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A definição da corte interamericana de direitos humanos sobre a liberdade de expressão, considerada o 'pedra angular' da democracia. O texto explica que a liberdade de expressão tem duas dimensões: individual e social, e que seu conteúdo abrange o direito e a liberdade de expressar pensamentos e buscar informações. A corte reiterou sua posição em vários casos, incluindo a impossibilidade de sujeitar a expressão de pensamentos e a difusão de informações a censura prévia.
Tipologia: Notas de aula
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O estudo do direito vigente nos ordenamentos jurídicos brasileiro e argentino a respeito da censura judicial passa, necessariamente, pela análise da jurisprudência da Corte Interamericana de Direito Humanos (doravante Corte ou Corte Interamericana). Isso porque a Convenção Americana de Direitos Humanos, que a Corte Interamericana deve interpretar e aplicar, é tratado internacional em vigor nos direitos brasileiro e argentino.
Com efeito, em 6 de novembro de 1992, por meio do Decreto nº 678, foi promulgada no ordenamento jurídico brasileiro a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também identificada como Pacto de São José de Costa Rica, estendendo a todas as pessoas sob a jurisdição da República Federativa do Brasil os direitos fundamentais reconhecidos por esse tratado internacional.
O governo brasileiro havia depositado a carta de adesão em 25 de setembro de 1992, tendo o Vice-Presidente da República, no exercício do cargo de Presidente da República, Itamar Franco, determinado, no art. 1º do mencionado decreto, que: “[a] Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, apensa por cópia ao presente Decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém ”.
Foram reconhecidas também as atribuições da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a competência da Corte Interamericana, tribunal a que cabe o julgamento de qualquer caso relativo à interpretação e aplicação da Convenção. O reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana ocorreu em 3 de dezembro de 1998, por meio do Decreto Legislativo nº 89, de 1998, editado pelo Congresso Nacional. Nos termos do art. 1º do referido decreto legislativo, a
competência da corte para a interpretação e aplicação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos foi aceita para os fatos ocorridos a partir do ato de reconhecimento. Logo, a República Federativa do Brasil pode ser demandada ante a jurisdição internacional por quaisquer fatos ocorridos a partir de 3 de dezembro de 1998 que violem a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
No ordenamento jurídico argentino, o art. 75, inciso 22 da Constituição, ao tratar das competências do Congresso, esclarece que os tratados têm hierarquia superior às leis e que diversos tratados de direitos humanos e declarações internacionais expressamente enumerados têm hierarquia constitucional. Dentre os tratados mencionados está a Convenção Americana sobre Direitos Humanos que vige com força de norma constitucional.
Nos itens subsequentes, serão abordados alguns aspectos do direito à liberdade de pensamento e de expressão, direito fundamental previsto pelo art. 13 da Convenção e que tem merecido especial atenção da corte.
A Corte Interamericana definiu a liberdade de expressão como “ pedra angular da democracia ”^97 e esclareceu que se trata de direito fundamental que se desenvolve em dois aspectos: um pessoal, que se caracteriza no direito de a pessoa falar e escrever e, ainda, de utilizar-se de qualquer meio para difundir o seu pensamento; outro social, consubstanciado no direito de qualquer pessoa conhecer as informações e ideias manifestadas pelas outras pessoas.
O direito à liberdade de pensamento e expressão está previsto no art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos nos seguintes termos:
“Liberdade de pensamento e de expressão
(^97) A definição foi formulada na Opinião Consultiva OC-5/85, de 13 de novembro de 1985, parágrafos 69 e 70, nos seguintes termos: “A liberdade de expressão é uma pedra angular na existência de uma sociedade democrática. É indispensável para a formação da opinião pública. É também conditio sine qua non para que os partidos políticos, os sindicatos, as sociedades científicas e culturais e, em geral, que deseja influir sobre a coletividade possa desenvolver-se plenamente. É, enfim, condição para que a comunidade, na hora de exercer as suas opções, esteja suficientemente informada. Por fim, é possível afirmar que uma sociedade que não está bem informada não é plenamente livre”.
Para que seja possível esta verificação, é necessário percorrer as indagações que se formularam no capítulo 2 a respeito da jurisprudência da Corte Interamericana, apresentando-se, ao longo do texto, as respostas.
3. As duas dimensões da liberdade de expressão e o padrão democrático: fundamentos da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos
A primeira decisão sobre o direito à liberdade de expressão foi proferida pela Corte em 13 de novembro de 1985, mais de seis anos após sua instalação, ocorrida em 3 de setembro de 1979. Trata-se da Opinião Consultiva nº 5/85^98 , emitida pela Corte — a requerimento do Governo da Costa Rica — no exercício da competência consultiva estabelecida pelo art. 64 da Convenção^99. Este processo ficou conhecido como caso “ Associação Obrigatória de Jornalistas ”.
Em 8 de julho de 1985, o Governo da Costa Rica, em razão de um compromisso assumido com a Sociedade Interamericana de Imprensa, solicitou à Corte que se pronunciasse sobre a compatibilidade da Lei nº 4.420, de 22 de setembro de 1969 (Lei Orgânica do Colégio dos Jornalistas da Costa Rica) — que estabelecia inscrição obrigatória no conselho profissional dos jornalistas para o exercício do jornalismo na Costa Rica — com as disposições dos artigos 13 e 29 da Convenção.
A opinião consultiva emitida pela Corte, mais do que simplesmente responder a questão sobre a compatibilidade entre a Convenção e a lei que estabelecia a inscrição obrigatória em conselho profissional para o exercício da profissão de jornalista, revelou-se — como destacou Bertoni — não apenas uma decisão judicial, mas um verdadeiro manual de estudos sobre a liberdade de
(^98) Opinião Consultiva OC-5/85, de 13 de novembro de 1985 (^99) Art. 64: “1. Os Estados membros da Organização poderão consultar a Corte sobre a interpretação desta Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. Também poderão consultá-la, no que lhes compete, os órgãos enumerados no capítulo X da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires. 2. A Corte, a pedido de um Estado membro da Organização, poderá emitir pareceres sobre a compatibilidade entre qualquer de suas leis internas e os mencionados instrumentos internacionais”.
expressão no sistema interamericano.^100 Em conjunto com a Opinião Consultiva nº 7/86^101 , constituiu, ao menos até 1997, toda a jurisprudência da Corte sobre o tema liberdade de expressão.
Diferentemente da forma como decidem o Supremo Tribunal Federal e os demais tribunais brasileiros, em que os votos, fundamentos e argumentos dos juízes são disparados em todas as direções, ficando os advogados, os destinatários da decisão e os demais operadores jurídicos, certas vezes, com dificuldades na identificação das questões que ficaram decididas, a Corte Interamericana apresenta decisão única com o relatório, a fundamentação de preliminares e de mérito e o dispositivo, seja a decisão tomada por unanimidade, seja por maioria de votos. Em caso de divergência, qualquer juiz, como estabelece o art. 66 da Convenção, pode apresentar voto dissidente em separado. Contudo, a decisão da corte é única e as deliberações são tomadas em recinto privado.^102
Embora não venham a público os debates travados pelos juízes, a forma adotada pela Corte Interamericana (comparando-a com a adotada nos tribunais brasileiros) tem a enorme vantagem de permitir a emissão de uma decisão do tribunal, redigida em terceira pessoa (por exemplo: “ A Corte entende (...)”) de modo a que os jurisdicionados possam conhecer exatamente o que o colegiado decidiu, conhecendo com precisão os fundamentos da sentença. Tudo isso, reitere- se, sem prejuízo da manifestação dos votos dissidentes nos termos do art. 66 da Convenção e do art. 65, 2 do Regulamento da Corte Interamericana.^103
Registre-se também que a Corte Interamericana manifesta forte tendência a seguir os seus precedentes e a consolidar a sua jurisprudência, estabelecendo assim, em termos claros e precisos, o direito vigente no sistema interamericano.
(^100) BERTONI, op.cit. , p. 109. (^101) A Opinião Consultiva OC-7/86, de 29 de agosto de 1986, trata do tema direito de resposta e retificação previsto no art. 14 da Convenção. 102 Estatuto da Corte Interamericana de Direitos Humanos, art. 24, § 2º: “A Corte deliberará em privado. Suas deliberações permanecerão secretas, a menos que a Corte decida de outra forma”. 103 Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, art. 65, 2: “Todo Juiz que houver participado no exame de um caso tem direito a acrescer à sentença seu voto concordante ou dissidente, que deverá ser fundamentado. Esses votos deverão ser apresentados dentro do prazo fixado pela Presidência, para que possam ser conhecidos pelos Juízes antes da notificação da sentença. Os mencionados votos só poderão referir-se à matéria tratada nas sentenças”.
Segundo o entendimento da Corte, a liberdade de expressão contém uma dimensão individual e outra social, ambas reconhecidas pelo art. 13 da Convenção (“ esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza ”). Sendo assim, está assegurado não apenas o direito à expressão do próprio pensamento (transmitir notícias, informações, manifestar opiniões etc ), utilizando-se de qualquer meio para divulgá-lo, como também o direito de buscar, receber e conhecer o pensamento alheio (informações e ideias de toda natureza): “ quando se restringe ilegalmente a liberdade de expressão de um indivíduo, não só o direito desse indivíduo está sendo violado, como também o direito de todos a ‘receber’ informações e idéias, donde resulta que o direito protegido pelo artigo 13 tem um alcance e um caráter especiais ”.^104
A violação da liberdade de expressão implica, então e necessariamente, um duplo dano: a violação do direito de quem quer se manifestar e a violação do direito de quem quer receber a manifestação do pensamento. Isso porque, segundo sustentou a Corte, o art. 13 da Convenção estabelece, por um lado, que ninguém pode ser “ arbitrariamente menoscabado ou impedido de manifestar seu próprio pensamento ”, o que representa “ um direito de cada indivíduo ” e também, por outro lado, que existe “ um direito coletivo a receber qualquer informação e a conhecer a expressão do pensamento alheio ”.^105
Acrescentou a Corte que, em sua dimensão individual, a liberdade de expressão não se limita ao reconhecimento do direito de falar e escrever, mas se estende ao direito de “ utilizar qualquer meio apropriado para difundir o pensamento e fazê-lo chegar ao maior número de destinatários ”. Trata-se do direito da pessoa de falar, escrever, expressar e difundir o seu pensamento.
Para que a liberdade de expressão possa ser plenamente exercida, o direito de a pessoa expressar e difundir o seu pensamento deve vir acompanhado do direito de conhecer o pensamento de outras pessoas. A Corte considerou que, em sua dimensão coletiva, a liberdade de expressão é fundamental para se possibilitar o intercâmbio de ideias e informações entre os seres humanos. A pessoa tem o
(^104) Opinião Consultiva OC-5/85, de 13 de novembro de 1985, parágrafo 30 (^105) Ibidem
direito de expressar seus pontos-de-vista e a sociedade, considerando a dimensão coletiva da liberdade de expressão, o direito de conhecer opiniões e notícias. Assinalou a Corte que: “ Para o cidadão comum tem tanta importância o conhecimento da opinião alheia ou da informação de que outros dispõem, como o direito de difundir a sua própria ”.^106
Em uma sociedade democrática, a expressão e a difusão do pensamento são, segundo a Corte, indivisíveis e devem ser garantidas simultaneamente.^107 A Corte reiterou esse conceito em diversos casos contenciosos que posteriormente lhe foram submetidos e em que se apreciava a violação ao art. 13 da Convenção.^108 No julgamento do caso Olmedo Bustos e outros versus Chile, que ficou conhecido como caso “ A Última Tentação de Cristo ”, a Corte reafirmou:
“Quanto ao conteúdo do direito à liberdade de pensamento e de expressão, quem está sob a proteção da Convenção tem não só o direito e a liberdade de expressar seu próprio pensamento, como também o direito e a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza. É por isso que a liberdade de expressão tem uma dimensão individual e uma dimensão social”.^109
Quanto à dimensão social ou coletiva da liberdade de expressão, assinalou a Corte que essa liberdade: “ é um meio para o intercâmbio de ideias e informações entre as pessoas; compreende seu direito a tratar de comunicar a outras seus pontos de vista, mas implica também o direito de todos a conhecer
(^106) Idem, parágrafo 32 (^107) Idem, parágrafo 31: “Quando a Convenção proclama que a liberdade de pensamento e expressão compreende o direito de difundir informações e ideias, ‘por qualquer procedimento’, está sublinhando que a expressão e a difusão do pensamento e da informação são indivisíveis, de modo que uma restrição das possibilidades de divulgação representa diretamente, e na mesma medida, um limite do direto de expressar-se livremente”. 108 Segundo pesquisa de GARCÍA RAMÍREZ, Sergio; GONZA, Alejandra; La Libertad de Expresión en La Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos ; San José, Costa Rica: Corte Interamericana de Derechos Humanos; Comisión de Derechos Humanos del Distrito Federal, 2007, primeira edição: casos Olmedo Bustos: §§ 64 e 65 a 67; Ivcher Bronstein: §§ 147 a 149; Herrera Ulloa: §§ 108 e 109 a 111; Ricardo Canese: §§ 77 a 80; Palamara Iribarne: §§ 69, 72 e 73; López Álvarez: §§ 163 e 164; Claude Reyes: §§ 75 a 77. 109 Caso “A Última Tentação de Cristo” (Olmedo Bustos e outros versus Chile), sentença de 5 de fevereiro de 2001, parágrafo 64; a Corte acrescentou, no parágrafo 65, quanto à dimensão individual, que a liberdade de expressão: “não se esgota no direito teórico de falar ou escrever, mas compreende, ademais e inseparavelmente, o direito a utilizar qualquer meio apropriado para difundir o pensamento e fazê-lo chegar ao maior número de destinatários”.^109 Considerou também a corte que: “a expressão e a difusão do pensamento e da informação são indivisíveis, de modo que uma restrição das possibilidades de divulgação representa diretamente, e na mesma medida, um limite ao direito de expressar-se livremente”.
do direito à liberdade de expressão é direito fundamental anteposto ao Estado. Sendo assim, o poder público não está autorizado a interferir no direito de uma pessoa conhecer uma informação ou uma opinião manifestada por outra pessoa ou por um veículo de imprensa. Quando se pretende abordar o tema da censura e advogar a sua proibição quase absoluta, é fundamental a identificação do sujeito passivo do dever jurídico da dimensão social da liberdade de expressão. Não são os órgãos de imprensa e comunicação social que têm o dever de prestar informação ou apresentar opiniões aos cidadãos, é o Estado que tem o dever de não interferir nessa comunicação.
O conceito da dimensão social da liberdade de expressão (direito de a sociedade buscar e receber informações e opiniões, direito de acesso à informação) e a identificação do sujeito passivo dessa relação jurídica (o Estado como devedor da obrigação de não interferir na comunicação) permitem entender por que a informação e a opinião devem ser divulgadas e não podem ser proibidas mesmo que possam acarretar violação à honra de outras pessoas. E isso explica por que a censura, que constitui o mais severo meio de restrição da liberdade de expressão, não pode ser imposta sob pena de ser violado — não apenas o direito de quem quer manifestar o pensamento — mas principalmente o direito de todos aqueles que o querem conhecer, buscar e receber, ter acesso, enfim, à informação ou à opinião alheias.
Como já se mencionou, a dimensão social ou coletiva do direito à liberdade de expressão, protegida, segundo entendemos, pelo inciso XIV do art. 5º da Constituição, é norma absolutamente negligenciada pelo Supremo Tribunal Federal que, nas oportunidades em que foi chamado a se pronunciar sobre a livre manifestação do pensamento, não reconheceu a relevância do direito da sociedade de conhecer o pensamento alheio, salvo em opiniões manifestadas isoladamente em votos vencidos, como será abordado adiante na análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (capítulo 5).
O padrão democrático
Assentada a premissa no sentido de que a liberdade de expressão comporta duas dimensões, a Corte Interamericana, ao emitir a Opinião Consultiva nº 5/85, passou a estabelecer, a fim de analisar as restrições admitidas ao exercício dessa liberdade, o que denominou “ padrão democrático ” como fundamento da liberdade de expressão. Para a Corte, em se tratando da intepretação da Convenção Americana, devem-se observar as justas exigências da democracia e, “ em particular, daquelas disposições que estão criticamente relacionadas com a preservação e o funcionamento das instituições democráticas ”.^113
Em fundamentação posterior e frequentemente invocada, declarou a Corte a liberdade de expressão como pedra angular da democracia:
“A liberdade de expressão se insere em uma ordem pública primária e radical da democracia, que não é concebível sem um debate livre e sem que a oposição tenha pleno direito de se manifestar (...)”. “A liberdade de expressão é uma pedra angular na existência de uma sociedade democrática. É indispensável para a formação da opinião pública. É também conditio sine qua non para que os partidos políticos, os sindicatos, as sociedades científicas e culturais e, em geral, que deseja influir sobre a coletividade possa desenvolver-se plenamente. É, enfim, condição para que a comunidade, na hora de exercer as suas opções, esteja suficientemente informada. Por fim, é possível afirmar que uma sociedade que não está bem informada não é plenamente livre”.^114
Observe-se que se trata de padrão de argumentação que não é geralmente utilizado no direito brasileiro e que não se encontra presente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Quanto a esse ponto, o Supremo Tribunal Federal tende a atribuir maior relevância aos direitos em conflito com a liberdade de expressão: honra, privacidade e imagem.^115
(^113) Opinião Consultiva OC-5/85, de 13 de novembro de 1985, parágrafo 44 (^114) Opinião Consultiva OC-5/85, de 13 de novembro de 1985, parágrafos 69 e 70 (^115) Um estudo mais detalhado a respeito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal será apresentado no capítulo 4.
Bertoni, que exerceu a função de Relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para a Liberdade de Expressão, esclarece que a Corte afirmou “ a relação da liberdade de expressão com a democracia em cada um dos casos em que trataram da violação ao art. 13 da Convenção ”. E prossegue:
“Este padrão democrático resulta básico para a interpretação do conteúdo do direito à liberdade de expressão. A ligação à democracia implica que a liberdade de expressão resulta um direito humano que se se perde, põe em perigo a vigência de todos os demais valores e princípios imperantes em uma sociedade democrática. Consequentemente, a proteção do direito a expressar as ideias livremente é fundamental para a plena vigência dos demais direitos humanos. Sem liberdade de expressão e informação não há democracia plena, e sem democracia, a triste história hemisférica demonstrou que desde o direito à vida até a propriedade são postos seriamente em perigo”.^119
Emitida a Opinião Consultiva nº 5/85 em 13 de novembro de 1985, novos casos tratando fundamentalmente do tema liberdade de expressão foram apreciados pela Corte doze anos após, a partir de 1997: caso “ A Última Tentação de Cristo ” (Olmedo Bustos e outros versus Chile) – série C nº 73 (sentença proferida em 5 de fevereiro de 2001); caso Ivcher Bronstein versus Peru – série C nº 74 (sentença proferida em 6 de fevereiro de 2001); caso Herrera Ulloa versus Costa Rica – serie C nº 107 (sentença proferida em 2 de julho de 2004); caso Ricardo Canese versus Paraguai – série C nº 111 (sentença proferida em 31 de agosto de 2004); caso Palamara Iribarne versus Chile – série C nº 135 (sentença proferida em 22 de novembro de 2005); caso Claude Reyes versus Chile – série C nº 151 (sentença proferida em 19 de setembro de 2006); caso Kimel versus Argentina – série C nº 177 (sentença proferida em 2 de maio de 2008); caso Tristan Donoso versus Panamá – série C nº 193 (sentença proferida em 27 de janeiro de 2009); caso Ríos versus Venezuela – série C nº 194 (sentença proferida em 28 de janeiro de 2009); caso Perozo versus Venezuela – série C nº 195 (sentença proferida em 28 de janeiro de 2009) e caso Usón Ramírez versus Venezuela – série C nº 207 (sentença proferida em 20 de novembro de 2009).
Consideradas as decisões proferidas pela Corte, verifica-se que — a observação é de Bertoni — dois fundamentos constituíram a base argumentativa
(^119) BERTONI, op.cit. , p. 110
de todas as sentenças proferidas: a dupla dimensão da liberdade de expressão e o padrão democrático, ambos estabelecidos já desde o julgamento adotado na Opinião Consultiva nº 5/85.
Passemos, então, à análise das decisões subsequentes da Corte, especialmente no que — considerado o direito à liberdade de expressão — interessa ao aspecto que será aqui desenvolvido: a verificação da possibilidade ou impossibilidade de prévia censura como meio de restrição à expressão do pensamento ou à divulgação de ideias, notícias e opiniões.
3. A censura prévia como supressão radical da liberdade de expressão
Assentado o direito à liberdade de expressão como pedra angular da democracia e estabelecidas as duas dimensões (individual e social) da liberdade de expressão, a jurisprudência da Corte Interamericana tem sido intransigente quanto à impossibilidade de a expressão do pensamento e a difusão de informações, ideias e notícias de qualquer natureza e por qualquer meio eleito pelo emissor estarem sujeitas à censura prévia. Trata-se, segundo a jurisprudência da Corte, de um direito preferente e quase absoluto, que deve prevalecer quando em confronto com quaisquer outros direitos fundamentais, em especial os direitos à honra e à reputação.
Cabe esclarecer mais precisamente o entendimento da Corte: a violação, por meio do exercício abusivo da liberdade de expressão, dos direitos à honra e à reputação sujeita o infrator apenas às responsabilidades ulteriores expressamente previstas em lei, não sendo lícito proibir a manifestação do pensamento. Isso porque a censura prévia constitui supressão radical da liberdade de expressão. Não se admite, portanto, que a expressão do pensamento esteja sujeita à censura em momento anterior à sua divulgação. A liberdade de expressão compreende — segundo a jurisprudência da Corte — duas dimensões, sendo certo que à sociedade interessa conhecer o pensamento alheio que, trazido para a esfera pública e submetido a amplo debate, receberá a consideração que merece. Promovida a censura, se impede a circulação de notícias e ideias e se viola o
A Corte Interamericana, por sua vez, ao emitir a Opinião Consultiva nº 5/85 e interpretar o art. 13.2 da Convenção, registrou que a censura prévia é sempre incompatível com a plena vigência do direito à liberdade de expressão: “ nesta matéria — sustentou a Corte — toda medida preventiva significa, inevitavelmente, o menoscabo da liberdade garantida pela Convenção ”. E completou: “ O abuso da liberdade de expressão não pode ser objeto de medidas de controle preventivo, mas apenas fundamento de responsabilidade para quem o cometeu ”.^120
Quanto a este ponto da decisão da Corte, o Juiz Rodolfo Piza Escalante, em seu voto separado^121 , declarou, em concordância com seus pares, o seguinte:
“A Corte utilizou expressamente a palavra restrições, não no sentido estrito de limitações preventivas ao exercício mesmo da liberdade de expressão, que o artigo 13.2 da Convenção não permite em nenhum caso, mas no geral de condutas preestabelecidas taxativamente pela lei como geradoras de responsabilidades ulteriores, derivadas do exercício dessa liberdade, únicas que dita norma permite, dentro das condições formais e materiais que autoriza”.^122
Após comparar as disposições do art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos com as dos artigos 10 da Convenção (Europeia) para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais^123 e 19 do Pacto
(^120) Opinião Consultiva OC-5/85, de 13 de novembro de 1985, parágrafos 38 e 39: “O artigo 13. da Convenção define através de que meios podem estabelecer-se legitimamente restrições à liberdade de expressão. Estipula, em primeiro lugar, a proibição da censura prévia, que sempre é incompatível com a plena vigência dos direitos enumerados pelo artigo 13, salvo as exceções contempladas no inciso 4 referentes a espetáculos públicos, inclusive se se trata supostamente de prevenir por este meio um abuso eventual da liberdade de expressão. Nesta matéria toda medida preventiva significa, inevitavelmente, o menoscabo da liberdade garantida pela Convenção. O abuso da liberdade de expressão não pode ser objeto de medidas de controle preventivo, mas apenas fundamento de responsabilidade para quem o cometeu”. 121 122 O que no direito processual brasileiro corresponderia a um voto-vista. Opinião Consultiva OC-5/85, de 13 de novembro de 1985, opinião separada do Juiz Rodolfo Piza Escalante, parágrafo 5. 123
Internacional dos Direitos Civis e Políticos^124 , a Corte Interamericana ressaltou que a Convenção Americana oferece garantias mais amplas à liberdade de expressão:
“A análise anterior do artigo 13 evidencia o altíssimo valor que a Convenção dá à liberdade de expressão. A comparação feita entre o artigo 13 e as disposições relevantes da Convenção Europeia (artigo 10) e do Pacto (artigo 19) demonstra claramente que as garantias da liberdade de expressão contidas na Convenção Americana foram desenhadas para ser mais generosas e para reduzir ao mínimo as restrições à livre circulação de ideias”.^125
Com efeito, a expressa proibição da censura prévia à manifestação do pensamento contida na Convenção Americana não foi contemplada quer na Convenção Europeia, quer no Pacto Internacional. Em sua declaração de voto, o Juiz Pedro Nikken, ao abordar as normas que protegem a liberdade de expressão nos diferentes tratados internacionais, procura explicar, fundamentadamente, as razões da maior proteção outorgada pela Convenção Americana:
“Como destacou a Corte, o texto da Convenção oferece uma garantia mais que a de outros tratados semelhantes, não tanto porque reconheça mais faculdades à pessoa, senão porque autoriza menos restrições sobre as mesmas. (...). A este respeito estimo que seja certo o que se mencionou nas audiências no sentido de que por se este mais amplo do que outros tratados, o que é legítimo segundo o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos ou segundo a Convenção Europeia de Direitos Humanos, pode ser ilegítimo na América, por violar a Convenção Americana. (...). Este fato não é de se estranhar pois a instauração do regime internacional de proteção dos direitos humanos revela que, frequentemente, os tratados mais modernos são mais amplos que os precedentes e que enquanto menos diferenças culturais e políticas existam entre os Estados que os negociam, é mais fácil concluir tratados mais avançados. Não é surpreendente, pois, que a Convenção Americana, firmada quase vinte anos depois que a Europeia, e que somente abarca as repúblicas americanas seja mais avançada do
(^124) 1. Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.
García Ramírez e Gonza não se abstiveram de comentar a firme posição da Corte Interamericana no que diz respeito à proibição da censura que, para ele, constitui uma forma de supressão radical, e não simples limitação relativa, da possibilidade de expressar o pensamento.^131
3.2. A proibição de censura à exibição de filmes
Em 5 de fevereiro de 2001, foi proferida a primeira sentença em um caso contencioso envolvendo a questão da proibição da censura prévia. No caso A Última Tentação de Cristo (Olmedo Bustos e outros versus Chile), a Corte Interamericana processou e julgou demanda contra a República do Chile em razão de determinação judicial que proibiu a exibição do filme A Última Tentação de Cristo. Os fatos que a Corte considerou comprovados foram, em síntese, os seguintes:
— a Constituição Política do Chile de 1980, em seu art. 19, inciso 12, estabelecia um “ sistema de censura para a exibição e publicidade da produção cinematográfica ”;
— o Decreto-lei nº 679, de 1974, facultava a um Conselho de Qualificação Cinematográfica, órgão do Ministério da Educação chileno, a orientação e qualificação dos filmes a serem exibidos no Chile;
— em novembro de 1988, o Conselho de Qualificação Cinematográfica havia proibido a exibição do filme A Última Tentação de Cristo ; porém, em novembro de 1996, a pedido da empresa United International Pictures , o Conselho reviu a proibição e autorizou a exibição do filme aos maiores de 18 anos;
(^130) Esta passagem foi reafirmada no julgamento do caso contencioso – série C nº 135: Palamara Iribarne 131 versus Chile – sentença proferida em 22 de novembro de 2005. GARCÍA RAMÍREZ, Sergio; GONZA, Alejandra; op.cit. , p. 33
— diversos cidadãos chilenos, em seu próprio nome e no nome de Jesus Cristo e da Igreja Católica, interpuseram um recurso à Corte de Apelações de Santiago, requerendo a revogação da autorização da exibição do filme, o que foi acolhido em janeiro de 1997; em 17 de junho subsequente, a Corte Suprema de Justiça do Chile confirmou a decisão da Corte de Apelações de Santiago e desautorizou a exibição do filme para quaisquer espectadores, independentemente de sua idade.
Ao proferir seu julgamento, a Corte Interamericana, após repassar que a liberdade de expressão é direito que se manifesta em duas dimensões, com igual importância e merecedoras de garantia simultânea, e, ainda, que é pedra angular de um regime democrático, essencial para que a sociedade esteja devidamente informada, declarou que a regulamentação legal do acesso a espetáculos públicos para a proteção da infância e da adolescência é a única exceção que se admite à proibição da censura prévia. Decidiu a Corte:
“É importante mencionar que o artigo 13.4 da Convenção estabelece uma exceção à censura prévia, já que a permite no caso dos espetáculos públicos, mas unicamente com o fim de regular o acesso a eles para a proteção moral da infância e adolescência. Em todos os demais casos, qualquer medida preventiva implica o menoscabo à liberdade de pensamento e expressão ” (grifei).^132
Outro aspecto fundamental do direito à liberdade de pensamento e de expressão foi apreciado e decidido pela Corte no caso A Última Tentação de Cristo. E se trata de aspecto fundamental porque toca de perto em outro direito fundamental que reiteradamente — tal como destacado no capítulo 2 — delimita a liberdade de expressão: o direito à honra.
Põe-se assim a questão: segundo determinada sustentação doutrinária, a liberdade de expressão abusivamente exercida pode violar a reputação e a honra de outras pessoas que, porque possuem a mesma dignidade que detém o emissor da expressão, merecem proteção. O amparo deve se dirigir preferencialmente ao direito à honra, à reputação, à intimidade e vida privada, à proteção de dados
(^132) Caso contencioso – série C nº 73: “ A Última Tentação de Cristo ”, (Olmedo Bustos e outros versus Chile) – sentença proferida em 5 de fevereiro de 2001, parágrafo 70