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Guias e Dicas
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A Imagem de Saturno: Análise Lacaniana de Rubens e Goya, Notas de aula de Psicanálise

Uma análise lacaniana das obras de peter paul rubens e francisco goya que representam o mito de saturno. A autora explora como essas imagens contribuem para a compreensão do seminário 4 de jacques lacan sobre o conceito freudiano de castração. O texto aborda as representações de saturno em obras de rubens e goya, as influências entre eles e a relação dessas obras com a leitura de lacan.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Pipoqueiro
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Opção Lacaniana Online A imagem de Saturno
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Opção Lacaniana online nova série
Ano 1 • Número 3 • Novembro 2010 • ISSN 2177-2673
Qual a origem da imagem de Saturno na capa
de O seminário, livro 4: a relação de
objeto?
1
Maria Noemi de Araújo
Ao pesquisar as representações do
mito de Saturno, me surpreendi com as
possibilidades que aquelas pintadas por
Rubens (1577-1640) e Goya (1746-1828) nos
oferecem particularmente para a
compreensão do seminário 4 de Lacan
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.
Minha leitura dessas obras consiste então
na investigação do modo pelo qual cada uma delas, carregada
de significados do seu tempo e espaço, nos acena com uma
abertura para um diálogo fecundo com a leitura de Lacan do
conceito freudiano de castração.
Conta-se que Goya teria visto a
obra de Rubens
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, apesar de não fazer
nenhuma alusão à representação
dramática do mito de Saturno.
Na escala humana, seria absurda
uma ação dramática como a dessa imagem
do mito de Rubens, com a luz dirigindo
a atenção do espectador para o grito da
criança completamente imobilizada pela
força da mordida. um equilíbrio do
peso do corpo de Saturno distribuído
entre seus pés repousados no chão e as
mãos: uma apoiada no cajado e a outra
segurando a criança. Essa representação
sem remorso da ação do forte contra o
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Opção Lacaniana Online A imagem de Saturno

Opção Lacaniana online nova série Ano 1 • Número 3 • Novembro 2010 • ISSN 2177-

Qual a origem da imagem de Saturno na capa

de O seminário, livro 4: a relação de

objeto?^1

Maria Noemi de Araújo

Ao pesquisar as representações do mito de Saturno, me surpreendi com as possibilidades que aquelas pintadas por Rubens (1577-1640) e Goya (1746-1828) nos oferecem particularmente para a compreensão do seminário 4 de Lacan^2. Minha leitura dessas obras consiste então na investigação do modo pelo qual cada uma delas, carregada de significados do seu tempo e espaço, nos acena com uma abertura para um diálogo fecundo com a leitura de Lacan do conceito freudiano de castração. Conta-se que Goya teria visto a obra de Rubens^3 , apesar de não fazer nenhuma alusão à representação dramática do mito de Saturno. Na escala humana, seria absurda uma ação dramática como a dessa imagem do mito de Rubens, com a luz dirigindo a atenção do espectador para o grito da criança completamente imobilizada pela força da mordida. Há um equilíbrio do peso do corpo de Saturno distribuído entre seus pés repousados no chão e as mãos: uma apoiada no cajado e a outra segurando a criança. Essa representação sem remorso da ação do forte contra o

Opção Lacaniana Online A imagem de Saturno

fraco deixa a figura da morte, representada no fundo do quadro, passar despercebida. No ensaio acima e na sua fase negra Goya representa Saturno sem mencionar o lugar em que a cena se dá, prescinde dos atributos mitológicos, reforça o que há de bestialidade no humano, não retrata a melancolia nem a morte e sim, a crueldade. A luz usada sobre o sangue e o corpo feminino sem linguagem ilumina a noção de “pedaço de carne” sendo devorada. Rubens deposita a força da ação do monstro no grito do inocente sendo despedaçado (quase se pode ouvi-lo). Com a cor cinza, Goya constrói um discurso sobre a miséria do corpo envelhecido, magro e esfomeado. A vitalidade do quadro está na força infantil do olhar esbugalhado da figura monstruosa conjugada com sua boca devoradora de adulto. A ação do Saturno de Rubens está na mordida que sustenta o corpo que está solto no espaço cósmico. Goya desloca essa ação ‘mordedora’ para as mãos do devorador, que estão fincadas no dorso do corpo imobilizado, aprisionado. Essa imagem das mãos comprimindo um pedaço de corpo solto no espaço negro pode ser uma representação da dentadura, da “boca vazia” de Saturno, em última instância, da falta, e nos remete à mordedura do cavalo, citada por Lacan como uma representação da voracidade da mãe sobre o filho. Goya condensa, na figura de Saturno, o grito desesperado do olhar infantil do adulto, o vazio do buraco negro produzido pela falta do objeto (dentadura), a força das mãos comprimindo os dedos no pedaço de carne^4.

Opção Lacaniana Online A imagem de Saturno

cabeça de animal numa perspectiva de estimulação do fluxo de imagens provenientes do inconsciente^5. Nessa exposição, “Max Ernst – Uma semana de bondade”, a disposição dos quadros obedece ao seguinte critério: dias da semana combinados com os sete elementos da natureza. Em uma das 29 colagens de Quarta-feira, uma figura humana com cabeça de pássaro assassina o pai na presença da mãe - o elemento “sangue” é escolhido para representar o caráter mítico de Édipo.

Encontro com Lacan

Favorecido pela utilização do quadro Saturno (Goya,

  1. na publicação do seminário 4, ao interferir na obra, jogando sobre a imagem estampada na capa do livro o nome do autor, da editora e o número do livro, o editor apostou em uma capa impactante que faz mediação entre a imagem e a escrita, produzindo efeitos na leitura do livro. Na mitologia, coube a Saturno continuar o trabalho, iniciado por Junos, de cultivar o Ensino civilizatório da terra. Sem entrar no mérito da questão da castração com relação ao processo civilizatório, pode-se dizer que, do mesmo modo como a mitologia se ocupou do cultivo desse Ensino no espaço, a psicanálise o faz no tempo, através de algo nada mitológico - a linguagem.

Relação do sujeito com o objeto

Goya representa a linguagem no deslocamento de um grito mítico infantil para um olhar desesperado (infantil) do adulto. A cor negra no quadro faz sombra para o horror, os dedos encravados no corpo despedaçado e o sangue são significantes que repercutem na produção de Lacan. Este quadro vai dialogar com Rubens, na representação do grito.

Opção Lacaniana Online A imagem de Saturno

Quase se ouve a voz daquele corpo sacrificado, atravessado pela linguagem. A representação contemporânea de Saturno encontra-se entre as obras de Vik Muniz^6 (NY). Não por acaso, o artista representou o mito do devorador, ou do corpo despedaçado com material sucateado. Uma representação contemporânea da “castração”?

(^1) Texto apresentado no Curso de Psicanálise da CLIPP “Caso Hans”. São Paulo, 2 2010. Lacan, J. (1994[1956-1957]). O seminário, livro 4: a relação de objeto 3. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 4 Peter^ Paul^ Rubens,^ P.P.^ (1636).^ “Saturno^ devorando^ seu^ filho”. 5 Goya,^ F.^ (1821-1823).^ “Saturno^ devorando^ seu^ filho” Ernest, M. (2010). “Édipo - Homens com cabeça de pássaro revivem o drama do filho do rei que não consegue escapar do destino: mata seu pai 6 e se casa com a mãe”. Colagem. Vik Muniz. (2005). Pictures of Junk Series - Saturno devouring one of his Sons, after Francisco de Goya Lucientes. Digital c-print, edition of 6, 4 APs. 93 1/2 x 74 1/2 inches., Rubens (1636) e Goya (1821- 1823).