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PALAVRAS-CHAVE: Obsolescência programada; sociedade de consumo; marketing; consumidor; vulnerabilidade. SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Obsolescência programada: 2.1 ...
Tipologia: Notas de estudo
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Obsolescência programada e a proteção do consumidor: uma perspectiva jurídica nacional e comparada Planned obsolescence and consumer’s protection: a national and compared legal perspective
Autor: Bruno Ferreira Brás Oliveira Orientadora: Prof. Dra. Keila Pacheco Ferreira^1
RESUMO : O presente artigo tem como objetivo demonstrar a (in)eficácia do Código de Defesa do Consumidor no combate à obsolescência programada, frente a abusiva estratégia de marketing empregada, de modo a comparar o sistema de proteção brasileiro com os avanços legais presentes em outros países, como forma de fomentar o debate e a implementação de mecanismos mais eficazes na proteção do consumidor.
PALAVRAS-CHAVE : Obsolescência programada; sociedade de consumo; marketing; consumidor; vulnerabilidade.
SUMÁRIO : 1. Introdução; 2. Obsolescência programada: 2.1 Breve evolução histórica; 2.2 Espécies de obsolescência programada; 2.3 A cereja do bolo: o marketing; 3. A proteção do consumidor pelo direito brasileiro: 3.1 A proteção constitucional do consumidor; 3.2 A proteção infraconstitucional do consumidor: Lei nº 8.078/90; 4. A (in)eficácia do Código de Defesa do Consumidor frente a obsolescência programada;
ABSTRACT : This article aims show up (in)capacity of Consumer Protection Code against the planned obsolescence and a abusive marketing strategy, and compare the
(^1) Professora Adjunta da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), docente permanente e coordenadora do programa de pós-graduação stricto sensu (mestrado) da mesma unidade. Doutora em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito das Relações Sociais, área de concentração Direito Civil, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
protection brasilian system with anothers legal advances abroad, as a way to foster debate and the implementation of more effective mechanisms for consumer protection.
KEY WORDS : Planned obsolescence; consumer society; marketing; consumer; vulnerability.
SUMARY : 1. Introduction; 2. Planned obsolescence: 2.1 Brief historical evolution; 2. Species of planned obsolescence; 2.3 The icing on the cake: marketing; 3. Consumer protection in Brazilian law: 3.1 The constitutional consumer protection; 3.2 Consumer protection in ordinary law; 4. (In)eficacy of Consumer Protection Code; 5. The planned obsolescence prohibition in the world and national advances: 5.1 The belgan resolution; 5.2 The french consumer code; 5.3 The german studies; 5.4 In the Netherlands: the repair café; 5.5 Shy evolution in Brazil; 6. Final Considerations; 7. References
A obsolescência programada é uma prática que nasceu na década de 1920 e consiste em programar a vida útil de um produto, desde sua concepção, para que ele tenha uma duração muito menor, com o intuito de estimular o consumo de forma inconscientemente exagerada. Segundo Maria Beatriz Oliveira da Silva, a obsolescência programada “ é uma estratégia da indústria para ‘encurtar’ o ciclo de vida dos produtos, visando a sua substituição por novos e, assim, fazendo girar a roda da sociedade de consumo”^2. Essa prática se diferencia do desenvolvimento tecnológico, uma vez que neste, a fabricante, após a produção ou criação de um determinado produto, continua a pesquisar e descobre novas formas do produto ou uma nova tecnologia. Seguindo o curso natural da ascensão tecnológica. Por outro lado, quando a tecnologia já existe, mas não é empregada, produzindo-se um produto de tecnologia inferior, a fim de programa-lo, mesmo que
(^2) SILVA, M.B.O. Obsolescência programada e teoria do decrescimento versus direito ao desenvolvimento e ao consumo (sustentáveis) In. Veredas do Direito. Disponível em: http://domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/252/214. Acesso em: 10 jan. 2019.
Para Lipovetsky, a sociedade de hiperconsumo é marcada pela perda de sentido nas instituições morais, sociais e políticas e sua cultura é embasada em relações de tolerância, hedonismo e consumo excessivo:
A vida no presente tomou o lugar das expectativas do futuro histórico e o hedonismo, o das militâncias políticas; a febre do conforto substituiu as paixões nacionalistas e os lazeres, a revolução. Sustentado pela nova religião do melhoramento continuo das condições da vida, o maior bem-estar tornou-se uma paixão de massa, o objetivo supremo das sociedades democráticas, um ideal exaltado em todas as esquinas.^6
Sobre, Baudrillard faz uma analogia bastante pertinente da sociedade de consumo com a Idade Média:
Assim como a sociedade da Idade Média se equilibrava em Deus e no Diabo, assim a nossa sociedade se baseia no consumo e sua denúncia. Em torno do Diabo era possível organizar heresias e seitas de magia negra. A nossa magia, porém, é branca e a heresia é impossível na abundância.^7
Desse modo, partindo-se do pressuposto da consonância entre a prática da obsolescência programada com o contexto indissociável da sociedade global consumerista, o presente trabalho tem por objetivo analisar seus reflexos abusivos, de forma a afrontar o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078 de 1990) e os mecanismos de proteção ao consumidor constituídos no Brasil. Além disso, visa expor as vicissitudes da nossa legislação consumerista a essa prática que não é nada recente, em comparação com a legislação de outros países, como a França, onde a legislação desta espécie é considerada uma das mais avançadas na defesa do consumidor.
2.1 BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA
(^6) LIPOVETSKY, G. A felicidade paradoxal. Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 11. 7 BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Reimp. Lisboa: Edições 70, 2008. p. 268.
Em meados do século XX, cunhou-se uma prática mercadológica com a finalidade de assegurar a venda constante de produtos no mercado de consumo. Essa ideia mercadológica – mais tarde nomeada Obsolescência Programada ou Planejada
(^8) KRAJEWSKI, M. The Great Lightbulb Conspiracy. Disponível em: http://spectrum.ieee.org/geeklife/history/the-great-lightbulb-conspiracy. Acesso em 13 fev. 2019.
Assim, não bastou a simples criação de um produto mais atual. Foi preciso um meio de mexer com as emoções dos consumidores, um modo de criar a necessidade de consumir a tecnologia periodicamente. Para tanto, a indústria passou a vender muito mais do que produtos, passou a vender felicidade através da publicidade massiva. Partindo desta premissa, Bauman^12 cunhou aquilo que ele denominou de “economia do engano”. Ou seja, comprar somente aquilo que é necessário não satisfaz mais as pessoas, há um desejo contínuo e crescente que implica a constante procura por produtos mais novos.
2.3. O MARKETING PARA A OBSOLESCÊNCIA
“Marketing” é uma palavra proveniente da língua inglesa que em uma tradução livre seria “mercadologia”, isto é, um estudo das causas, objetivos e resultados que são gerados através das diferentes formas como nós lidamos com o mercado. Segundo Kotler e Keller^13 o marketing engloba a identificação e a satisfação das necessidades humanas e sociais, sendo definido de uma maneira simplista pelo autor, como uma forma de suprir necessidades emotivas de modo lucrativo. Por assim dizer, nas palavras de Jorge Mosset Iturraspe:
motivado pelo marketing, a publicidade, a necessidade de vender mais para produzir mais – e obter maior lucro – tem multiplicado suas necessidades: em número e em qualidade. E a todas sente e vivencia como se fossem ‘necessidade primárias e urgentes’. È a sociedade do conforto, do bem-estar, da opulência, do ter mais e mais coisas, como sum símbolo da relação pessoal, da satisfação e da felicidade.^14
Os estudiosos de marketing, de acordo com Packard^15 , consideram que os consumidores devem receber desculpas contundentes que os façam adquirir mais dos
(^12) Op. cit. (^13) KOTLER, P. KELLER, K. L., Administração de marketing. 12. Ed. São Paulo: Pearson Hall, 2006. p. 4. 14 ITURRASPE, J. M.. Como contractar em uma economia de mercado. Buenos Aires: Rubinzal- Culzoni, 1997. p. 178. 15 PACKARD, V. A estratégia do desperdício. São Paulo: Ibrasa, 1965. p. 43.
mesmos produtos antes da real necessidade, isto é, eles devem receber estímulos que instiguem a troca de produtos antes de findar seu ciclo de vida. Baudrillard aprofunda-se, em sua obra O sistema dos objetos , na relação refletida pelo marketing entre pessoas e os objetos, bem como a sistemática das relações humanas que resultam dessa interação. Assim, os objetos passam a ser estudados em sua dupla condição, a de instrumento e a de signo. Diante disso, o objeto moderno liberta-se de sua função precípua, isto é, uma televisão não é mais só uma televisão, seria parte de um todo que deverá ser harmonizado com os demais objetos que fazem parte do contexto vivido pelo consumidor. Segundo o autor, a publicidade tem uma função reguladora essencial, que é a de fixar e desviar o potencial imaginário, assim como os sonhos.
Se os sonhos de nossas noites são sem legendas, aquele que vivemos despertos pelos muros de nossas cidades, pelos jornais, pelas telas de cinema é coberto de legendas, é subtitulado de todos os lados, mas tanto um como outro associam a fabulação mais viva às determinações mais pobres e, assim como os sonhos noturnos têm por função preservar o sono, os prestígios da publicidade e do consumo têm por função favorecer a absorção espontânea dos valores sociais ambientes e a regressão individual no consenso social.^16
Pode se dizer, portanto, que o marketing possui um grande papel no que tange a prática da obsolescência programada, principalmente em sua espécie de desejabilidade, vez que se responsabiliza por implantar, minuciosa e paulatinamente, a necessidade do consumidor estar sempre comprando o novo e descartando o velho.
Embora o mercado de consumo, alinhado às estratégias de marketing e publicidade, possibilite a liberdade de escolha, há, ainda, uma vulnerabilidade fática enorme em relação à prática da obsolescência programada, a qual utiliza-se de meios ocultos para a redução de tempo de vida dos produtos, violando direitos caros aos consumidores, como o direito à transparência, à informação e ao princípio da boa-fé.
(^16) BAUDRILLARD, J. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 182.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) densificou a determinação constitucional prevista no inciso XXXII, do art. 5º, ao elencar no capítulo III, do Título I, os direitos básicos do consumidor. Tais direitos são considerados basilares, ou, em outros termos, fundamentam a tutela jurídica do consumidor, porque servirão de supedâneo a toda legislação consumerista. Vê-se que este rol de direitos básicos estabelecido no artigo 6º do CDC busca a proteção do consumidor. Para tanto, parte do pressuposto que há uma desigualdade evidenciada entre os sujeitos de uma relação de consumo, na qual o consumidor é presumidamente vulnerável. Vale ainda lembrar que esse rol é meramente exemplificativo, porque se existirem violações a princípios do direito do consumidor não contemplados neste artigo 6º do CDC, ainda assim poderá haver ampla proteção jurídica, com fundamento nas normas constitucionais de defesa do consumidor.
Discorreu-se acima que o Código de Defesa do Consumidor representou a condensação do mandamento constitucional, de modo a equiparar os sujeitos dentro de uma relação de consumo. Para analisar a eficácia – ou ineficácia – do CDC no combate a obsolescência, é preciso partir de dois conceitos jurídicos previstos nesse códex, quais sejam: o vício de qualidade (oculto) e a prática abusiva. Primeiro, não há como não enquadrar a obsolescência como um vício de qualidade, mediante uma interpretação extensiva daquilo previsto no artigo 18 do CDC, o qual diz conceitua como aquilo que tornem os produtos “impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor [...]”. Ora, a diminuição de valor ou a inutilização de um produto em detrimento de um lapso temporal relativamente curto representa uma violação clara ao defendido pelo código consumerista.
Ainda, prossegue o CDC dizendo em seu artigo 18 que, caso haja a ocorrência de tal vício, poderá o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. Assim, para que seja exigível o direito do autor, o microssistema consumerista estipula um período, sob o qual o fabricante permanecerá responsável por assegurar a qualidade do produto adquirido. Senão, vejamos:
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis; II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. [...] § 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito. (Grifei) Ora, mesmo que a intenção do legislador, ao positivar o § 3º acima descrito, não foi a de combater a prática da obsolescência programada, na aplicação da norma ao caso concreto, pode-se notar que tal dispositivo representa uma força – mesmo que acanhada – contra a programação do vencimento dos produtos, pois, entrega ao consumidor o direito de reclamar enquanto ainda houver vida útil do bem de consumo. Questão interessante é se existe prazo máximo para o aparecimento do vício oculto, uma vez que a norma não disciplinou nada a respeito. Por exemplo, se o consumidor adquire uma geladeira e o vício oculto (por estar presente desde a compra) somente se manifesta 5 anos depois, estaria aberto o prazo decadencial de 90 dias (produto durável) para que fosse sanado o vício pelo fornecedor? Neste caso, a doutrina considera a vida útil do produto ou serviço como limite temporal para o surgimento do vício oculto, ou seja, estipula-se um tempo para que o produto deva se manter utilizável. Cláudia Lima Marques^21 , para tanto, sustenta que
se o vício é oculto, porque se manifesta somente com o uso, a experimentação do produto ou porque se evidenciará muito tempo após a tradição, o limite temporal da garantia legal está em aberto, seu termo inicial; segundo o§ 3° do art. 26, é a descoberta do vício. Somente a partir da descoberta do vício (talvez meses ou anos após o contrato) é que passarão a correr os 30 ou 90 dias. Será, então, a
(^21) MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 4" ed., p. 1.022/1.023.
Código de Defesa do Consumidor, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem , e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual. 8. Com efeito, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, e relativo a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, o prazo para reclamar pela reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, não obstante tenha isso ocorrido depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem. 9. Ademais, independentemente de prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum. Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo. 10. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, não provido. 22
Assim, como o fornecedor responde pelos vícios ocultos durante o período de vida útil do produto, será fundamental que ele informe expressamente (art. 31, CDC) quanto tempo cada produto possui nos rótulos ou manuais; pois, quando o consumidor for adquirir o produto, o prazo de vida útil informado pode ser um ingrediente importante para a tomada de decisão sobre qual produto a ser adquirido. Há tanta relação entre o artigo 26, §3º com a obsolescência programada que no voto do Ministro Luis Felipe Salomão, no REsp 984106/SC, o tema foi abordado: Ressalte-se, também, que desde a década de 20 - e hoje, mais do que nunca, em razão de uma sociedade massificada e consumista -, tem- se falado em obsolescência programada, consistente na redução artificial da durabilidade de produtos ou do ciclo de vida de seus componentes, para que seja forçada a recompra prematura. Como se faz evidente, em se tratando de bens duráveis, a demanda por determinado produto está visceralmente relacionada com a quantidade desse mesmo produto já presente no mercado, adquirida no passado. Com efeito, a maior durabilidade de um bem impõe ao produtor que aguarde mais tempo para que seja realizada nova venda ao consumidor, de modo que, a certo prazo, o número total de vendas deve cair na proporção inversa em que a durabilidade do produto aumenta. Nessas circunstâncias, é até intuitivo imaginar que haverá grande estímulo para que o produtor eleja estratégias aptas a que os consumidores se antecipem na compra de um novo produto,
(^22) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. (4ª Turma). REsp: 984106/SC. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Data de Julgamento: 04/10/2012. Data de Publicação: 20/11/2012. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/cdc-proteger-consumidor-obsolescencia.pdf. Acesso em: 15 set.2019.
sobretudo em um ambiente em que a eficiência mercadológica não é ideal, dada a imperfeita concorrência e o abuso do poder econômico, e é exatamente esse o cenário propício para a chamada obsolescência programada (...) São exemplos desse fenômeno: a reduzida vida útil de componentes eletrônicos (como baterias de telefones celulares), com o posterior e estratégico inflacionamento do preço do mencionado componente, para que seja mais vantajoso a recompra do conjunto; a incompatibilidade entre componentes antigos e novos, de modo a obrigar o consumidor a atualizar por completo o produto {por exemplo, softwares); o produtor que lança uma linha nova de produtos, fazendo cessar açodadamente a fabricação de insumos ou peças necessárias à antiga. Percebe-se, portanto, que o artigo 26, § 3º, caminha no sentido de tutelar o consumidor contra a prática da obsolescência programada, ao menos em sua espécie “qualidade”, já que dentro de uma interpretação sistematizada, entende-se que os bens consumíveis precisam ter uma durabilidade mínima condizente com o seu uso. Por outro lado, quanto às espécies obsolescência de função e desejabilidade, o problema é maior, vez que o produto não é programado para ser jogado fora a curto prazo, mas sim para que se torne obsoleto com o avanço da tecnologia planejada. Melhor dizendo, a obsolescência de função foca em “segurar” tecnologias mais avançadas, de modo com que produtos mais recentes sempre tenham algum detalhe melhorado, sendo que se toda tecnologia fosse empregada de uma só vez, o mercado consumista se estagnaria naquele setor por muito mais tempo^23. Vide exemplo dos smartphones , os quais a cada ano tem algum detalhe a mais que tentam o consumidor a trocar anualmente seu aparelho. Caso essa tecnologia não fosse segurada, teríamos lançamentos mais demorados e um menor giro de capital nesse nicho tecnológico, de modo a causar grande impacto no modelo consumerista atual. Já a obsolescência de desejabilidade adentra mais no âmago do consumidor, através do marketing bem elaborado, mexe com as emoções daquele que tem apreço por determinado setor tecnológico, quase que o forçando a trocar seu produto – em perfeitas condições e de última geração – por outro mais novo.
(^23) EL PAÍS. Um celular poderia durar 12 anos se sua vida não fosse encurtada de propósito. Disponível em:https://brasil.elpais.com/brasil/2018/11/09/tecnologia/1541771036_210342.html Acesso em 17 de jul. de 2019.
como Bélgica e França são exemplos que devem ser seguidos, pois largaram na frente percebendo a atuação cada vez mais explícita dos fornecedores quanto à utilização da obsolescência programada.
5.1. A RESOLUÇÃO BELGA
Na Bélgica, a Resolução 5-1251/1 de 7 de outubro de 2011, expõe a problemática da obsolescência programada em sua exposição de motivos:
A obsolescência programada pode ser definida como o fato de desenvolver e depois comercializar um produto determinando antecipadamente o momento de sua expiração, sendo o objetivo desse método limitar a vida útil do objeto e favorecer assim, a compra de um novo produto substituto. [...] não devemos perder de vista o custo financeiro da obsolescência programada para as famílias. Uma redução significativa na vida dos produtos inevitavelmente provoca um custo adicional no orçamento do consumidor. O impacto social é, portanto, muito importante para essas famílias.^24
A Resolução Belga reconheceu a existência de fato de referida prática, bem como a preocupação na esfera social, mais precisamente com a incolumidade econômica do consumidor. A referida resolução impõe aos fornecedores o dever de informar a vida útil do produto, além de outras informações referentes à possibilidade de reparação. Ademais, considerou-se também os danos de natureza ambiental, uma vez que se o produto tem vida útil mais restrita, faz-se necessário produzi-lo em maior quantidade para substituir aqueles com o gérmen da obsolescência, os quais em pouco tempo estarão alimentando a destruição do planeta. O legislador belga buscou, com a resolução supracitada, proteger o consumidor, individual e coletivamente, bem como o meio ambiente, sem reduzir o seu poder de compra, de modo que os produtos sejam mais duráveis e atendam suas funções sociais.
(^24) BELGICA. Senat de Belgique. Document législatif nº 5-1251/1. Session de 2010-2011. 7 octobre
Destaca-se que a França é uma das pioneiras sobre a proteção contundente contra a Obsolescência Programada e possui uma legislação consumerista bastante forte a respeito, sendo, inclusive, uma das fontes de inspiração para o nosso Código de Defesa do Consumidor. Não à toa, o aparelho estatal, através de seus promotores, insurgiu contra a gigante econômica Apple, como já exposto. No Estado francês, foi aprovado em 17 de agosto de 2015 o projeto de lei 429, que alterou o Código do Consumo ( Le Code de La Consommation) e institui como delito a prática da obsolescência programada:
A prática da obsolescência programada é proibida pelo uso de técnicas pelas quais a pessoa responsável pela colocação de um produto no mercado visa reduzir deliberadamente sua expectativa de vida, a fim de aumentar a taxa de reposição. (L’article L. 441-2) A infração prevista no artigo L441-2 é punível com dois anos de prisão e multa de 300.000 euros. O montante da multa pode ser aumentado, na proporção dos benefícios derivados da infração, para 5% do volume de negócios médio anual, calculado sobre os três últimos volumes de negócios anuais conhecidos à data dos factos. (Artigo L454-6.)^25
Neste sentido, percebe-se que o códex consumerista francês foi bem incisivo em reconhecer o caráter delitivo da prática da obsolescência programada, estabelecendo pena de prisão e multa, de acordo com as vantagens obtidas oriundas da prática em comento. Percebe-se, portanto, que enquanto a Bélgica adotou a publicação de uma resolução para tratar do assunto, a França aperfeiçoou um objeto mais arrojado: produziu uma lei para regulamentar e criminalizar tal conduta.
5.3. OS ESTUDOS ALEMÃES
(^25) Article L441-2 - Est interdite la pratique de l'obsolescence programmée qui se définit par le recours à des techniques par lesquelles le responsable de la mise sur le marché d'un produit vise à en réduire délibérément la durée de vie pour en augmenter le taux de remplacement. Article L454-6 - Le délit prévu à l'article L. 441-2 est puni d'une peine de deux ans d'emprisonnement et d'une amende de 300 000 euros. Le montant de l'amende peut être porté, de manière proportionnée aux avantages tirés du délit, à 5 % du chiffre d'affaires moyen annuel, calculé sur les trois derniers chiffres d'affaires annuels connus à la date des faits.
No Brasil, o conceito ainda é bem incipiente e está presente em poucas cidades. 27
5.5. TÍMIDA EVOLUÇÃO NO BRASIL
No ordenamento jurídico brasileiro, a questão da obsolescência programada surge de maneira tímida, ainda que, como já explorado alhures, jurisprudência e doutrina começam a reconhecer a desconformidade da aludida prática com a legislação consumerista. Nota-se que a dificuldade em coibir a prática em estudo advém da falta de lei específica sobre o tema e pela inexistência de regulamentação acerca da vida útil dos produtos. Destacam-se neste ponto, duas iniciativas legislativas: os Projetos de Lei (PL) 5.367/2013 e 3.903/2015. O primeiro, de autoria da deputada Andréia Zito (PSDB-RJ), menciona a obsolescência programada e propõe a obrigação, do fornecedor de produtos, a prestar informação ao consumidor sobre o tempo de vida útil de bens de consumo duráveis de modo claro, preciso, ostensivo e em língua portuguesa, prevendo sanções administrativas e penais em caso de descumprimento.^28 O segundo, por iniciativa do deputado Veneziano Vital (PMDB-PB), delimita a questão em torno da oferta e apresentação de produtos eletrônicos e eletrodomésticos trazendo a obrigatoriedade de informar a vida útil estimada do produto introduzido no mercado de consumo. Ainda traz expressa a utilização do critério da vida útil no caso de obsolescência programada e prevê multa de 30% sobre o valor do produto. 29
(^27) HYPENESS. Os cafés onde voluntários consertam coisas de graça para protestar contra a obsolescência programada. Disponível em: https://www.hypeness.com.br/2014/07/o-conceito-de- cafe-em-que-voluntarios-consertam-desde-uma-geladeira-ate-uma-boneca/. Acesso em: 16 jun. 2019. (^28) CÂMARA DOS DEPUTADOS. Fornecedores terão de informar durabilidade de bens de consumo. Edição Marcos Rossi. 15 set. 2013. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=DFDE59209C04555CCA 780CA6E4788CC3.proposicoesWebExterno2?codteor=1075735&filename=Tramitacao- PL+5367/2013. Acesso em: 15 set. 2019. 29 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 3.903, de 9 de dezembro de 2015. Dispõe sobre os procedimentos aplicáveis em benefício do consumidor de produtos eletrônicos ou eletrodomésticos, em caso de obsolescência do produto antes do término de sua vida útil. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=C778893EF9E0FF9C9C F5553E1CB7DBE.proposicoesWebExterno1?codteor=1422783&filename=PL+3903/2015. Acesso em: 15 set. 2019.
Como visto, a obsolescência programada consiste na redução da vida útil ou da durabilidade de um produto, com o intuito de forçar o consumidor a realizar uma nova compra, muitas vezes, sem necessidade. Logo, é uma estratégia comercial que visa aumentar a comercialização de mercadorias e, consequentemente, o lucro das empresas. No entanto, não é uma prática inofensiva, pois, é capaz de moldar todo o meio ambiente contemporânea, seja ele natural, artificial, urbano ou até mesmo cultural. De modo a ressaltar as entranhas do capitalismo selvagem em detrimento do valor temporal que usamos para adquirir um novo produto. Assim, a prática da obsolescência programada apresenta-se em evidente desconformidade com a legislação consumerista e os princípios regentes, pois constitui prática abusiva violando a vulnerabilidade do consumidor, a boa-fé objetiva e o direito à informação. A redução da durabilidade dos produtos de forma intencional pelo fornecedor materializa-se pelo vício oculto, que geralmente ocorre fora dos prazos legais de garantia. Assim, a obsolescência programada denota prática que atenta à qualidade do produto e a sua finalidade destruindo a expectativa positiva do consumidor. Não se exagera ao lembrar que os produtos podem tornar-se obsoletos ou ultrapassados, sendo algo natural no decurso temporal. Contudo, essa ideia é diferente do conceito de obsolescência aqui apresentado, cujo objetivo é fomentar o consumo doentio pelos consumidores. Percebeu que, embora o Código de Defesa do Consumidor seja bastante protetivo de um modo geral, ele se revela insuficiente para coibir a prática de tal estratégia ou até mesmo quando necessário reparar o dano. Sobretudo quanto a obsolescência programada em sua espécie desejabilidade, isto é, a técnica de sempre alterar a curva de demanda de seus produtos, negando a saturação de mercado. Revela-se preocupante a substituição de produtos por outros em função de fatores psicológicos, mercadológicos e persuasivos a todo tempo, sobretudo, pelo momento de esgotamento de matérias primas em nosso planeta. Por fim, diante da ausência de legislação específica, foi possível cunhar propostas de solução para a problemática apresentada, conforme referências internas