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Este artigo demonstra a importância da conhecência das línguas originais da bíblia na tarefa de interpretação bíblica. O autor mostra que o conhecimento da língua original pode facilitar a compreensão do sentido intencionado pelo autor, especialmente em relação a aspectos morfológicos, semânticos e estilísticos. O texto interlinear hebraico-português de jeremias 1.11-12 é apresentado para ilustrar o ponto.
O que você vai aprender
Tipologia: Esquemas
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FIDES REFORMATA XII, Nº 2 (2007): 27-
Fabiano Antonio Ferreira * RESUMO As traduções da Bíblia, apesar de todo o esforço empreendido pelos tra- dutores, nem sempre conseguem espelhar todos os traços intralingüísticos dos textos em suas línguas originais. Muitas vezes as peculiaridades dos planos fonético, morfológico, sintático, semântico ou estilístico ficam latentes na lín- gua original, sem sequer serem tocados pelos tradutores e vazados na tradução. Quando bem feita, a tradução desencadeia operações idênticas às realizadas na produção do texto original, sendo assim um processo de retextualização ou nova produção do mesmo texto na língua receptora da tradução. Contudo, nem sempre o tradutor consegue um nível perfeito de intertextualidade entre seu texto traduzido e o texto original, por conta das peculiaridades da língua original e da língua receptora da tradução. Portanto, é exatamente neste ponto que o conhecimento das línguas originais se torna importante para a tarefa da interpretação, constituindo um meio mais rápido para o resgate da intenção do autor original. Neste artigo, pretendemos demonstrar através de nosso estudo de caso, o texto de Jr 1.11-12, que o conhecimento da língua original do texto pode ser o meio mais rápido para a apreensão do sentido tencionado pelo autor sagrado. Veremos também que, na grande maioria dos casos em que a chamada
FABIANO ANTONIO FERREIRA, AS LENTES DO TRADUTOR E DO EXEGETA do texto é intralingüística, prescindir do conhecimento da língua original pode dificultar a exegese e nos deixar aquém do sentido do texto e em busca de interpretações menos óbvias. PALAVRAS-CHAVE Tradução; Tradutor; Retextualização; Interpretação; Hermenêutica; Exe- gese; Línguas originais; Paronomásia; Intraduzibilidade. INTRODUÇÃO A proposta deste ensaio é demonstrar a importância do conhecimento das línguas originais da Bíblia para a tarefa da interpretação bíblica. O texto de Jr 1.11–12 foi escolhido tendo em vista suas peculiaridades nos planos morfológico, sintático, semântico e estilístico. Pretendemos verificar como alguns aspectos da interpretação prendem-se a uma abordagem estritamente intralingüística, de modo que prescindir de competência lingüística no idioma do texto original pode levar o exegeta a percorrer caminhos menos óbvios no trajeto que leva à construção do sentido de um texto e à recuperação da intenção do autor. Mostraremos que a exegese estará sempre relacionada com a tradução na forma de uma impregnação mútua, de modo que a tradução sempre deverá ser vista como produto das opções exegéticas feitas pelo tradutor e a exegese refletirá forçosamente o nível de preparação do intérprete para traduzir e aferir a tradução do texto que pretende interpretar, bem como poderá ser relativamente marcada por seus pressupostos. A tradução cumpre seu papel de retextualização, em que o texto em sua Língua Original (LO) é exegetado e transposto para uma Língua Receptora (LR). Neste processo de retextualização, a tradução desencadeia operações idênticas às realizadas na produção de um texto original, isto é, a partir da construção do sentido pela leitura do original, que se transforma na intenção comunicativa do tradutor, este realiza o planejamento global do seu novo texto, realiza as operações de textualização propriamente dita e por fim revisa sua tradução.^1 Daí, portanto, cada elemento que atravessa a composição de um texto deve estar presente na retextualização: conhecimento lingüístico, conhecimento de mundo, conhecimentos partilhados, informatividade, focalização, inferência, relevância, fatores pragmáticos, situa- cionalidade, intertextualidade, intencionalidade e aceitabilidade.^2 (^1) TRAVAGLIA, Neuza Gonçalves. Tradução retextualização : a tradução numa perspectiva textual. São Paulo: Editora da Universidade Federal de Uberlândia, 2003, p. 11. (^2) Ibid., p. 12.
FABIANO ANTONIO FERREIRA, AS LENTES DO TRADUTOR E DO EXEGETA da Bíblia. Por isso, é preciso ressaltar aqui, em primeiro lugar, que as nossas traduções são suficientes para fazer-nos compreender a vontade de Deus, de maneira que o conhecimento das línguas originais não é imprescindível. Pode- mos descortinar todas as dimensões do plano divino de salvação simplesmente através da leitura da Bíblia em nosso idioma, desde que possuamos uma boa tradução. Todas as suas grandes verdades estão lá expostas de modo acessí- vel a todos os que a lêem com coração aberto e suplicando com humildade a iluminação do Espírito Santo. Isto, sim, é imprescindível a todo leitor da Bíblia que queira compreender e obedecer a vontade de Deus. Então, por que aprender hebraico clássico, aramaico clássico e grego koiné, já que contamos com excelentes traduções? Respondemos a esta pergunta afirmando que a tradução, por mais exce- lente que seja, representando, digamos, quase que cem por cento de intertex- tualidade com o texto original, às vezes não tem condições de refletir plena- mente todos os aspectos intralingüíüíüísticossticos do texto original. Na tradução há, por exemplo, a perda de certos aspectos morfológicos, sintáticos, semânticos ou estilííísticossticos. O texto que nos propomos a examinar ilustrará o que queremos demonstrar ao leitor.
3. HERMENÊUTICA E EXEGESE A esta altura, creio ser útil definir dois conceitos vitais pertencentes ao âmbito da interpretação bíblica, a saber, hermenêutica e exegese. De maneira simples, conforme a perspectiva reformada, a hermenêutica bíííblicablica é “a dis- ciplina que, partindo de pressupostos básicos, estuda e sistematiza a teoria da interpretação das Escrituras”.^5 A exegese é o estudo do texto bíblico à luz dos princípios hermenêuticos, com o propósito de determinar com a maior precisão possível a intenção do escritor original. A verdadeira exegese deve valer-se, pelo menos, da leitura e interpretação dos textos em suas línguas originais, e isso exige do intérprete conhecimento das línguas originais da Bíblia para uma abordagem científica do texto,^6 como também conhecimento do transfundo (^5) ANGLADA, Paulo. Introdução à hermenêutica reformada das Escrituras. São Paulo: Knox Publicações, 2006, p. 22. (^6) Abordagem científica na perspectiva do método gramático-histórico e não do método histó- rico-crítico (MHC), salvo algumas ferramentas que este método forneceu, como a Crítica da Forma, que quase invariavelmente pode ser aplicada com proveito na análise do Antigo Testamento, desde que expurgada dos pressupostos céticos que deram origem à matriz disciplinar original do MHC. O objetivo principal do uso da crííítica da formatica da forma , na versão redimida que pode ser usada por um intérprete de persuasão reformada, prende-se fundamentalmente ao aspecto da tessitura textual, da delimitação das perícopes e dos entrosamentos das orações e dos períodos na composição do texto. A definição do gênero literário também pode ser demonstrada através dessa ferramenta. As funções das perícopes dentro do texto sinalizam para a apreensão do motifmotifmotif do discurso, postulado pela análise do discurso como suado discurso, postulado pela análise do discurso como sua grande figura ou a mensagem transmitida por sua macroestrutura.
FIDES REFORMATA XII, Nº 2 (2007): 27- histórico da passagem que ele pretende interpretar, ou seja, do backgroundbackgroundbackground ,, onde se procede à reconstrução do ambiente sócio-cultural em que o texto foi produzido, quando isto for possível. Infelizmente , na maioria das vezes a exegese é considerada uma função do biblista perito, daquele que, quando completo, é, ao mesmo tempo, hebra- ísta, aramaísta e helenista, daquele cuja formação o armou do conhecimento do lingüista, do crítico de texto e do intérprete ou exegeta, de modo a estar sensível às diversas chamadas do texto. Essas chamadas é que determinarão a escolha das ferramentas apropriadas para a busca da intenção do autor. Porém, visto que a Bíblia não foi escrita originalmente em português – o Antigo Testamento foi escrito em hebraico, com exceção dos trechos de Dn 2.4–7.28; Ed 4.8–6.18; 7.12-26 e Jr 10.11, que foram escritos em aramaico, e o Novo Testamento foi escrito em grego –, é de bom alvitre que todas as dddúú vidas que eventualmente surjam em alguma passagem, cuja compreensão correta dependa de interpretação, devam ser tiradas à luz do texto original, caso a tradução esteja deficiente ou ambígua, abrindo espaço para o surgimento de múltiplas e variegadas interpretações. É claro que este procedimento não re- solverá todas as questões interpretativas, mas na maior parte dos casos ele é o ideal. A exegese não se comporta, na realidade, como uma ciência exata, pois dois intérpretes, mesmo utilizando a mesma metodologia exegética, podem chegar a resultados diferentes. Dependendo dos pressupostos assumidos e dos julgamentos e escolhas feitos durante o processo interpretativo, pode haver variações as mais diversas em termos de resultado. Mesmo assim, o exegeta precisa sempre ter em mente que a intenção do autor é única, e a ele cumpre buscá-la em sua pesquisa. Alguns textos apresentarão problemas interpretativos cuja solução po- derá apoiar-se fortemente na teologia, onde a intenção do autor será buscada projetando-se esse texto particular sobre o ensino global da Escritura. Por exemplo, o Descendit ad inferna elege esta metodologia como sendo a mais apropriada. Outros textos, entretanto, como o que estamos considerando neste ensaio, Jeremias 1.11–12, dependerão mais de análise intralingüística. Assim, enquanto uns textos dependerão mais de um estudo da história das tradições da igreja, outros dependerão mais de análise intralingüística, como no exemplo que estamos considerando, e outros ainda dependerão muito mais de conheci- mento histórico-formal (da reconstrução de seu Sitz im Leben – ambiente vital ou vivencial –, que visa buscar o “tipo de situação ou de experiência que deu origem a um gênero literário particular, ou que motivou sua utilização”^7 ), (^7) MAINVILLE, Odette. A Bíííbliablia à luz da história – guia de exegese histórico-críííticatica. São Paulo: Paulinas, 1999, p. 92.
FIDES REFORMATA XII, Nº 2 (2007): 27- formação e ao estilo pessoal do tradutor. O recurso da adaptação lingüística aparece nessa tradução apenas destacando-se as palavras ausentes no texto original pelo uso do itálico. Esse detalhe talvez jamais chamará a atenção do leitor que não possui conhecimento da língua original. Por outro lado, quanto aos que já perceberam isso, pode ser que nunca lhes foi dada uma resposta consistente e satisfatória, visto que tal resposta depende do conhecimento da líííngua hebraicangua hebraica e da estrutura textual da tradução. Este é um aspecto sintático que só pode ser observado por quem possui o texto original hebraico e conhece a sintaxe hebraica. 5.1 Primeira interpretação A primeira interpretação desse texto pode derivar da leitura atenta do original hebraico. Apresentamos aqui o texto consonantal visando a apresen- tação de alguns aspectos morfológicos, semânticos e estilísticos importantes na construção do sentido do texto. Analisando o texto original hebraico, percebemos que há a utilização intencional de um recurso estilístico chamado paronomááásiasia , que consiste na utilização de dois parônimos (formas distintas quanto à significação, mas
torna-se imprescindível para a penetração plena no nível semântico do texto. Os vocábulos portugueses “amendoeira” e “velo” (1a^ pessoa do presente do indicativo do verbo velar ) não mantêm entre si uma relação paronííímicamica , como acontece com os seus correspondentes em hebraico. A explicação da visão da vara de amendoeira feita pelo Senhor, sem a apreensão da paronomááásiasia intencional do original , deixará o leitor sem entender perfeitamente como se estabeleceu o vínculo semântico entre o significante (a visão) e o significado (a explicação). Colocando a questão de um modo mais simples, poderíamos perguntar: Como uma vara de amendoeira pode significar a certeza de que Deus está vigilante sobre a sua palavra para a cumprir? Tal vínculo semântico deve-
alerta, manter-se vigilante, estar com os olhos abertos. Assim, nesse caso, o significante shaqedsignificante shaqedsignificante shaqed tenciona remeter aotenciona remeter ao significado shoqedsignificado shoqedsignificado shoqed ; ou seja, em he-; ou seja, em he- braico, amendoeira remeteria à forma verbal eu velo , o referente (substantivo) carregando intrinsecamente a ação expressa pelo verbo. Esta é a chave para o estabelecimento do vínculo semântico entre significante e significado. A visão contém um vocábulo que se reveste de significação no parônimo localizado em sua explicação.
FABIANO ANTONIO FERREIRA, AS LENTES DO TRADUTOR E DO EXEGETA
acordo com Thomas Lambdim, “o particípio, tanto como atributivo quanto como predicativo, normalmente indica uma ação contínua, em progresso, e na tradução devemos procurar uma locução que exprima essa progressão”.^10 Deste modo, procurei dar essa conotação de continuidade de ação^11 em minha tradução-retextualização a fim de que o leitor possa sentir mais de perto o estilo de Jeremias em português. Visto que a maioria das versões deixa pas- sar despercebida a questão da Aktionsart^12 precisa das formas verbais usadas por Jeremias, traduzo estas formas, respectivamente, por estááás vendos vendo e estou velando , permitindo ao leitor perceber como Yahweh e Jeremias dialogam na presente passagem. Poderíamos, neste caso, sugerir a seguinte tradução-retex- tualização, que se aproximaria mais da Vulgata e suas derivadas: “11 A palavra de Yahweh foi-me dirigida nos seguintes termos:“O que estáááss vendo, Jeremias?” Eu respondi: “Estou vendo uma vara vigilante ”.^13 12 Disse- me, então, Yahweh: “Está correta a tua visão, porque eu estou vigiando sobre a minha palavra para cumpri-la”. Com tal recurso semântico-estilístico, essa vara de amendoeira aludida na visão mostrada ao profeta significa a certeza de que Deus está vigilante sobre a sua palavra para cumpri-la. significante (amendoeira) significado (estou velando, estou vigiando) (Deus está vigilante sobre sua palavra para cumpri-la) 5.1.1 Nível de intertextualidade A maior parte dos estudiosos da Bíblia reconhece que o estudo com- parativo de versões é muito proveitoso,^14 mas, certamente, quando se trata da interpretação de um texto de difde difde difíí íícil compreenscil compreens ão a partir das traduções ,
(^10) LAMBDIN, Thomas, Gramática do hebraico bíííblicoblico. São Paulo: Paulus, 2003, § 26. (^11) WILLIAMS, Ronald J., Williams Hebrew syntax. Revised and expanded by John C. Beckman. Toronto: University of Toronto Press, 2007, §§ 213–222. (^12) Qualidade precisa da ação expressa no tempo verbal. (^13) Literalmente, amendoeira ( sheqedsheqedsheqed ouou shaqedshaqedshaqed ) no hebraico, indicando a árvore sempre) no hebraico, indicando a árvore sempre vigilante a fim de ser a primeira a florescer, e tenciona remeter para o Deus vigilante ( shoqedshoqedshoqed ), que sempre está), que sempre está vigiando ou velando sobe o que falou, para cumpri-lo. (^14) FEE, Gordon. New Testament exegesis : a handbook for students and pastors. Louisville: West- minster/John Knox Press, 2002. Fee aconselha no mínimo o uso de sete versões diferentes, p. 12. Williams Hebrew syntaxWilliams Hebrew syntax’
FABIANO ANTONIO FERREIRA, AS LENTES DO TRADUTOR E DO EXEGETA que a Vulgata Latina dá ao texto em questão (de Jerônimo de Dalmácia, no século IV d.C., texto em que o Antigo Testamento foi vertido diretamente do hebraico para o latim). A Vulgata traduz interpretativamente esta passagem, vertendo vara de amendoeira por virgam vigilantem (vara vigilante), para manter a intenção paronomástica do original hebraico, contrapondo vigilantem (adj. vigilante) com vigilabo (v. vigiarei): 11 et factum est verbum Domini ad me dicens quid tu vides Hieremia et dixi virgam vigilantem ego video 12 et dixit Dominus ad me bene vidisti quia vigilabo ego super verbo meo ut faciam illud. Obviamente, a versão de Martinho Lutero para o alemão, feita a partir da Vulgata Latina, mantém a intenção paronomástica do original hebraico nesta passagem, contrapondo erwachenden (adj. vigilante) com wachen (v. vigiar): 11 Und es geschah des HERRN Wort zu mir und sprach: Jeremia, was siehst du? Ich sprach: Ich sehe einen erwachenden Zweig. 12 Und der HERR sprach zu mir: Du hast recht gesehen; denn ich will wachen über mein Wort, daß ich’s tue. Para finalizar a comparação entre versões, citaremos a versão da Vulgata para o português feita pelo padre Antônio Pereira de Figueiredo, pois, é claro, também mantém a intenção paronomástica na passagem de Jr 1.11-12: 11 E me foi inspirada a palavra do Senhor, a qual dizia: Que vês tu, Je- remias? Eu lhe respondi: Eu vejo uma vara vigilante. 12 E o Senhor me disse: Viste bem, porque eu vigiarei sobre a minha palavra para a cumprir. 5.2 Segunda interpretação Uma segunda interpretação desta passagem pode derivar-se de nosso conhecimento do mundo. Apesar de ser uma interpretação menos óbvia do que a anterior, serve também para apreendermos a relação entre essa visão e sua explicação. Recorrendo a informações agrícolas acerca da terra de Israel, descobriremos que “a amendoeira começa a florescer e a expandir suas folhas em janeiro, quando as outras árvores ainda estão em seu sono de inverno , e assim, é a primeira entre todas as árvores a despertar para a nova vida”.^16 A partir da constatação dessa realidade agrícola de Israel, pode-se concluir o sentido de velar , relacionado à vara de amendoeira , pois a amendoeira seria a (^16) KEIL, C. F. Commentary on the Old TestamentCommentary on the Old TestamentCommentary on the Old Testament – – Jeremiah. Peabody, Mass.: Hendrickson Publishers, 1996, p. 28.
FIDES REFORMATA XII, Nº 2 (2007): 27- árvore que estaria acordada enquanto as demais estavam dormindo. Tal con- clusão é semanticamente cabível; porém, a informação se torna mais difícil de ser recobrada, visto que depende desse conhecimento prévio do leitor. Entre- tanto, a paronomásia, que é a intenção primária do texto, sendo a chave para a apreensão imediata do vínculo semântico estabelecido entre o significante e o significado, seria completamente ignorada_._ 5.3 Terceira interpretação Uma terceira interpretação, ainda que muito menos óbvia, pode basear-se no fato de que Deus estava suscitando o profeta Jeremias dentro de um ambiente contencioso semelhante àquele em que foi levantado o sacerdote Arão. Como a vara de amendoeira de Arão floresceu para provar que ele era o escolhido do Senhor para ocupar o ofício de sumo sacerdote, assim também Jeremias, que era da linhagem sacerdotal, estava sendo confirmado em seu ofício de profeta. A autenticidade de seu ministério profético era também a garantia de que ele pronunciaria palavras de inspiração divina e de que o Senhor estaria vigilante sobre elas para cumpri-las. Aqui também, como na interpretação anterior, fica intocada a intenção paronomástica do texto original, além de haver um apelo a elementos altamente arbitrários e de recorrer à analogia de um contexto histórico bem remoto. Em síntese, o caso específico de Jr 1.11–12 permite-nos perceber que o conhecimento da língua original do texto, na maior parte das vezes, pode diminuir o nosso caminho na busca da intenção original do autor sagrado. Mais ainda, o conhecimento da língua original pode revelar nuanças lexicais, sintáticas, semânticas ou estilísticas que a tradução às vezes tende a ocultar. Então, o melhor que o tradutor poderia fazer neste caso seria optar pela manu- tenção da paronomásia original, usando o artifício empregado pela Vulgata, ou manter a tradução literal e remeter o leitor para uma nota explicativa. Porém, nem sempre isto será possível, pois exigiria elevada dose de criação literária do tradutor e, quase sempre, um afastamento demasiado do texto original.
6. OUTROS CASOS DE PARONOMÁSIA O recurso semântico-estilístico intencional da paronomásia também pode ser visto em: 6.1 Amós 8.1–
Assim o Senhor Yahweh me fez ver: e eis aqui um cesto de frutos do verão.
E ele disse: Que vês, Amós? Eu respondi: Um cesto de frutos do verUm cesto de frutos do verUm cesto de frutos do verãã o.
FIDES REFORMATA XII, Nº 2 (2007): 27- 6.4 Isaías 27.
“Naquele dia, em que Yahweh debulhará o seu cereal desde o rio ( nahar ) (Eufrates) até ao ribeiro ( nahalnahalnahal ) do Egito; e vós, ó filhos de Israel, sereis co-) do Egito; e vós, ó filhos de Israel, sereis co- lhidos um a um (le achad echadachad echadachad echad ).”).” 6.5 Jeremias 10.11 (em aramaico)
fizeram não e-a-terra que-os-céus os deuses a-eles direis Assim
estes os-céus e-de-debaixo da-terra desaparecerão “Assim lhes direis: Os deuses que não fizeram os céus e a terra desapa- recerão da terra e de debaixo destes céus”. Ao observarem a estreita relação entre os versículos 10 e 12 do texto em questão e por constatarem que o versículo 11 foi escrito em aramaico, alguns eruditos que se valem do método histórico-crítico, aceitando todos os seus pressupostos, afirmaram ser ele uma glosa escribal introduzida posteriormente no texto original. Dentre estes estão Houbigant, Venema, Dathe, Rosenmueller, Ewald e Graf.^17 Contudo, dois fatos principais depõem contra a pressuposição de uma inserção escribal posterior: 1) a língua em que o versículo foi escrito: o aramaico imperial ;^18 e 2) o próprio conteúdo do versículo. Estes dois fatos desfavorecem a hipótese de glosa escribal, além de o versículo em apreço não ter o caráter de uma glosa, por permitir a percepção de um contííínuo semnuo sem ântico na seqüência dos versículos 10, 11 e 12. Ou seja, uma glosa geralmente provoca uma descontinuidade no texto. Cumpre-me apontar um detalhe interessante nesta única porção aramaica do texto do profeta Jeremias, que é o emprego de dois parônimos aramaicos. É digno de nota o emprego de duas formas verbais aramaicas que, na forma
Estas consoantes possuíam articulação aproximada, com distinção praticamente inaudível, e faziam com que estas palavras tivessem aproximadamente a mes-
(^17) KEIL, Commentary on the Old Testament – Jeremiah , p. 125. (^18) ARAÚJO, Reginaldo G. Gramática do aramaico bíííblicoblico. São Paulo: Targumim, 2005, p. 124, 244, 250.
FABIANO ANTONIO FERREIRA, AS LENTES DO TRADUTOR E DO EXEGETA
muito interessante? A paronomásia é uma das marcas que vez por outra sina- lizam o estilo inspirado dos oráculos registrados pelo profeta Jeremias, como se vê, por exemplo, em nosso estudo de caso, Jr 1.11–12. Esta observação, por conseguinte, consubstancia a autoria de Jeremias deste versículo e, somada às razões apresentadas acima, elimina definitivamente a hipótese de este versículo ter sido uma glosa escribal posterior. Takamitsu Muraoka trata deste e de outros recursos estilísticos que envolvem palavras e expressões enfáticas no hebraico bíblico, sendo proveitoso consultar sua obra.^19 O leitor também pode analisar Isaías 32.14 (conforme 1 Sm 22.1); 10.15; 51.6.
7. CONCLUSÃO O estudo de caso de Jeremias e de sua visão foi uma escolha proposital. Ele recebeu de Deus olhos que viam além do que contemplavam os seus con- temporâneos. Assim vêem também os tradutores e os exegetas bem preparados, pois estão de posse de lentes que penetram em detalhes além da percepção do leitor comum. Isto forçosamente deixa qualquer leitor diante da possibilidade de obter tais lentes pelo estudo dedicado. Porém, a escolha de mudança de status quo no tocante às línguas originais da Escritura é também uma decisão pessoal. Que a nossa opção seja obter essas lentes do tradutor ou exegeta das Escrituras, ou ampliar o alcance das que já possuímos, para a glória de Deus e benefício do seu reino. Em nossa abordagem, procuramos mostrar a impregnação mútua entre tradução e exegese, estabelecendo que, algumas vezes, o acesso direto à língua original pode abrir-nos caminhos exegéticos que superam aqueles para os quais as traduções poderiam apontar. Vimos que traduzir nem sempre é tarefa fácil, principalmente quando queremos refletir o maior nível de intertextualidade pos- sível em nossa retextualização. A partir de uma leitura atenta do texto original, com vistas a atingir a intencionalidade comunicativa do autor, decidimos como essa leitura pode determinar as ferramentas exegéticas necessárias, bastando tão somente ficarmos atentos nessa leitura às diversas chamadas do texto. O estudo de caso realizado revelou-nos como um exegeta pode recuperar a inten- ção do autor facilmente através da observação de aspectos puramente formais, desde que essa seja a chamada do texto. O nível de competência do exegeta (^19) MURAOKA, T. Emphatic words and structures in Biblical Hebrew. Jerusalem: The Magnes Press, The Hebrew University E. J. Brill, 1985. Trata-se da publicação de sua tese de doutoramento apresentada em 1969 na Universidade Hebraica de Jerusalém. Ele foi o primeiro japonês a obter o grau de doutor por aquela universidade e, a partir de então, muito tem contribuído para o avanço dos estudos semíticos, principalmente do hebraico clássico.