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Guias e Dicas
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Paul Tillich: A Revelação de Deus e a Finalidade Humana, Esquemas de Teologia

Este documento reflete sobre a relação entre a revelação de um deus transcendente e o ser humano finite, baseado na obra de paul tillich. Ele aborda a questão de como a revelação de deus pode ser ouvida sem ser confundida com os meios da mensagem, e discute os desafios de abordar a revelação de deus no contexto contemporâneo. O documento explora a ideia de que deus não pode ser objeto do conhecimento humano, e propõe a abordagem da correlação proposta por tillich para unir razão e fé.

Tipologia: Esquemas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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O ser humano na existência
O propósito desta pesquisa é refletir sobre a relação entre a revelação de
um Deus transcendente e o ser humano finito a partir de Paul Tillich. Diante
dessa proposta surgem algumas perguntas: como o ser humano finito, na
existência, pode ter alguma relação com o transcendente? Como a revelação de
Deus que é acolhida na realidade humana pode ser ouvida sem que seja
confundida com os meios da mensagem? A estas perguntas acrescentam-se
algumas delineações: o conhecimento de Deus, condicionado pela finitude
humana, corre o risco de se tornar um conhecimento como outro qualquer, pois
a única maneira de o ser humano conhecer a realidade à sua volta é sempre
através da estrutura sujeito-objeto. Porém, Deus não pode ser um objeto entre
outros. Sendo assim, a pesquisa propõe-se estudar a teologia de Paul Tillich1,
1 Vida de Paul Tillich: “Até o início da Primeira Guerra Mundial, Paul Johannes Tillich
(20/8/1886 22/10/1965) possuía uma vida estável na Alemanha, seu país natal. Filho de pais
protestantes nasceu em Starzeddel, pequeno povoado de Brandenburg, província próxima de
Berlim. O contato com a natureza, com a simplicidade da vida rural, com as perspectivas de
harmonia cósmica fortaleceu uma nostalgia numinosa do infinito e a perspectiva da presença
do divino no mundo. Dessa presença são derivados (e não ao contrário) a mística, as
implicações estéticas e sacramentais e os elementos lógicos e éticos da religião. Isso,
posteriormente, sob a influência de Friedrich Schleiermacher (1768-1834) em especial a obra
Discursos sobre a Religião e de Rudolf Otto (1869-1937) em especial O sagrado
redundou na participação de Tillich em movimentos de renovação litúrgica e em uma
reavaliação do misticismo cristão e não-cristão. (...) A partir de 1904, Tillich estudou filosofia
em Tubinga e teologia em Halle, um destacado centro do pietismo alemão. Concentrou as
pesquisas em torno dos grandes filósofos alemães, especialmente Schelling. Ele atuou por
quatro anos como capelão da Primeira Guerra Mundial (setembro de 1914 a setembro de
1918). (...) Depois da guerra, Tillich manteve o interesse pelo marxismo. Todavia, a crítica ao
stalinismo possibilitou, ainda mais, aspectos revisionistas. Isso é notório na produção teórica
do Instituto de Pesquisas Sociais (Escola de Frankfurt). Nesse sentido, esteve próximo das
concepções de Theodor Adorno que foi orientado por Tillich na tese de habilitação
acadêmica e de Max Horkheimer um dos dirigentes do Instituto, com quem possuía
profunda amizade. (...) De 1925 a 1929, deu aulas de teologia em Dresden e Leipzig, e de 1929
a 1933 em Frankfurt. Desse período são vários artigos (...) foram incorporados em obras
destacadas como: The Interpretation of History (1936) e The Protestant Era (1948). (...) Tillich
chegou com a família nos EUA no dia 4 de novembro de 1933. Posteriormente, integrou em
Nova York os quadros do Union Theological Seminary (UTS) de 1933 a 1955. (...) O período
nos EUA foi, para Tillich, de aprofundamento e sistematização de sua teologia. Após lecionar
no UTS, trabalhou na Universidade de Harvard, de 1955 a 1962, onde estabeleceu estudos
interdisciplinares e obteve forte reconhecimento dos círculos intelectuais norte-americanos.
Anteriormente, havia publicado o primeiro volume de Systematic Theology (Teologia
Sistemática) (1951). Os outros dois volumes foram publicados, respectivamente, em 1957 e
1963. Muitas obras, algumas delas coletâneas de artigos anteriormente publicados, foram
divulgadas nesse período (...) Destacam-se: The New Being (O Novo Ser) (1955), Biblical
Religion and Search for Ultimate Reality (Religião Bíblica e a Busca da Realidade Última)
(1955), The Eternal Now (O Eterno Agora) (1956), Dynamics of Faith (A dinâmica da Fé)
(1957) e Theology of Culture (Teologia da Cultura) (1959). Também é desse período a
reedição, agora com maior divulgação, de The Religious Situation (A Situação Religiosa)
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O ser humano na existência

O propósito desta pesquisa é refletir sobre a relação entre a revelação de um Deus transcendente e o ser humano finito a partir de Paul Tillich. Diante dessa proposta surgem algumas perguntas: como o ser humano finito, na existência, pode ter alguma relação com o transcendente? Como a revelação de Deus que é acolhida na realidade humana pode ser ouvida sem que seja confundida com os meios da mensagem? A estas perguntas acrescentam-se algumas delineações: o conhecimento de Deus, condicionado pela finitude humana, corre o risco de se tornar um conhecimento como outro qualquer, pois a única maneira de o ser humano conhecer a realidade à sua volta é sempre através da estrutura sujeito-objeto. Porém, Deus não pode ser um objeto entre outros. Sendo assim, a pesquisa propõe-se estudar a teologia de Paul Tillich^1 ,

(^1) Vida de Paul Tillich: “Até o início da Primeira Guerra Mundial, Paul Johannes Tillich (20/8/1886 – 22/10/1965) possuía uma vida estável na Alemanha, seu país natal. Filho de pais protestantes nasceu em Starzeddel, pequeno povoado de Brandenburg, província próxima de Berlim. O contato com a natureza, com a simplicidade da vida rural, com as perspectivas de harmonia cósmica fortaleceu uma nostalgia numinosa do infinito e a perspectiva da presença do divino no mundo. Dessa presença são derivados (e não ao contrário) a mística, as implicações estéticas e sacramentais e os elementos lógicos e éticos da religião. Isso, posteriormente, sob a influência de Friedrich Schleiermacher (1768-1834) – em especial a obra Discursos sobre a Religião – e de Rudolf Otto (1869-1937) – em especial O sagrado – redundou na participação de Tillich em movimentos de renovação litúrgica e em uma reavaliação do misticismo cristão e não-cristão. (...) A partir de 1904, Tillich estudou filosofia em Tubinga e teologia em Halle, um destacado centro do pietismo alemão. Concentrou as pesquisas em torno dos grandes filósofos alemães, especialmente Schelling. Ele atuou por quatro anos como capelão da Primeira Guerra Mundial (setembro de 1914 a setembro de 1918). (...) Depois da guerra, Tillich manteve o interesse pelo marxismo. Todavia, a crítica ao stalinismo possibilitou, ainda mais, aspectos revisionistas. Isso é notório na produção teórica do Instituto de Pesquisas Sociais (Escola de Frankfurt). Nesse sentido, esteve próximo das concepções de Theodor Adorno – que foi orientado por Tillich na tese de habilitação acadêmica – e de Max Horkheimer – um dos dirigentes do Instituto, com quem possuía profunda amizade. (...) De 1925 a 1929, deu aulas de teologia em Dresden e Leipzig, e de 1929 a 1933 em Frankfurt. Desse período são vários artigos (...) foram incorporados em obras destacadas como: The Interpretation of History (1936) e The Protestant Era (1948). (...) Tillich chegou com a família nos EUA no dia 4 de novembro de 1933. Posteriormente, integrou em Nova York os quadros do Union Theological Seminary (UTS) de 1933 a 1955. (...) O período nos EUA foi, para Tillich, de aprofundamento e sistematização de sua teologia. Após lecionar no UTS, trabalhou na Universidade de Harvard, de 1955 a 1962, onde estabeleceu estudos interdisciplinares e obteve forte reconhecimento dos círculos intelectuais norte-americanos. Anteriormente, já havia publicado o primeiro volume de Systematic Theology (Teologia Sistemática) (1951). Os outros dois volumes foram publicados, respectivamente, em 1957 e

  1. Muitas obras, algumas delas coletâneas de artigos anteriormente publicados, foram divulgadas nesse período (...) Destacam-se: The New Being (O Novo Ser) (1955), Biblical Religion and Search for Ultimate Reality (Religião Bíblica e a Busca da Realidade Última) (1955), The Eternal Now (O Eterno Agora) (1956), Dynamics of Faith (A dinâmica da Fé) (1957) e Theology of Culture (Teologia da Cultura) (1959). Também é desse período a reedição, agora com maior divulgação, de The Religious Situation (A Situação Religiosa)

um teólogo que postula o conceito de símbolo como linguagem da fé enquanto caminho para que a revelação de Deus seja acolhida, sem tornar Deus objeto de idolatria e fanatismos. Mas propor uma abordagem sobre a revelação de Deus no mundo contemporâneo exige alguns desafios, considerando a atual conjuntura da situação religiosa..^ Num mundo em constantes mudanças parece que a revelação se tornou uma realidade confinada a um gueto, fruto da crítica à religião, realizada pela modernidade e também por causa da secularização. Na crítica à religião, a ideia de um Deus que se revela a seres humanos é uma dimensão distante e impensada. No entanto, nos tempos atuais parece que o religioso voltou a ocupar o cenário^2 e sendo assim, pode parecer que todos estão interessados nos mesmos assuntos. Mas não é o que parece. Existe um mundo habitado por duendes, fadas, cristais que transmitem boas energias, viagens astrais levam seus viajantes a se locomoverem para qualquer parte do mundo, discos voadores conduzem pessoas a experiências incríveis em outras galáxias. Mas nem mesmo esse interesse efervescente pelo universo religioso e fantástico, desperta o interesse pelo cristianismo tradicional. Nesta busca de experiências extraordinárias, o “neo-pentecostalismo”^3 se torna uma alternativa muito mais atraente para as pessoas do que as propostas das igrejas

(1956). Após o período em Harvard, Tillich recebeu o convite para trabalhar na Universidade de Chicago (1962-1965), já no final de sua vida”. RIBEIRO, Claudio de Oliveira. “Teologia no Plural: fragmentos biográficos de Paul Tillich 2 ”. Correlatio n. 3 (abril de 2003). No Brasil de hoje, segundo a professora Maria Clara Bingemer, e em outras partes do mundo ocidental, que se consideravam livres da opressão da religião, deparamo-nos com uma explosão do Sagrado e do Divino. “É fato constatado que milhões de brasileiros entram em transe diariamente, ou seja, são arrebatados em seu potencial desejante e afetivo por alguma experiência do Transcendente identificado com o Sagrado ou o Santo, seja Ele nomeado como Deus, Oxalá ou o Santo daime.” BINGEMER, Maria Clara L. “A Sedução do Sagrado”, in: CALIMAN, Cleto (org). A Sedução do Sagrado – O Fenômeno Religioso na Virada do Milênio 3. Petrópolis: Vozes, 1999, pp. 79 - 115. Segundo Leonildo Silveira Campos é preciso justificar o que temos em mente quando juntamos o prefixo neo ao termo pentecostalismo, supostamente claro para todos. O pentecostalismo surgiu nos Estados Unidos, no início do século passado, pregando o batismo com o Espírito Santo, evidenciado por glossolalia. O “neo-pentecostalismo”, pode recusar o aspecto distintivo da glossolalia, mas se identifica como um movimento ligado às experiências do Espírito Santo. Os participantes são oriundos de camadas mais altas do extrato social, geralmente, classes médias. Para ele, a distinção entre pentecostalismo clássico e “neo- pentecostalismo” é uma consequência da “pós-modernidade”. O ser humano moldado no pensamento “pós-moderno” torna-se mais individualista, desprovido de historicidade. A ênfase se dá no campo do lúdico, do irracional e inclui uma descrença da modernidade e de tudo o que a caracteriza. Para esse indivíduo, pouco importa o passado, seu foco está no presente. Cf.: CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, Templo e Mercado. 2ª. Edição. Petrópolis: Vozes, São Paulo: Simpósio Editora, São Bernardo do Campo: Umesp, 1999, pp. 46-50.

Considerações sobre a teologia de Paul Tillich

Toda teologia nasce da terra, da cultura, como uma resposta a problemas concretos, levantados num determinado lugar, numa determinada situação social e existencial. Foi assim que nasceu a teologia apologética dos Padres da Igreja, uma teologia que responde a situações oriundas da realidade. Trata-se de uma teologia que soube compreender muito bem a sua época e encontrou na mediação cultural do helenismo uma ótima oportunidade para dialogar com seus contemporâneos. A filosofia helênica forneceu à teologia patrística a linguagem apropriada para comunicar a fé e defender a igreja cristã de todos os ataques externos e internos. De acordo com o teólogo teuto-americano Paul Tillich, o movimento dos padres apologetas pode ser entendido como nascimento de uma teologia cristã mais elaborada. “O Cristianismo precisava de apologética... Apologia significa resposta ou pergunta ao juiz de um tribunal, da parte do acusado... o cristianismo teve que se expressar em forma de resposta a certas acusações particulares”^6 , afirma o teólogo. Sendo assim, Paul Tillich inicia sua teologia sistemática dizendo que a teologia como função da Igreja, deve servir às necessidades da mesma em cada época e em cada cultura. Neste sentido, todo sistema teológico deve satisfazer a duas necessidades básicas: “a afirmação da verdade cristã e a interpretação desta verdade para cada nova geração”^7. O teólogo deve ser alguém que tem por um lado a mensagem, o querigma, a mensagem do Evangelho e do outro a “situação”. “A „situação‟ à qual a teologia deve responder é a totalidade da autointerpretação criativa do ser humano em período determinado. O fundamentalismo e a ortodoxia rejeitam essa tarefa e, ao fazê-lo, perdem o sentido da teologia”^8. Conjugar essas duas realidades é a principal tarefa de uma teologia apologética. Sem esse referencial, a teologia cristã corre o risco de se tornar obsoleta, perdendo o seu poder de comunicação. É preciso encontrar uma base comum. Ter uma base comum não significa que não haja diferenças nos discursos e nem nos métodos. Manter uma base comum para o

(^6) TILLICH, Paul. História do pensamento cristão. Trad. de Jaci Maraschin. São Paulo: ASTE, 2000, p 7 p. 44 - 45. 8 TILLICH, Paul.^ Teologia Sistemática. 5. ed. Revista. São Leopoldo: Sinodal, 2005, p.^ 21. TILLICH, Paul, 2005, p. 22.

diálogo ou para a evangelização não constitui a eliminação das diferenças. Mas isso se torna um risco para a apologética, o risco, segundo P. Tillich, de dar mais ênfase à base comum. Neste caso, por exemplo, afirma-se a teologia liberal e quando não há nenhuma base comum com a cultura, a mensagem se torna algo estranho, vindo de fora, como se tudo que viesse da cultura fosse algo demoníaco, digno de conversão. Neste caso afirma-se a ortodoxia e o fundamentalismo^9. Tanto a ortodoxia europeia quanto o fundamentalismo americano, movimento fundado em 1910 nos Estados Unidos, “confundem a verdade eterna com uma expressão temporal desta verdade”^10. Esses movimentos teológicos carecem do entendimento de que numa formulação teológica há sempre elementos que configuram uma época. Mas eles não desprezam totalmente a mediação da “situação”, pois falam de um lugar do passado, tornando o que deveria ser transitório em algo infinito^11. Este discurso do passado, sem que haja uma interpretação da realidade, representa na opinião do teólogo alemão o caráter demoníaco do fundamentalismo. Ele, além de obstruir a busca da verdade pelos seus seguidores, os torna fanáticos, porque são obrigados a sacrificar elementos da verdade, dos quais ainda mantêm certa consciência, embora esta seja vaga^12. Neste sentido, uma teologia que responde à luz da situação é uma teologia livre, honesta que se realiza numa perspectiva hermenêutica^13. Num mundo habitado por crenças fundamentalistas como em alguns ramos do Cristianismo e do Islamismo, com atitudes que ameaçam a paz e a convivência entre as pessoas, uma teologia apologética se faz

(^9) Cf. TILLICH, Paul. 2000, p. 47. (^10) TILLICH, Paul. 2005, p. 21. (^11) Cf. 2005, p. 21. (^12) Cf. Ibid ., 2005, p. 21. (^13) Embora a teologia apologética, seja apontada por Tillich como uma maneira de dialogar com o mundo contemporâneo, ela caiu em descrédito por causa dos métodos empregados, na tentativa de se defender dos ataques do humanismo, do naturalismo e do historicismos modernos. A teologia apologética usava argumentos a partir da ignorância, na tentativa de encontrar brechas no conhecimento histórico e científico, a fim de conseguir um lugar para Deus e sua ação no mundo. Cada vez que o conhecimento avançava, a posição de defesa era substituída por outra. Esse comportamento levou ao descrédito a apologética cristã. Na tentativa de se defender dos ataques, muitas vezes, o comportamento observável era um apelo à ignorância, correndo o risco de colocar a fé no mesmo nível do conhecimento científico, tornado Deus e a ação de Deus no mundo, um objeto como outros objetos, dignos de investigação e instrumentalização, como isso nunca foi possível, a fé cristã caiu em descrédito por não conseguir acompanhar os avanços científicos. Cf. Ibid. , p. 24.

perguntas que estão implícitas na existência humana, e formula respostas a partir da autocomunicação divina^15.

O método da correlação explica os conteúdos da fé cristã através de perguntas existenciais e de respostas teológicas em interdependência mutua. (...) Há uma correlação no sentido de correspondência entre símbolos religiosos e aquilo que é simbolizado por eles. Há uma correlação no sentido lógico entre os conceitos que denotam o humano e aqueles que denotam o divino (...)^16. A questão fundamental proposta por Paul Tillich no método da correlação é: pode a mensagem cristã ser adaptada à mentalidade moderna sem perder seu caráter essencial e único? Alguns teólogos contemporâneos consideram essa tarefa impossível, mas a maioria dos teólogos considera essa possibilidade positivamente. “Mas o esforço contínuo daqueles que tentam encontrar uma união, uma „síntese‟, tem mantido a teologia viva. Sem, eles o Cristianismo tradicional teria se tornado estreito e supersticioso”^17. Sendo assim, a teologia sistemática, que usa o método da correlação, fundamenta as perguntas implícitas na existência humana e dá as repostas a partir da revelação. Se nem a ortodoxia e nem o fundamentalismo tiveram a capacidade de responder às perguntas implícitas na existência, o método da correlação proposto por P. Tillich tem a missão de unir razão e fé, filosofia e teologia e promover o diálogo entre “situação” e mensagem. Mas qual é a pergunta que está implícita na existência humana? As perguntas que brotam da existência humana são as perguntas geradas pela finitude. O ser humano concreto, com suas dores e limitações, levanta as questões e Deus é a resposta. Para P. Tillich, Deus é a resposta implícita na questão da finitude humana. O ser humano constantemente ameaçado pelo não-ser tem em Deus o poder infinito que dá a coragem para vencer essas ameaças. O ser humano ameaçado pela possibilidade de deixar de existir é alguém que se vê separado daquilo que essencialmente ele pertence.

(^15) Cf. TILLICH, Paul. 2005, p. 75. (^16) Ibid ., pp. 78 - 79. (^17) Ibid ., p. 25.

A relação entre finitude e transcendência

A falta de uma teologia apologética e os frequentes ataques à possibilidade da razão de conhecer ideias religiosas como a realidade de Deus, a ideia de liberdade e o conceito de imortalidade da alma (crítica de Immanuel Kant), fizeram com que a teologia cristã se sentisse ameaçada, refugiando-se em dogmatismos e fundamentalismos. Atitudes como esta são fruto de um dualismo herdado da filosofia moderna que separa o finito do infinito, Deus e mundo. O dualismo que separa Deus e mundo está presente na crítica de I. Kant sobre a impossibilidade da mente finita alcançar o infinito. Para entender melhor o problema da finitude da razão é necessário conhecer o pensamento de Nicolau de Cusa e do próprio Immanuel Kant sobre o assunto:

(...) docta ignorantia , a “ignorância esclarecida”, que reconhece a finitude da razão humana e sua incapacidade de compreender seu próprio fundamento infinito. Mas, ao reconhecer esta situação, o ser humano tem, ao mesmo tempo, a consciência do infinito que está presente em todo finito, embora o transcenda infinitamente (...) A finitude é essencial para a razão, assim como é para tudo o que participa do ser. A estrutura desta finitude está descrita da forma mais profunda e completa nas Críticas de Kant. As categorias da experiência são categorias da finitude. (...) capacitam o ser humano a apreender o seu mundo (...) A principal categoria da finitude é o tempo. Ser finito significa ser temporal. A razão não pode romper os limites da temporalidade e alcançar o eterno (...). O ser humano descobre a finitude que está aprisionada^18. O ser humano, preso na sua finitude, percebe-se como alguém voltado para o infinito. Mas esse infinito, realmente real, só pode ser apreendido por categorias finitas, o que leva a tarefa a um total fracasso. Pois o mistério não pode ser apreendido em categorias humanas, em linguagem comum, “porque esta linguagem nasceu do esquema sujeito-objeto e está presa a ele”^19. Se o Deus revelado, mas que sempre permanece mistério, for apreendido em linguagem comum, corre o risco de ser mal compreendido, de sofrer reducionismos e pode até mesmo ser profanado. A história da teologia já demonstrou em vários momentos, como a confusão entre a linguagem teológica e o conteúdo da mensagem, causou danos à comunhão da Igreja. A confusão entre linguagem teológica, ou a mediação cultural que expressa a revelação tem sido ao longo da história um lugar profícuo para a intolerância

(^18) TILLICH, Paul. 2005, pp. 95-96. (^19) Ibid ., p. 121.

duvidar que era ele quem duvidava^22. Sendo assim, a filosofia moderna põe o sujeito no centro de tudo, mudando também o objeto da teologia. A realidade humana, suas relações e realizações na história passam a ter um significado importante para o pensamento teológico. De um mundo penetrado por forças superiores que moviam os astros, intervindo na história humana, com castigos e recompensas, como se dava no universo homérico, a modernidade propõe um mundo fechado^23. Propõe um mundo totalmente entregue a si mesmo, sem a interferência divina. A crença moderna, num mundo sem a presença de Deus, fez com que muitos acreditassem na ideia de “um Deus fora do mundo”^24 , tese defendida por P. Tillich e também por Andrés Torres Queiruga. Em palavras de Paul Tillich:

A base da teologia do iluminismo era a separação entre Deus e o mundo, entre Deus e o homem. (...) O deísmo (…) era uma filosofia da religião onde a existência de Deus se estabelecia pela teologia natural, mas de tal modo que não interferisse nas atividades da sociedade burguesa. (...) Deus foi, então, posto ao lado do mundo como o seu criador ou como o relojoeiro (...). O princípio fundamental de que Deus existe ao lado do mundo era aceito tanto pelos racionalistas consistentes como pelos sobrenaturalistas. Contra o princípio deísta de um Deus existindo ao lado do mundo, nunca interferindo no mundo, como diriam os racionalistas, ou interferindo ocasionalmente, como queriam os sobrenaturalistas (...)^25. Na visão de Paul Tillich, boa parte da teologia protestante, incluindo Karl Barth, aceitou a crítica da modernidade à religião e pensaram as suas teologias com a concepção de “um Deus fora do mundo”. Esse mundo, então, não teria mais a presença de Deus, mas seria um universo fechado, que eventualmente, por intervenções sobrenaturais, criaturas divinas ou o próprio Deus, visitariam

(^22) Cf. DESCARTES, René. O Discurso do Método. São Paulo: Martins Fontes, 2009, pp. 57 -

  1. 23 Cf. Neste mundo fechado, “permaneceria apenas a religião razoável do progresso, a crença num Deus lá fora, que não se preocupa muito com o mundo que criou. Nesse mundo entregue ao seu próprio comando, persistiam certas exigências morais em termos de justiça e de estabilidade burguesas.” TILLICH, Paul. Perspectivas da teologia protestante nos séculos XIX e XX 24. Trad. de Jaci Maraschin. São Paulo: ASTE, 1986, p. 66. Para Andrés Torres Queiruga, a ideia de um Deus fora do mundo está muito presente no Cristianismo contemporâneo. “Em uma mentalidade mais ou menos „mitológica, a transcendência divina, embora imaginada como alta e distante no céu, era compensada pela total permeabilidade do mundo às continuas influências „sobrenaturais‟ (...). É evidente que se impõe uma inversão radical. Deus não tem de vir ao mundo, porque já está desde sempre em sua raiz mais profunda e originária; não tem de intervir, pois é sua própria ação que está sustentando e promovendo tudo; não acode e intervém quando é chamado, porque é Ele quem, desde sempre, está convocando e solicitando nossa colaboração”. QUEIRUGA, Andrés Torres. Fim do Cristianismo pré-moderno. 25 São Paulo: Paulus, 2003, p. 30. TILLICH, Paul, 1986, pp. 102 - 103.

o mundo, de vez em quando, para trazerem suas dádivas, juízos e compensações. Nesse pensamento, Deus aparece como um intervencionista, onde prevalece a sua imagem como “arquiteto ou relojoeiro”, do deísmo inglês, mas que interfere no mundo, em uma espécie de deísmo intervencionista^26. Um Deus passivo que não se mistura com a história humana, e exemplo do dualismo entre Deus e mundo, e o mesmo que gera outros dualismos, como a separação entre natureza e graça, entre sagrado e profano, ou entre religião e cultura. Para P. Tillich, poucos foram os teólogos que não aceitaram essa interpretação da realidade.

A mente finita não podia alcançar o infinito. Este argumento passou a ser aceito por quase todos os pensadores dos séculos dezenove e vinte. (...) Os poucos teólogos que não o aceitaram na íntegra, pelo menos o modificaram para tentar salvar ainda o que poderia ter sobrado da teologia natural depois do tremendo ataque de Kant. Até Karl Barth, tão firmemente ancorado na tradição clássica, aceitou plenamente a crítica da teologia natural elaborada por Kant^27.

2.2.2. Caminhos para refutar a idéia de um Deus fora do mundo

Paul Tillich explica a contradição da concepção de um Deus fora do mundo através da ideia de panenteísmo^28 , inspirado em Espinosa. A metafísica de Espinosa pensa a estrutura da realidade baseando-se num monismo panenteísta^29. “Essa tese consiste na afirmação da existência de uma única substância na Natureza, substância que Espinosa caracteriza como absolutamente infinita e idêntica a Deus”^30. Se tudo o que existe na natureza é uma substância ou modo da substância divina, todas as coisas finitas são modificações imanentes dessa substância e, por isso, não podem existir e nem

(^26) Tanto P. Tillich como A. T. Queiruga refletem sobre esse assunto em obras Como Perspectivas da teologia protestante nos séculos XIX e XX e o O Fim do Cristianismo pré- moderno 27 , respectivamente. 28 TILLICH, Paul, 1986, p.^ 79. No panenteísmo, todas as coisas estão na divindade, são abarcadas por ela, identificam-se (ponto em comum com o panteísmo), mas a divindade é, além disso, algo além de todas as coisas, transcendente a elas, sem necessariamente perder sua unidade. 29 Cf. GLEIZER, Marcos André. Espinosa. In: PECORARO, Rossano (org). Os filósofos- Clássicos da Filosofia. Vol I. De Sócrates a Rousseau. Petrópolis: Vozes, Rio de Janeiro: Editora Puc Rio, 2008, p 30 p. 238 - 261, p. 242. Ibid.

que já não necessitais da eternidade, e depois de vós haverdes criado um universo, vos sentis dispensados de pensar nele como vosso criador”. O caráter apologético da Teologia de F. Schleiermacher ficava claro logo no título em inglês On Religion: Speeches to Its Cultured Despiser s^36.

A teologia de Schleiermacher era assim. Respondia aos detratores da religião entre as pessoas cultas, como dizia o próprio título do livro. E dessa teologia apologética surgiram novas possibilidades. O argumento de Schleiermacher nessa obra é o seguinte: O conhecimento teórico de tipo deísta, - racionalista ou sobrenaturalista, - e a obediência moral do tipo kantiano, pressupõe uma ruptura entre sujeito e objeto. Aqui estou eu, o sujeito, e lá adiante está Deus o objeto. Ele é apenas um objeto para mim, e eu sou um objeto para ele. Temos aí diferença, distanciamento e não envolvimento. Mas essa diferença precisa ser superada no poder do princípio da identidade. Essa identidade está em nós^37. Porém, P. Tillich detecta um grande erro de F. Schleiermacher ao empregar o termo “sentimento” a essa experiência de identidade. Pois logo os psicólogos entenderam esse sentimento como uma emoção subjetiva. Segundo P. Tillich, F. Schleiermacher deveria ter falado sobre o impacto produzido pelo universo em nós, ao invés de ter falado sobre sentimento. Esse impacto é capaz de transcender a separação entre sujeito e objeto. Essa intuição, ele a poderia ter chamado de divinação, termo que deriva do divino, ou seja, que significa a percepção imediata de Deus em cada ser humano^38. “Quer dizer que existe uma percepção imediata daquilo que transcende o sujeito e o objeto, que é o fundamento de tudo que existe dentro de nós”^39. Essa experiência também pode ser chamada de experiência mística, pois pressupõe a presença do infinito no finito, e o abismo entre sujeito e objeto é transcendido^40. Mesmo que o encontro com o fundamento divino seja dado na situação existencial do ser humano, tendo diante de si os limites da finitude e da alienação humana, ela é uma experiência válida^41. Assim como em F. Schleiermacher a teologia de P. Tillich também possui um caráter místico muito presente e embora a mística do teólogo da cultura exija uma mediação racional da experiência, o êxtase

(^36) Sobre a Religião, discursos dirigidos aos seus detratores culturalizados. (^37) TILLICH, Paul, 1986, p. 105. (^38) Cf. Ibid. (^39) Ibid. (^40) Na mística relacional de M. Buber existe a superação da dicotomia sujeito-objeto: “A relação com Tu é imediata. Entre o EU e o TU não se interpõe nenhum jogo de conceitos, nenhum esquema, nenhuma fantasia; e a própria memória se transforma no momento em passa dos detalhes à totalidade. (...) Todo meio é obstáculo. Somente na medida em que todos os meios são abolidos acontece o encontro 41 ”. MARTIN, Buber, 1977, p. 13. Cf. TILLICH, Paul, 2005, p. 685.

místico não nega a razão. “O êxtase não é uma negação da razão; é um estado mental em que a razão está além de si mesma, isto é, além da estrutura sujeito- objeto”^42. Após essa crítica ao racionalismo iluminista, convém lembrar que P. Tillich se ocupará de uma das reações a esse movimento, que é a resposta existencialista. Não se trata, no entanto, de perpassar toda a filosofia existencialista, mas de fazer essa abordagem na perspectiva do existencialismo de Paul Tillich. Vale notar então, que apesar da crítica de P. Tillich ao iluminismo e à Teologia liberal, ele considera que o iluminismo tem algo a acrescentar ao pensamento cristão. E como teólogo e filósofo isso não poderia ser diferente. Pois, para falar da revelação de Deus no mundo contemporâneo, o teólogo deve ser alguém aberto ao seu tempo e acolher as críticas do mundo à sua volta. Uma teologia que não traz para dentro do seu interior a dimensão crítica e autocrítica típica da racionalidade corre o risco de se tornar demoníaca, como diria P. Tillich. A autocrítica é fundamental para que a teologia ou a Igreja não tomem o lugar do que é realmente incondicional. Para P. Tillich, não só de dicotomias vivem as relações entre iluminismo e teologia. A base crítica do cristianismo e do iluminismo estão de acordo sobre o lugar do mito e do culto, mesmo que partam de lugares diferentes, como explica o autor:

O Cristianismo e o iluminismo concordam no julgamento de que não deveria haver nem mito e nem culto, mas partem de pressupostos diferentes. O cristianismo vislumbra um estado sem mito e sem culto, potencialmente no “começo” e efetivamente no “fim”, fragmentariamente e por antecipação no fluxo do tempo. [Nela, não vi santuário, porque o seu santuário é o Senhor, o Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro. Ap 21: 22]. O iluminismo vê o fim do culto e do mito num futuro novo, quando o conhecimento racional tiver vencido o mito e a moral racional tiver vencido o culto. O iluminismo e o racionalismo confundem a natureza essencial da razão com a situação da razão na existência. Essencialmente a razão é transparente à profundidade em cada um de seus atos e processos. Na existência a transparência é substituída pelo mito e pelo culto^43.

(^42) TILLICH, Paul, 2005, p. 124. (^43) O teólogo continua dizendo: “(...) ou o mito e o culto são âmbitos especiais da razão junto com outros âmbitos, ou representam a profundidade de forma simbólica. Se os considerarmos como funções especiais que se agregam às outras, eles se acham em conflito sem fim e insolúvel com essas outras funções, São tragadas por elas, relegados à categoria de sentimentos irracionais ou tolerados como corpos estranhos, heterônomos e destrutivos, dentro da estrutura da razão. Se, contudo, considerarmos o mito e o culto como expressões da profundidade da razão em forma simbólica, eles se encontram numa dimensão onde não é possível nenhuma interferência com as funções próprias da razão”. Ibid ., p. 124.

Muita gente me pergunta se eu sou um teólogo existencialista, e a minha resposta é curta. Eu digo, “cinquenta por cento”. Quero dizer que para mim o essencialismo e o existencialismo andam juntos. O puro essencialismo é impossível para quem se envolve pessoalmente na situação humana e não pretende sentar-se no trono de Deus como Hegel (...). Era a arrogância metafísica do puro essencialismo. Pois o mundo continua aberto ao futuro, e não estamos sentados no trono de Deus, como dizia Karl Barth na sua famosa sentença: Deus está no céu, e o homem na terra^45. Para o teólogo, seria impossível um puro essencialismo, assim como o puro existencialismo, pois a linguagem é sempre usada para descrever a existência. “Ora a linguagem trata de universais. Ao empregar universais, a linguagem, pela própria natureza, é essencialista e não pode fugir disso”^46. Na sua ontologia-existencial, Paul Tillich se pergunta pelo ser na existência, levando em consideração uma realidade essencial voltada para Deus. Sobre o existencialismo diz P. Tillich, não se trata de diferenciar o existencialismo como sendo ateu ou cristão, mas perceber como ele fornece uma análise do que significa existir. Quando Jean-Paul Sartre diz, por exemplo, que a existência precede a essência, ele quer dizer com isso que não existe nada essencialmente pré-determinante para aquilo o que o ser humano é. Este se constrói na história com seus erros e acertos. Vejamos esses conceitos através da opinião de J.P. Sartre:

O existencialismo ateu que eu represento é mais coerente. Declara ele que, se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem ou, como diz Heidegger, a realidade humana. Que significará aqui o dizer-se que a existência precede a essência? Significa que o homem, primeiramente, existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem tal como concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para a conceber^47.

ABBAGNANO, Nicola. Introdução ao existencialismo. São Paulo: Martins Fontes, 2006, pp. 41-42. 45 46 TILLICH, Paul, 1986, p 226. 47 Ibid. SARTRE, Jean-Paul. “O Existencialismo é um humanismo”. In: Jean-Pal Sartre e Martin Heidegger. São Paulo: Abril Cultural, 1973. [Col. Os pensadores], p. 12.

A ambigüidade radical da alienação existencial O ser humano, visto por uma perspectiva existencialista, é alguém chamado a construir a si mesmo, tendo diante de si sua liberdade, que inclui a deliberação e isso implica no uso da decisão e da responsabilidade. Na ontologia de P. Tillich, o existencialismo só é possível porque existe um todo maior, que estrutura o ser humano numa moldura na existência, a partir de uma dimensão essencial que reflete a bondade essencial deste^48 - mas o ser humano na existência está alienado dessa bondade. O ser humano é alguém alienado do seu verdadeiro ser, pois o ser humano só pode ser aquilo que é na existência. Para Martin Heidegger não há como separar essência e existência, como o fazem J.P. Sartre e Platão, pois a “substância do homem é a existência”^49. No entanto, o conceito de alienação existencial significa a tentativa de Paul Tillich de conciliar a concepção da teologia clássica de pecado original, usando uma terminologia emprestada da filosofia hegeliana. E isso só é possível reunindo essencialismo e existencialismo. Para P. Tillich, alguns mitos pretendem explicar a distância que há entre a bondade criada e a realidade experimentada. O mito bíblico da queda e o platônico das quedas das almas demonstram, segundo P. Tillich, que há uma separação entre a bondade essencial, original do ser humano e a realidade do ser humano na existência. O mito é uma função da profundidade da razão, mas como a profundidade da razão, que só é transparente na razão essencial, está oculta na razão na existência, ela aparece de forma simbólica e, por isso, não pode ser questionada pela razão técnica^50. A pesquisa voltará a este assunto novamente. O mito e os símbolos mostram que na existência o ser humano está separado de sua essência. No mito bíblico da queda, todos os males e limitações da vida criada são consequências da escolha moral de Adão. No Édem, assim como em

(^48) Cf. TILLICH, Paul, 1986, p. 226. (^49) HEIDEGGER, Martin. “Sobre o humanismo”. In: Jean-Pal Sartre e Martin Heidegger. São Paulo: Abril Cultural, 1973. [Col. Os pensadores], p 50. 355. Para Paul Tillich, “A profundidade da razão é aquela característica da razão que explica duas funções da mente humana, o mito e o culto, cujo caráter racional não se pode afirmar ou negar, porque apresentam uma estrutura independente que não pode ser reduzida a outras funções da razão nem ser derivada de elementos psicológicos ou sociológicos pré-racionais. O mito não é ciência primitiva, nem culto é moralidade primitiva. Seu conteúdo, assim como a atitude das pessoas frente a eles, revela elementos de infinitude que exprimem preocupação última”. TILLICH, Paul, 2005, pp. 93 - 94.

da culpa e da finitude humanas. Ser finito é ter diante de si a categoria do tempo. E tempo implica a perspectiva de um passado que não existe mais e de um futuro que não veio^52. Sendo assim, a existência humana é marcada pelo presente. Mas este presente se configura como ilusão, pois é constantemente ameaçado pelo não-ser. O ser humano é o único animal que sabe que vai morrer. Nas palavras do autor:

O que é significativo aqui não é o temor da morte, isto é, o momento de morrer. É angústia de ter que morrer que revela o caráter ontológico do tempo. Na angústia de ter que morrer o não-ser é experimentado “de dentro”. Esta angústia está potencialmente presente em todos os momentos. Ela impregna a totalidade do ser humano; modela a alma e o corpo e determina a vida espiritual; pertence ao caráter criado do ser, sem ser consequência da alienação e pecado^53. O ser humano é um ser marcado pela finitude. Essa é a condição de ser criatura. E como afirmou P. Tillich, isto não é uma consequência direta da alienação e do pecado. Sendo assim, existir implica em finitude e separação, como consequência da situação de ser criatura. Estar fora de algo é o que significa a palavra existência. “O significado etimológico do verbo „existir‟, em latim existere é „estar fora de‟”^54. Mas a pergunta é “estar fora de quê? Estar fora do não-ser é a resposta. P. Tillich vai buscar nos gregos a chave para sua análise de conceito de não-ser. Para os gregos, há duas concepções de não-ser, uma que significa o ouk on , que quer dizer o não-ser absoluto e o me on , que significa o não-ser relativo. Estar fora do não ser significa que, ao se encontrar algo na realidade, ele está fora do não-ser absoluto, para ser alguma coisa, mas não está completamente fora do não-ser. Isso implica que ele está ao mesmo tempo no ser e no não-ser. “Existir, então, significaria estar fora do seu próprio não-ser”^55. Ser alguma coisa é sempre não-ser outra coisa. Ser finito é ser ameaçado pelo não-ser, como explica Paul Tillich:

O chamado argumento ontológico aponta para a estrutura ontológica da finitude. Ele mostra que a consciência do infinito está incluída na consciência da finitude do ser humano. O ser humano sabe que é finito, que está excluído de uma infinitude que, não obstante, lhe pertence. Ele está consciente de sua infinitude potencial, ao mesmo tempo em que está consciente de sua finitude efetiva. Se ele fosse o que essencialmente é, se sua potencialidade fosse idêntica à sua realidade afetiva, não surgiria a questão do infinito. Mitologicamente

(^52) Cf. TILLICH, Paul, 2005, p. 201. (^53) Ibid ., pp. 201 - 202. (^54) Ibid ., p. 316. (^55) Ibid.

falando, Adão, antes da queda vivia em uma união essencial com Deus, embora não testada e, por isso, ainda não decidida. Mas não é esta a situação do ser humano, nem a situação do que quer que exista. O ser humano deve perguntar pelo infinito do qual está separado, embora lhe pertença; deve perguntar por aquilo que lhe dá coragem de assumir a angústia. Ele pode formular esta dupla pergunta, porque a consciência de sua finitude contém a consciência de sua infinitude potencial^56. Deus é a resposta à pergunta implícita na finitude humana, pois é a finitude do ser que conduz o ser humano a Deus^57. A questão do ser^58 , então, se torna um tema relevante para a teologia, mesmo não sendo um tema originário desse pensamento. A teologia irá se refugiar na filosofia para usar e trabalhar essa questão. Para falar de sua ontologia existencial, Paul Tillich não usa o conceito de metafísica ou “filosofia primeira” por achar esses termos ambíguos e vai propor o conceito de ontologia, ou seja, a questão do ser, explicando-o. Na crítica de M. Heidegger à metafísica, ele faz a acusação de que este pensamento emerge do esquecimento do ser^59. A ontologia nas palavras de P. Tillich:

A questão ontológica é a seguinte: o que é o ser-em-si? O que é aquilo que não é um ser particular ou um grupo de seres, nem algo concreto e nem abstrato, mas aquilo em que sempre pensamos implicitamente e, ás vezes, até explicitamente, quando dizemos que algo é? A filosofia levanta a questão do ser

(^56) TILLICH, Paul, 2005, p. 214. (^57) Cf. Ibid ., p. 176. (^58) Sobre a questão do ser, “esse sentido do ser que teria sido deixado de lado pela tradição filosófica, uma vez que nele impera o esquecer (o velar)? Isto é, como iluminar algo que se situa junto ao obscurecer (ocultar) sem se perder em meio às sombras? Heidegger nos diz que a resposta a tais questionamentos está justamente naqueles que originalmente pensaram o ser, ou seja, os filósofos conhecidos como pré–socráticos. Esses por estarem junto ao nascimento da própria filosofia, não estariam “contaminados” pela linguagem conceitual, que gerou e guiou toda metafísica pós - aristotélica. E é justamente por esse motivo que Heidegger vai até estes filósofos. (…) Heidegger pretenderá o salto rumo à sentença primeira da tradição filosófica, esta que é atribuída a Anaximandro de Mileto e que tem em si a primeira formulação sobre a experiência do ser. (…) Tal condução acontece pela determinação ou objetivação do ser que assim se subtrai e dá lugar ao ente. Desta forma, devido ao caráter epocal do ser, ou seja, devido ao fato de o ser ter como característica fundamental a temporalidade, suas determinações vão, segundo o tempo, gerar a história. (…) não gerará apenas a história, mas também será a responsável pelo fenômeno do mundo – porque o mundo é aqui compreendido como as próprias possibilidades de ser do homem (ser com os outros, ser junto às coisas e ser em função de si mesmo). Essa concepção de mundo rompe com a concepção tradicional (cartesiana) que concebe o mundo como uma estrutura pronta e distinta do homem. Aqui, pelo contrário, o mundo se determina no ato mesmo em que o homem (compreendido como ser-aí) se determina em seu ser (ao realizar as suas possibilidades de ser). O mundo ganha sua essência ao mesmo tempo em que o homem ganha a sua, que é no ato de existir (…)”. FERREIRA, Guilherme Pires. “A questão do ser em M. Heidegger vista a partir do de Anaximandro”. (Acessado em 20.06.2010). http://www.ufsj.edu.br/portal- repositorio/File/existenciaearte/Edicoes/2_Edicao. 59 Cf. HEIDEGGER, Martin. “Que é metafísica?” In: Jean-Pal Sartre e Martin Heidegger. São Paulo: Abril Cultural, 1973. [Col. Os pensadores], p [?].