Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

História do Teatro Infantil no Brasil: Desafios e Perspectivas, Notas de estudo de Teatro

Uma breve história do teatro infantil no brasil, abordando suas origens, evolução e desafios atuais. O texto discute as ideias de especialistas, como carlos augusto nazareth e dudu sandroni, sobre a importância do teatro para crianças e sua relação com a literatura e a arte. Além disso, o documento aborda a questão da falta de qualidade no teatro infantil atual e a necessidade de mudanças para melhorar a experiência de espetáculos para crianças.

O que você vai aprender

  • Quais foram as origens do teatro infantil no Brasil?
  • Por que o teatro infantil tem sido considerado frágil nos dias atuais?
  • Quais ideias especialistas foram apresentadas sobre a importância do teatro para crianças?
  • Quais desafios atuais enfrenta o teatro infantil no Brasil?
  • Como podemos melhorar a experiência de espetáculos de teatro para crianças?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Garrincha
Garrincha 🇧🇷

4.1

(47)

225 documentos

1 / 23

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
1
Introdução
Fazer teatro para crianças é igual a fazer teatro para
adultos, só que é mais difícil. Luigi Pirandello 1
1.1
Nota pessoal
Eu gostaria, antes da introdução propriamente dita à dissertação, fazer
algumas considerações pessoais, mas que naturalmente remetem ao trabalho
presente.
Primeiro, penso ser lamentável o pouco espaço destinado à dramaturgia
teatral, tanto nas escolas como em cursos superiores de Letras. Afinal, o teatro
também é literatura, literatura dramática.
Naturalmente, esta literatura vai ser transformada em uma encenação, e no
espaço cênico irá realizar-se em sua plenitude.
Entretanto, eu acredito firmemente no exercício da leitura teatral, como
fruição estética e também como estímulo à leitura de outras literaturas.
A leitura teatral propicia a abertura de diversas possibilidades no
imaginário do leitor, visto que não é uma escrita tão descritiva, como um
romance, por exemplo. Além disto, a palavra no teatro está diretamente vinculada
a uma ação, o que fornece uma sensação de concretude ao leitor. A palavra no
teatro é irremediavelmente relacionada a uma ação.
Eu tenho a experiência própria de que a leitura teatral pode estimular o
interesse pela leitura em geral. A minha relação com a leitura foi amplamente
transformada após meu encontro com as peças teatrais. Esta vivência de
concretude, experimentada pela dramaturgia, ampliou-se para outras leituras,
como contos, romances ou poesias.
1Pirandello apud Nazareth, em As diversas linguagens no teatro infantil, publicado no Blog
Vertente Cultural.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510583/CA
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17

Pré-visualização parcial do texto

Baixe História do Teatro Infantil no Brasil: Desafios e Perspectivas e outras Notas de estudo em PDF para Teatro, somente na Docsity!

Introdução

Fazer teatro para crianças é igual a fazer teatro para adultos, só que é mais difícil. Luigi Pirandello 1

Nota pessoal

Eu gostaria, antes da introdução propriamente dita à dissertação, fazer algumas considerações pessoais, mas que naturalmente remetem ao trabalho presente. Primeiro, penso ser lamentável o pouco espaço destinado à dramaturgia teatral, tanto nas escolas como em cursos superiores de Letras. Afinal, o teatro também é literatura, literatura dramática. Naturalmente, esta literatura vai ser transformada em uma encenação, e no espaço cênico irá realizar-se em sua plenitude. Entretanto, eu acredito firmemente no exercício da leitura teatral, como fruição estética e também como estímulo à leitura de outras literaturas. A leitura teatral propicia a abertura de diversas possibilidades no imaginário do leitor, visto que não é uma escrita tão descritiva, como um romance, por exemplo. Além disto, a palavra no teatro está diretamente vinculada a uma ação, o que fornece uma sensação de concretude ao leitor. A palavra no teatro é irremediavelmente relacionada a uma ação. Eu tenho a experiência própria de que a leitura teatral pode estimular o interesse pela leitura em geral. A minha relação com a leitura foi amplamente transformada após meu encontro com as peças teatrais. Esta vivência de concretude, experimentada pela dramaturgia, ampliou-se para outras leituras, como contos, romances ou poesias.

(^1) Pirandello apud Nazareth, em As diversas linguagens no teatro infantil, publicado no Blog Vertente Cultural.

Podem alegar que isto ocorreu pelo fato de ter estudado artes cênicas. Porém, posso alegar que fiz artes cênicas porque fui leitora de dramaturgia. Já ouvi exemplos similares de outras pessoas, não ligadas propriamente ao teatro. Um amigo argentino contou-me a história de uma senhora, que possuía o hábito de ler peças teatrais em uma biblioteca pública numa cidade do interior da Argentina. Ela adorava este tipo de leitura. Os espetáculos teatrais não chegavam a esta cidade, como em várias cidades do interior do Brasil. Às vezes, esta senhora ia até Buenos Aires. Lá assistia a alguns espetáculos de peças já lidas por ela e sempre voltava decepcionada. Para mim, esta senhora, em seu processo de leitura, já construía sua “encenação” própria, e ao ver a encenação propriamente dita no palco, decepcionava-se, visto que era diferente da imaginada por ela. Ou seja: a literatura dramática é capaz de propiciar a construção e movimentação de uma cena, já no próprio imaginário do leitor. O crítico e artista de teatro Carlos Augusto Nazareth, junto com a dramaturga e ensaísta Maria Helena Kühner idealizaram um projeto, através de uma entidade criada por eles mesmos - o Cepetin – para motivar a experiência do texto dramático nas escolas. Com isso pretendem trabalhar junto às professoras, já que estas, em geral, dizem não saber como usar estes textos em sala de aula. 2 Quero insistir em que mesmo não havendo a encenação de um texto, a leitura de dramaturgia pode e deve ser vivenciada. O renomado dramaturgo Alcione Araújo escreve, em seu artigo nomeado “ Dramaturgia, educação e cidadania ”^3 , sobre o desmerecimento do texto teatral como possibilidade de representação e interpretação do ser humano e sua sociedade. Apesar de Araújo afirmar a condição da realização do espetáculo para a concretização teatral, o dramaturgo pensa que a dramaturgia em si pode ser um instrumento valioso e dotado, até certo ponto, de força autônoma. Assim, podemos mergulhar nesta escrita, a fim de analisarmos diversas questões, tais como: a problemática da peça, os conflitos e características das personagens, as motivações das ações destes personagens, os valores contidos nas

(^2) Informação obtida ao assistir a palestra de ambos no Seminário “O que é qualidade em literatura e teatro infantil”, em 26/09/06, na UFF. 3 Em Leituras compartilhadas, ano 5, RJ: Leia Brasil/ Ediouro.

existência de um bom teatro infantil, fundado numa consistente dramaturgia, partindo da premissa de que todo espetáculo teatral inicia-se com uma escrita teatral. Por ser baixa a tradição teatral em nosso país, introduzo neste capítulo um breve histórico de nosso teatro infantil, e após este histórico, explicitarei minha proposta de pesquisa.

1. Panorama do teatro infantil

1.2. Histórico

Para contextualizar este panorama, acompanho uma pesquisa de Dudu Sandroni, que resultou na publicação de seu livro “ Maturando - aspectos do desenvolvimento do teatro infantil no Brasil ”, além de críticas e artigos teatrais publicados em revistas, jornais e internet , de críticos como Carlos Augusto Nazareth, que escreve atualmente para o Jornal do Brasil.^7 Em seu livro, Dudu Sandroni escreve que o teatro infantil tem como precursor o teatro escolar em seu pior sentido, fundamentado num didatismo e doutrinação, além da ausência de qualquer linguagem cênica e artística. Por sua vez, este teatro escolar possui suas raízes primordiais no Teatro de Anchieta, de cunho pedagógico e moralizante. Somente em 1944, Paschoal Carlos Magno começou a promover uma proposta real de levar o teatro infantil para além das escolas. Seu projeto intitulava-se “ Teatro do gibi ”, cujo objetivo era levar o teatro infantil, feito agora por adultos (profissionais e amadores), para vários bairros do Rio de Janeiro. Já a primeira dramaturgia brasileira infantil, “ O casaco encantado ”, de Lúcia Benedetti, data somente de 1948. Este é considerado o marco inicial do teatro infantil: o surgimento de uma dramaturgia dotada de valor artístico, o que também nos confirma a reconhecida importância do texto escrito para a realização de um espetáculo dito teatral.

(^7) O JB é o jornal carioca que tem mais críticas do teatro infantil. Por isto, a consulta no acervo crítico de Nazareth é verificada em minha pesquisa.

O teatro chegou ao Brasil através dos padres jesuítas, em 1561, a pedido de Manuel da Nóbrega. Assim, Anchieta escreveu e fez a representação do “ Auto da pregação universal ”, entre outras peças. Este teatro jesuíta possuía a prioritária função de catequizar os índios. As crianças aparecem nas apresentações como símbolos daqueles que ainda não tiveram sua “alma contaminada”, além de trazerem elementos de sua cultura, como danças e músicas, a fim de estabelecerem um elo para a catequese de toda comunidade. Em outras palavras: a representação consistia num projeto moralizante para toda sociedade, onde as crianças serviam como canal para uma maior comunicação, além de serem, obviamente, também catequizadas. Não era um teatro na concepção artística de hoje e nem um teatro direcionado especificamente para as crianças. Cito aqui um trecho do texto apresentado pelos índios de Guaraparim ao Padre Provincial Marçal Beliarte. Eis o trecho:

Tua vinda benfazeja nos é venturosa dita... Guaraparim é bendita, porque possuis uma igreja! Eu já não quero o pecado; amo Jesus, sou cristão. Que ele me guarde a seu lado, bem dentro do coração. 8

Dudu Sandroni alerta que veremos mais tarde, cerca de quatro séculos depois, a mesma postura: aliar a representação teatral a um mero uso pedagógico, evidente também nos autores do Teatro Escolar a fim de instruir as crianças. O mesmo autor considera a presença do teatro de marionetes no século XVIII como um dado histórico de referência importante para o desenvolvimento do teatro infantil no Brasil, visto que esta forma de linguagem cênica é muito utilizada ainda na atualidade. Sandroni assim discorda do crítico Sábato Magaldi, que por sua vez, trata os séculos XVII e XVIII como de um total vazio teatral. Havia sim uma carência teatral, porém Sandroni pensa ser importante não negar este teatro de marionetes, exibido nas ruas, principalmente se estamos discutindo os antecedentes do teatro infantil.

(^8) Anchieta apud Sandroni, p. 20.

Eis o exemplo de um monólogo de Carlos Gois ( com indicação para menina de cinco anos ) :

Conhecem a Caixa escolar? É uma senhora muito rica, que dá roupa, merenda, calçado, livros, cadernos e até confeitos, às crianças pobres. Se a criança não dispõe de meios para freqüentar a escola, ela lhe facilita tudo, mas não deixa que a criança fique analfabeta. 10

Na declamação, visava-se que a criança aprendesse os valores propostos na época, a partir da vivência da palavra falada. O Teatro Escolar persistirá ainda por muito tempo. Muitas traduções serão feitas, e como sempre, as francesas serão as prediletas. Mais tarde darão preferência a textos nacionais. Além dos bons modos a serem aprendidos, os valores patrióticos serão evidenciados, através de uma proposta de cunho nacionalista. Ademais do já citado Pimentel, outros nomes se destacarão: Coelho Neto, Manoel Bonfim, Figueiredo Magalhães e Olavo Bilac. Porém, o texto teatral continua sendo usado para ser declamado. Não há a presença de jogo cênico. As primeiras noções de teatralidade vão aparecer somente na década de 1930, com Felix Carvalho, Joracy Camargo e Henrique Pongetti. Técnicas teatrais passam a ser ensinadas às crianças, dando maior atenção à dramatização, distinguindo-a da narração. Em 1933, no livro “ A teatrologia infantil ”, Felix Camargo escreve:

A narração simples de uma árvore não é teatralizável: teatralizar é viver a personagem de uma ficção. Dramatizar é vibrar, dando alma à personagem que se teatraliza...^11

O livro de Joracy Camargo e Henrique Pongetti, intitulado “ Teatro para crianças ”, em 1938, explica vários elementos de uma carpintaria teatral, tais como: coxia, pano de boca, por exemplo, e aborda questões cênicas como a indumentária, a cenografia e a própria encenação em si. Em um discurso proferido sobre teatro, em 1937, Joracy Camargo faz uma importante colocação sobre o teatro infantil. Ele diz:

(^10) Góis apud Sandroni, p. 36. (^11) Camargo apud Sandroni, p. 63.

Precisamos, portanto, cuidar, com urgência, da formação de futuros espectadores. Quem não entende de teatro, quem não conhece literatura teatral e um pouco da história do teatro, que por sinal é muito atraente, dificilmente gostará de freqüentar espetáculos, e nunca terá amor pela arte dramática. 12

Como disse no início do capítulo, o ponto de partida para alargar os horizontes do teatro infantil, para além das escolas, acontecerá somente em 1944, com o embaixador Paschoal Carlos Magno, em seu projeto “Teatro do Gibi”. Esta foi, de fato, a primeira concretização de uma proposta efetiva e diferenciada do que se vinha fazendo até então no “teatro infantil”. Agora, inclusive atores adultos serão responsáveis pelo projeto. Quatro anos mais tarde, acontecerá o marco inicial do teatro infantil. Lúcia Benedetti escreve “ O casaco encantado ”, a pedido do empresário carioca Francisco Pepe. Neste mesmo ano, uma companhia austríaca tinha apresentado no Brasil um espetáculo infantil, o que entusiasmou o empresário. Porém, quando este desistiu, Paschoal Carlos Magno resolveu levar o projeto adiante. A companhia, Artistas Unidos , tendo à frente a atriz Henriette Morinau, foi responsável pelo espetáculo. A peça fez muito sucesso, tendo inclusive ocupado horários noturnos de apresentações, além de ter viajado pelo Brasil durante um ano. A autora recebeu os prêmios de “Revelação do ano”, pela crítica, e o prêmio “Arthur Azevedo”, da Academia Brasileira de Letras. Depois escreveu outros textos infantis, sendo um deles musicado por Heitor Villa-Lobos. A partir do sucesso da peça de Benedetti, artistas de renome começaram a fazer teatro infantil, além de grupos jovens. O Serviço Nacional de Teatro também resolveu dedicar-se ao teatro infantil, e muitas peças novas foram subvencionadas. Finalmente, o teatro infantil desvinculava-se de mero apoio pedagógico/ didático e alcançava o destaque de obra artística. Também em 1948, o grupo conhecido como TESP (Teatro Escola de São Paulo) estreava “ Peter Pan ”, no Teatro Municipal de São Paulo, sob o comando de Tatiana Belinsky e Júlio Gouveia. O TESP teve muita importância para a história do teatro infantil com trabalhos feitos até 1964 e foi o responsável pela inclusão deste mesmo teatro na televisão brasileira, em 1951.

(^12) Apud Sandroni, p. 67.

Segundo a crítica teatral Maria da Glória Lopes, a década de 70 traz uma diversificação de propostas cênicas, entre elas a importância do teatro de bonecos, a incursão no folclore e nas artes circences.^14 Na mesma década de 70, a pesquisadora Maria Lúcia Pupo analisa espetáculos em São Paulo e destaca os mesmos equívocos que nos lembram o teatro escolar do passado, tais como: moralismos, didatismos, dramaturgia frágil, estereótipos, imagem infantil idiotizada, etc...^15 Ou seja: continuamos com esforços pontuais na busca do desenvolvimento do teatro infantil, e não um painel forte e integrado de renovações. Nazareth destaca na década de 80 dois momentos: o primeiro desanimador, pois os grupos antes mencionados extinguiam-se. O segundo, quando uma determinada empresa de refrigerantes resolveu investir no teatro infantil, provocando o surgimento de um boom deste. O teatro infantil apresentava diversos trabalhos com novos nomes e foi desenvolvendo grande qualidade. Após a retirada dos investimentos desta empresa houve novamente uma queda. Os grupos de qualidade não conseguiram manter-se de forma independente e um período de desalento dominou o cenário. Neste momento difícil, alguns empresários e produtores interessados apenas em “comercializar produtos”, dominaram, de certa forma, o ambiente. Apesar de esforços raros, o painel do teatro infantil retrocedeu em seus poucos avanços anteriores. Veremos as conseqüências agora, em nossa atualidade. Por sinal, a época correspondente ao foco de interesse nesta dissertação. 16 Este breve histórico foi, de certa forma, uma possibilidade de reflexão, a fim de percebermos, entre outras questões, o porquê da fragilidade do teatro infantil nos dias atuais.

(^14) Apud Nazareth , em artigo O teatro infantil e sua história. (^15) Apud Maria Aparecida de Souza, em Teatro infantil ou teatro para crianças? (^16) Minha seleção de textos dramáticos e críticos procurou situar-se nos últimos dez anos. Recorte escolhido para viabilizar a dissertação de mestrado.

Atualidade

Em 1995 Ilo Krugli, no I Seminário do texto teatral e do teatro na escola, realizado na Biblioteca Estadual Celso Kelly, depois que o público colocou suas preocupações, suas questões e sua visão da situação do teatro infantil no país, Ilo teve uma fala comovida: “Ouvindo vocês falarem tenho a sensação de que nada fiz nestes trinta e cinco anos de trabalho, pois, quando comecei as reclamações eram as mesmas que ouço hoje...trinta e cinco anos depois”. Hoje à tarde, assistindo a um espetáculo no RJ, tive exatamente a mesma sensação que Ilo Krugli, em 1995. Parece que nos meus vinte e cinco anos de trabalho com o teatro infantil nada mudou. E já tivemos momentos gloriosos mesmo de excepcional qualidade e excelência do teatro para crianças. 17

Em uma pergunta feita por mim ao crítico, por e-mail , este me confirmou o péssimo painel atual do teatro infantil, além de afirmar a necessidade de se fazer algo para mudar esta situação, a partir do próprio sentimento de indignação. Salvo uma minoria de artistas e organizações como o CBTIJ, CEPETIN e CRTI, o que resta são pessoas sem nenhum trabalho de pesquisa, má formação teatral e isentas de certos escrúpulos, visto que a única preocupação consiste em “caçar alguns níqueis”. O crítico alerta para a necessidade de discutir mais sobre o assunto nas academias, meios de comunicação, órgãos públicos, etc...^18 O público está escasso e no momento que o espectador presencia uma encenação equivocada naturalmente se afasta mais ainda do teatro. Assim, não se consolida nunca uma formação de platéia. Um ponto em comum, entre o mesmo crítico e Maria Helena Kühner, dramaturga e ensaísta, consiste no fato de que não há uma dramaturgia inédita acontecendo nos palcos. Nazareth observa em seu artigo “ Por uma dramaturgia renovadora ” a necessidade de arriscar e ousar mais. Ao mesmo tempo, reitera a questão do novo ser visto sempre como alvo de desconfiança. Além disto, afirma a proposição de que ainda há muito para se discutir sobre questões essenciais e básicas do teatro para crianças. Estas questões básicas ainda não foram

(^17) Nazareth,em artigo denominado Uma tarde inesquecível, enviado por e-mail , mas encontrado no blog 18 Vertente Cultural, em 2006. Ver artigo do autor denominado Balanço Teatral Infantil 2005. Encontrado no Blog Vertente Cultural.

Assim, o adulto se livra um pouco da posição autoritária de que sabe sempre mais do que a criança, simplesmente porque a sustenta economicamente ou porque tem mais conhecimentos. Desta forma, seria também possível conhecer um pouco mais sobre aquilo que diz respeito ao universo próprio desta criança, e conseqüentemente fazer um teatro que tenha uma dramaturgia que a toque, que realmente se dirija a ela. Este pensamento já foi abordado pela professora e pesquisadora Dra. Eliana Yunes, em sua tese de doutorado intitulada “ A infância e infâncias brasileiras: a representação da criança na literatura ”.^21 A autora analisa “a dominação do adulto enquanto ‘construtor’ da obra artística sobre e para a criança, mas não num diálogo com a criança”. 22 Yunes escreve:

O que passa a ocorrer em certas obras de certos autores que revolucionam o conceito de infantil em relação à literatura é que a linguagem da obra de arte passa a incluir a criança e sua perspectiva de mundo como parte estruturante da narrativa. Desaparecem os textos fáceis, recupera-se o humor inteligente, a percepção das crises humanas não como conseqüência do viver adulto, mas vivenciadas pela própria infância que participa. 23

Um exemplo apontado pela pesquisadora é o renomado autor Monteiro Lobato. Em suas obras é evidente a autonomia de pensamento e ação presentes na criança. Assim não haveria mais necessidade, como a maioria dos estudiosos verifica, da busca frenética do riso, por exemplo, ou uma movimentação excessiva para “prender a atenção” da criança. Ou ainda uma linguagem infantilizada como se ela pudesse melhorar a comunicação. Terminaria a constante de explicações em cena (incluo aqui o problema no texto também) e, ao invés disto, a encenação e o lúdico ganhariam força. O pior ainda pode acontecer: quando as cenas são feitas e explicadas simultaneamente, numa redundância absurda, ao pensar que a criança não será capaz de perceber o que está sucedendo no palco. E mais: finalmente acabaria o propósito freqüente de ensinar uma mensagem de bons costumes em cada peça teatral. Porque, penso eu, os clichês e estereótipos dizem mais respeito a nós mesmos, adultos, do que ao mundo da criança.

(^21) Tese de doutorado na PUC/RJ, em 1985 e atualmente em vias de publicação. (^22) Ibidem , p.5. (^23) Ibidem , p.310-311.

Kühner afirma, no já citado, “ Dramaturgia-hoje e sempre ”, que se não temos o que contar, nós acabamos disfarçando nossa falta no como contar. E aí, naturalmente, teremos uma concepção cênica equivocada, devido à própria ausência anterior ao realizado. Ter algo importante a contar é primordial. Para fazer uma dramaturgia de qualidade para crianças é necessário, antes de tudo, conseguir olhá-las como sujeitos inteiros e não meros “apêndices” do mundo adulto. Não é uma tarefa fácil, pois, naturalmente, as vemos sob uma ótica adulta. É necessário tentar ver sob o olhar do outro, e neste caso, tentar ver pelo olhar da criança. E este é um exercício essencialmente teatral; afinal, o teatro não prescinde do outro, ele é inclusivo e generoso por natureza. Se há uma falha no fazer teatro para crianças, há primeiramente uma falha no fazer teatro em si. Por isto, a importância da análise dos textos teatrais, (o foco e instrumento de minha pesquisa), mas percebo que é impossível analisá-los sem refletir sobre estas questões referidas anteriormente. Estão intrinsecamente ligadas. Ler um texto de dramaturgia para crianças é ler o teatro em si (e tudo que o engloba) e é também ler a criança. E conseqüentemente, leremos também como o adulto esta criança, visto que, em geral, este teatro é feito por adultos. No que se refere à dramaturgia em si, será possível encontrar textos que se dirigem à criança de uma forma que a desvaloriza e mesmo diminua (devido aos equívocos citados acima) e também ressaltar falhas no que diz respeito à estrutura dramática em si (o aspecto formal). Em referência a este último aspecto, percebo, através da análise do acervo de críticas de Carlos Augusto Nazareth para o Jornal do Brasil, um aspecto freqüentemente destacado pelo crítico: a tendência atual de mesclar a narrativa e o drama na escrita. Muitas vezes, o texto perde teatralidade, assim como o espetáculo. O teatro, como já vimos, é o lugar para se ver , essencialmente. Já a narração, cuja característica predominante é a valorização da palavra em si, torna- se prejudicada nesta mescla, no momento que o ator tenta mostrar a cena. Ou seja: nesta mistura de gêneros o equilíbrio se torna difícil e acaba não acontecendo, nem a “contação de histórias”, nem o teatro em sua plenitude. Não quero dizer que o crítico afirme a impossibilidade desta experiência obter êxito, mas para ele, é um equilíbrio difícil de ser atingido. Outro fato evidenciado por Nazareth trata de um equívoco freqüente nas adaptações dos contos tradicionais, quando o dramaturgo se fixa na trama em si, e

No que se refere às adaptações, observa-se, muitas vezes, uma adaptação parcial dos textos narrativos (contos, romances, lendas, crônicas...) para o texto dramático. Quero dizer: às vezes o ator narra algumas partes (usando recursos teatrais naturalmente), às vezes mostra / faz a cena (propósito essencialmente teatral). Interessante, é que isto também está presente, em nossa atualidade, no teatro em geral, seja para qualquer faixa etária. Em relação às adaptações infantis, Nazareth verifica (como já observado anteriormente) uma temática relacionada predominantemente às histórias dos contos tradicionais europeus ou às histórias de nossa cultura popular tradicional. Resumindo: o crítico observa dois fatos atuais predominantes. Um aspecto referido à temática e outro referido à forma integrante de narrativa e drama. Faço uma notação aqui importante. Quando me refiro à narração não pressuponho a simples presença de um narrador na peça teatral, pois o drama pode ter este recurso sem o comprometimento de sua teatralidade. Quando falo da tendência observada, falo de uma predominância da narração: uma aproximação com a narrativa oral cênica, mais conhecida como “contação de histórias” (mesmo que o ator utilize recursos teatrais). No que diz respeito à temática, a dramaturga e ensaísta Maria Helena Kühner observa no livro “ O teatro dito infantil ” uma aproximação freqüente entre o universo da criança e o universo popular, talvez por ambos serem vistos como “menores” (sentido pejorativo) em nossa sociedade. Concluo que estas são as tendências atuais mais relevantes, além de outras citadas por Kühner em seu artigo “ Dramaturgia –hoje e sempre ”. As outras referências renovadoras destacadas pela ensaísta são a presença do humor crítico e lúdico, da linguagem poética e lírica e a fusão de linguagens. No que diz respeito, à fusão de linguagens, a criação vai mais longe do que a mescla entre narração e drama; inclui ainda um diálogo do teatro com outras formas, tais como o circo e a performance , por exemplo. Percebo através destes estudos que a questão hoje está predominantemente relacionada ao como fazer teatro. A renovação procurada está acontecendo por este caminho. E a própria Kühner afirma isto em suas colocações. Sabemos que não há regras de certo ou errado na arte, pois nela trabalhamos com experiências sutis, muitas vezes beirando limiares. Portanto, realmente nos parece “cansativo” (no sentido de que já foi muito visto) trabalhar com contos de fada ou lendas

indígenas, por exemplo, mas dependendo da forma como o artista faz esta leitura, ele pode trazer ares novos e ser este trabalho muito interessante. Outro exemplo: Carlos Augusto Nazareth defende em suas críticas a importância de uma dramaturgia essencialmente teatral (a predominância do mostrar ), com a qual eu pessoalmente concordo. Afinal, este é o fundamento consistente do ato teatral. Ao mesmo tempo, o crítico pode reconhecer um espetáculo cuja característica consista na mescla de drama e narrativa como um bom espetáculo. Naquele momento, aquela forma de fazer se equilibrou e não foi capaz de prejudicar a teatralidade do espetáculo, resultando assim numa experiência bem sucedida. Resumindo: não há uma regra fixa e que jamais possa ser alterada. São questões mais sutis e delicadas. Talvez, a única questão unânime a todos que fazem e/ou pesquisam teatro seja a presença do conflito, o fato da dramaturgia não prescindir deste, seja esta infantil ou adulta. Aqui, toco num ponto crucial: quando discutimos dramaturgia para crianças, discutimos a dramaturgia em si. Ivanir Calado, em artigo intitulado “ Seminário de dramaturgia para crianças e jovens” , para a revista “Sensibilidade e imaginação/ Dramaturgia e Educação” do CBTIJ, afirma esta posição ao dizer que tecnicamente não há diferenças em escrever um bom texto teatral para crianças ou para adultos. A dúvida para o autor reside em relação ao conteúdo presente, se há ou não a necessidade de se ter um “cuidado” ao que se diz a este público infantil. A professora Eliana Yunes discorda desta posição. Em aula ministrada na Puc/RJ 24 , dirigida ao seu grupo de orientandos, a doutora afirmou a possibilidade de tratar diversos assuntos com a criança, tanto na literatura, quanto no teatro^25. A questão consiste no encontro da forma adequada à abordagem do tema. Apontou exemplos na literatura infantil: o já citado Lobato e a escritora Lygia Bojunga, onde temas considerados “fortes” para a criança são apresentados. Ainda em relação a um aspecto formal, quero observar outra questão referente à dramaturgia fragmentada. Mesmo que a dramaturgia aristotélica ainda seja um parâmetro freqüente, é cada vez mais comum encontrarmos nos palcos esta dramaturgia fragmentada, onde não há um início, meio e fim determinados. No conjunto das críticas de Nazareth para o JB, o autor ressalta a atenção para a

(^24) Aula ministrada no segundo semestre de 2006. (^25) Yunes também já foi crítica de teatro infantil do JB.

e ao devaneio. Penso que os dramaturgos trabalham em cima deste ponto basicamente. E talvez este seja o ponto com o qual todo adulto se encanta em relação ao universo “dito infantil”: esta possibilidade mais livre de criar e sonhar, e que, quando crescemos, não mais nos permitimos tanto. Os artistas são os adultos que continuam a trabalhar com esta abertura ao imaginário. Sua profissão legitima esta atitude particular. Também é unânime entre os artistas e pesquisadores a importância de provocar a reflexão na criança. Mais do que ensinar valores é vital provocar a discussão e a autonomia para o questionamento. Penso que como o teatro (texto e cena) possui esta característica de um pensamento/palavra em ação, em atitude, é através da comoção que ele pode despertar o aspecto crítico. E mais do que nunca, a criança está aberta ao jogo do sentir e do vivenciar, muito mais do que nós adultos. São nestas direções que o texto/espetáculo teatral para crianças devem caminhar. No mais, há especulações, descobertas e experimentações. Caminhos a serem elaborados e percorridos. Realmente, os erros já citados e verificados podem ser evitados. Mas respostas firmes, neste tempo de incertezas, também são raras. Concluindo: na atualidade, se verifica um painel de teatro infantil extremamente frágil, nebuloso e carente, onde um dos grandes problemas é a ausência de uma dramaturgia nova e forte. As adaptações dos “clássicos” são freqüentes e o destaque, em geral, acontece na busca de diferenciação nas encenações. E esta busca de fazer uma encenação diferente, a fim de parecer fazer algo inovador, nem sempre é bem sucedida. Porém, há sim a presença de alguns nomes, mesmo em minoria, preocupados com uma investigação séria, dentro da proposta cênica e mesmo na dramaturgia. A presença da procura por novos caminhos de qualidade para o teatro não foi esgotada por completo. Felizmente. E assim apresentarei alguns nomes nesta minha pesquisa.

A busca de novos caminhos.

Procuro então, no registro que o teatro nos deixa (o seu texto), refletir sobre esta dramaturgia feita para crianças, nos tempos atuais. Como recorte para minha dissertação, elegi textos dramáticos escritos nos últimos dez anos, assim como privilegiei nomes de críticos em atividade como interlocutores. Por isto, determinados críticos são mais evidenciados do que de outros. Outra questão a frisar: existe pouco espaço para expor o trabalho crítico de teatro infantil, portanto raros artigos são encontrados. Propositadamente, fiz um caminho não muito usual. Não assisti às encenações dos textos escolhidos por mim. Procurei analisar os textos em cima da teatralidade que suas escritas me revelam. E percorri este caminho, principalmente, porque a dramaturgia é considerada um ponto frágil no teatro infantil. Assim, me detive neste ponto. Porém, naturalmente, reflito sempre sobre uma cena teatral, pois mesmo não vendo a exibição do espetáculo, a escrita teatral, como já vimos, nos leva para um espaço cênico, através do imaginário. Por isto foi fundamental para mim a escolha de textos essencialmente teatrais. Quero dizer: textos que evitem a já citada mescla entre narrativa e drama. Pessoalmente, penso ser importante privilegiar esta característica essencial do drama: a palavra que mostra. E já que esta característica está sendo minimizada nos palcos, decido ser importante resgatá-la. Já que um dos grandes problemas atuais foi verificado, direta ou indiretamente, em relação à fragilidade da dramaturgia, optei por textos que me propusessem uma consistência de ação dramática e de seus elementos subjacentes. Uma dramaturgia frágil pode ser encontrada em qualquer texto teatral (para crianças, jovens ou adultos). E, penso eu, está relacionada também à falta de convivência com este tipo de texto. E isto pode e deve ser estimulado na escola, por exemplo. Porém, como não quis fazer a “ crítica da crítica ” e sim mostrar possibilidades afirmativas , optei por uma dramaturgia apresentada com um bom desenvolvimento. Até porque o problema mais grave e sério referente ao universo do teatro infantil diz respeito à forma desrespeitosa com que se trata a criança. A falta de intimidade com o texto dramático é mais fácil de corrigir do que uma mentalidade cultural baseada numa visão da criança como um ser humano