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Este documento aborda as conformações e diferenças entre a identidade na modernidade e na pós-modernidade, analisando textos de quatro autores que discutem o tema em relação a história, arte, arquitetura, tempo e espaço. O texto também explora como as ideias desses autores influenciam a formação da identidade do oficial do exército brasileiro. O documento também apresenta exemplos da caserna que desnudam essas marcas na carreira militar.
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Tipologia: Resumos
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Entender as conformações e diferenças entre a identidade na modernidade e na pós-modernidade é um desafio que se buscará clarificar com a análise dos textos de quatro autores que mostram suas percepções sobre o tema em relação a fatores como história, arte, arquitetura, tempo e espaço. Junto com certos conceitos caracteriza-se a influência direta dessas ideias dos autores escolhidos sobre a formação da identidade do oficial do Exército Brasileiro e, na conclusão deste capítulo estão explicitados exemplos da caserna que desnudam essas marcas na carreira militar.
2.1. Harvey e a condição pós-moderna
David Harvey^22 inicia seu livro “condição pós-moderna” com um relato do que acontecia na cidade de Londres no início da década de 1970 baseado no trabalho de Jonathan Raban intitulado Soft City, publicado em 1974. Raban se opôs a ideia de que a cidade estava se racionalizando e automatizando em decorrência do sistema de produção e consumo em massa. Isso corresponde à ideia de que um processo de homogeneização de valores estava em curso. Para ele, na verdade, estava ocorrendo um processo de produção de signos e imagens. A individualização promovia marcas de distinção social enquanto esses indivíduos desempenhavam cada um por si papéis diversos.
Para Harvey, as constatações de Soft City formam sinais da chegada da pós-modernidade.
A citação abaixo em que o autor faz referência e acréscimos ao texto da revista de arquitetura PRECIS 6 esclarece como entender a passagem do moderno para o pós-moderno:
22 HARVEY, David. (1993) Condição pós-moderna. São Paulo: Editora Loyola.
Geralmente percebido como positivista, tecnocêntrico e racionalista, o modernismo universal tem sido identificado como a crença no progresso linear, nas verdades absolutas, no planejamento racional de ordens sociais ideais, e com a padronização do conhecimento e da produção. O pós-moderno, em contraste, privilegia a heterogeneidade e a diferença como forças libertadoras na redefinição do discurso cultural. [...] A fragmentação, a indeterminação e a intensa desconfiança de todos os discursos universais ou totalizantes são o marco do pensamento pós-moderno. (Harvey, 1993: 19) O pós-modernismo é definido por Harvey de forma mais sucinta como a rejeição ou morte das “metanarrativas” que são teorias de aplicação universal. A pretensão dessas metanarrativas era a de “legitimar a ilusão de uma história humana universal”. O pós-modernismo veio então para pluralizar, heterogeneizar o que o modernismo queria totalizar.
O autor parte do pressuposto que o ponto consensual para a compreensão do pós-modernismo é sua relação com o moderno e para explicar o modernismo separa todo um capítulo de sua obra. É interessante destacar que, paradoxalmente, no surgimento do modernismo, havia declarações de fragmentação, efemeridade e mudança caótica. “Ser moderno é ser parte de um universo em que, como disse Marx, tudo o que é sólido desmancha no ar.” (Harvey, 1993: 21)
O Iluminismo abraçou igualmente a transitoriedade, o fugidio e o fragmentário como condições necessárias para a consecução do ideal da modernidade, da libertação humana.
Convém ressaltar que os ideais iluministas estiveram presentes em momentos marcantes da história brasileira. Tiradentes que era militar, mártir da Inconfidência Mineira, era adepto do Iluminismo e é considerado um herói e exemplo a ser seguido, conforme se verifica no discurso do General Rui Alves Catão, Comandante Militar do Leste, alusivo ao dia da Inconfidência Mineira proferido em 2010:
E é assim que devemos imaginá-lo e representá-lo, para exemplo de todos os brasileiros: o Alferes garboso e resoluto que olha para frente, confiante no glorioso destino do Brasil. Antes de imaginá-lo morto, vamos visualizar sua imagem como se estivesse vivo, a indicar-nos o caminho do dever para com a Pátria. (Catão, 2010)
racionalidade com a liberdade humana universal, afeta todos os planos da vida social, cultural e econômica. Weber conclui:
O desenvolvimento da racionalidade proposital-instrumental não leva à realização concreta da liberdade universal, mas à criação de uma jaula de ferro da racionalidade burocrática da qual não há como escapar. (Harvey, 1993: 25) Ainda em Harvey, a passagem do modernismo para o pós-modernismo é datada pela arquitetura como tendo acontecido às 15h32m de 15 de julho de 1972 quando o Pruitt-Igoe, uma construção típica moderna da cidade de St. Louis (EUA), foi dinamitado por ter sido considerado inabitável e decadente pelas autoridades locais. No pós-modernismo, estratégias pluralistas e orgânicas tomaram o lugar dos planejamentos de larga escala por zoneamento funcional do modernismo. Uma cidade pós-moderna é uma colagem de espaços e misturas, um lugar onde ocorre revitalização.
Nos anos 80, personalidades como o Papa João Paulo II e o Príncipe de Gales realizaram discursos pós-modernistas o que dá a ideia do alcance que a “estrutura do sentimento” teve na época. “[...] a razão tinha de se tornar um mero instrumento para subjugar os outros (Baltimore Sun, 9 de setembro de 1987). O projeto pós-moderno é reafirmar a verdade de Deus sem abandonar os poderes da razão.” (Harvey, 1993, 47)
Outra face do pós-modernismo é sua personalidade esquizofrênica quando comparado ao modernismo que é paranoico. Isso nos leva a perceber no pós- modernismo uma preocupação com o significante e não com o significado, com as aparências superficiais e não com as raízes, preocupação com o prazer presente e não com um futuro melhor.
Somente em termos de um tal sentido centrado de identidade pessoal podem os indivíduos se dedicar a projetos que se entendem no tempo ou pensar de modo coeso sobre a produção de um futuro significativamente melhor do que o tempo presente e passado. O modernismo dedicava-se muito à busca de futuros melhores, mesmo que a frustração perpétua desse alvo levasse à paranóia. Mas o pós-modernismo tipicamente descarta essa possibilidade ao concentrar-se nas circunstâncias esquizofrênicas induzidas pela fragmentação e por todas as instabilidades (inclusive lingüísticas) que nos impedem até mesmo de representar coerentemente, para não falar de conceber estratégias de produzir, algum futuro radicalmente diferente. (Harvey, 1993, 57)
Como o pós-modernismo não se preocupa com o progresso, ao contrário abandona a memória e a continuidade, fica evidente também que valores, crenças e descrenças não fazem parte do seu esforço em julgar o espetáculo social como ele é. A televisão vem explicar bem essa nova maneira de ver o mundo através dos meios eletrônicos disponíveis hoje. Nada há que prenda a atenção para um progresso da humanidade. Assisti-se na TV um mix do passado, presente e ficção sem direção definida. As pessoas passam grande parte do dia diante dessas tecnologias eletrônicas sem objetivo concreto de construção, de crescimento. É tudo superfície e nada de raiz. Colagens e ausência de profundidade. “ E todos esses elementos são aspectos vitais da prática artística na condição pós-moderna.” (Harvey, 1993: 63)
O consumismo visto na televisão é decorrente do capitalismo avançado que temos e seu surto inflacionário afeta a estética, a arte pós-modernista, assim como afeta os mercados comerciais. A fragmentação da arte é a expressão direta do que ocorre no tecido social e econômico em consonância com o nível de capitalismo que temos.
Para Harvey, o pós-modernismo não deve e não pode ser visto simplesmente como uma corrente artística autônoma, pois ele está enraizado na vida cotidiana e nos dá condições de observar as mudanças profundas que promove sobre a estrutura do sentimento.
A Identidade descrita por Bauman
No seu livro intitulado “Identidade” Bauman^24 faz a ligação entre identidade e pertencimento como sendo interdependentes. Enquanto a pessoa se vê pertencente ao seu habitat natural ela ignora a sua identidade. A questão da identidade só lhe ocorre quando o seu pertencimento é abalado. Nenhum outro lugar no mundo lhe dará a mesma sensação de pertencimento que tinha antes. Ora ligeiramente, ora ostensivamente, essa pessoa se sentirá “deslocada”. A
(^24) BAUMAN, Zygmunt. (2005), Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.
a habilidade de terminar rapidamente o que começou e partir para um novo começo. Não é mais possível construir uma identidade duradoura. “ Uma identidade coesa, firmemente fixada e solidamente construída seria um fardo, uma repressão, uma limitação da liberdade de escolha. Seria o presságio da incapacidade de destravar a porta quando a nova oportunidade estiver batendo.” (Bauman, p. 60)
Quando questionado sobre o fenômeno do ressurgimento do nacionalismo, Bauman discorda que haja uma ressurgência do nacionalismo. Para ele esse termo “nacionalismo” não cabe mais sem que se façam as devidas emendas necessárias, conforme cita as orientações de Derrida. Passa a falar do assunto como sendo uma nova safra de reivindicações visando autonomia ou independência. Destacando duas razões para isso: proteção contra a globalização e a reavaliação do pacto entre nação e Estado. As duas razões decorrem do enfraquecimento da soberania nacional.
Para a solução dessa crise social de enfraquecimento da soberania nacional, os Estados procuram se proteger como Bauman descreve a seguir, mas conclui que essa busca de soluções locais para problemas globais é ineficaz:
O objetivo mais ampla e intensamente cobiçado é a escavação de trincheiras profundas, possivelmente intransponíveis, entre o dentro e o fora de uma localidade territorial ou categórica. Fora: tempestades, furacões, ventos congelantes, emboscadas na estrada e perigos por toda parte. Dentro: aconchego, cordialidade, chez soi , segurança, proteção. Já que, para manter o planeta inteiro seguro [...], nos faltam [...] ferramentas e matérias primas adequadas, vamos construir, cercar e fortificar um espaço indubitavelmente nosso e de mais ninguém, um espaço em cujo interior possamos nos sentir como se fôssemos os únicos e incontestáveis mestres. O Estado não pode mais afirmar que tem poder suficiente para proteger o seu território e os seus habitantes. (Bauman, p. 65 e 66)
Bauman, incitado a se posicionar sobre o conceito de identidade ocidental de Slavoj Zizek, declara que o conceito de identidade sempre será motivo de discussão e de controvérsia.
O campo de batalha é o lar natural da identidade. Ela só dorme e silencia no momento em que desaparecem os ruídos da refrega. [...] A identidade é uma luta simultânea contra a dissolução e a fragmentação; uma intenção de devorar e ao mesmo tempo uma recusa resoluta a ser devorado. (Bauman, p. 84)
A identidade cultural na pós-modernidade segundo Stuart Hall
A terceira leitura da identidade é a apresentada por Stuart Hall^25 em sua obra “A identidade cultural na pós-modernidade” publicada inicialmente em
Aquele sujeito unificado, o indivíduo da era moderna, está fragmentado. O mundo social estabilizado pelas velhas identidades já não existe mais. Os quadros de referência de estabilidade para as sociedades estão se deslocando sob efeito da chamada crise de identidade. O cenário visualizado por Hall é este em que as identidades modernas estão deslocadas, fragmentadas, ou melhor, “descentradas”. Mudanças estruturais são sentidas nas classificações sociais, étnicas, sexuais, raciais e de nacionalidade e se refletem nas identidades pessoais. A crise de identidade decorre da descentração do indivíduo de seu mundo social e cultural, mas também de si mesmo. A citação de Mercer esclarece esse ponto: “ a identidade somente se torna uma questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza.” (Hall, p. 9).
O autor tem três concepções de identidade: a primeira para o sujeito do Iluminismo, a segunda para o sujeito sociológico e a terceira para o sujeito pós- moderno.
A identidade do sujeito do Iluminismo é baseada nas capacidades de razão, consciência e ação que esse indivíduo tinha e mantinha de forma continuada ao longo de sua existência. “O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa.” (Hall, p. 11)
O sujeito sociológico era o reflexo da complexidade do mundo moderno e já não era autônomo, mas se entendia na relação com os outros sujeitos. Era um
(^25) HALL, Stuart. (2006), A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 11ª edição.
Em Hall também está presente a evolução da identidade em três momentos. Na era pré-moderna as estruturas e as tradições eram divinamente estabelecidas. Não havia espaço para um indivíduo autônomo. Entre o Humanismo Renascentista e o Iluminismo é que surgiu o “indivíduo soberano” da modernidade. Essa ruptura com o passado ocorrida entre os séculos XVI e XVIII é considerada como “ o motor que colocou todo o sistema social da modernidade em movimento. ” (Hall, p. 25) A Reforma Protestante e o Humanismo Renascentista são os marcos dessa mudança de status do indivíduo da pré- modernidade para a modernidade.
Seguindo a análise temporal de Hall, na medida em que as sociedades modernas foram se desenvolvendo e ficando mais complexas, tomaram formas mais sociais e coletivas e os grandes processos, antes firmados na razão, passaram a ser firmados em um indivíduo mais social. As teorias biológicas de Darwin e o surgimento das Ciências Sociais foram decisivos para essa mudança de foco do indivíduo para o coletivo. A Sociologia apresenta considerável crítica ao individualismo racional do sujeito cartesiano. O desenvolvimento do indivíduo deve ser visto de forma subjetiva nas relações sociais mais amplas que estabelece. A reciprocidade da internalização do exterior no sujeito e a externalização da ação dele no mundo social forma a Teoria da Socialização.
A fragmentação das identidades que acometeu o sujeito cartesiano não é um fenômeno único. Ocorre também um forte deslocamento que é descrito através de rupturas no discurso do conhecimento moderno. Hall descreve cinco grandes avanços ocorridos a partir da segunda metade do século XIX que interferem no conhecimento e descentram o sujeito cartesiano.
O primeiro avanço foi com a teoria do anti-humanismo teórico de Althusser que afirma não haver uma essência universal de Homem alojada em cada sujeito individual. Outro avanço foi realizado pelo lingüista Ferdinand de Saussure que observa analogia entre a língua e a identidade, na qual a impossibilidade de controle entre ambas é comum. Assim como na linguagem não há controle sobre os efeitos de significado, na identidade também sempre existe a instabilização provocada pela diferença.
O avanço seguinte foi descrito com a descoberta do inconsciente por Freud. Sua teoria arrasa o conceito de sujeito racional de Descartes. Segundo Freud, nossas identidades são formadas com base em processos psíquicos e simbólicos do inconsciente, assim como nossa sexualidade e a estrutura de desejos. Essa lógica funciona de maneira muito diferente da Razão. A identidade do sujeito é formada ao longo do tempo, inconscientemente, sendo incompleta, está sempre em um processo de desenvolvimento. Vem até sugerir que o termo identificação deveria substituir identidade, por representar melhor um processo inacabado, em andamento.
Michel Foucault produziu uma genealogia do sujeito moderno que é apresentada por Hall como o quarto avanço que interfere no conhecimento. O “poder disciplinar” é descrito por Foucault como a preocupação em regular e vigiar a espécie humana, o indivíduo e seu corpo. O objetivo básico é produzir corpos dóceis.
O paradoxo assinalado por Hall dos estudos de Foucault está evidenciado no fato de que quanto mais organizada e disciplinada for uma instituição na modernidade tardia, mais isolado ficará o sujeito individual.
O quinto descentramento está caracterizado pelo impacto do feminismo promovido nos anos sessenta do século passado. O feminismo constitui o marco histórico do nascimento da “política de identidade”, ou seja, uma identidade para cada movimento social diferente. Assim surgiram as identidades das mulheres, dos negros, dos pacifistas etc. Os conceitos de sujeito cartesiano e sociológico são questionados pelo feminismo pela clássica distinção entre o dentro e o fora, o privado e o público. A subjetividade, a identidade e o processo de identificação também foram politizados.
Essas cinco evidências da descentração do sujeito do Iluminismo com sua identidade fixa e estável são provas de que ele não dá mais conta de atender às demandas por flexibilidade, identidades abertas, contraditórias, inacabadas e fragmentadas do mundo pós-moderno.
Tratando da compressão espaço-tempo e identidade, Hall concorda com David Harvey mostrando que a globalização encurta a noção das distâncias e o mundo parece menor. Para Harvey “... quanto ao impacto da globalização sobre a identidade é que o tempo e o espaço são também as coordenadas básicas de todos os sistemas de representação.” (Hall, 2002: 70)
A identificação da globalização pode ser colocada acima do nível da cultura nacional a ponto de apagar uma identidade nacional, fragmentando seus códigos culturais e colapsando o equilíbrio interno existente forçando uma interdependência global e pluralista. “ À medida em que as culturas nacionais tornam-se mais expostas a influências externas, é difícil conservar as identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do bombardeamento e da infiltração cultural .” (Hall, p. 74)
A homogeneização é apresentada como uma possível consequência da globalização. Porém o autor destaca em três aspectos que ela pode não se concretizar. Primeiramente por andar paralelamente às identidades locais, reforçando-as. Em segundo por ser um processo desigual em sua “geometria do poder”, não ocorre com a mesma intensidade em todos os lugares ao mesmo tempo. E finalmente porque a globalização tem se mostrado retida à dominação global ocidental, enquanto que as identidades culturais estão em todo o mundo.
[...] parece então que a globalização tem, sim, o efeito de contestar e deslocar identidades centradas e fechadas de uma cultura nacional. Ela tem um efeito pluralizante sobre as identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições de identificação, e tornando as identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou trans-históricas. Entretanto seu efeito geral permanece contraditório. (Hall, p. 87) Uma das contradições está no fato de que, no lugar de ocorrer homogeneização, pode acontecer uma Tradução. Essa tradução pode se dar na medida em que pessoas dispersadas (deslocadas de seus países) carreguem fortes vínculos com suas origens e tradições e lá nos seus locais de destino consigam absorver também uma nova cultura. Essas pessoas não perdem completamente suas identidades, porém passam a ser híbridas por terem traços de identidade de culturas diferentes. Nesse caso a homogeneização não acontece, mas a globalização e a pós-modernidade forçam o surgimento de novas identidades.
Outro movimento inesperado que impede a homogeneização é a prática do fundamentalismo presente hoje principalmente no islamismo. As bases religiosas fundadas no Corão tentam manter a identidade cultural de países orientais em torno de Estados religiosos.
O alinhamento de Hall com o pensamento de Zigmunt Bauman é percebido no argumento comum do ressurgimento da etnia como obstáculo à homogeneização decorrente da globalização. A busca pela identificação étnica ocorre cada vez menos por imposição institucionalizada e cada vez mais por uma poderosa demanda simbólica pronunciada por comunidades livres e flexíveis.
A conclusão de Hall é que os rumos incertos da globalização têm sinalizado que o que parece estar ocorrendo não é global, mas é na verdade um lento e desigual descentramento do Ocidente.
A modernização reflexiva de Beck e Giddens
Beck^26 e Giddens defendem que a discussão entre modernidade e pós- modernidade já está cansativa, desgastada. Em seu lugar apresentam o conceito de modernidade reflexiva.
Para Ulrich Beck modernização reflexiva é a modernização da modernização. As constantes transformações provocadas pela modernização geram a própria transformação daquela modernização. Esse processo de mudança ocorre sem revolução, de forma silenciosa. Não há relação direta dessas mudanças com as utopias propostas pela sociedade socialista, nem é decorrência de uma falência do capitalismo. Ao contrário, as vitórias do capitalismo é que provocam essa nova forma social. O processo normal de modernização evolui para uma modernização adicional que é a da própria modernização, a radicalização da modernização.
(^26) BECK, Ulrich; Anthony Giddens; Scott Lash (1997) Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Editora da Universidade Estadual Paulista.
Ao afirmar que não é mais possível construir uma identidade duradoura, Bauman nos leva a questionar como uma instituição militar pode ainda desejar uma identidade fixa, imutável, inabalável, em um mundo pós-moderno. Vale lembrar a definição dos Valores Militares que compõem a identidade do Exército Brasileiro:
As Instituições Militares possuem referenciais fixos, fundamentos imutáveis e universais. São os valores militares. As manifestações essenciais dos valores militares são: patriotismo, civismo, fé na missão do Exército, amor à profissão, espírito de corpo e aprimoramento técnico e profissional. (VM 10, 2002) No meio militar é comum usarmos a designação de que “todo militar é um ser cartesiano”. O senso comum é que esse termo “cartesiano” significa algo metódico, racional, mas creio que a maioria desconhece a origem do termo como sendo decorrente de uma postulação do filósofo Descartes para o indivíduo capaz de explicar as coisas reduzindo-as aos elementos essenciais, irredutíveis. A leitura da obra de Stuart Hall serve para a compreensão do que é ser cartesiano. O problema está na percepção dessa classificação. Para a maioria dos militares parece elogio. Muitos têm orgulho de serem assim classificados. Penso ser fruto do processo de socialização por que passam desde a entrada na caserna. Como já vimos anteriormente com a análise do texto de Harvey, o Iluminismo privilegia a razão e agora vemos a razão no indivíduo cartesiano. Assim como ainda hoje percebemos no Exército as influências do culto às ideias do Iluminismo, ser cartesiano, estar situado no centro do conhecimento, ser um sujeito pensante e consciente também é incentivado em nossas fileiras. Constato que isso pode ser uma forte âncora a nos prender à era moderna e impedir a flexibilização necessária para atuarmos em meio aos desafios da pós-modernidade.
Ao citar o poder disciplinar descrito por Michel Foucault, Stuart Hall mostra a preocupação vigente na modernidade em regular e vigiar a espécie humana, o indivíduo e seu corpo, produzindo corpos dóceis. Entre as instituições escolhidas por ele para acontecer esta vigilância estão os quartéis, além das prisões, escolas, hospitais, entre outros. Nas forças armadas existe um conceito chamado de “disciplina consciente” que diz não ser necessária outra pessoa para vigiar um militar. Ele próprio deve exercer essa vigilância sobre si mesmo, já que conhece todos os regulamentos e normas da caserna. Essa docilidade, segundo o
conceito foucaultiano, expõe marcas ainda modernas nessas instituições. Outra marca que os conceitos de Foucault desnudam é em relação ao gosto pela organização e disciplina que destacam os militares do seio da sociedade pós- moderna, pois a tendência à disciplina e à organização acaba por isolar o sujeito individual. Esse isolamento é claramente percebido no modo como um militar se refere a quem não pertence aos seus próximos. Ao denominar o civil de “paisano” um militar deixa claro que esse sujeito não pertence ao seu grupo, não comunga dos mesmos valores e por isso é um ser de categoria inferior alheio à disciplina e à organização.
Ainda em Stuart Hall, ao citar Benedict e Hobsbawn com suas ideias de nacionalidade e tradições inventadas, podemos juntar a eles o texto de Celso Castro^27 quando aborda vários exemplos de “invenção de tradição”. Como exemplo, ele cita que os símbolos usados hoje na Academia Militar das Agulhas Negras nunca existiram no passado. Foram criados na década de 1930 pelo Coronel José Pessoa, comandante da Escola Militar na época.
Entre os vários elementos criados por José Pessoa para compor a “nova tradição” da Escola Militar, temos o estandarte, o brasão e os uniformes históricos dos cadetes [...] O espadim é uma réplica em miniatura da espada de campanha desembainhada por Caxias no combate da ponte de Itororó, quando disse a frase: “Sigam-me os que forem brasileiros.” [...] A figura de Caxias deveria “pairar no seio dos cadetes do Brasil”, como a de Napoleão entre os cadetes de Saint-Cyr e a de Washington entre os de West Point. (Castro, 2002: 23) Constatar que o Exército é uma instituição moderna não é atribuir pecado a ele. É normal termos hoje instituições modernas. Talvez o problema se constitua na maneira como seus guardiães usam da repressão para legitimar o universo de símbolos da instituição. Com a chegada das novas gerações que ingressam na carreira militar, com experiências incorporadas da pós-modernidade, um universo simbólico militar estático para formar a identidade desses novos oficiais não subsistirá. Resgato a citação de Berger utilizada no primeiro capítulo deste texto:
(^27) CASTRO, Celso. (2002), A invenção do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.
das identidades da sociedade brasileira, de suas instituições e, em particular, da construção da identidade do Exército. Os textos dos autores mobilizados para esse fim encerrarão o arcabouço teórico desta pesquisa para posterior emprego desses conceitos nas análises que faremos nos capítulos finais.