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Este documento discute as conjunções adversativas no português, examinando as mudanças de sentido que elas apresentam ao longo do tempo. O texto aborda diferentes perspectivas bibliográficas, as dificuldades encontradas na descrição dessas conjunções nas gramáticas tradicionais, e a localização sintática delas. Além disso, o documento questiona se as conjunções são desprovidas de sentido e desnecessárias na construção de sentidos globais.
O que você vai aprender
Tipologia: Resumos
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Se o objetivo deste trabalho é buscar a motivação conceptual que levou os elementos considerados como conjunções adversativas do português a apresentarem mudanças de sentido ao longo do tempo, cabe esclarecer uma série de pontos relevantes nessa investigação, tais como: a que mudanças de sentido se está referindo; o que se entende por conjunções adversativas e, mais genericamente, por conjunções; as abordagens que referências bibliográficas distintas fazem do tema. As notas deste capítulo servirão, portanto, para apresentar as questões e problemas com que inevitavelmente se depara no estudo da mudança apresentada pelos itens mas, porém, contudo, todavia, entretanto e no entanto.
2. As conjunções adversativas segundo referências diversas
Uma breve consulta às gramáticas tradicionais do português nos revela que a descrição das conjunções adversativas é um dos pontos mais problemáticos entre os abordados por tais manuais. A seguir, serão apresentados pontos retirados tanto de gramáticas tradicionais quanto de fontes de outras naturezas que possam ilustrar a dificuldade encontrada no tratamento das adversativas. As fontes divergem não só quanto ao elenco dos elementos que devem ser considerados conjunções adversativas, como também quanto aos sentidos que eles podem apresentar. Oiticica (1940, p. 61), sobre as adversativas, afirma que elas “justapõem pensamentos contrários”. Aponta mas como a adversativa típica e acrescenta que porém, contudo, todavia, entretanto, não obstante , entre outros, têm força adversativa. Maciel (1931, p. 153) engloba, entre as adversativas, mas e porém. Em nota de rodapé, acrescenta: “as palavras entretanto, comtudo e todavia têm mais
função adverbial do que de conjucção, tanto que instituímos o novo grupo dos advérbios de concessão ou concessivos a que hoje pertencem”. Dias (1933, pp. 256-257) atribui a mas as seguintes funções: (i) “serve de ordinário de designar o que contrapõe ao que se disse precedentemente ou o restringe”; (ii) “quando se contrapõe a um membro negativo, (...) reforça-se com o advérbio sim ”; (iii) “pode omitir-se, quando a antithese já se acha suficientemente demonstrada por outro modo”. Como adversativas, ainda considera “porém” – mais frouxo do que mas –, “ ora” – que introduziria um pensamento diverso somente do que se enunciou precedentemente” –, “ senão” – que, “na qualidade de adversativa, só tem lugar como synonyma de mas , quando a um membro negativo se contrapõe um afirmativo” –, e “ pois” – que, como adversativa, “emprega-se nas réplicas, se se quer representar, como cousa de estranhar o serem ao mesmo tempo verdadeiros os enunciados que se contrapõem”. Almeida (1952, p. 305) afirma que mas tem mais força do que porém e que todavia, contudo, entretanto e no entanto têm a mesma significação. Melo (1970, p. 175) entende que as adversativas mas, porém, contudo, todavia, no entanto, entretanto e senão exprimem contraste ou compensação. Garcia (1992, pp. 16-19) engloba, no conjunto das adversativas, mas, porém, contudo, todavia, no entanto e entretanto , que, segundo ele, marcam oposição, “às vezes com um matiz semântico de restrição ou ressalva”. Para Rocha Lima (1994, p. 185), as adversativas “relacionam pensamentos contrastantes” e a conjunção adversativa por excelência é mas. Acrescenta ainda que “há outras palavras com força adversativa, tais como: porém, todavia, contudo, entretanto, no entanto , que acentuam, não propriamente um contraste de idéias, mas uma espécie de concessão atenuada”. Cunha & Cintra (1985, p. 566) entendem que as adversativas “ligam dois termos ou duas orações de igual função, acrescentando-lhes, porém, uma idéia de contraste”. Citam como adversativas: mas, porém, todavia, contudo, no entanto e entretanto. Sacconi (1990, pp. 267-268) afirma que as adversativas “exprimem essencialmente ressalva de pensamentos, ressalva essa que pode indicar idéia de oposição, retificação, restrição, compensação, advertência ou contraste”. Apresenta o seguinte conjunto: “ mas, porém, todavia, contudo, entretanto, no entanto, não obstante , etc.”. Adiante enumera alguns exemplos contendo
O item mas é apresentado nos trabalhos acima, de forma declarada ou não, como a conjunção adversativa prototípica. Não há, entretanto, unanimidade em torno do sentido que apresenta. O sentido das adversativas, por sinal, varia em alto grau, como se pode notar, sendo esse grupo um dos mais polissêmicos entre todos os grupos de conjunções em português. Não só com relação aos sentidos das adversativas divergem as gramáticas, mas também com relação ao elenco dos elementos que devem ser reunidos sob esse mesmo rótulo. Sobre a divergência dos sentidos, é possível fazer as seguintes observações. Não há precisão com relação aos termos utilizados. Oiticica (1940), quando afirma que as adversativas contrapõem pensamentos, indiretamente afirma que a linguagem representa o pensamento, o que, para uma análise mais acurada, traz à tona questões epistemológicas sérias. Dias (1933), ao afirmar que mas serve para designar o que contrapõe ao que se disse antes, está atribuindo a mas uma função típica dos nomes; é estranho atribuir a conjunções funções designativas. Afirma também que porém seria “mais frouxo” do que mas , sem especificar o que se entende por palavra de sentido tão vago quanto “frouxo”. Da mesma forma, Almeida (1952) não explicita o que significa exatamente mas ter mais força do que porém. Garcia (1967), referindo-se a um matiz semântico de restrição ou de ressalva, parece estar afirmando que tal matiz se encontraria no próprio sentido de oposição e não que seria um dos sentidos possíveis das adversativas, paralelamente ao de oposição. Essa seria uma questão digna de estudo: as adversativas podem apresentar sentidos ambíguos ou os sentidos que lhe são possíveis se distinguem nitidamente? Cunha & Cintra (1985), quando afirmam que as adversativas ligam dois termos de igual função, parece estarem se referindo a função sintática; em seguida, fazem uma observação de cunho semântico: acrescenta-lhes uma idéia de contraste. A escolha lexical por “acrescentar” pode deixar subentendido que o contraste não seria expresso senão pela conjunção. Já para Rocha Lima (1994), as adversativas relacionam pensamentos contrastantes. Por mais impreciso que seja, nesse caso, o termo pensamento , o autor atribui às conjunções a função de relacioná-los, deixando claro que os pensamentos já são em si contrastantes. A seguir, ao destacar mas como a
adversativa por excelência, deixa subentendido que as referidas características não se encontram em outras palavras como porém, todavia, contudo, entretanto, no entanto , as quais, segundo o autor, acentuam uma espécie de concessão atenuada. Pelo uso de “atenuada”, vê-se que também Rocha Lima (1994), assim como Almeida, entende que mas tem sentido mais forte do que as outras conjunções. Atente-se para o termo “espécie”, que indica quanto são imprecisos os apontamentos feitos. Sacconi (1990) afirma que os sentidos das adversativas têm em comum a característica de serem ressalva de pensamentos, o que é discutível, mas não deixa de ser uma tentativa de identificar um traço comum aos sentidos possíveis. Cegalla (1994), assim como Sacconi (1990), afirma que as adversativas exprimem alguns sentidos aparentemente estranhos. O uso de exprimir não deixa claro se a construção de sentido é função exclusiva da conjunção ou se é algo que já se encontrava entre as partes ligadas. O mesmo se pode dizer de denotar , termo usado por Luft (2002): as adversativas “denotam contraste, compensação”. Bechara (1999), por sua vez, ao afirmar que as adversativas “enlaçam unidades apontando uma oposição entre elas”, deixa subentendido, pelo uso de apontar , que a oposição já existia entre unidades enlaçadas. O mesmo se depreende da afirmativa de que mas e porém acentuam a oposição. Veja-se também que Bechara se refere a unidades enlaçadas, não restringindo a natureza de tais unidades a orações ou termos. Neves (2000) distingue três pontos concernentes às adversativas (usados também para a caracterização de todas as conjunções estudadas na obra) que são, de fato, de naturezas diversas e foram, pelos trabalhos mencionados anteriormente, ou negligenciados ou tratados como se fizessem parte de um bloco de questões da mesma natureza. Quando trata do modo de construção, afirma que as unidades coordenadas por mas – o elemento que a autora usa para representar as adversativas – podem ser de diversas naturezas, o que não foi contemplado pelos trabalhos mencionados, com exceção de Bechara (1999). Além disso, Neves (2000) aponta a desigualdade como traço fundamental tanto das relações em que mas se encontra quanto do valor semântico do elemento, o que consiste em uma proposta de análise bem mais econômica do que a que se viu nos demais trabalhos referidos.
contribuir para a elaboração de uma teoria geral da gramatizalização. Quanto a esta tese, faz-se necessário, antes de se dar prosseguimento à análise da gramaticalização propriamente dita, recorrer-se a um modelo capaz de analisar satisfatoriamente os usos de tais elementos em diferentes épocas. É o que se fará no capítulo 4, onde, buscando-se um modelo satisfatório de análise de mas , se proporá um modelo geral que dê conta da análise dos demais itens. Qualquer modelo trará, porém, de forma declarada ou não, uma noção sobre o que seja conjunção. Por isso, faz-se necessário discutir o conceito. A leitura dos fragmentos comentados na seção anterior revelou grande divergência quanto ao papel atribuído às conjunções. A elas são atribuídas funções semânticas – como exprimir, marcar, relacionar, denotar idéias –, ou funções sintáticas – como ligar e enlaçar unidades. Além da discordância quanto às funções das conjunções, há também falta de clareza em relação ao que se entende por tais funções. Quanto à localização sintática das conjunções, é ponto comum entre as diferentes vertentes lingüísticas entendê-las como elementos tipicamente localizados em fronteiras oracionais ou sentenciais. Daí advém a grande divergência quanto à classificação de porém, todavia, contudo, no entanto, entretanto , o que será discutido na seção 2.4. Já com relação à função sintática, as conjunções são vistas como elementos que relacionam gramaticalmente orações ou sentenças. A questão que se coloca é: dadas as várias funções de ordem semântica atribuídas às conjunções e dado o vasto conjunto de valores semânticos que as adversativas podem apresentar, como se poderia chegar a uma definição de conjunção que atendesse a todas essas funções e também às de ordem sintática? Se é necessário decidir-se pela adoção de um paradigma formalista ou funcionalista de estudo da linguagem, a opção em que se assenta o presente trabalho é pelo modelo funcionalista. Não se fará uma revisão dos principais postulados de cada paradigma para se justificar a opção. Levando-se em consideração que o objetivo da tese é verificar a motivação conceptual que levou os seis elementos adversativos estudados a sofrerem substanciais mudanças de sentido ao longo do tempo, o modelo de análise lingüística adotado deverá necessariamente apresentar suporte às questões semânticas em pauta.
Para não excluir as questões sintáticas, busca-se um modelo de análise que as alie às questões semânticas. Um dos postulados básicos das teorias funcionalistas em geral é a crença de que os componentes sintático e semântico funcionam em integração. Sobre o componente pragmático, acredita-se que ele se relaciona intimamente com a sintaxe e a semântica. A análise dos dados mostrará que é ele que garante a gramaticalidade de ocorrências aparentemente estranhas. A pragmática, portanto, não será vista aqui como o componente lingüístico por excelência, como preconizam algumas correntes funcionalistas mais radicais, mas também não terá sua importância minimizada. Sobre a relação entre os três componentes mencionados, várias reflexões podem ser feitas. As correntes funcionalistas não são convergentes em relação ao status de cada um deles. Há consenso, porém, em relação à não autonomia da sintaxe. Por não entender a sintaxe como componente autônomo, a forma com que se concebe conjunção nesta tese não pode ter vistas somente às questões sintáticas. Não basta, no entanto, afirmar que as questões semânticas serão consideradas; é preciso definir como o serão. Sobre as ocorrências lingüísticas que apresentam adversativas, é preciso perguntar: onde se encontra o sentido? Nas próprias adversativas, nas unidades relacionadas por elas ou no conjunto como um todo? Os diversos sentidos que apenas as poucas obras consultadas atribuíram às adversativas se encontram onde? Garcia (1992, p. 81) volta a abordar as adversativas, colocando-as em um conjunto maior, o das “estruturas sintáticas opositivas ou concessivas”, as quais seriam uma alternativa, entre outras, de assinalar relações de oposição e concessão. Nesse ponto específico, o autor apresenta um grande diferencial em relação às gramáticas tradicionais. Ao mostrar que as relações sinalizadas pelas adversativas podem sê-lo também por outros mecanismos lingüísticos, deixa subentendido, voluntariamente ou não, que conjunções não estabelecem sentido, são apenas um recurso, entre outros possíveis, que contribui para o estabelecimento de sentidos adversativos. Em outras palavras, as conjunções não são imprescindíveis à elaboração de uma relação adversativa. Neves (1984, pp. 21-22), em texto que será comentado no capítulo 4, trata de vários empregos de mas no português contemporâneo. Antes de iniciar a
aparentemente semelhantes. Adiante o autor esclarece que, embora em ambos os exemplos o falante apresente uma causa (estar doente) para não ter feito o exercício, o faz em cada um de uma maneira: em (a), através de uma causal; em (b), através de uma adversativa. Travaglia argumenta que a escolha do falante por (a) ou (b) vai depender da imagem que faz do interlocutor:
Em a o falante não tem nenhum pressuposto sobre o fato de o interlocutor ter alguma opinião sobre a razão pela qual ele não fez os exercícios e pretende tão somente informar essa razão por um motivo qualquer (gentileza, para não ser punido já que a causa é justa, etc.). Em b o falante pressupõe ou sabe, por qualquer razão (ele sabe o conceito em que o professor o tem ou alguém lhe relatou um comentário do professor), que o interlocutor julga que ele não fez o exercício por alguma causa que não será aceita como explicação (por exemplo: preguiça, foi passear, etc.) e então ele fala, apresentando a causa por meio de uma adversativa, a fim de criar uma oposição argumentativa, rebatendo a causa pressuposta ou considerada pelo interlocutor. Portanto há entre as duas formas de apresentar a causa uma diferença argumentativa calcada na visão que o falante tem de seu interlocutor. (Travaglia, 2002, pp. 180-182)
As observações de Travaglia corroboram a idéia de que conjunções estabelecem relações e contrariam, em princípio, a tese de que não sejam elementos imprescindíveis. Entretanto, se se entende que, em ambos os casos, os contextos extralingüísticos é que motivam a escolha por uma das opções e não o contrário, então se mantém a tese de que as conjunções podem exercer, em alguns casos, um papel muito importante no estabelecimento do sentido, mas não o asseguram sozinhas. Em casos como (b), se a pressuposição não for depreendida pelo interlocutor, pode-se configurar um caso de agramaticalidade. Além disso, os inúmeros “matizes semânticos” atribuídos às adversativas advêm da relação existente entre as unidades ligadas, o que demonstra que o sentido básico da conjunção modifica-se, em maior ou menor grau, em função do contexto em que se encontre. Dessa forma, é possível subtrair, das observações vistas em 2.1 e em 2.2, algumas conclusões, que nortearão todo o trabalho. Em primeiro lugar, é preciso entender que os itens mas, porém, contudo, todavia, no entanto e entretanto foram selecionados como objeto de estudo por motivos que se verão na próxima seção, mas não são os únicos passíveis de se encontrarem entre unidades relacionadas com sentido adversativo. Praticamente todos os outros encontrados nas listas dos autores citados em 2.1 merecem, no mínimo, ser avaliados quanto à possibilidade de se incluírem entre as
adversativas. E há, além deles, outros cuja listagem não seria pertinente neste espaço. Com relação à terminologia, no decorrer do trabalho, os itens em foco serão chamados de conjunção por motivos apresentados na seção 2.4. Serão chamados de conjunções adversativas, contrajuntivas ou mesmo de algum outro rótulo. Também o contexto de uso será chamado ora adversativo, ora contrajuntivo. A variação terminológica é decorrente da bibliografia consultada e será adotada desde que considerada pertinente. Por último, entenda-se que, apesar de recorrentemente se encontrar no texto expressões como “o sentido do item x ou y ”, não se está com isso entendendo o sentido referido como inerente ao item fora de contexto. A partir do momento em que se emprega uma conjunção, ela assumirá, para além de seu sentido básico, especificidades semânticas contextuais e, ao mesmo tempo, servirá para apontar, sinalizar, destacar tais especificidades. Dessa forma, a análise dos dados tentará fazer jus à opção teórica pelo funcionalismo: pode, para fins de análise, segmentar os componentes da língua, mas sempre tendo em vista que, em situações reais de uso da língua, o falante os usa de forma integrada e global.
2. Origens etimológicas das conjunções adversativas
Os itens mas, porém, contudo, todavia, no entanto e entretanto foram selecionados para representar as conjunções adversativas porque, como já foi dito anteriormente, são tradicionalmente englobados no mesmo conjunto e também porque têm origens etimológicas semelhantes. Segundo Mattos e Silva (2001, p. 120), entre as coordenativas, apenas e , ou e nem já se encontravam entre as conjunções coordenativas latinas; as demais se originam no português arcaico. Por português arcaico entende-se, conforme Mattos e Silva (1996, p. 15), o período que vai do século XIII ao XV, ao qual se pode referir também como período ou fase medieval. Por esta razão, a língua da época denominou-se português arcaico ou medieval.
diferentemente do que se passava no latim clássico, menos informal e impessoal. Dessa forma, no latim vulgar, houve uma renovação intensa na língua. Uma das tendências marcantes do latim vulgar é a preferência por formas analíticas, em detrimento do sintetismo típico do latim clássico, o que é evidenciado, por exemplo, pela queda no número de declinações e pela preferência pela estruturação paratática do período. Outro exemplo ilustrativo é a substituição da forma sintética utilizada para marcar o comparativo de superioridade ( -ior ) pela forma analítica, que dispunha do advérbio de intensidade magis , tornando a marca morfológica –ior obsoleta. O último ponto será tratado no capítulo 4, onde se discutirá a tese de Vogt e Ducrot (1980) sobre a origem da conjunção portuguesa mas. Esse é o quadro geral em que se formaram as conjunções portuguesas, inclusive as adversativas. Abaixo os seis elementos tratados na tese terão suas origens etimológicas apresentadas em linhas gerais, conforme informações buscadas em Barreto (1999), obra que será utilizada, no decorrer deste trabalho, de forma recorrente, por ser uma tese de doutorado que trata da gramaticalização de todos os elementos tradicionalmente classificados como conjunções em português. O amplo alcance da referida tese tornou-a referência nos estudos da gramaticalização de conjunções em português. Em glossário, a autora apresenta as seguintes informações: mas provém do advérbio latino magis ; porém origina-se da preposição latina per + em , forma apocopada do advérbio latino ende ; contudo forma-se da preposição com (do latim cum ) + indefinido tudo (do latim totu -); todavia constitui-se de toda (do latim tuta -) + via (do latim via ); entretanto forma-se da preposição entre (do latim inter ) + tanto (do latim tantu -); entanto^1 forma-se da preposição em + indefinido tanto (do indefinido latino tantu -). Como se vê, mas origina-se de um sintagma adverbial, todavia de um sintagma nominal (por sinal, todavia seria, ainda segundo Barreto, a única conjunção do português originada de um sintagma nominal) e os demais elementos de sintagmas preposicionais. Mas o que interessa de fato observar é que, com exceção de mas , todos os elementos apresentam originariamente um
(^1) O elemento entanto , por ter se consagrado, em português, como no entanto , desta forma está sendo usado na tese. Apesar de se saber que o termo item se refira a unidades indivisíveis, optou- se por se tratar no entanto como item, justamente por ser usado como um todo indivisível.
pronome em sua constituição etimológica. Porém se forma de en ( <ende ), que funcionava como pronome também. Esse é o ponto comum que as conjunções estudadas, exceto mas , guardam quanto às suas origens etimológicas e que merece ser investigado, já que pode explicar por que todas vieram a apresentar traços comuns em português. No capítulo 5, o assunto será tratado com exclusividade.
2. As conjunções adversativas passaram por gramaticalização?
Embora se esteja referindo a porém, contudo, todavia, no entanto e entretanto como conjunções, as obras consultadas revelam que a classificação não é unânime. Oiticica (1940, p. 61), como se viu na seção 2.1, afirma que porém, contudo, todavia e entretanto têm força adversativa e que funcionam, quase sempre, como partículas concessivas. Anteriormente havia incluído todavia e entretanto no grupo que designa como palavras denotativas concessivas. Sobre palavras denotativas, apresenta as seguintes observações:
Com efeito, até hoje os gramáticos se teem preocupado exclusivamente com as palavras que exprimem idéias , ou palavras ideativas, pouco atendendo à numerosa classe das palavras que exprimem emoção ou palavras emotivas e, ainda menos, às palavras que exprimem meros acidentes do discurso, como as interrogações, afirmações, confirmações, realces, correções, ressalvas, exclusões, designações, etc. Tais palavras não exprimem nenhuma idéia pròpriamente, mas indicam certos movimentos ou operações subjetivas e indispensáveis à compreensão do pensamento ou às suas cambiantes. (Oiticica, 1940, p. 50)
Maciel (1931, p. 153) havia afirmando que “entretanto, comtudo e todavia têm mais função adverbial do que de conjunção” e, por isso, as inclui entre o grupo dos advérbios de concessão. Rocha Lima (1994, p. 185) também havia afirmado que porém, todavia, contudo, entretanto e no entanto têm força adversativa. Garcia (1992, p. 18) afirma que, “por serem etimologicamente advérbios, as adversativas são menos gramaticalizadas, com exceção, segundo ele, de mas e porém , nos quais o traço de advérbio já estaria esmaecido. A etimologia explicaria por que “ no entanto , entretanto , contudo e todavia vêm frequentemente precedidos pela conjunção e ”.
de ordem sintática. De fato, o ambiente típico das conjunções é a fronteira oracional, mas a questão da fixação da ordem diz respeito aos processos de gramaticalização em geral. Os autores atribuem a falta de fixação das conjunções ao fato de funcionarem, no português medieval, como advérbios. Com relação à questão semântica, os autores consultados não negam haver, no mínimo, uma semelhança entre os elementos mencionados e mas , tomado por todos como conjunção adversativa prototípica, certamente por poder ocorrer tão somente em posição de fronteira. No entanto, embora mas se localize categoricamente em posição de fronteira, há restrições quanto aos elementos relacionados. Neves lembra que os segmentos coordenados por mas “devem revestir-se de significação predicativa” (Neves, 1984, p. 39). É ainda Neves, em outra obra, que, comparando mas com e e ou , mostra que mas não tem “aplicação irrestrita nos contextos previstos para a coordenação estabelecida por esses dois elementos, que podemos chamar prototípicos” (Neves, 2002, p. 184). Os exemplos utilizados como ilustração são * um mas dois , * terceiro mas segundo , * por mas para. Dessa forma, apesar de mas ser considerado, principalmente por questões sintáticas, a conjunção adversativa prototípica, o item não se assemelha, também por questões sintáticas, a outros elementos tomados como protótipos da classe maior das conjunções, sejam adversativas ou não. O fato, porém, de poder ligar, segundo Neves (1984), segmentos com significação predicativa demonstra que a restrição relatada passa por questões semânticas, o que confirma a proeminência do aspecto semântico na história de mas. Retomando a semelhança semântica existente entre os elementos estudados, é preciso observar dois pontos: (i) deve haver uma motivação também semântica^2 para o fato, o que será tratado no capítulo 5; (ii) a semelhança só existe porque, de algum modo e em algum grau, os elementos em pauta “perderam” (os próximos capítulos justificarão as aspas) o sentido que apresentavam enquanto adjuntos adverbiais.
(^2) A expressão “motivação semântica” tem sido empregada, na tese, como sinônima de “motivação conceptual”. Não se discutirá a (in)adequação de tomar as duas expressões como sinônimas, porque a decisão de fazê-lo apóia-se tão somente no fato de se entender ambas como capazes de mostrar que se está referindo ao sentido e não à forma.
Esta “perda” de significado será designada aqui como “desbotamento semântico”, expressão que se explicará melhor no capítulo 3. Por ora, entenda-se por desbotamento semântico o fato de o falante de português quase nunca conseguir recuperar os sentidos originais dos itens. Em outras palavras, independentemente de sua localização sintática, eles são, do ponto de vista semântico, empregados e entendidos como semelhantes a mas. Não têm, portanto, para os falantes, transparência semântica, pois seus sentidos originais são podem ser recuperados pelo falante comum. Foi dito “quase nunca” porque exceções podem ocorrer. O item contudo , por exemplo, muitas vezes aparece empregado como conclusivo, em especial em textos escolares, o que demonstra a não-opacidade ou a transparência semântica de tudo. Mas, ainda assim, quando contudo é empregado em contextos de sentido contrajuntivo, o é porque o falante admite sua semelhança semântica em relação a mas. No capítulo 5, será mostrado que o sentido que porém, contudo, todavia, entretanto e no entanto apresentavam em suas origens etimológicas era construído principalmente pelo sentido que os pronomes que os formavam (o advérbio pronominal en em porém ; tudo em contudo e tanto em no entanto e entretanto ) assumiam conforme o referente que tinham em cada contexto. A exceção é todavia, cuja carga semântica advém principalmente de via , como também se verá no capítulo 5. Quando usados atualmente em contextos de sentido contrajuntivo, não é recuperável ao falante a função coesiva desempenhada pelos pronomes referidos nem, no caso de todavia , nenhum sentido que se relacione com o núcleo via. Há, em português, outros elementos considerados conjunções também formados etimologicamente de pronomes indefinidos, como portanto , que, quando empregado em orações ou sentenças de sentido conclusivo, também não se mostra transparente ao falante. Veja-se o seguinte exemplo retirado da obra “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa: “O que sinto, e esforço em dizer ao senhor, respondo minhas lembranças, não consigo: por tanto é que refiro tudo nestas fantasias”. Nesse caso, está transparente que tanto se refere anaforicamente a tudo que foi dito anteriormente: o interlocutor não conseguiu dizer o que se esforça por dizer. Não é desse modo, porém, que portanto se emprega, via de regra, em português. Parece que a única forma de retomar a função coesiva de tanto será com o uso de é que. O exemplo citado objetivou ilustrar o que se está