidiram as cores do clube, e Mário Spíndola escolheu o azul, que representava o céu da Guanabara, e o ouro, símbolo das
89 Joaquim Bahia se salvou nadando até a Ilha do Bom Jesus, onde narrou o ocorrido ao delegado da 18ª Circunscrição, como reportaria três dias depois o Jornal do Commercio, sob a rubrica "Desastres" (09/10/1895).
e ouro no comércio do Rio de Janeiro. Os tecidos eram importados da Europa, e além do preço muito alto, as cores desbotavam com facilidade, quando expostas ao sol e ao mar durante as competições. A outra versão sustenta que os jovens diretores consideravam essas cores bem mais aguerridas. Assim, na assembléia de 23 de novembro de 1896, logo depois do primeiro aniversário do clube, resolveu-se que as cores originais seriam substituídas pelo vermelho e preto. Naquela época, a equipe vinha sofrendo uma série de derrotas. A cor amarela (ouro) e a cor azul passaram a ser associadas ao mau agouro. A escolha das cores aguerridas – o vermelho e o preto – pode ter ocorrido pelo fato de estas estarem intimamente associadas ao comportamento de “fibra” e “raça”^92 assumido pelo clube. A cor rubra está presente em vários elementos ligados à guerra. 93
3.3. A Estrela do Botafogo
Em uma análise particular dos elementos gráficos que compõem a identidade visual do Botafogo, podemos inicialmente destacar a sua tão característica estrela. O Club de Regatas Botafogo adotou a estrela de cinco pontas, colocada acima das inicias CRB. Símbolo máximo do clube, a triste e melancólica Estrela Solitária está presente em seu escudo e em sua bandeira (Figura 76). A estrela do Botafogo representava a Estrela D'Alva, e foi romanticamente adotada por ter sido a primeira a ser vista no céu pelos remadores, no dia da fundação do clube.^94 Na verdade não se trata de uma estrela, mas do Planeta Vênus, que apresenta um brilho resplandecente porque reflete intensamente a luz do sol. O astro só pode ser visualizada ao amanhecer, e essa é a razão do seu nome, estrela da alvorada ou do alvorecer. Em 1919, quando do evento de lançamento da pedra fundamental do Palácio do Mourisco, futura sede
92 O que equivaleria ao termo “garra”. 93 CASTRO, Marcos de, MATTA, Fernando Horacio da, PORTO, Luiz Roberto. Flamengo um século de paixão. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. 94 AUGUSTO, Sergio. Botafogo: Entre o Céu e o Inferno (C. CAMISA 13). Rio de Janeiro. Editora Ediouro, 1994.
do Clube, as inicias CRB ficavam no interior do escudo, do lado esquerdo do peito; mais tarde foram deslocadas para o centro (Figura 71).
Figura 76 - Equipe de remo do Botafogo: à esquerda, o segundo uniforme listrado; e à direita, o primeiro uniforme preto com a estrela aplicada do lado esquerdo do peito, acima do monograma CRF.
A partir desse ano, todas as embarcações botafoguenses passaram a ter nomes de estrelas e constelações. O Botafogo Football Club e o Club de Regatas Botafogo situavam-se no mesmo bairro e ostentavam ambos as mesmas cores e (Figura 77). Depois da sua fusão, em 1943 (Figura 78), as cores foram conservadas, e a estrela permaneceu como símbolo do Clube.
Figura 77- Escudo e bandeira do Botafogo.
do Botafogo Futebol e Regatas faz alusão a esse simbolismo, quando na última estrofe proclama que a luz da estrela solitária o conduz à vitória. Segundo Armando Nogueira, a estrela é uma entidade divina. Feliz a criatura que a tem por guia e emblema. Feliz o clube que tem por escudo uma invenção de Deus. É por esse motivo que o Botafogo está sempre no caminho certo. O caminho da luz A estrela personifica a cultura do Botafogo, construído em torno da noção de superstição, da imagem de clube intelectual, e da condição de sofredor. Cabe ressaltar que essa conotação de tragédia já se manifestou pouco antes da fundação da associação. Um dos fundadores do grupo, Luis Caldas, vulgo Almirante, era dissidente do Clube de Regatas Guanabarense, fundado em 1874. Caldas abandonara o clube em 1891, insatisfeito com a sobrevalorização das apostas no remo, contrárias aos valores do desporto, e se juntara a outros ex- integrantes para criar o Grupo de Regatas Botafogo, na praia de mesmo nome. Entretanto foi preso em 1893, na revolta da armada, e veio a falecer oito dias antes da fundação do clube. A reação dos sócios do Grupo de Regatas Botafogo foi uma dramática e nobre resposta ao desaparecimento do seu líder: reuniram-se para formalizar o Club de Regatas Botafogo, em 1 de Julho de 1894 (Figura 79). Podemos entender que o caráter aberto e polissêmico da imagem possibilita a simbolização dos valores e crenças do clube. Em seu rico depoimento sobre a estrela botafoguense, Sergio Augusto, autor do livro “Botafogo - Entre o Céu e o inferno”, desvenda algumas características marcantes da cultura botafoguense. O símbolo de uma estrela solitária é poético; sua solidão é intelectualizada, expressa a complexa cultura dialética e bipolar do clube, oscilante entre altos e baixos, vitórias e derrotas, autêntico culto ao torcedor sofredor que, como ressalta o subtítulo do livro, reside entre o céu e o inferno. Para Sérgio Augusto, a estrela Alvinegra^96 é interpretada como símbolo dos aspectos dialéticos dos torcedores alvinegros.
Guiados por uma estrela e pelo fogo que Prometeu roubou do céu e Lúcifer levou para o inferno, nós, botafoguenses, somos bons e maus, cerebrais e
96 AUGUSTO, Sérgio. op.cit. p. 22.
supersticiosos, racionais e passionais, eufóricos e deprimidos, fanáticos e ‘blasés’, apolíneos e dionisíacos. O Botafogo não é preto nem branco: é preto e branco, e branco e preto.
A fama do Botafogo como times de intelectuais, segundo o autor, deve- se, em parte, ao fato de que ao longo do tempo muitos jogadores da equipe tinham curso superior completo, como os médicos Carvalho Leite, Álvaro Lopes Cançado (Nariz), Afonsinho, o advogado Heleno de Freitas, o engenheiro Luiz Menezes, e o arquiteto Otavio de Morais. O Glorioso, em 1916, participou de determinado evento festivo, um jogo quadrangular que reunia os quatro clubes mais importantes do Rio, com equipe composta de veteranos e alguns dirigentes. Cada clube foi batizado com um codinome: Fluminense, o hipotético; Flamengo, os aquáticos; Botafogo, o campeão do torneio, os teóricos – designação associada ao nível acadêmico do grêmio, o que vem corroborar o argumento do autor.
Figura 80 – Botafogo Futebol Clube, o glorioso em 1906.
O Pato Donald, mascote do clube, idealizado pelo argentino Mollas na década de 40, tornou-se símbolo do clube. O personagem, oriundo das revistas em quadrinhos, é um tipo contestador e brigão, que reivindica os seus direitos. Podemos lembrar que Afonsinho, jogador do Botafogo, foi o primeiro jogador que lutou pelos direitos da classe, ao propor o passe livre (Figura 81).