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Este documento discute a compatibilidade da segurança jurídica e das normas antielisivas no direito tributário, especificamente no sistema tributário nacional. O autor aborda a abertura cognitiva do direito, a influência do estado social na interpretação econômica do fato gerador da obrigação tributária, e a necessidade de normas antielisivas no ordenamento jurídico moderno. Além disso, o texto analisa a relação entre direito e outros campos da sociedade.
Tipologia: Slides
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Brasília, 2017.
Rafael Cardoso Vacanti
Justiça na tributação e normas antielisivas: uma análise da justa imposição no estado fiscal
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade de Brasília (UnB), como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Luiz Alberto Gurgel de Faria
Brasília, 2017.
O presente estudo tem como intuito analisar em que medida as mudanças das características do Estado no decorrer do século XX impactaram na tributação, especialmente na possibilidade de o contribuinte se auto-organizar visando a redução de sua carga tributária. Para tanto, utilizar-se-á a Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann com o intuito de verificar quais são os elementos jurídicos aplicáveis pelo julgador e pela Administração quando da tomada de atos ou decisões, bem como a Teoria da Justiça de John Rawls para analisar qual o critério para classificar a tributação como justa ou não dentro desse novo paradigma estatal. Ainda serão estudadas as evoluções das leis tributárias no contexto internacional e brasileiro, principalmente no que tange às origens da interpretação econômica das hipóteses de incidência e do propósito negocial. Dentro desse contexto, debater-se-á a experiência brasileira, as características da tributação local, a natureza do 116 do CTN para, ao final, discutir a diferença entre a justiça tributária e a necessidade das normas antielisivas frente à impossibilidade de aplicação de institutos e regras sem que haja previsão legal.
Palavras chaves: Estado Fiscal – Direitos fundamentais – Normas antielisivas – Teoria dos Sistemas – Justiça fiscal.
Abstract This research has as purpose to analyze how the changes in the characteristics of the State, in the course of the twentieth century, have impacted on taxation, especially on the possibility for the citizens or companies organizes itself in order to reduce his tax burden. To do so, will study the Systems Theory of Niklas Luhmann in order to verify what are the elements, rules and principles, applicable by the judge or the Tax Administration in their decisions. As well, will be necessary resort the theory of Justice, wrote by John Rawls, to analyze which is the criterion for classifying taxation as fair or not. Also, will study the evolution of the tax laws in the international and Brazilian context, mainly regarding the origins of the theory of the business purpose and the economic interpretation of the taxable events. Moreover, will discuss the Brazilian experience, the legal nature of the art. 116 of the CTN, in order to view the difference between tax justice (the need for anti-tax rules) against the impossibility of applying institutes and rules without any legal provision.
Keywords: Business purpose – Brazil – anti-avoidance rules – Theory of Social systems – Tax equity
O fenômeno tributação é objeto de controvérsias há séculos, tendo inclusive grande importância na história, desde o mundo antigo até hoje, dada sua estreita relação com a forma de governar e com a própria estrutura estatal. A oneração do patrimônio tido como privado é matéria tormentosa, pois, ao envolver limitações à propriedade ou mesmo discussões a respeito da desigualdade^1 , criou-se uma celeuma em que os cidadãos enxergam a tributo como algo maléfico^2 ou, em especial no Brasil, como algo ineficiente^3.
Nesse sentido, é relevante atentar que a construção do juízo de valor da sociedade a respeito da imposição perpassa diversos fatores históricos, como, por exemplo, a oneração demasiada dos miseráveis, conforme se verificava na França pré-Revolução^4 , a tributação das colônias europeias ou mesmo até a forma de arrecadação de impostos implementada nos territórios romanos em que apenas os dominados estavam sujeitos a incidência tributária^5.
Percebe-se que, em cada uma dessas situações, a tributação esteve relacionada diretamente a um sentimento de injustiça por parte dos cidadãos
(^1) O tema será abordado mais a frente, mas desde logo, ressalte-se, que segundo alguns economistas e tributaristas, dentre os quais se destaca Thomas Piketty, a tributação quando não progressiva acaba por estimular o crescimento da desigualdade, uma vez que o sacrifício financeiro dos mais ricos, quando fundado em critérios meramente proporcionais, revela-se muito inferior àquele experimentados pela grande massa populacional mundial. (PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI 2. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.) Sobre a visão da sociedade a respeito da tributação, no famoso julgamento da Suprema Corte Americana no caso Culloch x Maryland, momento histórico do surgimento da imunidade recíproca na forma que se conhece hoje, por exemplo, fora assentado que o poder de tributar possui igual poder de destruição. Isto é, embora não deixe de ser uma verdade, o fenômeno tributário, historicamente, vem sendo tratado como uma invasão ao patrimônio privado. A respeito do julgado, ver: FLAHERTY, Martin. John Marshall, McCulloch v. Maryland, and “We the People”: Revision in Need o Revising. William & Mary Law Review. 3 Volume 43, Issue 4, 2002, Williamsburg, Virgínia (USA). Ineficiente em razão do baixo retorno social, característica marcante da tributação local, segundo os próprios brasileiros. Neste sentido, conferir estudo disponível em < https://ibpt.com.br/noticia/2595/CNPL-Brasil-e-o-Pais-que-proporciona-pior-retorno-em-servicos- publicos-a-sociedade > Acesso em 11/11/2017. 4 É oportuno destacar que a Revolução Francesa, em grande parte, foi motivada também pela tentativa de aumento da tributação sobre o clero e a nobreza local, o que fez com que eles se rebelassem contra o Monarca Luís XVI. (GARCIA, Maria. 1789: Inconfidência Mineira, a Revolução francesa do Brasil: tributação e o direito à liberdade. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, v.18, n.71, p. 203-227. Revista dos Tribunais, abr./jun. 2010.) 5 Isso sem contar que, nesta época, os tributos eram criados e aumentados sem sequer necessidade, tão somente visando a satisfação dos colonizadores. (MARTUSCELLI, Pablo Dutra. Para uma compreensão histórica do Sistema Tributário Nacional de 1988. In: XIX Encontro Nacional do CONPEDI, 2010, Fortaleza. Anais do (Recurso eletrônico) XIX Encontro Nacional do CONPEDI,
tributados, o que, posteriormente, culminou em revoltas contra seus governantes. Nota-se, então, a imbricação do fenômeno impositivo com outros fatores sociais, tais como a luta pela liberdade, uma vez que a sujeição passiva significava não só o dever de pagar, mas também sua subordinação face ao soberano, ao império ou à coroa europeia.
Constata-se, em ato contínuo, que o fenômeno tributário é de relevância máxima no estudo das sociedades, em especial no que tange à sua justiça, critério que, nesse primeiro momento revela-se abstrato e relativo, mas que, com a fixação de alguns conceitos, será mais inteligível.
O presente trabalho insere-se nessa lógica, em que se buscará analisar a evolução da tributação no passar dos anos, bem como sua relação com o conceito de justiça, especialmente no Estado moderno, que com a superação das revoluções liberais do século XX e a aproximação do Welfare State , passa a ser incumbido de garantir direitos fundamentais a seus cidadãos^6.
A partir da sedimentação dessa premissa, pretende-se, verificar em que proporção a criação de normas antielisivas^7 é medida necessária para garantir-se essa justa tributação, isto é, deseja-se investigar o espaço do planejamento tributário e da elisão dentro do Estado Fiscal.
Por fim, aproximando-se à realidade brasileira, estudará, à luz da Constituição Federal^8 e do Código Tributário Nacional^9 , a possibilidade de se
(^6) Desde logo é importante salientar que a tributação possui relação direta com a concreção dos direitos fundamentais, uma vez que é a partir de tais recursos que o Estado se vê capacitado de oferecer os serviços a ele incumbidos pela Constituição do país. (CALIENDO, Paulo. Reserva do possível, direitos fundamentais e tributação. In: SARLET, Ingo Wolfgang. (org). TIMM, Luciano Benetti. (org). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed. rev. e amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. 2010.) 7 A norma antielisiva tem como objetivo evitar que construções operacionais consigam evitar o pagamento de tributo com base nas chamadas lacunas ou mesmo a partir de um critério formalista/legalista do fato gerador. Nas palavras de um dos percussores da interpretação econômica do fato gerador a tributação incidiria sobre um fenômeno econômico não se restringindo ao núcleo da palavra escolhida na norma impositiva: “o tributo será devido sempre que tal transmissão se apresente, ainda que, na hipótese, a relação efetivamente ocorrida não caiba nos limites do instituto da compra e venda tal como o conceitua o direito privado” VANONI, Ezio. Natureza e interpretação das leis tributárias 8. Tradução de Rubens Gomes de Sousa. Rio de Janeiro: Financeiras, 1932.p. 165. 9 Aqui se utilizará a abreviação CF. Aqui se utilizará a abreviação CTN.
a. A leitura do contrato social a partir do conceito de Justiça de Rawls Antes de se entrar no tema da justiça de normas antielisivas ou mesmo da própria tributação, é de suma importância compreender sobre qual recorte o estudo será pautado.
Dessa forma, serão essenciais os ensinamentos de John Rawls, autor americano que, dentre outras obras, escreveu o livro “Uma Teoria da Justiça”, em que buscou discorrer sobre uma releitura do contrato social a partir da ideia de que a estrutura básica de uma sociedade é a justiça^12.
Em síntese, o autor defende que, na celebração do contrato social, o povo^13 escolhe, a partir da racionalidade, quais são os critérios de justiça que serão utilizados para aquele Estado formado, bem como que, acaso estas balizadas não fossem pautadas pela equidade^14 , jamais os cidadãos aceitariam privar-se de sua liberdade total para sujeitar-se ao poder do estatal^15.
Assim, explica que a escolha correta desses pilares da justiça deve ser feita enquanto os cidadãos estão cobertos pelo véu da ignorância, uma espécie de posição original, na qual todos fossem iguais, onde o dinheiro, o poder, as
(^12) “Meu objetivo é apresentar uma concepção de justiça que generaliza e leva a um plano superior de abstração a conhecida teoria do contrato social como se lê, digamos, em Lock, Rousseau e Kant. Para fazer isso, não devemos pensar no contrato original como um contrato que introduz uma sociedade particular ou que estabelece uma forma particular de governo. Pelo contrário, a ideia norteadora é que os princípios da justiça para a estrutura básica da sociedade são o objeto do consenso original.” (RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta, Lenita Maria Rimoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 12-13) 13 Rawls utiliza o termo povo para se referir a coletividade pertencente às sociedades organizadas (Estados), pois para ele tal distinção é relevantíssima ao tratar-se do tema justiça. (RAWLS, John. O direito dos povos 14. São Paulo, Martins Fontes, 2001. p. 3-5.) Equidade é um conceito trabalhado por Rawls para exemplificar que a justiça deve ser imparcial, ou seja, os critérios não podem ser definidos por pessoas que tenham qualquer viés subjetivo. Sobre o tema, ver: (SEN, Amartya. 15 A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 86-89) Observe a narração do próprio autor quanto a esse momento de escolha: “Assim, devemos imaginar que aqueles que se comprometem na cooperação social escolhem juntos, numa ação conjunta, os princípios que devem atribuir os direitos e deveres básicos e determinar a divisão de benefícios sociais. Os homens devem decidir de antemão como devem regular suas reivindicações mútuas e qual deve ser a carta constitucional de fundação de sua sociedade. Como cada pessoa deve decidir com o uso da razão o que constitui o seu bem, isto é, o sistema de finalidades que, de acordo com sua razão, ela deve buscar, assim um grupo de pessoas deve decidir de uma vez por todas tudo aquilo que entre elas se deve considerar justo e injusto. A escolha que homens racionais fariam nessa situação hipotética de liberdade equitativa, pressupondo por ora que esse problema de escolha tem uma solução, determina os princípios da justiça.” (RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta, Lenita Maria Rimoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 13)
características físicas, as capacidades intelectuais e os preconceitos não pudessem exercer influência alguma. Neste momento, hipotético, é claro, o povo iria optar pela justiça como equidade^16 , ou seja, apenas quando não houvesse interesse particular na definição do que seria justo, poder-se-ia conceber o melhor critério para a justiça na celebração do contrato social^17.
Então, a utilização do véu da ignorância, o que esconderia do cidadão todas suas características, é um pressuposto da teoria rawlsiana, pois sem ele jamais haveria uma posição original que permitisse ao povo decidir sobre a justiça. Por exemplo, observe que os senhores de escravos, sabendo de sua posição social, jamais decidiriam que a escravidão era injusta, sempre argumentariam que essa estrutura decorre das escolhas individuais ou algo nesses termos, a despeito de a história revelar a inexistência de qualquer senso de justiça em privar alguém de sua liberdade para servir a outro, seja por sua descendência, seja por dívidas. Contudo, porventura esse mesmo senhor de escravo não soubesse qual seu papel na sociedade, dificilmente julgaria justa a escravidão, uma vez que ele próprio poderia ser aquele que sofreria a mazela deste regime^18.
Noutros termos, a equidade só seria alcançada a partir do véu da ignorância, pois do contrário, os desejos, poderes, propensões e riquezas influenciariam o povo a escolher o critério de justiça que lhes fosse mais vantajoso, a despeito daquele que, muitas vezes, por serem menos dotados de poder, não conseguem ter sua voz ouvida.
(^16) Rawls em nenhum momento aduz que o povo possui um único conceito de justiça, ao revés, ele utiliza o véu da ignorância exatamente para retirar as características pessoais e concluir pela ideia de justiça como equidade. Nesse sentido entende Dworkin em texto destinado à Rawls: “ How then should we understand a theory of law like the sources thesis? Rawls spoke directly to that issue by example – through his analysis of the concept of justice. He did not suppose that everyone who shares and uses the concept of justice shares some substantial backgroundundestanding about what makes and institution just or unjust. On the contrary, he insisted that people have radically differente conceptions of justice.” “De que modo, então, nós devemos entender a teoria legal como a tese dos recursos? Rawls esclarece esse problema através da análise do conceito de justiça. Ele não parte da premissa de que todos partilham de um mesmo critério para entender o que faz de uma ação justa ou não. Pelo contrário, ele insiste que cada um possui seu conceito de justiça, radicalmente diferente entre si.” (TRADUÇÃO LIVRE) DWORKIN, Ronald. Rawls and the law. Fordham law review. Volume 72, 2004. 17 Disponível em < http://ir.lawnet.fordham.edu/flr/vol72/iss5/3/ > Acesso em: 12/10/2017. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta, Lenita Maria Rimoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 127-128. 18 Vale destacar que este exemplo não é utilizado por Rawls em sua obra, sendo uma dedução deste autor sobre o pensamento do filósofo americano.
condições devem ser privados de alguns de seus bens/direitos, para que a parcela mais pobre seja beneficiada^24.
Em síntese, o autor modifica a teoria utilitarista para inserir uma ordem nela: a privação não pode ser aleatória, devendo focar naqueles que possuem mais recursos, pois a desigualdade deve gerar benefícios à população menos abastada.
Finalizando, conforme ensina Dworkin^25 , a ideia de Rawls de uma posição original na qual, sem saber as qualidades e aptidões, os cidadãos escolheriam a justiça como equidade, pode ser comparada à contratação de um seguro prévio social. Explica-se, o princípio da diferença seria a previsão contratual para se exigir, após formada a sociedade, que aqueles mais abastados, dotados de maiores capacidades, arquem com ônus maior do que aqueles marginalizados.
A conta é simples, diluir-se-ia o risco de um homem não possuir seu mínimo existencial com a celebração desse contrato social com seguro para o povo em geral, cujo sinistro (pobreza^26 ) deverá ser suportado pelos favorecidos daquela sociedade. Há, então, o dever de o Estado implementar medidas que permitam as condições mínimas para todos seus integrantes. Amartya Sen sintetiza a discussão da seguinte forma:
“Nesse experimento mental, supõe-se que as pessoas, sob o véu da ignorância de uma posição original à maneira de Rawls, entram nesse mercado hipotético que vende seguros contra as respectivas desvantagens. Embora nessa situação imaginária ninguém saiba quem vai ter qual desvantagem, caso a tenha, todos compram o seguro contra possíveis adversidades de (“mais tarde”, por assim dizer) aqueles que realmente acabarem com a desvantagem podem reivindicar sua compensação, conforme determinado pelo mercado de seguros, obtendo recursos de outros tipos como compensação. Isso é, argumenta Dworkin, o mais justo que podemos obter, com base naquilo que ele considera como uma efetiva igualdade de recursos”^27 Desse modo, a teoria rawlsiniana busca, ao final, diluir na sociedade as diferenças de capacidades pela distribuição de recursos ou mecanismos de
(^24) RAWLS, John. O direito dos povos. São Paulo, Martins Fontes, 2001. p. 155-156. (^25) “Para completar o leilão, agora eles criam um mercado hipotético de seguros que instalam por meio de seguros compulsórios para todos a preço fixo, conforme as especulações sobre o que o imigrante normal compraria como seguro, se os riscos antecedentes de diversas deficiências tivessem sido os mesmos.” (DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. Tradução: Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 101) 26 O termo pobreza não é utilizado somente em função da renda, mas também das características pessoais, do preconceito e todos os demais fatores que fazem com que um cidadão tenha mais dificuldade de alcançar o chamado mínimo existencial. 27 (SEN, Amartya. Op cit. p. 288-292.) SEN, Amartya. Op cit. p. 298.
compensação, sendo certo que, conforme mais adiante se explicitará, a tributação é uma dessas válvulas de escape para o Estado concretizar essa importante missão.
Assim, depreende-se que a política da justiça, estabelecida por Rawls nada mais é do que um exercício prático, no qual se deve retornar à posição original e racionalmente responder, a partir dos princípios delineados, se aquela ação seria benéfica para a sociedade como um todo.
b. A operacionalização do conceito de justiça dentro do sistema jurídico autopoiético Apenas os ensinamentos de Rawls não serão suficientes para abarcar a discussão de forma adequada, pois, o autor, apesar de brilhantemente abordar a relação de justiça com o direito, não adentra especificamente na operacionalização do ordenamento jurídico, noutras palavras, como efetivamente as normas seriam criadas e aplicadas, bem como qual a ligação entre direito e os outros campos da sociedade.
Assim, para se compreender a sistematização desse conceito de justiça, bem como da própria influência dos institutos econômicos na tributação, serão utilizados como marco teórico os trabalhos de Niklas Luhmann^28 , para quem o direito, a política e a economia constituem subsistemas da sociedade^29. Esses teriam surgido da necessidade de um processo de especificação e de diferenciação funcional requerido pela modernidade^30.
Isto é, para o mencionado autor, cada subsistema se caracteriza por uma representação simplificada da realidade, sendo que, em especial no direito, há o intuito de planificar comportamentos, levando à conquista de um ambiente mais seguro e previsível^31. O sistema, portanto, estaria baseado na ideia de segurança
(^28) Frente ao escopo do presente artigo não será possível apresentar toda a teoria de Luhmann, mas tão somente o que se demonstrar relevante para a compreensão do direito no contexto da aplicação da interpretação econômica no direito tributário (representada pelo 29 business purpouse ). LUHMANN, Niklas. El derecho como sistema social. In: DIEZ, Carlos Cómez-Jara (Ed.). Teoría de sistemas y derecho penal: fundamentos y posibilidades de aplicación. Granada: Comares, 2005c. p. 69-85. 30 “De acordo com a teoria dos sistemas, a sociedade moderna resultaria da hipercomplexifícação social” (NEVES, Marcelo. Luhmann, Habermas e o Estado de direito. Lua Nova, Revista de Cultura Política 31 , nº 37, 1996. p. 93-106) “A questão da complexidade define o problema fundamental, a partir do qual a confiança pode ser analisada funcionalmente e comparada com outros mecanismos sociais, funcionalmente equivalentes. Onde há aumento de possibilidades para a experiência e a ação; há a possibilidade do
Desse modo, o sistema social Direito é fechado operacionalmente, reproduzindo-se a partir de um código binário (direito e não direito) no qual se observa o que é ou não aplicável no momento de decidir determinada demanda. Aqui os sistemas da economia e política, por exemplo, não influenciariam na reprodução do direito^39. Igualmente, a moral e a justiça, então, se comunicariam com o ordenamento, mas sempre limitadas por essa barreira, funcionando como motivação para criação das normas.
Neste papel, o fechamento operacional trazido pelo alemão demonstra-se essencial para garantir a segurança jurídica, pois evita a interferência de outros sistemas no processo decisório^40 , e concretiza o objetivo de pacificação social a partir do esclarecimento prévio de quais expectativas serão tuteladas pelo sistema.
Contudo, o simples fechamento levaria ao engessamento, e posterior, obsolescência do sistema. Logo, Luhmann apresenta a chamada abertura cognitiva do direito para as evoluções^41 , a qual, por exemplo, no ordenamento brasileiro, se daria com a introdução de novas normas pela via legislativa. Assim, é nesse momento de abertura que se dá o diálogo dos sistemas, onde se busca a estabilização de condutas, a partir da criação de vínculos com o futuro^42.
Note-se que a abertura é a externalização da segurança jurídica, uma vez que, além de permitir a introdução de novas normas, constitui uma garantia para a sociedade de que aquelas normas não chanceladas pelo direito serão inaplicáveis nas soluções dos conflitos.
(^39) “O direito não é a política, não é a economia, não é a religião e não é a educação, não produz obras de arte, não cura doenças, não difunde notícias, apesar que ele não poderia existir se tudo isto não existisse também. Destarte, como todo sistema autopoiético, o direito é e permanece em grande medida dependente de seu ambiente, e a artificialidade da diferenciação funcional do sistema social como um todo não faz mais do que incrementar esta dependência. E, de fato, como sistema fechado, o direito é completamente autônomo no nível de suas próprias operações. Somente o direito pode dizer o que é jurídico e o que não o é, e, ao decidir tal questão, deve se referir sempre aos resultados de suas próprias operações e às conseqüências sobre as futuras operações do sistema” (LUHMANN, Niklas 40_. El Derecho como sistema social._ Op. cit.) DERZI, Misabel. Modificações da jurisprudência no direito tributário : proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais do poder judicial de tributar_._ São Paulo: Noeses, 2009. p. 48. 41 Perceba que aqui não há nenhuma contradição entre o sistema ser aberto e fechado, pelo contrário o sistema ser fechado é o que possibilita sua abertura e vice-versa. (LUHMANN, Niklas. O enfoque Sociológico da Teoria e Prática do Direito 42. Op. cit. p. 18-19.) Idem. p. 10-
Consequentemente, a justiça e a moral se encaixariam neste momento de edição das Leis e da própria Constituição, não possuindo aplicação direta em momento posterior, isto é, seriam um referencial sem valor operativo. Noutros termos, a moral, enquanto não integrada ao sistema, não pode ser utilizada, isoladamente, como fundamento para afastar a aplicação de uma norma válida.
Assim, embora a justiça seja um critério de seleção de entrada no sistema jurídico, os códigos direito e não direito não teriam a pretensão de serem justos, tal fato não configuraria uma preocupação operacional. Disso decorre que, para o autor, seria plenamente possível a edição de leis em desacordo com a moral:
“Al interior del sistema esto puede entenderse como trabajo en torno a la justicia y que además se le atribuya un valor -valor que aclara y da sentido al trabajo del jurista. El problema de la legitimación surge justamente a partir de las selecciones que él ha empleado; es decir, a partir de la contingencia que se hace visible en su selección.(...)”^43 “El sistema jurídico se pretende a sí mismo (no importan los hechos), como justo. Con el tema “justicia” se designa, por lo mismo, el punto de vista a través del cual se puede superar la diferencia entre teorías tradicionales iusnaturalistas y positivistas, mediante la pregunta por la forma de autocontrol del sistema jurídico ( que ni es natural ni se introduce mediante decisión: por lo tanto, que puede ser revocada mediante outra decisión).Pero cuando el sistema se designa a sí mismo mediante esta norma, no puede especificar, al mismo tiempo, lo que con ello designa, sin cualificar operaciones propias como si no le pertenecieran. En primer lugar, hemos delimitado el problema de la justicia mediante distinciones: se trata de autorreferencia, pero no como operación, sino como observación; no en el nivel del código, sino en el nivel de los programas; y no en la forma de una teoría, sino en la forma de una norma (propensa a la decepción). Todo eso significa que pueden existir sistemas jurídicos injustos (o: más o menos justos).”^44 Logo, a internalização dos critérios de justiça teria espaço no momento pré- operacional ou durante sua abertura para a comunicação, porquanto a adoção de um critério de juízo tão abstrato não seja capaz, por si só, de normatizar expectativas, haja vista que retira do sistema um de seus fundamentos base, a segurança jurídica do ordenamento^45.
(^43) LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. Tradução de Javier Torres Nafarrate, com a colaboração de Brunhilde Erker, Silvia Pappe e Luis Felipe Segura. México: Herder; Universidad Iberoamericana, 2005. p. 5. 44 45 Idem. p. 155-156. LUHMANN, Niklas. A Constituição como aquisição evolutiva. Tradução realizada por Menelick de Carvalho Netto a partir do original (“ Verfassung als evolutionäre Errungenschaft ”. In: Rechthistorisches Journal. Vol. IX, 1990, pp. 176 a 220), cotejada com a tradução italiana de F. Fiore (“La costituzione come acquisizione evolutiva”. In: ZAGREBELSKY, Gustavo. PORTINARO, Pier
a. A tributação na história Conforme explicitado até aqui, o direito é um sistema que, num momento pré-operacional, preocupa-se com a justiça de suas normas, buscando dar efetividade aos valores morais, éticos, econômicos, mas que, ao entrar em funcionamento, afastar-se-ia desses critérios subjetivos para apegar-se às normas concretas, buscando atribuir segurança jurídica aos jurisdicionados^47.
Neste tópico pretende-se avaliar em que medida o critério justiça foi sendo incorporado no campo tributário, bem como quais os instrumentos jurídicos foram ou são necessários para a formação desse conceito.
Inicialmente, retomando ao mundo antigo, tem-se que o fenômeno tributação foi por muito tempo encarado como um mecanismo de indenização ao governante pela mera proteção oferecida aos cidadãos. Nas civilizações pré-helênicas, por exemplo, a imposição era calcada na dominação do povo derrotado durante as guerras, pois o entendimento que vigorava é que o vencido deveria arcar com os ônus da destruição^48.
Assim, nesse primeiro momento, o tributo não era visto como uma contraprestação do Estado/Governante para com seu povo e de menos sorte era difundido por toda a sociedade. Ao revés, era o meio aplicado para que fosse possível a manutenção do poderio militar imperial às custas daqueles marginalizados sociais.
Igualmente, embora a civilização romana tenha tido grande importância na história da tributação, a partir do desenvolvimento do tributo indireto^49 , a alta carga
(^47) Sobre o tema, Habermas já assinalava que o momento de aplicação de normas afasta-se da discussão sobre os seus efeitos sociais, ou seja, se a norma é a preposição será correta ou benéfica. Isso porque, tendo em vista que a criação das leis se dá em um ambiente democrático representativo, não caberia ao juiz afasta-las sob o fundamento de sua injustiça. Novamente, percebe-se uma separação clara na operacionalização do sistema jurídico, um primeiro no qual há a comunicação intrassistêmica (influência da economia, moral, etc) e outro em que os acertos e acordos realizados no primeiro são postos em prática para a sociedade, orientando e reprovando condutas. (HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, volume I. Tradução: Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 214-240) 48 A tributação também se dava sobre os estrangeiros, outro grupo marginalizado. SIDOU, Othon. Os tributos no curso da História. In: BRITO, Edvado (coord.); ROSAS, Roberto (coord.). Dimensão jurídica do Tributo. São Paulo: Meio Jurídico, 2003. p. 367-391. 49 A época vislumbrava-se a tributação sobre o consumo como a mais justa, pois todos deveriam submeter-se a ela.
sobre os estrangeiros e camponeses (donos de pequenas glebas) acabou por fortificar a tributação como mecanismo de dominação, conforme assevera Diogo Leite Campos^50 :
Eis, pois, o legado de Roma em matéria fiscal: o imposto como produto e instrumento da opressão, crescendo à medida que se desenvolve a máquina político-administrativa; assente na força pura, sem referência à justiça. O imposto ‘nasceu’ em Roma caracterizado pela odiositas, fundado sobre a sua essência de mal necessário, de limitação do Direito pela força do ‘princeps’, de instrumento de dominação, ‘de império’. Enquanto as relações civis retiravam a sua força da justiça que realizavam como instrumento de cooperação entre homens livres e iguais. O carácter do imposto como produto e instrumento de um sistema de dominação foi evidente desde a grave crise do que o Império Romano atravessou a partir do século III. Assim, no mundo antigo, não se vislumbrava ainda a proteção do contribuinte, ou mesmo a tentativa de distribuir de forma equânime os ônus estatais. Essa preocupação no campo da justiça também não foi marca da tributação na Idade Média, tendo sido o período marcado pela arbitrariedade na tributação, e a total banalização das garantias aos contribuintes que eram surpreendidos ao bel prazer do soberano^51.
Contudo, é no final da idade média, na Inglaterra, que se tem início o processo de discussão da justiça na imposição, o cerne da controvérsia era a criação de direitos e garantias aos contribuintes, e a reflexão sobre a tributação enquanto mecanismo de representação. Em resumo, inconformados com a alta carga tributária imposta pelo monarca, os Barões se revoltam contra o Rei culminando na assinatura da Carta Magna e na previsão de que o aumento de impostos deveria observar limites (nascimento do princípio da legalidade)^52.
O movimento pela criação de limites aos reis absolutistas, e consequentemente ao poder de tributar, continuou não só na Inglaterra, onde em 1689 assina-se o Bill os Rights dispondo a impossibilidade de criação de tributos
(^50) CAMPOS, Diogo Leite de. A Jurisdicização dos Impostos: Garantias de Terceira Geração. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Tributo. Reflexão Multidisciplinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007, p. 87-88. 51 Os tributos eram devidos a própria igreja que fazia do dízimo uma imposição, bem como cobrava taxas pelo matrimônio e outras arbitrariedades. SIDOU, J. M. OTHON. Os tributos no curso da História. In: BRITO, Edvado (coord.); ROSAS, Roberto (coord.). Dimensão jurídica do Tributo. São Paulo: Meio Jurídico, 2003. p. 367-391. 52 Sobre o tema, ver: RIBEIRO, Ricardo Lodi. O fundamento da legalidade tributária: do autoconsentimento ao pluralismo político. Revista de informação legislativa , v. 45, n. 177, p.215-222, jan./mar. 2008. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/160210 Acesso em 14/09/