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Comunicação de Massa e Práticas de Embelezamento: A Mulher da Zona Rural no Espelho, Notas de estudo de Comunicação

Uma pesquisa sobre como as mulheres da zona rural de barra de santana, pb, se ocupam do corpo, examinando como as representações da mídia influenciam suas práticas de embelezamento. O texto aborda o papel do discurso na formação da identidade do sujeito e a importância do investimento no corpo na sociedade moderna.

O que você vai aprender

  • Quais são as representações da mulher nativa da zona rural divulgadas pelos meios de comunicação?
  • Como o discurso forma a identidade do sujeito?
  • Qual é a importância do investimento no corpo na sociedade moderna?
  • Como as mulheres da zona rural se ocupam do corpo?
  • Como as representações da mídia influenciam as práticas de embelezamento das mulheres da zona rural?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

EmiliaCuca
EmiliaCuca 🇧🇷

4.5

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QUANDO A “GATA BORRALHEIRA” DO SÍTIO TRANSFORMA-SE NA
“CINDERELA”: BELEZA E PRÁTICAS DE EMBELEZAMENTO SEGUNDO
DISCURSOS DAS MULHERES DA ZONA RURAL
Josilene Barbosa do Nascimento
Universidade Estadual da Paraíba-UEPB
Universidade Federal de Campina Grande-UFCG
Resumo
Os meios de comunicação de massa, além de difundirem modelos de beleza corporal,
também propagam imagens da mulher da zona rural. Nesse sentido, como a mídia
representa tal mulher? A mídia, muitas vezes, divulga a imagem da mulher nordestina,
principalmente aquela da zona rural, como desprovida de encantos, rude, desengonçada,
caipira, alheia à vaidade, à beleza, e ao cuidado de si, “Paraíba mulher macho”,
masculinizada, agressiva ou ingênua etc. A nossa pesquisa, então, pretendeu exatamente
detectar como as mulheres da zona rural, no nosso caso, moradoras do Mororó, distrito
da cidade de Barra de Santana – PB, significam as práticas de embelezamento.
Enquanto considerações finais, contradizendo àquelas representações da mulher rural
divulgadas pela mídia, comprovamos, a partir das entrevistas e das observações de
campo, que a moradora do Mororó, além de possuir opiniões a respeito do que seja um
corpo feminino e um corpo masculino belo, busca e deseja ser e estar bonita. Também
foi problematizado se a vaidade é “coisa” somente de mulher, onde detectamos que para
os homens existe, em parte, permissão à vaidade, porém esta deve conter-se dentro de
alguns limites, não devendo ser realizada de uma maneira considerada feminina, já que
podem surgir dúvidas a respeito da sua masculinidade. Assim, a partir das atitudes, dos
gestos de embelezamento, são definidos os gêneros e a sexualidade do sujeito.
Palavras-Chave: Gênero e práticas de embelezamento. Mulher da zona rural. Mídia e
padrões de beleza.
Introdução
Os meios de comunicação de massa, além de difundirem modelos de beleza
corporal, também propagam imagens da mulher da zona rural. Nesse sentido, como a
mídia representa tal mulher? A mídia, muitas vezes, divulga a imagem da mulher
nordestina, principalmente aquela da zona rural, como desprovida de encantos, rude,
desengonçada, caipira, alheia à vaidade, à beleza, e ao cuidado de si, “Paraíba mulher
macho”, masculinizada, agressiva ou ingênua etc. A nossa pesquisa, então, pretendeu
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QUANDO A “GATA BORRALHEIRA” DO SÍTIO TRANSFORMA-SE NA

“CINDERELA”: BELEZA E PRÁTICAS DE EMBELEZAMENTO SEGUNDO

DISCURSOS DAS MULHERES DA ZONA RURAL

Josilene Barbosa do Nascimento Universidade Estadual da Paraíba-UEPB Universidade Federal de Campina Grande-UFCG

Resumo Os meios de comunicação de massa, além de difundirem modelos de beleza corporal, também propagam imagens da mulher da zona rural. Nesse sentido, como a mídia representa tal mulher? A mídia, muitas vezes, divulga a imagem da mulher nordestina, principalmente aquela da zona rural, como desprovida de encantos, rude, desengonçada, caipira, alheia à vaidade, à beleza, e ao cuidado de si, “Paraíba mulher macho”, masculinizada, agressiva ou ingênua etc. A nossa pesquisa, então, pretendeu exatamente detectar como as mulheres da zona rural, no nosso caso, moradoras do Mororó, distrito da cidade de Barra de Santana – PB, significam as práticas de embelezamento. Enquanto considerações finais, contradizendo àquelas representações da mulher rural divulgadas pela mídia, comprovamos, a partir das entrevistas e das observações de campo, que a moradora do Mororó, além de possuir opiniões a respeito do que seja um corpo feminino e um corpo masculino belo, busca e deseja ser e estar bonita. Também foi problematizado se a vaidade é “coisa” somente de mulher, onde detectamos que para os homens existe, em parte, permissão à vaidade, porém esta deve conter-se dentro de alguns limites, não devendo ser realizada de uma maneira considerada feminina, já que podem surgir dúvidas a respeito da sua masculinidade. Assim, a partir das atitudes, dos gestos de embelezamento, são definidos os gêneros e a sexualidade do sujeito.

Palavras-Chave: Gênero e práticas de embelezamento. Mulher da zona rural. Mídia e padrões de beleza.

Introdução

Os meios de comunicação de massa, além de difundirem modelos de beleza corporal, também propagam imagens da mulher da zona rural. Nesse sentido, como a mídia representa tal mulher? A mídia, muitas vezes, divulga a imagem da mulher nordestina, principalmente aquela da zona rural, como desprovida de encantos, rude, desengonçada, caipira, alheia à vaidade, à beleza, e ao cuidado de si, “Paraíba mulher macho”, masculinizada, agressiva ou ingênua etc. A nossa pesquisa, então, pretendeu

exatamente detectar como as mulheres da zona rural, no nosso caso, moradoras do Mororó^1 , distrito da cidade de Barra de Santana – PB, significam as práticas de embelezamento. Enquanto objeto de investimento narcisista, nosso objetivo foi captar como a mulher da zona rural se ocupa do corpo. De que maneira tal mulher investe nele? Como o embeleza? O que o torna mais bonito, mais feio, ou mais apropriado? Que práticas de embelezamento, quais cosméticos elas utilizam para ficarem mais bonitas? Para respondermos a esses questionamentos realizamos entrevistas semi-estruturadas e histórias de vida junto a 55 mulheres, entre14 anos a 85 anos. Também realizamos observação participante durante um período de seis meses. Posteriormente, os dados coletados foram analisados através da análise de discurso. Em relação às entrevistas, aos discursos das mulheres entrevistadas, nossa proposta de trabalho considerou os discursos do ponto de vista foucaultiano, como “produtos de relações de poder e saber, os quais são cristalizados, arrumados, organizados e sistematizados, dependentes de um arquivo discursivo, dos enunciados, temas, conceitos que são produzidos na instituição e na sociedade como um todo”. (CASTRO, 1999, p. 25) O objetivo da análise de discurso é compreender como o texto, o que é falado, produz sentidos, sendo ele concebido enquanto objeto lingüístico-histórico, já que o sujeito se produz produzindo sentidos. O que os sujeitos falam é espaço significante. É compreender como o nosso objeto simbólico, no caso a vaidade e/ou práticas de embelezamento, produz sentido e interfere nas práticas cotidianas das mulheres da zona rural. Entendendo que o discurso do sujeito é formado a partir de uma multiplicidade de discursos que circulam na sociedade, discursos que ditam maneiras de como ser e agir, realizamos uma análise de discurso no sentido de procurar enfatizar como foi possível o discurso das mulheres em relação às práticas de embelezamento.

(^1) O Mororó, nosso campo de pesquisa, compreende a “vila Mororó” – a rua, como é denominada pelos habitantes da localidade, onde fica as escolas, creches, posto de saúde, pontos comerciais, igrejas etc. – e os “Sítios” Capim de Flecha, Olaria, Lagoa dos Cabaços, Mororó de Baixo, Ilha, Barro Branco e Várzea do Antônio. Cada “Sítio” abrange vários outros sítios familiares.

Faltava-lhe um derradeiro obstáculo a transpor: a obsessão linguística do estruturalismo. Esta, desde o pós-guerra até a década de 1960, ia, com efeito, enterrar a questão do corpo com a do sujeito e suas “ilusões”. Mas as coisas começaram a mudar pelo fim da década de 1960: isto se deveu provavelmente menos (...) à iniciativa dos pensadores do momento que ao fato de que o corpo se pôs a desempenhar os primeiros papéis nos movimentos individualistas e igualitaristas de protesto contra o peso das hierarquias culturais, políticas e sociais, herdadas do passado. (idem)

Aqui, movimentos de mulheres, inicialmente, e movimentos homossexuais, posteriormente, gritavam que o corpo pertencia aos mesmos, protestando contra, por exemplo, as normas de sexualidade, as leis que proibiam o aborto, etc. Era preciso, primeiro, liberar o corpo, o corpo reprimido, maltratado, e, por isso, ele mesmo, foi investido no contexto das lutas travadas pelos direitos das minorias no decorrer da década de 1970. Atualmente o investimento sobre o corpo eleva-o à categoria de produto consumível. A sociedade de consumo faz com que as pessoas falem, preocupem-se e invistam no próprio corpo. A proliferação de imagens ideais dos corpos através dos meios de comunicação de massa encarrega-se de produzir desejos e reforçar imagens de “corpos padronizados”. Guatarri (1996) diz que ao padronizar o corpo é negada a singularidade, impedindo formas alternativas de pensá-lo. Para Baudrillard (1995), a descoberta do corpo na sociedade moderna, constituindo uma crítica do sagrado ou do corpo enquanto algo sagrado, intocável, do qual a ideologia já caducada da alma é inadequada para um sistema produtivista evoluído, inaugura um discurso que supõe uma maior liberdade, verdade e emancipação para o próprio corpo. A beleza se opõe às qualidades do espírito confirmando e atualizando o secular dualismo entre corpo e alma. É a era do culto ao corpo. Percebe- se, entretanto, o corpo estreitamente vinculado às finalidades da produção enquanto suporte econômico. Longe de ser realmente emancipado, a sociedade capitalista impõe novas formas de controlar o corpo, de ver e dizer o corpo, sua imagem e a beleza corporal. É certo que o homem e a mulher pode fazer quase tudo o que quiser com o seu corpo. Possuem, atualmente, uma maior “liberdade” de ação sobre o próprio corpo,

desde que tenham condições financeiras para mudá-lo e adequar-se aos padrões. Mas esse desejo de parecer melhor, mais bonito, esse investimento no próprio corpo surge, quase sempre, quando não estamos nos adequando aos modelos de corpo ditados pela cultura. Há, também, a questão que somos seres em constante processo de reelaboração, desconstrução, sujeitos em fluxo permanente. Muitas vezes a vontade de mudar a aparência, de mudar de visual, surge exatamente dessa vontade de ser “outro” e não para corresponder aos ideais de beleza que são estipulados socialmente. É verdade que a liberdade para agir sobre o próprio corpo em nome da beleza, não cessa de ser lembrada e estimulada pela mídia. Regimes de visibilidade definem a verdade do corpo, da saúde e da doença em cada época, assim como define as práticas de embelezamento. Consideramos importante, e até curioso, mencionar certa “receita de beleza” que, passada através de gerações pelas mulheres do Mororó, foi trocada entre mães e filhas, tias, avós, amigas. É evidente que tal gesto de embelezamento, segundo as próprias depoentes, não é mais introjetado pelas gerações de mulheres mais jovens. O caso do remédio “milagroso”, o “gabilôro” – ou “cabilôro”, como outras mulheres denominam – que curava a feiúra, foi mencionado pelas mulheres que se situam numa faixa etária que vai dos 45 anos em diante. Muitas delas falaram ter aprendido tal “simpatia” de uma outra mulher, geralmente parente, como a mãe ou a avó. A receita era simples, já que não precisava de artifícios superficiais para torná-las mais bonitas – como cremes de tratamento, maquiagem, etc. – e nem de transformações radicais no corpo – como cirurgias plásticas, por exemplo. Um pedaço de carne bovina ou caprina, que elas diziam ser um “nervinho”, por ser branco e duro, era comido depois de cozinhado atrás da porta. Neste momento, a mulher deveria pensar “bem forte”, isto é, concentrando-se no seu desejo, que queria ser bonita ou gritar o nome da mulher que ela achava bonita, dançar, pular, para “transformar-se” numa igualzinha a ela, como afirma uma depoente, de 59 anos:

Sabe, nesse tempo, a mulé que os povo achava bunita era Avaní, a professora. Avaní, uma tal de Dona Avaní, era professora daqui, sabe? Aí me ensinaro um remédio, purque eu era feia demai vice. Aí me ensinaro, disse que eu, eu arrumasse um, um “gabilôro” de um bicho e fosse pa detrai da porta cumêno e chamano Avaní que ficava

dí: oxente e é tu é fulana? Aí eu digo: oxen, e pru quê? É, e os hôme, que, se eu passá bem arrumada ele dí: mai olha que muié bunita. Você acha que os hôme, quano as muié tá bem bacaninha, eles acha mai bunita do que quano tá assim, quinem eu, né?

Há casos em que a harmonia conjugal é uma das principais finalidades do embelezamento feminino. Percebemos, entre algumas mulheres casadas, que recusar o embelezamento indica desleixo feminino, que pode colocar em risco a fidelidade do marido. O ato de se cuidar objetiva, nesse sentido, “segurar” o marido. A mulher é responsável pela manutenção do casamento, e até pela fidelidade ou não do marido. As palavras das mulheres, muitas vezes, legitimam a idéia, difundida socialmente, do homem enquanto um ser polígamo. A infidelidade masculina é considerada normal, do mesmo jeito que as mulheres são colocadas enquanto seres “normalmente” monogâmicos. A mulher, o tempo todo, tem que estar bela para seduzir o marido, com o propósito de não amornar a relação. Visa, desse modo, a manutenção dos laços conjugais. A mulher introjeta, daí, o seu papel de objeto erótico. Papel delimitado pelas diferenciações dos modelos de gênero.

Depois de casada continuo cuidando de minha aparência do mermo jeito de quano era soltêra purque se eu me relaxá aí meu marido “ah! Eu vou procurá outra, purque ela num tá do jeito de antes” e purque é importante pra mulhé, num é? A pessoa num pode se relaxá, num pode ficá feia, só purque casou, num é? (22 anos)

Eu gosto de me arrumá pa meu marido, e, assim, quano eu vou passeá. Purque a gente bem arrumado a gente chama atenção, num é? Purque é pro meu marido, pra ele gostá mai de mim. (30 anos)

Por outro lado, há quem se produza para agradar unicamente a si mesmo, como efeito de um auto-investimento.

Assim, eu gosto de me arrumá e ficá bunita pra mim mermo, num é? Eu num vou me arrumá com intenção de chamá atenção, de dizé assim, não, eu vou butá essa roupa assim, ou essa roupa longa, ou uma sainha curta pra chamá atenção das pessoa, dos rapazes. Que eu não gosto disso, sabe? Gosto de ser discreta e de tá bunita pra mim mermo. (24 anos)

No seguinte discurso, percebemos, claramente, a ligação da vaidade ao pecado. Detecta-se a subjetivação das regras religiosas limitando e/ou impedindo à vaidade.

Não, não, nunca gostei de vaidade não. Eu gostava de ir, assim, você sabe adonde é que eu gosto muito, é de avisitá Frei Damião, no túmulo de Frei Damião, pra missa, ir pra Juazeiro (...). Toda vida eu num gostei não de, de coisa de pecado não, de pintura, vaidade, essas coisa. Meu enfeite só era vestí, calçá e viajá, assim, fazêno romaria. Deus me livre. Nunca butei batom, nunca butei tinta em unha, nunca vesti sutiã, nada disso. Me criei no tempo antigo. Me diga minha filha, uma pessoa de 85 ano, já vou entrá pá 86, agora em setembro, me diga pelo amor de Deus, pra quê, pra quê pecá, pra quê pecá tanto? Num pode, a gente tem que trabalhá pra sê de Deus. Purque a pessoa que trabalha pa sê de Deus, um dia quano morre, né, pode até a gente se saivá, tem que sê aqui na terra, sê boa pessoa pa Deus, pa podê Jesus saivá nós, então, desde o tempo de moça que eu não peco com esses pecado todo de vaidade. As vei quano eu tô sozinha eu assisto umas novelinha mai pedindo perdão a Jesus: “oh Jesus, me perdoe pelo amor de Deus”. Que eu sei que novela num é da parte de Deus. É parte do maligno. Só é mulé teno filho, beijano boca, fazêno escandêlo, mulé nua, eu num gosto daquilo. (85 anos)

Segundo as concepções tradicionais da Igreja Católica, o corpo é significado enquanto um templo sacro, santo. Os cuidados com o corpo limita-se, quando muito, a sua higiene. A beleza física, a boa aparência, a procura da vaidade, são entendidas enquanto “coisas” supérfluas, que não agrada a Deus. O importante é cuidar da beleza “moral”, interior. É perigoso intervir no próprio corpo em nome de objetivos pessoais e dos caprichos da beleza, da vaidade e da moda. Tais sacrifícios, tal negação do corpo, isto é, não ter os seus desejos satisfeitos, não submetê-lo – o corpo – à vaidade e obedecer a um Deus que tudo vê e tudo controla, que é a vontade mais soberana de todas, serão recompensadas depois da morte, quando todos os seus desejos serão satisfeitos. Enquanto ocasião e lugar de pecado, o corpo físico deverá ser desprezado, negado. Também não deixaremos de enfocar a idade da depoente, pertencente a uma geração mais antiga, que subjetivou outros modelos de como ser, onde o corpo não era dessacralizado. Por isso ela se ofende com esse corpo que é mostrado atualmente nos meios de comunicação de massa. Um corpo desnudado, sexualizado, dessacralizado.

corpo, a sua quase obrigação de praticá-la atualmente, tem uma estreita ligação com as transformações da relação dos seres humanos com seu corpo. Por exemplo: “a toalete “seca” do cortesão, esfregando o rosto com um pano branco em vez de se lavar, corresponde a uma norma de limpeza absolutamente racional no século XVIII. Hoje ela não tem sentido” (p. 03). Nesse modo, a limpeza é inventada e reinventada a partir das imagens que se tem do corpo numa determinada época^3. Essa quase exigência em seu limpo nasce, também, do código social. Há uma necessidade social de ser limpo, nem que seja apenas em razão do cheiro desagradável e do aspecto que apresentam os indivíduos sujos. Vemos, no discurso seguinte, que o discurso higienista é absorvido pelas mulheres.

Uma mulher bunita é uma mulher bem cuidada, é, é, limpa, produzida, bem arrumada. A mulher tem que tá limpinha. (24 anos)

Incorporando a linguagem médico-higienista, a falta de higiene, de cuidados pessoais com a boca, com os cabelos e as unhas são apontadas tanto como algo prejudicial à saúde, como algo que estraga a aparência da pessoa, deixando-a feia.

Uma pessoa com as unhas sujas, dentes feio e sujo, cabelo desajeitado, sujo, com piolho, faz parte da beleza, num é? Os dente, também faz, uma pessoa com os dente estragado, tanto é fei uma pessoa banguela, suja, como também é ruim pra saúde dela. (19 anos)

A higiene pode visar, em particular, a manutenção dos laços conjugais. O investimento prático na limpeza não se reduz, simplesmente, a tentar evitar doenças, mas, enquanto poder feminino da sedução. Há uma subjetivação de um tipo de educação dada às mulheres para que se concentrem em agradar aos homens, tendo que estarem bonitas e limpas para se sentirem seguras, dignas de serem amadas e desejadas. Tem que me arrumá pa gente ficá mai bunita. Começano com um banho bem tomado, rapá o que deve ser rapado, nas perna, braç..., debaixo dos braço, isso é muito importante e limpim, num é? Fazê sobrancelha. Ficá cheirâno bem, principalmente pro meu marido, que hôme num quer mulhé fedorenta não, senão deixa. (21 anos)

(^3) Por exemplo, nos séculos XVI e XVII imaginava-se que a água era capaz de se infiltrar no corpo, fragilizando os órgãos, abrindo os poros para os ares maléficos. Foi preciso mudar a imagem do corpo para que banhos com água fossem bem vindos e/ou aceitos.

Vê-se que a prática de depilar as pernas é um gesto de embelezamento quase exclusivamente feminino. Sabemos que as mulheres, geralmente, têm menos pêlos no corpo do que os homens, porém, em várias culturas, inclusive a nossa, são as únicas a removê-los quase que totalmente. Fazendo isso, acentuam a diferença entre o corpo masculino e o feminino. A existência de pêlos em certas áreas do corpo da mulher é considerado desleixo e sujeira. Quanto aos modos de “se vestir”, percebemos que no Mororó, enquanto zona rural, as vivências não são perpassadas exclusivamente pelo tradicional. É certo que o isolamento do meio rural foi quase totalmente rompido – seja pela construção de estradas, possibilitando livre locomoção, pelos meios de comunicação, ou mesmo pela mobilidade de alguns de seus membros que vão à cidade para estudar, trabalhar, passear ou para serviços domésticos etc., e, por esse motivo, detectamos modas e modismos vigentes na cidade, circulando no meio rural. Nos discursos percebemos a grande importância dada ao vestiário. Observamos que algumas de nossas depoentes, mesmo dizendo que não adotam roupas da moda, inconscientemente estão usando-as: seja uma cor que está na moda, um calçado, um modelo de blusa, o comprimento das saias etc. Verificamos nos depoimentos que, no caso das práticas do vestir, a vulgaridade contrapõe-se à decência. As entrevistas estabelecem limites entre a roupa certa e a errada. Roupas que mostram muito o corpo não são bem vistas. O comportamento “suspeito” da mulher poderá está inscrito no tipo de roupa que ela usa. Mesmo assim, percebemos que algumas mulheres entrevistadas, mesmo defendendo discursos que estipulam tipos de vestuários adequados para uma mulher vestir, ou seja, uma roupa “composta”, foram “vistas”, por nós, transgredindo as normas, vestindo-se de maneira que elas consideram “indecente” e proibido a uma mulher direita. Finalmente, em relação aos modos de “se pintar”, a maquiagem também é necessária para embelezar a mulher da zona rural, juntamente com as práticas de higiene e/ou depilação e o uso de uma roupa “certa”. O uso de maquiagem e cosméticos não é uma invenção moderna. Como exemplo, Etcoff (1999) diz que os egípcios antigos já usavam maquiagem. “No Museu

se embelezam, as restrições do ato de embelezar-se e a forma como percebem o embelezamento masculino. Nesse sentido, a partir da subjetivação dos modelos de masculinidade e de feminilidade, criados e propagados socialmente, que vai sendo delineadas as aparências femininas e masculinas. De modo geral, constatamos que a identidade de gênero do sujeito é definida por representações de traços relacionados à aparência e à conduta. É importante destacar que os gestos que embeleza, os meios, as práticas de se fazer mais bonita foram, portanto, buscadas e entendidas no interior do contexto social e econômico do qual as mulheres que entrevistamos e observamos estão inseridas.

Referências

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos, 1995.

CASTRO, Célia de. Fazendo Gênero: reprodução/desconstrução das relações de gênero na educação familiar e escolar; estudo de caso nos sítios Salgadinho e Curralinho. Universidade Federal da Paraíba, Campina Grande, 1999. Dissertação de Mestrado e, Sociologia Rural.

COURTINE, Jean-Jacques. Introdução. In: CORBIN, Alain; COURTINE, Jean- Jacques; VIGARELLO, Georges (orgs.). História do corpo 3: As mutações do olhar. O século XX. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 07-

ETCOFF, Nancy. A lei do mais belo: a ciência da beleza. Rio de Janeiro: Objetiva,

FILHO, Lino Castellani. Educação física no Brasil: a história que não se conta. 3. ed. Campinas: Papirus, 1991.

GUATARRI, Félix e ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 1996.

VIGARELLO, Georges. O limpo e o sujo. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

RIVIÈRE, Claude. As regras de apresentação do corpo. In: ____. Os ritos profanos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. p. 181-207.