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Uma análise poética e sociocultural das canções 'química', 'tédio (com um t bem grande pra você)', 'angra dos reis' e 'mais do mesmo' da banda legião urbana, liderada por renato russo. O texto explora a influência de brasília na obra artística de russo, sua dualidade apolínia e dionisíaca, e a importância da letra poética na música. Além disso, o documento oferece contexto histórico e biográfico sobre renato russo e a cidade de brasília.
Tipologia: Notas de aula
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UnB - Universidade de Brasília IL - Instituto de Letras TEL - Departamento de Teoria Literária e Literaturas POSLIT - Programa de Pós-graduação em Literatura Área de concentração: Literatura e Práticas Sociais
Brasília 2013
Universidade de Brasília Instituto de Letras Departamento de Teoria Literária e Literaturas Mestrado em Literatura
Wesley Rosa Günther 11/
Dissertação de Mestrado em Literatura e Práticas sociais, apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Literatura do Departamento de Teoria Literária e Literaturas, do Instituto de Letras, da Universidade de Brasília, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Literatura.
Orientadora: Dra. Sylvia Helena Cyntrão
Brasília Novembro 2013
Já tentei muita coisa de heroína a Jesus. Tudo que já fiz foi por vaidade. Renato Russo
This research aims to reflect on the lyrics of the band Legião Urbana for the city of Brasilia as inspiring motto of the topics presented in poetic lyrics. The choice of artistic material of this band is given by the fact that the poetic lyrics produced by Renato Russo, the leader, are part of a consistent work from the point of view of literary fact and generational profile. The eight albums released by the Legion, two are specifically made from an artist's vision brasiliense, and also, to a lesser extent, the other LPs found any allusion to Brasilia. Was selected as the research corpus third album, Que País É este - 1978/1987. The theoretical model for uncovering the process of creation and understanding of linguistic and semantic connections depart from Umberto Eco and the three types of convergent interpretation of the text: intentio auctoris, intentio lectoris, intentio operis. Lipovetsky, Antonio Candido and Paul Zumthor will be read by the importance to the contribution of the relations between literature and society and the insertion of the creative subject in this context.
Keywords: Renato Russo, Brasília, letter-poetic
Renato Russo foi um dos maiores roqueiros brasileiros: “mais de dez milhões de cópias vendidas dos sete discos da Legião Urbana e dois álbuns solo, Renato Russo é o mais bem-sucedido artista da história do rock brasileiro.” (MARCELO, 2009, p. 391). Isso em
Renato Manfredini Júnior, nascido no Rio de Janeiro, chegou a Brasília em 1973, o ano em que eu nasci, junto com a família, pai, mãe e sua única irmã, Carmem Tereza. Instalaram-se na SQS 303 Bloco “B” Apartamento 202, quadra nobre da capital. Entre o Rio e Brasília, a família Manfredini passou uma temporada nos Estados Unidos, Nova Iorque. O pai, economista do Banco do Brasil, foi fazer um curso lá. Para Renato, com sete anos, “a estada de dois anos nos Estados Unidos foi muitíssimo bem aproveitada, e teria reflexos notáveis em toda sua formação.” (DAPIEVE, 2000, p.23)
“Renato Russo era um brasiliense típico” (DAPIEVE, 1995, p. 129). Russo faz parte da primeira geração de brasilienses: pais que vieram trabalhar na nova capital e trouxeram seus filhos ainda crianças ou pré-adolescentes, como Renato. Aqui me refiro aos que vieram trabalhar na esfera administrativa da nova capital e viver no Plano Piloto. A segunda geração, da qual eu faço parte, é composta de pais que não são brasilienses, mas seus filhos já nasceram na capital. E, finalmente, a terceira, que são os brasilienses filhos de brasilienses.
A formação musical do compositor aqui mencionado foi se desenvolvendo primeiramente em casa, com os pais e a tia. White Album foi seu primeiro LP. No geral, teve uma infância feliz e era uma criança sensível e inteligente, mais do que um superdotado. Era um leitor ávido, desde cedo, e em sua casa, na biblioteca do seu pai, tinha acesso a todo tipo de literatura, inclusive assinaturas de revistas em inglês.
(^1) Segundo o site http://www.abpd.org.br da Associação Brasileira de Produtores de Discos.
um corpus. Vi, nos estudos da professora Sylvia Helena Cyntrão e de seu Grupo de Pesquisa de Poesia Contemporânea, uma possibilidade na qual eu pudesse trabalhar com as letras poéticas.
O objeto de estudo será o terceiro álbum da banda Legião Urbana. O desenvolvimento das ideias temáticas propostas será o gênero canção que constitui a manifestação cultural conhecida como Rock Brasil. Segundo Cyntrão, “o Brasil pode conhecer vindos de grupos de rock brasileiros, três dos mais conscientes cancionistas deste país; Cazuza, Arnaldo Antunes e Renato Russo.” (CYNTRÃO, 2004, p. 85). Assim, estudar a obra de Renato Russo é estudá-lo como dono de uma produção consistente e de enorme penetração na cultura brasileira musical dos últimos vinte e cinco anos, como demonstrado no curso desta dissertação.
Ler a cidade a partir das lentes do poeta significa lê-la filtrada com a finalidade artística, tendo como suporte as canções. Isso proporciona um saber que concebe as irregularidades entre o entendimento e o texto, pois o simbolismo “já não é mais concebido atualmente, pelo menos em regra geral, como uma correspondência regular entre significantes e significados.” (BARTHES: 2001: p. 225), o que gera possibilidades de entendimento em que prevaleça uma leitura da cidade como palco e habitat natural da “hipermodernidade” e de seus tipos, como será visto adiante sob a ótica de Lipovetsky (2007).
A partir do final dos anos de 1970, a noção de pós-modernidade fez sua entrada no palco intelectual, com o fim de qualificar o novo estado cultural das sociedades desenvolvidas. Bem depressa foi mobilizada para designar, ora o abalo dos alicerces absolutos da racionalidade e o fracasso das grandes ideologias da história, ora a poderosa dinâmica de individualização e de pluralização de nossas sociedades. Para além das diversas interpretações propostas, impôs-se a ideia de que estávamos diante de uma sociedade mais diversa, mais facultativa, menos carregada de expectativas em relação ao futuro.
Às visões entusiásticas do progresso histórico sucediam-se horizontes mais curtos, uma temporalidade dominada pelo precário e pelo efêmero. Confundindo-se com a derrocada das construções voluntaristas do futuro e o concomitante triunfo das normas consumistas centradas na vida presente, o período pós-moderno indicava o advento de uma temporalidade social inédita, marcada pela primazia do aqui-agora.
O neologismo pós-moderno tinha um mérito: salientar uma mudança de direção, uma reorganização em profundidade do modo de funcionamento social e cultural das sociedades democráticas avançadas. Rápida expansão do consumo e da comunicação de massa; enfraquecimento das normas autoritárias e disciplinares; surto de individualização; consagração do hedonismo e do psicologismo; perda da fé no futuro revolucionário; descontentamento com as paixões políticas e as militâncias. Era mesmo preciso dar um nome à enorme transformação que se desenrolava no palco das sociedades abastadas, livres do peso das grandes utopias futuristas da primeira modernidade. Para Lipovetsky (2007, p.51), “o período pós-moderno indicava o advento de uma temporalidade social inédita, marcada pela primazia do aqui-agora.”.
Hipercapitalismo, hiperclasse, hiperpotência, hiperterrorismo, hiperindividualismo, hipermercado, hipertexto - o que mais não é hiper? O que mais não expõe uma modernidade elevada à potência superlativa? Ao clima de epílogo, segue-se uma sensação de fuga para adiante, de modernização desenfreada, feita de mercantilização proliferativa, de desregulamentação econômica, de ímpeto técnico-científico, cujos efeitos são tão carregados de perigos quanto de promessas. Tudo foi muito rápido: o nascimento do pós- moderno deu-se no mesmo momento em que se esboçava a hipermodernização do mundo.
Quanto à hipermodernidade, o artista lê e escreve a Urbs , catalisando os sentimentos, numa entropia facilitadora dos significados possíveis oferecidos ao leitor pelo texto. A cidade tem a importância de ser o espaço de motivação e criação da leitura e do interdito, facilitando o direcionamento do olhar sensível do leitor às possibilidades oferecidas pelo texto, afinal, “o fenômeno poético deve ser, pois, investigado em suas implicações globais de integração e estranhamento do homem em seu meio.” (CYNTRÃO, 2004, p.29). Então, ver a cidade como algo presente na criação e no entendimento artístico satisfaz o interesse em se ter uma linha guia para a análise literária das letras. Neste caso, Brasília, com suas características arquitetônicas diferenciadas, presta-se a esta condição de ente participativo no fazer poético do letrista.
Pensando como a sociedade atual, revela seus relacionamentos. Pensar o “aqui- agora” em questões como: hipermercados, hiperpotências, hiperinflações. Assim, esta visão de mundo é “a consagração do presente.” (Lipovetsky, 2007 p. 59). A hipermodernidade do mundo, como já foi dito, nasceu junto à pós-modernidade, e este foi um estágio para as mudanças profundas que a sociedade passa.
O corpus da minha dissertação é o terceiro álbum da banda: Que País é Este. As canções do álbum em que trabalho, com exceção de duas, foram todas feitas por Russo na sua juventude em Brasília, com toda a carga simbólica que a cidade oferecia.
Pensar a canção como fonte de estudo é pensá-la como “o novo canal de manifestação da poesia” (CYNTRÃO, 2004, p.86). Estudar as letras poéticas deste modo coaduna-se com as ideias hipermodernas, professadas por Lipovetsky, de que “o centro de gravidade temporal de nossas sociedades se deslocou do futuro para o presente”. (LIPOVETSKY, 2007, p. 27).
Trabalhar com o que se gosta, tanto é bom, quanto perigoso. Não posso ir para o campo do fã, e sim pensar sempre como um pesquisador e reconhecer o processo criativo do artista e sua inserção na sociedade a partir da análise sistematizada da poética das letras.
As letras vêm em um encarte compondo um álbum com o LP. O encarte do disco desta pesquisa traz um texto de Russo não assinado, um texto explicativo sobre a obra e um pequeno comentário sobre cada canção. Isto será mais estudado e detalhado nos capítulos vindouros.
Como a integração da cidade é algo sempre muito forte na obra da Legião Urbana, a ideia de correlacionar as letras com a cidade surgiu das próprias letras que citam abertamente Brasília, considerada por muito tempo como “a cidade do rock”. A Legião Urbana é um ícone brasiliense, quer para o amor, quer para o ódio. Renato Russo pavimentou essa estrada junto a um grupo de jovens. Russo, antes de tudo, era um agitador cultural. Segundo Dapieve:
Isolados do resto do país, e ao mesmo tempo tão perto do exterior, morando numa cidade entediante, sem opções de lazer. Aqueles garotos foram gestando uma cultura própria. A base era a Colina, prédios para abrigar funcionários e professores da UnB. (2000, p.37)
Assim, Renato capitaneava este grupo da Colina. Segundo Dado Villa-Lobos, “Ele (Russo) era o elemento catalisador dessa cena.” (DAPIEVE, 2000, p.56). E foi com eles que foram se formando as bandas da cidade: Aborto Elétrico, Blitz 64, Plebe Rude, Dado e o Reino Animal, entre outras. A cena musical no final de 1970 era o punk e o pós- punk. Era esse o estilo de música que unia a galera.
A música em voga à época era o Punk Music. Foi este estilo de música e de hábitos que reuniu certos jovens brasilienses de gostos musicais parecidos, em determinados locais da cidade. As Bandas como Sex Pistols e The Clash eram as coqueluches. Para Russo, seu amplo domínio do inglês aproximou-o ainda mais das bandas inglesas. Com o estilo do punk - faça você mesmo - Renato viu uma possibilidade para fazer música. O lema era: três acordes. E isso faria com que ele não precisasse aprofundar-se em aprender rock progressivo, que exigia mais técnica como músico.
O movimento punk foi bastante importante para as bandas brasileiras. Pavimentara a abertura do que Dapieve (1995) chama de BRock. Na condição de leitores que absorviam o que vinha de fora, foram gerando uma cultura nova, pois “numa história sempre há um leitor, e esse leitor é um ingrediente fundamental no processo de contar a história” (ECO, 1994, p.7). A história a ser contada era a do Rock brasileiro_._
Busca-se aqui evidenciar a cidade como algo que se relaciona com o artista. Para Bachelard, “a linguagem escrita é como uma realidade psíquica particular.” Com isso, veremos a cidade a partir dos olhos do artista e sempre buscando equacionar esta resolução estético-semântica. Ademais, buscaremos signos que se relacionem com a cidade.
É importante enfatizar “que não pretendemos significar qual seja a natureza secreta do fato, mas simplesmente aquilo que pensamos que ela é.” (PIERCE, 2008, p. 23). Assim, o texto a nós oferecido é o mapa da orientação da experiência, que é sempre no pretérito, a poesia que dança.
Uma das grandes moradas do poeta na hipermodernidade é a canção. Hoje, 2013, temos Arnaldo Antunes. Entretanto, ele faz parte da geração de oitenta, e como um fenômeno, a geração de oitenta está na estrada há trinta anos (foi capa do Caderno Dois do Correio Braziliense do dia 13 de maio 2012). Bandas como Blitz, Os Paralamas do Sucesso, Titãs e Kid Abelha continuam atuando no cenário de espetáculos.
O fato de estas bandas ainda estarem na ativa e a Legião não estar, só corrobora para o mito: o roqueiro que morreu jovem, aos 36 anos. Para falar da persona de Russo, é preciso também ter um olhar tanatográfico.
Russo fez uso excessivo de álcool e outras drogas. Entre seus poetas favoritos, estavam W. H. Auden, Rimbaud e Fernando Pessoa, filósofos como Bertrand Russell e o
O terceiro álbum foi concebido de maneira diferenciada. Em setembro de 1987, a Legião suspende as gravações do terceiro disco por, provavelmente, existir a pressão da grande vendagem do disco anterior junto ao incômodo de Russo ser o novo porta-voz da juventude, “ainda mais porque ele tinha perfeita consciência da responsabilidade social do artista.” (DAPIEVE: 2000 p. 98). Estes acontecimentos vinham o aborrecendo. Então, com a pressão também da gravadora em lançar um novo álbum, veio a solução: gravar as músicas do tempo em que Russo vivia em Brasília.
Foi neste clima que o disco foi gravado. Todos ficaram aliviados porque tinham material suficiente. Então, no dia 10 de dezembro de 1987, o álbum foi lançado. Nas palavras de Russo “Essas músicas falam das mesmas coisas que falariam o terceiro LP, (se fossem inéditas) são coisas de que queríamos falar: Constituição, Cocaína, Solidão. Mas são letras antigas, adolescentes” (DAPIEVE: 2000 p. 100).
Das nove canções que são analisadas, sete são da época do Aborto Elétrico e do Trovador Solitário que durou apenas alguns meses. Para Dapieve (2000), foi exatamente nesta época que ele teve tempo e necessidade de se dedicar mais às músicas e letras, pois se apresentava apenas com o violão, abrindo os shows de outras bandas da cidade. As outras duas canções que foram compostas para o LP, “Angra dos Reis” e “Mais do Mesmo”, são letras de Russo com parceria dos outros membros na música.
Umberto Eco, no seu livro Os Limites da Interpretação , nos fala das três intenções do texto literário, As três são: a intenção do autor ( Intentio Auctoris), a intenção do texto (Intentio Operis) e a intenção do leitor (Intentio Lectoris).
Quando César invadiu a Gália, ele disse “ Gallia omnis erat divisa in partes tres^2 ” , para melhor administrar e gerir suas riquezas. Assim farei eu, com minha dissertação. Ela será dividida conforme as três intenções do texto, de que nos fala Eco. Como apoio teórico para cada capítulo, também, dividirei as análises das letras poéticas, para um respaldo maior nas teorias utilizadas. A separação das letras segue uma lógica que será detalhada em cada capítulo.
No primeiro capítulo referente à Intentio auctoris, identificaremos a responsabilidade social do artista e sua relação com Brasília e, para tanto, serão analisadas as letras de “Angra dos Reis” e “Mais do Mesmo”. Como textos teóricos de apoio, apontamos
(^2) É preciso dividir a Gália em três partes
para A origem da tragédia de Nietzsche e seu conceito de Apolíneo e Dionisíaco, que sublinha bem o que representou Russo. Temos também menção às duas biografias de Renato.
No segundo capítulo, apresenta-se a Intentio operis, com as análises das letras de “Tédio (Com um T bem grande pra vocês)”, “Química”, “Que País é Este”, “Conexão Amazônica” e “Eu Sei”, norteadas pelos conceitos de Barthes sobre a semiótica e a cidade.
No terceiro capítulo, a Intentio lectoris figura as análises das letras “Faroeste Caboclo” e “Depois do Começo”. Deste modo, cada capítulo trata de uma intenção. Aqui cabe, também, minha intenção como leitor e a recepção da leitura dos brasilienses.
O desejo desta pesquisa é que celebre a importância da banda e da cidade pelo desvelamento possível dos aspectos da condição humana retratada por seu autor. O corpus de análise concentra-se em um álbum, mas há outras canções em outros álbuns da Legião, com a presença de Brasília, que serão mencionadas, oportunamente.
A dialética que compõe uma canção é fruto da ambivalência entre a música e a letra. Afinal, o público leitor das letras foi primeiramente ao encontro da melodia. Os sentimentos que a letra produz foram geridos, em parte, pela melodia, que faz girar a máquina fonográfica capitalista. Este interstício faz com que, primeiro, o ouvinte-leitor se apegue ao ritmo da música para, depois, captar as letras e, enfim, se torne um leitor-ouvinte.
É preciso que isso fique claro ao se estudar as letras poéticas das canções: estamos fazendo um recorte na obra artística, visando à compreensão da série literária. Não cabe aqui o aprofundamento da teoria musical. É o encarte do álbum nosso objeto de estudo.
Localizar os lugares da cidade em que Renato passou sua juventude, tendo sua perspectiva refletida em suas letras é material para esta pesquisa. “O erotismo da cidade é o ensinamento que podemos retirar da natureza infinitamente metafórica do discurso urbano.” (BARTHES, 2001, p. 229). É nos locais públicos que há o encontro com o outro, as trocas de ideias e, nesse caso estudado, a formação de bandas de rock.
As consequências de estudarmos as letras das canções nos levam a outro tema igualmente importante, que é a consciência corporal da voz. É certo que para analisá-las recorremos aos textos. Entretanto, tratamos aqui de um artista que se fez ouvir por sua presença, sua performance. Tal realidade cria uma epistemologia intercultural, uma leitura
Pensar as mídias contemporâneas de divulgação da literatura, segundo os atuais paradigmas sociológicos e editoriais, em que a obra e as imagens estão disponíveis virtualmente na Internet e materialmente em novos lançamentos de CDs e LPs, abre novos espaços para o pesquisador. Então, os estudos literários da canção instauram-se nesta maneira de agregar tais manifestações do gênero poético.
“Mas ao sustentar que também o convite à liberdade interpretativa dependia da estrutura formal da obra” (ECO, 1990, p.5), damos voz ao autor e ao que ele quis dizer. Entretanto, não consideraremos, tão somente, o aspecto formal da obra neste capítulo, mas sim, a organização da intenção do autor – a intentio auctoris , sua formação como ente criador da literatura propriamente dita.
O autor está na representação semiótica do texto, é o condutor das imagens possíveis na leitura, ou, como esclarece Eco (1990), o autor do primeiro nível de significado da mensagem, o literal. É a existência da criação do autor que abre o texto ao mundo e, com isso, às mais variadas interpretações dos leitores e críticos.
A existência semiótica do artista é condicionada, a priori , pela experiência da vida do indivíduo, que engendrará o artista e, a posteriori , o leitor ao consumir e repercutir a obra, dando visualidade ao artista. O autor existe antes da obra e, durante a leitura, permanece entre o significante e o significado.
Para o indivíduo Renato Manfredini Júnior e a persona artística de Renato Russo, pensaremos a questão Apolínea e Dionisíaca, que se encontra no livro A Origem da Tragédia , de Nietzsche (1988). Para tanto, vale falar um pouco sobre estes dois deuses olímpicos.
Apolo foi uma das divindades principais da mitologia greco-romana, um dos deuses olímpicos. Filho de Zeus e Leto, e irmão gêmeo de Ártemis, possuía muitos atributos e funções, e possivelmente depois de Zeus, foi o deus mais influente e venerado de todos da Antiguidade clássica.
As origens de seu mito são obscuras, mas no tempo de Homero já era de grande importância, sendo um dos mais citados na Ilíada. Era descrito como o deus da divina distância, que ameaçava ou protegia desde o alto dos céus, sendo identificado com o sol e a luz da verdade.
Fazia os homens conscientes de seus pecados e era o agente de sua purificação; presidia sobre as leis da Religião e sobre as constituições das cidades, era o símbolo da inspiração profética e artística, sendo o patrono do mais famoso oráculo da Antiguidade, o Oráculo de Delfos, e líder das Musas. Era temido pelos outros deuses e somente seu pai e sua mãe podiam contê-lo.
Era o deus da morte súbita, das pragas e doenças, mas também o deus da cura e da proteção contra as forças malignas. Além disso, era o deus da Beleza, da Perfeição, da Harmonia, do Equilíbrio e da Razão, o iniciador dos jovens no mundo dos adultos. Estava ligado à natureza, às ervas e aos rebanhos, e era protetor dos pastores, marinheiros e arqueiros. Embora tenha tido inúmeros amores, foi infeliz nesse terreno, mas teve vários filhos.
Foi representado inúmeras vezes desde a Antiguidade até o presente, geralmente como um homem jovem, nu e imberbe, no auge de seu vigor, às vezes com um manto, um arco e uma aljava de flechas, ou uma lira, e com alguns de seus animais simbólicos, como a serpente, o corvo ou o grifo.
O deus da música e da poesia traz o equilíbrio que a canção exige, balanceando a delicada e intrigada composição. Traz, também, a força da juventude que o Rock exige. Mira sua seta no artista que, embutido da força primaz, faz uso para suas criações. Apolo, portanto, é um deus de vários atributos.
Dioniso ou Dionísio era o deus grego equivalente ao deus romano Baco: dos ciclos vitais, das festas, do vinho, da insânia, mas, sobretudo, da intoxicação que funde o bebedor com a deidade. Filho de Zeus e da princesa Sêmele, foi o único deus olimpiano filho de uma mortal, o que faz dele uma divindade grega atípica.
Há, na mitologia grega, versões muitas vezes diferentes e contraditórias dos eventos mitológicos. A história do nascimento de Dioniso não é diferente: existem pelo menos duas versões do nascimento de Dioniso.