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Teoria da Interdependência Complexa: Regimes Internacionais e Organizações, Slides de Cálculo

A teoria da interdependência complexa proposta por keohane e nye, que enfatiza a importância de regimes internacionais e organizações na política mundial. A teoria rejeita a ideia de estados unidos coesos e prioritária da segurança, e reconhece a diversidade de atores e temas relevantes na política internacional. Os autores introduzem o conceito de vulnerabilidade e o papel de regimes e organizações na política intergovernamental e transnacional.

Tipologia: Slides

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Barros32
Barros32 🇧🇷

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Poder e Interdependência
“We live in an era of interdependence” (Keohane & Nye, 1989, p. 3). Com
esta frase, Keohane e Nye iniciam seu livro, no qual se propõem a discutir a
política mundial, que afirmam estar em mutação. Em linhas gerais, as principais
características dessa “nova era” seriam que o poder, conceito fundamental para
teóricos, analistas e policy makers, havia se tornado mais elusivo, seu cálculo
mais delicado, nebuloso e que, tanto em termos econômicos, tecnológicos ou
valorativos, o mundo havia se tornado interdependente em intensidade até então
não observada. Identificam duas “escolas”, duas perspectivas divergentes sobre
quão profundas seriam estas mudanças. Para o que chamam de “escola
modernista” estaria emergindo um “mundo sem fronteiras”, em que o tempo do
Estado territorial estaria se acabando, eclipsado por outros atores não territoriais,
como organizações internacionais, movimentos sociais transnacionais e
corporações multinacionais. De outro lado, estariam os “tradicionalistas”, que
destacavam as continuidades na política mundial, o papel ainda fundamental do
poder militar e a indiscutível primazia do Estado nacional frente a quaisquer
outros atores no nível internacional (Keohane & Nye, 1989, p. 3-4).
Entretanto, ambas as “escolas” careceriam de um framework adequado
para se entender a política da interdependência. Keohane e Nye, portanto, lançam-
se à tarefa de “to provide a means of distilling and blending the wisdom in both
positions by developing a coherent theoretical framework for the political analysis
of interdependence” (1989, p. 4).
Com este objetivo, continuam,
We shall develop several different but potentially complementary models, or
intellectual tools, for grasping the reality of interdependence in contemporary
world politics. Equally important, we shall attempt to explore the conditions
under which each model will be most likely to produce accurate predictions and
satisfactory explanations. (Keohane & Nye, 1989, p. 4)
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Poder e Interdependência

“We live in an era of interdependence” (Keohane & Nye, 1989, p. 3). Com esta frase, Keohane e Nye iniciam seu livro, no qual se propõem a discutir a política mundial, que afirmam estar em mutação. Em linhas gerais, as principais características dessa “nova era” seriam que o poder, conceito fundamental para teóricos, analistas e policy makers , havia se tornado mais elusivo, seu cálculo mais delicado, nebuloso e que, tanto em termos econômicos, tecnológicos ou valorativos, o mundo havia se tornado interdependente em intensidade até então não observada. Identificam duas “escolas”, duas perspectivas divergentes sobre quão profundas seriam estas mudanças. Para o que chamam de “escola modernista” estaria emergindo um “mundo sem fronteiras”, em que o tempo do Estado territorial estaria se acabando, eclipsado por outros atores não territoriais, como organizações internacionais, movimentos sociais transnacionais e corporações multinacionais. De outro lado, estariam os “tradicionalistas”, que destacavam as continuidades na política mundial, o papel ainda fundamental do poder militar e a indiscutível primazia do Estado nacional frente a quaisquer outros atores no nível internacional (Keohane & Nye, 1989, p. 3-4). Entretanto, ambas as “escolas” careceriam de um framework adequado para se entender a política da interdependência. Keohane e Nye, portanto, lançam- se à tarefa de “to provide a means of distilling and blending the wisdom in both positions by developing a coherent theoretical framework for the political analysis of interdependence” (1989, p. 4). Com este objetivo, continuam,

We shall develop several different but potentially complementary models, or intellectual tools, for grasping the reality of interdependence in contemporary world politics. Equally important, we shall attempt to explore the conditions under which each model will be most likely to produce accurate predictions and satisfactory explanations. (Keohane & Nye, 1989, p. 4)

Duas questões guiam os autores no desenvolvimento de sua obra. Em primeiro lugar, quais seriam as principais características da política mundial quando a interdependência^5 , em especial econômica, é extensiva? Na resposta apresentada, Keohane e Nye delineiam o “mundo teórico”, os pressupostos sobre os quais estruturam seu argumento sobre a interdependência complexa. Além disso, a crítica à insuficiência da perspectiva realista para compreender as mudanças as quais o mundo presenciava refletem-se na segunda questão, como e por que regimes internacionais mudam? Indelével para a resposta que apresentam é o conceito de regimes internacionais , definidos como governing arrangements que tomam forma por meio da criação ou aceitação de procedimentos, regras e instituições para determinado tipo de atividade, com os quais governos regulam e controlam relações transnacionais e interestatais (Keohane & Nye, 1989, p.5).

O interlocutor: Realismo

Teoria hegemônica entre as décadas de 1950 e 1960, o Realismo é o principal interlocutor de Power and Interdependence. Tal abordagem enfatiza, segundo Keohane e Nye, a sempre presente possibilidade de guerra entre os Estados soberanos e a balança de poder seria a principal responsável pela estabilidade num sistema internacional marcado pela possibilidade do recurso à violência organizada. Incomodados com esta perspectiva, consonante com as chamadas “teorias tradicionais”, Keohane e Nye lançam-se à tarefa de imaginar uma teoria alternativa da política mundial, mais precisa e adaptada àquela que chamavam de nova era.

(^5) Para um aprofundamento da discussão sobre o conceito de interdependência, ver Deutsch et. al. (1957), Haas (1958), Waltz (1970), Rosenau (1976), Rosecrance et. al. (1977), Art (1980), Baldwin (1980), Keohane & Nye (1985) e Keohane (1988).

Apesar de a estrutura refletir a distribuição das capacidades dos Estados^6 , as próprias interações entre os atores no sistema internacional são relevantes para os autores. Assim, tais capacidades, que seriam diretamente traduzidas como a quantidade de poder dos Estados para as teorias tradicionais, são apenas um poder potencial para Keohane e Nye. Explicar adequadamente as transformações pelas quais o mundo estava passando implicaria também analisar a forma pela qual as capacidades dos Estados são traduzidas por meio de barganha em resultados favoráveis (ou não) nas negociações. Torna-se fundamental, portanto, também atentar para o processo político.

O resultado da inserção do conceito de processo para se entender o sistema internacional é extremamente relevante, na medida em que abre caminho tanto para a problematização do próprio conceito estático e objetivo de poder das teorias tradicionais como também para a admissão da própria interdependência como um fator de grande relevância para as Relações Internacionais, em especial quando associada ao conceito de regimes internacionais. Estes serão os temas que serão discutidos a seguir.

Interdependência

Keohane e Nye afirmam que, muito embora “interdependência” estivesse tornando-se progressivamente mais comum na imprensa e mesmo em discursos oficiais, o termo careceria de uma definição precisa. Isto porque ele havia se tornado uma poderosa ferramenta para justificar as mais diversas ações estatais nos mais diversos contextos em substituição à “retórica da segurança nacional”.

(^6) Por este motivo, talvez seja mais bem denominada “estrutura de poder” ( power structure ).

Durante os primeiros anos da Guerra Fria, a “retórica da segurança nacional” era o principal slogan para dar apoio às políticas estadunidenses interna e externamente.

The rhetoric of national security justified strategies designed, at considerable cost, to bolster the economic, military, and political structure of the “free world”. It also provided a rationale for international cooperation and support for the United Nations, as well as justification for alliances, foreign aid, and extensive military involvements. (Keohane & Nye, 1989, p.6)

Todavia, os autores defendem que este discurso havia perdido parte de sua força até o final da década de 1970 devido a diversos fatores, em especial a mudança nas relações econômicas entre países industrializados, a reação da população estadunidense à Guerra do Vietnã, o cada vez maior poder destrutivo dos armamentos, a diminuição das tensões entre os Estados Unidos e a União Soviética, e a tentativa de Nixon de explicar o caso Watergate com base esta retórica. Várias ações, inclusive contraditórias, eram justificadas como fundamentais à “segurança nacional” por diversos países (Keohane e Nye, 1989, p.6-8). Na medida em que a precisão descritiva e força retórica do termo se perdiam, a interdependência emergiu como um eficiente substituto a fim de legitimar ações, em especial estadunidenses, ao redor do mundo. Em outras palavras,

Although the connotations of interdependence rhetoric may seem quite different from those of national security symbolism each has often been used to legitimize American presidential leadership in world affairs”. (Keohane & Nye, 1989, p.6-7)

Para os autores, porém, a nova retórica apresentaria problemas. Em primeiro lugar, tinha como característica o fato de colocar a interdependência como uma necessidade natural, omitindo o fato de que era produto de uma situação parcialmente criada pelas próprias políticas dos Estados. Além disso, frequentemente se afirmava que os conflitos internacionais iriam desaparecer em virtude da interdependência, pois a sobrevivência da raça humana como um todo estaria ameaçada pelos perigos ambientais e militares. Para Keohane e Nye (1989, p.8), entretanto, os conflitos poderiam assumir novas formas, talvez até se intensificarem.

We must also be careful not to define interdependence entirely in terms of situations of evenly balanced mutual dependence. It is asymmetries in dependence that are most likely to provide sources of influence for actors in their dealings with one another. Less dependent actors can often use the interdependent relationship as a source of power in bargaining over an issue and perhaps to affect other issue. At the other extreme from pure symmetry is pure dependence (sometimes disguised by calling the situation interdependence); but it too is rare. Most cases lie between these two extremes. And that is where the heart of the political bargaining process of interdependence lies. (Keohane & Nye, 1989, p.10-11)

Quando se admite que a interdependência possa ser uma fonte de influência para os atores quando se relacionam, podendo restringir sua autonomia, Keohane e Nye abrem caminho para discutirem outra concepção de poder, que será o foco da próxima seção.

Poder

A despeito do poder ser um conceito bastante caro aos estudiosos das Relações Internacionais, ele está longe de possuir um significado consensual, suscitando controvérsias entre teóricos de diferentes vertentes ou mesmo daqueles que possuem perspectivas semelhantes^7. Em Power and Interdependence , procura-se desenvolver uma teoria que se contraponha ao Realismo, que se apresente como uma maneira alternativa – pretensamente mais precisa – de se entender a política mundial. Os autores iniciam essa tarefa imaginando um sistema internacional no qual não apenas a estrutura tal qual era concebida pelos “teóricos tradicionais”, isto é, a distribuição das capacidades entre os atores, fosse relevante; também o processo de barganha, meio como essas capacidades são utilizadas, seria fundamental.

(^7) Para um aprofundamento sobre o tema do poder, ver Hirschman (1945), Kaplan e Lasswell (1950), Simon (1953), Dahl (1957), Art (1980), Clegg (1989), Hindess (1996), Guzzini (1993), Guzzini (2000), Guzzini (2005).

Ainda que um Estado fosse superior a outro em termos militares, uma ofensiva poderia apresentar custos que a tornassem ineficaz como meio de alcançar objetivos. Logo, a concepção tradicional de poder, que seria unicamente reflexo das capacidades militares dos Estados, não seria adequada para a proposta de Keohane e Nye. A barganha não poderia ser negligenciada, e, na mesa de negociação, admitem-se muitas outras fichas além de caças e soldados. Poder é, então, definido em termos de controle sobre outcomes , potencial de influência sobre o resultado das negociações.

Power can be thought of as the ability of an actor to get others to do something they otherwise would not do (and at an acceptable cost to the other actor). Power can also be conceived in terms of control over outcomes. (Keohane & Nye, 1989, p.11)

Ao apresentarem uma nova definição de poder, os autores buscam uma maneira adequada de quantificá-lo. De acordo com as teorias tradicionais, os recursos militares seriam uma forma eficiente de medição do poder de um Estado. Traduzindo simplesmente, quando mais armamentos, melhor. Contudo, para a teoria apresentada na obra, este dado apenas é insuficiente, incapaz de ser aplicado satisfatoriamente frente às mudanças pelas quais o mundo estava passando. Também seria necessário saber qual é o potencial do ator para influenciar o resultado das negociações, o processo de barganha. Nota-se, assim, que os recursos de poder podem ser bastante diversos, incluindo, entre outros, o apoio da opinião púbica nacional ou internacional, a importância de seus aliados políticos, meios econômicos, seu peso em organizações internacionais. O que todos estes fatores citados possuem em comum é o fato de desequilibrarem as relações de interdependência, gerando uma situação chamada interdependência assimétrica. Keohane e Nye concluem, então, que a interdependência assimétrica é uma fonte de poder, na medida em que o ator menos dependente em uma relação possuiria mais recursos políticos – que não se restringem à força militar – para controlar o resultado das negociações.

When we say that asymmetrical interdependence can be a source of power we are thinking of power as control over resources, or the potential to affect outcomes. A less dependent actor in a relationship often has a significant political resource, because changes in the relationship (which the actor may be able to initiate or

Obviamente, em situações nas quais o framework político é difícil de ser alterado ou quando ele é tomado como “natural”, como uma característica do sistema, a sensibilidade será o único aspecto não militar relevante da interdependência. Contudo, para os autores, geralmente tais situações não são as mais comuns. Assim, a vulnerabilidade normalmente é de maior peso na política mundial:

Vulnerability is particularly important for understanding the political structure of interdependence relationships. In a sense, it focuses on which actors are “the definers of the ceteris paribus clause”, or can set the rules of the game. Vulnerability is clearly more relevant than sensitivity [...] (Keohane & Nye, 1989, p.15)

Cabe ressaltar, porém, que as fontes de interdependência não devem ser imaginadas de forma estática no correr das negociações. Elas são fundamentais para se entender o processo de barganha porque elas são passíveis de manipulação por parte dos atores envolvidos, os quais podem perseguir estratégias (e contraestratégias) para garantir um outcome favorável. Quando uma fonte torna-se desvantajosa para determinado ator, ele pode tentar alterar a dimensão na qual as negociações se processam. Isso ocorre especialmente quando há disparidades entre os recursos de poder nas diferentes dimensões de interdependência. As possibilidades são múltiplas e diversos exemplos podem ser citados: para diminuir sua sensibilidade em relação às negociações em uma organização internacional, Estados podem formar alianças específicas, como os BRICS; produtores rurais que são prejudicados pelo atual código florestal brasileiro pressionam o Congresso para modificá-lo; o governo sírio, enfrentando dificuldades em lidar com os manifestantes que reivindicam abertura política, aponta suas armas para a própria população, e assim por diante.

A movement from one power resource to a more effective, but more costly, resource, will be most likely where there is substantial incongruity between the distribution of power resources on one dimension and those on another. In such a situation, the disadvantaged actor’s power position would be improved by raising the level at which the controversy is conduced. (Keohane & Nye, 1989, p.17)

A tabela abaixo, elaborada pelos autores, é bastante esclarecedora a respeito das possibilidades de uso e dos custos das fontes de interdependência, bem como de seu grau de dominância.

Interdependência assimétrica e seus usos Fontes de interdependência

Escala de dominância

Escala de custos Uso contemporâneo Militar (custos do uso da força militar) 1 1

Usados em situações extremas contra inimigos fracos ou quando os custos podem ser baixos.

Vulnerabilidade não militar (custo de buscar políticas alternativas)

2 2

Usada quando constrangimentos normativos são baixos, e as regras internacionais não são consideradas vinculantes (incluindo relações não militares entre adversários e situações de conflito extremo entre parceiros próximos ou aliados).

Sensibilidade não militar (custos de mudança dentro das políticas existentes)

3 3

Recurso de poder no curto prazo ou quando os constrangimentos normativos são altos e a regras internacionais são vinculantes. Limitada porque, se altos custos são impostos, atores em desvantagem podem alterar o framework político. Figura 1: Interdependência assimétrica e seus usos. Fonte: Keohane & Nye, 1989, p.17.

Para as teorias realistas, cuja chave para se entender a política mundial era a estrutura de poder, apenas as questões militares seriam relevantes. Quando Keohane e Nye focam na interdependência, ressaltam o processo político. As capacidades militares continuam sendo efetivas, mas implicam altos custos que dificultam sua utilização. Por outro lado, a importância atribuída aos processos políticos faz com que as fontes não militares de interdependência, sensibilidade e vulnerabilidade, passem a ser amplamente utilizadas. Logo, o framework político, que não se resume ao poder militar, torna-se essencial para se compreender adequadamente a política mundial. Os regimes internacionais , portanto, tornam- se peça fundamental para a teoria que os autores desenvolvem por serem atores que influenciam marcantemente o framework político.

oceanos e da política monetária internacional, deixam claro que regimes são criados, reestruturados, abandonados diversas vezes, com consequências marcantes para a política mundial. Devido à importância desses arranjos, entender tais mudanças, explicá-las satisfatoriamente é uma das questões principais que os autores tentam esclarecer. Na tentativa de responder por que os regimes internacionais mudam, apresentam quatro modelos teóricos, que serão debatidos a seguir.

Economic process explanation

O fundamento deste modelo são as transformações tecnológicas e econômicas ocorridas a partir da virada do século passado, com destaque para o crescimento econômico nos países industrializados, a intensificação do comércio internacional, mundialização da produção, e as inovações nas comunicações e nos transportes. Para lidar com isso, os governos seriam impelidos a fazer acordos, mecanismos de consulta e instituições. Suas premissas básicas são que (1) as mudanças tecnológicas e o aumento da interdependência econômica poderiam tornar os regimes internacionais obsoletos; (2) os governos seriam altamente sensíveis às demandas domésticas pelo aumento do padrão de vida de suas populações e (3) os grandes benefícios econômicos agregados, resultantes dos fluxos internacionais de capital, bens e, em alguns casos, de trabalho, dariam aos governos incentivos para modificar ou reconstruir os regimes internacionais, restaurando sua efetividade. (Keohane & Nye, 1989, p.39-40) Este modelo explica tanto o fato de regimes internacionais tornarem-se obsoletos (devido às mudanças acima citadas) como sua rápida reconstrução e adaptação (em resposta aos benefícios agregados que seriam perdidos em sua ausência).

On the basis of an economic process model, one should therefore expect international regimes to be undermined from time to time by economic and technological change; but they will not disintegrate entirely, at least not for long. They will quickly be reconstructed to adapt to economic and technological conditions. (Keohane & Nye, 1989, p.40)

Esta explicação, porém, ignora a distribuição de poder no sistema internacional, que é a pedra angular dos dois modelos seguintes.

Overall power structure explanation

A dinâmica deste modelo, consonante com as teorias tradicionais, é que são os Estados mais poderosos ditam as regras da política mundial. Assim, os regimes internacionais, que são criados de acordo com a distribuição de poder no sistema internacional, deveriam estar sempre em consonância com as preferências dos Estados mais poderosos. Se esta distribuição for modificada, isto é, se a estrutura internacional alterar-se, os regimes internacionais ou mudariam para se adaptarem à nova conformação ou se desintegrariam. Este modelo não diferencia significativamente entre as diversas áreas temáticas ( issue areas ) da política mundial, pois admite a dominância incondicional da dimensão militar. Pelo mesmo motivo, as guerras tenderiam a alterar os regimes, já que os constrangimentos para ações militares são baixos nestes casos. Ainda que a dimensão militar seja dominante, isto não significa necessariamente que ações ofensivas são a regra. Como alternativa ao uso da força ou à ameaças explícitas, os Estados poderosos poderiam criar arranjos consonantes com seus interesses ou alterar os arranjos pré-existentes e, então, deles tirar vantagem. De acordo com este modelo, regimes internacionais tenderiam a ser mais estáveis em situações de hegemonia. Nestes casos, o hegemon teria não apenas capacidade de manter as regras que governam as relações interestatais, como também incentivos: tais arranjos poderiam favorecê-lo.

In addition to its role in maintaining a regime, such a state can abrogate existing rules, prevent the adoption of rules that it opposes, or play the dominant role in constructing new rules. In a hegemonial system, therefore, the preponderant state has both positive and negative power. (Keohane & Nye, 1989, p.44)

considerable extent, regime change occurs because of the difference between the influence and benefits under an existing regime and the expectations of dissatisfied states about the effects of new rules. (Keohane & Nye, 1989, p.52)

International organization model

Os três modelos acima descritos não apresentavam novidades significativas em relação ao que se pensava sobre regimes internacionais na época. Enquanto a primeira explicação fundamenta-se em análises econômicas, as duas explicações chamadas estruturais inspiram-se, em grande medida, nos estudos realistas sobre o sistema internacional, colocando peso inegável na questão do poder (seja em determinada área temática ou de forma geral). Além disso, todos focam nas ações dos Estados, que são não apenas os atores mais relevantes, como os únicos responsivos às condições que levam a criação, manutenção e dissolução dos regimes internacionais. Todos, porém, possuem limitações que fazem com que Keohane e Nye os considerem inadequados para se entender a política mundial em condições de interdependência extensiva. A economic process explanation claramente deixa de lado as capacidades dos Estados (ou sua distribuição) no cenário internacional. A questão do poder é negligenciada, pois se assume que as decisões econômicas são, em grande medida, isoladas das militares. Processos políticos que envolvam as relações entre Estados também são deixados de lado ao focar nas decisões isoladas destes atores em resposta às demandas internas ou ao desenvolvimento tecnológico. As duas explicações estruturais, por outro lado, são centradas no poder dos Estados. Porém, apesar de ser indelével a relevância de questões político-militares para se explicar a mudança de regimes internacionais, Keohane e Nye julgam insuficiente apenas este fator. Outras três questões deveriam ser levadas em conta na análise. Em primeiro lugar, as percepções sobre a ameaça de agressão militar não seriam mais as mesmas. O grau destrutivo dos conflitos armados internacionais e o surgimento das armas de destruição em massa desencadearam questionamentos sobre a eficácia do uso da força como instrumento político

(exceto em casos extremos). Além disso, mudanças no poder econômico relativo dos Estados Unidos e de seus parceiros comerciais e financeiros levaram tanto ao aumento da percepção dos possíveis efeitos prejudiciais de conflitos em virtude de seus altos custos, como também tornaram as questões econômicas mais relevantes na agenda internacional. Por fim, a descolonização fez com que os padrões hierárquicos envolvendo as potências imperialistas europeias e suas antigas colônias fossem alterados. (Keohane & Nye, 1989, p.47) Outro ponto importante, a intensificação da interdependência fez com que surgissem novos padrões de relações que não se limitavam às interestatais. Atores políticos domésticos e transnacionais ganhavam progressivamente mais espaço nas mesas de negociações. As chamadas issue linkages tornavam-se cada vez mais comuns, isto é, o tratamento de diversos temas da agenda internacional de forma conjunta e sem que houvesse entre eles uma hierarquia apriorística fixa. (Keohane & Nye, 1989, p.52-53) Assim, a tradução direta dos recursos de poder em resultado sobre as negociações não seria mais a única forma de se entender a política mundial, sendo imprescindível levar em conta os processos políticos. O esquema a seguir resume os modelos estruturais de mudança de regime, chamando atenção para a o processo de barganha, subestimado nestas análises.

Figura 2: Modelos estruturais de mudança de regime. Fonte: Adaptado de Keohane e Nye, 1989, p.53.

Este modelo assume que, uma vez que as organizações internacionais são estabelecidas, torna-se difícil erradicá-las ou mesmo alterá-las drasticamente. É fundamentalmente uma explicação da persistência das dessas organizações, e, consequentemente, da estrutura internacional na ausência de um hegemon. O mesmo é válido para os regimes internacionais, partes integrantes desta estrutura que, uma vez estabelecidos, tornam-se bastante estáveis. A possibilidade de manipular a vulnerabilidade de outros atores é bastante limitada e a dimensão da sensibilidade adquire grande relevância. Em complementação às capacidades isoladas dos Estados, os autores apresentam o conceito de organizationally dependent capabilities^11 , capacidades que não podem ser dissociadas desta nova ideia de estrutura e que efetivamente atribuem poder sobre outcomes em um sistema marcado por organizações internacionais. Apesar dos regimes internacionais serem criados em conformidade com a distribuição das capacidades dos Estados, as normas, instituições, networks e os próprios regimes passariam a influenciar a habilidade dos atores em utilizar tais capacidades.

Regimes are established and organized in conformity with distributions of capabilities, but subsequently the relevant networks, norms, and institutions will themselves influence actors’ abilities to use these capabilities. As time progresses, the underlying capabilities of states will become increasingly poor predictors of the characteristics of international regimes. Power over outcomes will be conferred by organizationally dependent capabilities , such as voting power, ability to form coalitions, and control of elite networks: that is, by capabilities that are affected by the norms, networks, and institutions associated with international organization as we have defined it. (Keohane & Nye, 1989, p.55)

As capacidades organizacionais são fundamentais para o processo de barganha e, consequentemente, determinantes para o resultado das negociações. As capacidades dos Estados, seu poder potencial, não conseguiriam influenciar diretamente os processos políticos sem que fossem levadas em consideração as normas e instituições, isto é, as organizações internacionais. É indelével, porém, a influência das capacidades dos Estados na constituição inicial dos regimes internacionais.

(^11) Em tradução livre, “capacidades organizacionais”.

A figura a seguir é uma representação esquemática deste modelo, para os autores, mais complexo e sofisticado, atinente às condições colocadas pela interdependência.

Figura 3: Modelo da organização internacional. Fonte: Adaptado de Keohane e Nye, 1989, p.56.

Apesar das limitações que Keohane e Nye apontaram nos três primeiros modelos, eles não sugerem de maneira alguma que eles devam ser descartados. Pelo contrário, já no início do primeiro capítulo esclareciam que sua pretensão era apresentar modelos que, não obstante diversos, fossem complementares. Porém, as explicações são claramente desenvolvidas para responder a situações distintas, e uma das tarefas a qual os autores se lançam é, também, explorar as condições nas quais cada um desses modelos poderia produzir conclusões satisfatórias. (Keohane & Nye, 1989, p.4) A econômic process explanation é bastante útil em situações nas quais há pouca pressão militar e/ou política, exercida por outros Estados. Os modelos estruturais são precisos quando as condições realistas são reinantes. A “nova era” da interdependência, porém, coloca desafios que não podem ser resolvidos por estas explicações. O international organization model seria capaz de lidar com esta nova conjuntura, mas não sem quebrar com as premissas da teoria Realista, isto é, a centralidade e coesão do Estado, a preponderância das questões de segurança, e a