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1 Dicotomia entre Espiritualidade e Prática Cristã na Igreja ..., Notas de aula de Teologia

Deus da revelação e de Jesus Cristo. 129. Claro está que as conseqüências dessa teologia se fazem sentir até hoje nos gestos, nas posturas e rupturas ...

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Copacabana
Copacabana 🇧🇷

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Dicotomia entre Espiritualidade e Prática Cristã na Igreja
Batista Brasileira
O objetivo deste capítulo é caracterizar a dicotomia entre espiritualidade e
ação cristãs no pensamento e doutrina batistas que tem impedido a realização de
uma evangelização transformadora que leve em conta o ser humano em todas as
suas dimensões.
A dicotomia entre espiritualidade e ação cristã não é particular ao meio
batista. Tampouco é novidade no cristianismo. Representa a forma atualizada de
duas concepções, excludentes, que têm, ao longo dos séculos, se consolidado na
prática de vida dos cristãos. A mística, mais contemplativa, privilegia os valores
espirituais e dá pouca importância à dimensão material da vida dos cristãos.
Considera o ativismo uma forma de fugir das questões centrais da vida cristã e
eclesiástica. A vida terrena é apenas uma passagem para a pátria celeste, que deve
ser o centro das atenções. A outra, da militância social, focaliza a ação no mundo
– espaço e tempo; lugar e História – e associa atividades contemplativas à
passividade e alienação.12
As duas concepções, e as posições que as legitimam, têm sua origem antes
dos primórdios do cristianismo. Não surgem na Igreja, fazem parte de uma
estrutura mental de oposição-exclusão, própria de um dualismo que vem,
sobretudo, da cultura helênica, penetrou na comunidade cristã e ficou enraizado na
consciência e prática de cristãos, influenciando suas atitudes.13 Esses argumentos
serão desenvolvidos, ainda que sumariamente, na primeira seção deste capítulo.
Na segunda seção apresentam-se alguns dos dados históricos da formação
do pensamento e da doutrina no protestantismo Batista brasileiro. Consideram-se,
também, os efeitos práticos desse dualismo na vida social e religiosa desses
cristãos. Tomam-se, como exemplos ilustrativos da presença desse dualismo, duas
12GALILEA, Espiritualidade da libertação. Trans. PINHEIRO, E., Petrópolis: Vozes, 1975, p.7-
14.
13RUBIO, Unidade na pluralidade: o ser humano à luz da fé e da reflexão cristãs. Petrópolis:
Vozes, p. 97.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0612066/CA
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Dicotomia entre Espiritualidade e Prática Cristã na Igreja

Batista Brasileira

O objetivo deste capítulo é caracterizar a dicotomia entre espiritualidade e ação cristãs no pensamento e doutrina batistas que tem impedido a realização de uma evangelização transformadora que leve em conta o ser humano em todas as suas dimensões. A dicotomia entre espiritualidade e ação cristã não é particular ao meio batista. Tampouco é novidade no cristianismo. Representa a forma atualizada de duas concepções, excludentes, que têm, ao longo dos séculos, se consolidado na prática de vida dos cristãos. A mística , mais contemplativa, privilegia os valores espirituais e dá pouca importância à dimensão material da vida dos cristãos. Considera o ativismo uma forma de fugir das questões centrais da vida cristã e eclesiástica. A vida terrena é apenas uma passagem para a pátria celeste, que deve ser o centro das atenções. A outra, da militância social, focaliza a ação no mundo

  • espaço e tempo; lugar e História – e associa atividades contemplativas à passividade e alienação.^12 As duas concepções, e as posições que as legitimam, têm sua origem antes dos primórdios do cristianismo. Não surgem na Igreja, fazem parte de uma estrutura mental de oposição-exclusão, própria de um dualismo que vem, sobretudo, da cultura helênica, penetrou na comunidade cristã e ficou enraizado na consciência e prática de cristãos, influenciando suas atitudes.^13 Esses argumentos serão desenvolvidos, ainda que sumariamente, na primeira seção deste capítulo. Na segunda seção apresentam-se alguns dos dados históricos da formação do pensamento e da doutrina no protestantismo Batista brasileiro. Consideram-se, também, os efeitos práticos desse dualismo na vida social e religiosa desses cristãos. Tomam-se, como exemplos ilustrativos da presença desse dualismo, duas

(^12) GALILEA, Espiritualidade da libertação. Trans. PINHEIRO, E., Petrópolis: Vozes, 1975, p.7-

  1. 13 RUBIO, Unidade na pluralidade: o ser humano à luz da fé e da reflexão cristãs. Petrópolis: Vozes, p. 97.

alegorias muito utilizadas na catequese Batista: o quadro Os Dois Caminhos e o livro O Peregrino. Na terceira seção, trata-se do surgimento do Evangelho Social, reação ao dualismo dominante. A idéia, que posteriormente evoluiu para a de uma Missão Integral , está fundamentada numa visão mais holística e integradora do ser humano. A visão histórica, aqui apresentada de forma sumária, está limitada à Igreja Batista no Brasil. Ainda assim, não pretende esgotar a caracterização e explicações sobre a dicotomia entre espiritualidade e ação cristã naquela denominação. Interessa contribuir, ainda que de forma modesta, na tomada de consciência dos inconvenientes de uma visão dualista da proposta cristã e situar a discussão dos capítulos seguintes.

1. A penetração do dualismo no cristianismo

Após a morte de Jesus de Nazaré seus projetos pareceram malograr. Seguidores e discípulos se dispersaram. A possibilidade da ressurreição era inimaginável ou, no máximo, constituía uma esperança ainda incipiente. Quando os discípulos estavam reunidos em Pentecostes, experimentaram o derramamento do Espírito Santo sobre a comunidade (cf. At. 1,41). Nessa oportunidade, segundo o autor de Atos dos Apóstolos, mais de três mil pessoas aderiram à fé da Igreja nascente (cf. At 2,1-41). O Pentecostes muda toda a vida desse pequeno grupo, que até então se sentia fraco e amedrontado. Agora, ao vê-lo como o Cristo vivo, que cumpria sua promessa de derramamento do Espírito Santo, aquele grupo inicial de seguidores de Jesus se enche de coragem e passa a proclamá-lo como o Messias prometido. A mensagem gloriosa que doravante estariam anunciando no mundo pode ser assim resumida: Jesus de Nazaré, crucificado pelos homens, foi ressuscitado pelo Pai e está à direita deste no céu (cf. At 2,32-33). A primeira comunidade cristã tinha suas raízes na religião judaica, isto é, numa religião nacional, pertencente a um povo particular, como todas as religiões antigas. Essa comunidade, após a morte-ressurreição-ascensão de Jesus, teve “ a

do Ocidente. A visão dicotômica, em nível de reflexão, tem sua origem no universo religioso da Índia, na teologia da Pérsia antiga,^17 anterior, portanto, ao florescer da filosofia grega. No mundo helênico foi desenvolvida primeiramente entre os pitagóricos. Para explicar a multiplicidade e o devir, eles recorrem à luta dos opostos, pares e ímpares, entendida como antítese ou encontro de realidades antagônicas que governam o universo e criam, nos mundos físico e antropológico, contrastes e conflitos que só podem ser superados e harmonizados no nível das realidades matemáticas, justamente por serem abstratas. Posteriormente, já no campo filosófico, o dualismo é fortemente valorizado pelo pensamento de Platão (428 ou 427 a.C - 347 a.C). Sua formulação teórica, especialmente a metafísica, “teve um influxo decisivo na formulação e no desenvolvimento da filosofia, da cultura, da civilização e do ser mesmo do Ocidente europeu.”^18 Resumidamente pode-se dizer que foi Platão quem conferiu, no campo da metafísica, a formulação teórica do dualismo.^19 Este filósofo concebeu dois universos separados e opostos entre si.^20 Foi ele, sem dúvida, quem melhor sintetizou as principais fontes do dualismo antigo, às vezes agregando ou deduzindo elementos novos. Platão distinguiu entre o não-ser, as coisas ou a Matéria (a qual não passa de aparência), sempre mutável, do Ser, as Idéias (ápice da divindade), realidade imaterial e eterna que ordena o caos.^21 Outras correntes filosóficas desenvolveram também esta visão dualista. O neoplatonismo e o estoicismo foram as correntes que mais influenciaram o cristianismo na Antiguidade.^22 Portanto, a Igreja dos primeiros séculos estava diante do imenso desafio de justificar-se e pregar àqueles socializados na cultura helênica ou instruídos na filosofia grega que consideravam a fé cristã secundária ou de pouco valor, quando não totalmente desprezível. Para apresentar a verdade cristã e demonstrar sua

(^17) RUBIO, A.G. Elementos de Antropologia Teológica - Salvação cristã: salvos do quê e para quê? 18 , ed. TEOLÓGICA, C.I. (Petrópolis: Vozes, 2004). p. 25. 19 RUBIO, Unidade na pluralidade: o ser humano à luz da fé e da reflexão cristãs. p. 97. PERANI, C. A ação da Igreja nas bases: da Integração à Libertação , CEI SULEMENTO No.

  1. p. 210. 20 BASTOS, F. Panorama das idéias Estéticas no Ocidente (De Platão a Kant) (Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1987). p. 22. 21 22 Ibid. p. 23-24. RUBIO, Elementos de Antropologia Teológica - Salvação cristã: salvos do quê e para quê? p.

superioridade sobre a tradição helênica, os Padres da Igreja – escritores dos primeiros séculos que se dedicaram à elaboração da doutrina cristã – e intelectuais como Ambrósio, Eusébio de Cesáreia, Clemente de Alexandria, Orígenes e Agostinho, entre outros, enfrentaram muitos desvios e erros introduzidos pela influência de doutrinas dualistas vigentes à época. A propósito, Libânio e Murad focalizam os problemas decorrentes dessa aproximação entre a reflexão cristã da época e o pensamento filosófico de feitio grego, predominante, nos seguintes termos:

“À medida que se incultura, adotando expressões de fé e utilizando categorias dos esquemas mentais de seus interlocutores, a reflexão de fé defronta-se com imprecisões e dúvidas. Surgem grupos radicais, que tendem a descaracterizar a identidade cristã, como donatistas, docetistas, gnósticos, etc. O embate com as heresias estimula e faz avançar a teologia, ao requerer precisão de termo e fidelidade criativa à Escritura. A multiplicidade de Concílios Ecumênicos (Nicéia, Éfeso, Calcedônia, Constantinopla) e regionais (Elvira, Orange) atesta o viço e o clima apaixonante da teologia patrística, em relação com a vida da Igreja.” 23

No contato missionário com outros povos, diferentes da cultura semita, muitos problemas foram enfrentados para fazer acontecer a inculturação do evangelho. O dualismo radical afirmado pelo gnosticismo 24 nas suas diversas variantes foi o principal desafio que levou a Igreja a precisar melhor, com a mediação do instrumental filosófico, sua visão de homem (antropológica) e, mais concretamente, o tipo de relação existente entre a alma e o corpo. Na luta contra a penetração gnóstica no cristianismo, embora os Padres tenham utilizado, freqüentemente, elementos de antropologia desta doutrina, suavizavam seu dualismo, como forma de respeitar a intencionalidade básica cristã.^25 Houve também Padres que utilizaram propositalmente a antropologia dualista helênica dentro dos limites impostos pela intencionalidade básica cristã: no Oriente, sobretudo Orígenes e os Padres que pertenciam à Escola de Alexandria, Clemente, entre eles. Entre os defensores dessa tendência

(^23) MURAD, A. e LIBÂNIO, J.B. Introdução à Teologia. Perfil, enfoques, tarefas (São Paulo: Edições Loyola, 2005). p.116-117. 24 É aquele que apresenta o corpo em particular e a matéria em geral como intrinsecamente maus, bem como a alma e a dimensão “espiritual” como intrinsecamente bons. Para maiores esclarecimentos, ver: RUBIO, Unidade na pluralidade: o ser humano à luz da fé e da reflexão cristãs. RUBIO, Unidade na Pluralidade, op. cit., p. 268-272. 25 Ibid. p. 356. Murad.

Tanto a alma quanto o corpo pertencem ao mundo das realidades criadas pelo único Deus criador e salvador. Portanto, a alma não é divina, nem emanação do divino. Ela não é preexistente, nem muito menos prisioneira do corpo por castigo. O corpo não é mau e nem foi criado pelo demônio, mas é bom e ressuscitará. A dualidade corpo-alma é real, mas essa não deve levar a um dualismo – uma opção entre um e outro – no qual somente a alma seja colocada como boa, pertencente à esfera do divino, enquanto o corpo é considerado mau e como pertencente ao mundo mau e demoníaco.^29 A segunda linha de crítica ao dualismo radical da Patrística decorre da lógica implícita na realidade da encarnação: se Deus, por meio do Logos divino, assumiu um corpo humano real, inclusive com a passagem pela experiência da morte, este corpo só pode ser bom. A perspectiva bíblico-cristã deixa claro que se há um só Deus criador e este Deus é bom, a matéria não pode ser má. Vistas por este ângulo, criação e encarnação representam uma rejeição terminante do dualismo.^30 Cabe ressaltar, que o dualismo se dá quando as relações entre duas dualidades em tensão se resolvem uma mutilando a outra. Isto é, para destacar um dos elementos em tensão mutila-se o outro. O dualismo é empobrecedor e reducionista. A dualidade espiritualidade e corporeidade é real, deve ser defendida sempre. O mal não se encontra na essência das coisas. Ele está no nível da liberdade das escolhas éticas, no coração humano. Segundo Fernand van Steenberghen, 31 é na sabedoria agostiniana que se encontra a expressão mais notável do pensamento patrístico, que considera uma estreita colaboração entre fé e razão. Agostinho (354-430) – numa espécie de neoplatonismo cristão que muito influenciou toda a Idade Média e épocas posteriores – apresenta um dualismo suavizado (em relação ao de Platão, ao de Plotino, dos gnósticos e maniqueus) em sua doutrina antropológica de corpo-alma especialmente quando trata da sexualidade.^32 De fato, Agostinho defendeu claramente a tese da liberdade contra os que colocavam o corpo como origem do mal. Em seu livro De Natura Boni (Da

(^29) Ibid. p. 339-340. (^30) Para um estudo detalhado desta posição teológica, ver Ibid. p. 318-359. (^31) STEENBERGHEN, F.V. História da Filosofia - Período Cristão , trans. PONTES, J.M.D.C. (Lisboa: Gradiva, 1984). p. 42-52. 32 DUSSEL, El Dualismo en la Antropología de la Cristandad. p. 179-184.

Natureza do Bem), fundamenta a afirmação de que o mal não se encontra na natureza das coisas, mas em desordens provenientes da liberdade humana ( livre- arbítrio ). Em outras palavras, só o homem pode corromper a ordem natural e permitir a aparição do mal no mundo:

“Não é pois, como falei acima, que o pecado seja um apetite proveniente de natureza má, mas o desprezo de algo melhor. Portanto, o mal está no ato do pecador, não na natureza da qual o pecador esteja fazendo o mau uso. O mal é um mau uso do bem (Male uti bono). O mal tem origem no livre arbítrio da vontade ( ex libero voluntatis arbítrio ).”^33

Ainda que as criaturas sejam falíveis devido à sua mutabilidade, são metafisicamente valiosas, boas, pois, segundo Agostinho toda natureza enquanto natureza é um bem. Desse modo, ele se opõe frontalmente aos maniqueus, que pensavam que o corpo fosse a origem do mal e, mais ainda, criação de um deus negativo. Agostinho nega expressamente que a origem do mal esteja na matéria e, muito menos, no corpo. O corpo não pode ser mau, pois Deus só criou o bem. O corpo e a matéria também não são a origem do mal, nem resto de pecado como afirmavam os maniqueus. Assim, o dualismo proveniente dessa concepção é rejeitado por Agostinho, para quem a liberdade está condicionada tanto pelo corpo quanto pela alma e é exercida na corporalidade e na temporalidade. Deus é amor livre e o homem é participação desse amor livre.^34 O mal, que surge da desobediência do homem, é a “ausência” de Deus, não tendo, portanto, existência autônoma. Agostinho professa um otimismo moderado quando afirma que a Divina Providência domina a evolução do mundo e que todos os males concorrem para o estabelecimento de uma ordem definitiva na qual o bem triunfará. A influência do Bispo de Hipona e sua forma moderada de dualismo se fizeram sentir de modo acentuado nos séculos seguintes. Com ele, o cristianismo passa de uma doutrina religiosa e um conjunto de normas morais, conforme os escritos bíblicos, para um edifício lógico e racional.^35 Contudo, ao longo da história da Igreja, podem ser observados momentos, fases da visão dualista excludente subjacente à espiritualidade e à prática cristã. De fato, resíduos do dualismo helênico presentes

(^33) Cf. Agostinho citado por Ibid. p. 135. Tradução nossa. (^34) RUBIO, Unidade na pluralidade: o ser humano à luz da fé e da reflexão cristãs. p. 629-633. (^35) Ibid. p. 335.

Tomás de Aquino, fundamentado no instrumental filosófico do pensamento grego, revisa a doutrina hilemórfica e elabora, a partir dela, uma visão unitária do homem. Esse foi um salto qualitativo para a época, porém, afora Aquino, “ a matriz “ser-essência”, que subjaz ao aristotelismo e à escolástica, se articula em esquema dual, que dá azo a nefastos dualismos na vida de fé e suas expressões. ”^40 A influência do pensamento tomista irá prosseguir nas diversas correntes neotomistas ou pós-tomistas pelos séculos XIII ao XV. Com o declínio posterior da Escolástica, e em especial com o declínio da Escola Dominicana, a influência de Tomás de Aquino aos poucos cede lugar à volta da filosofia platônico- agostiniana. Assim como os dualismos platônico, neoplatônico e estóico influenciaram a vida e a reflexão cristãs, também outras formas posteriores de dualismo^41 continuaram a influenciar o pensamento e a prática cristãos. 42 Descartes (1596-

  1. terminou por enclausurar o espírito humano nos limites do mundo natural, porque só aí a matemática acha a sua legítima aplicação.

“As conseqüências desta antropologia são bem conhecidas: o sujeito (a consciência humana) está cortado da própria corporeidade e vice-versa. Ora, se o sujeito entra em contato com os outros sujeitos mediante o corpo, uma vez separado deste (do corpo), fica igualmente isolado dos outros sujeitos. Está, assim, aberta a porta para o individualismo moderno com suas seqüelas de dominação e opressão dos outros (pessoa concreta, classe, raça, sexo, povos...). O sujeito também se encontra separado radicalmente do mundo, da natureza e vice-versa. A realidade ficará, assim, perigosamente cindida em pura subjetividade e pura objetividade. Esta separação é prejudicial e ainda hoje perturba seriamente o diálogo entre ciências da natureza e ciências do espírito; entre razão e fé, e assim por diante. Divórcio funesto, que conduzirá à instrumentalização e manipulação destruidora do mundo da natureza (crise ecológica). Divisão dicotômica da realidade mais radical que o dualismo platônico e neoplatônico, e que reforçará a penetração deste na vida e na reflexão teológica e eclesiais.” 43

Finalmente, o mundo dos sentimentos, das emoções, das paixões, na prática não tem nenhum valor para Descartes. Então, uma vez que é impossível

(^40) MURAD e LIBÂNIO, Introdução à Teologia. Perfil, enfoques, tarefas. p. 133. (^41) Uma vez que o dualismo praticamente sempre existiu em todos os tempos e lugares. (^42) CASTAGNOLA, U.P.E.L. História da Filosofia , 16a. ed. (São Paulo: Melhoramentos, 1994). p.

  1. 43 RUBIO, Unidade na pluralidade: o ser humano à luz da fé e da reflexão cristãs. p. 101-102.

aniquilá-las, o sábio deve combater as paixões, controlá-las. Desta forma, como observa Garcia Rubio,

“a visão dualista de ser humano, herdado da antropologia neoplatônica e reforçada pela antropologia cartesiana, continua a influenciar a consciência católica. É verdade que se trata de um dualismo mitigado e não radical, mas mesmo assim, leva a estabelecer uma acentuada oposição entre elementos positivos pertencentes ao mundo das realidades da criação e da salvação. A predominância da relação de oposição-exclusão faz com que seja acentuado de maneira unilateral um dos pólos relacionados, enquanto o outro é descuidado ou desprezado. Assim, por exemplo, quando o assunto é a salvação cristã, será acentuada a dimensão espiritual e eterna desta realidade e concomitantemente será descuidado, desvalorizado ou desprezado o influxo da salvação no mundo e na história atuais. [...] esta visão de homem constitui um forte obstáculo para o caminhar da Igreja na concretização da salvação-libertação integral.” 44

Essas balizas fundamentais que podem ser encontradas no platonismo, no neoplatonismo, no estoicismo, no cartesianismo e em tantas outras filosofias posteriores, dão uma idéia bastante clara de como o dualismo antigo, especialmente o formulado por Platão e retomado, a sua maneira, por Santo Agostinho, coloca reais problemas – mas também preciosas pistas de solução – para as práticas cristãs.^45 A forte influência do dualismo – em suas diferentes manifestações e elaborações filosóficas – sobre o ideário cristão atingiu também o protestantismo. Na história da Igreja Batista Brasileira não poderia ser diferente, como se verá a seguir.

1. A Formação do Pensamento e da Doutrina no Protestantismo Batista Brasileiro

No que diz respeito à dicotomia entre espiritualidade e ação social, a Igreja Batista brasileira tem elementos em comum com o catolicismo, devido ao fato de que, os missionários evangélicos que aqui chegaram vinham de uma cultura com influência dualista e encontraram no país um solo fertilizado pelas sementes do

(^44) Ibid. p. 112. (^45) Para um estudo mais aprofundado ver DUSSEL, El Dualismo en la Antropología de la Cristandad. e RUBIO, Unidade na pluralidade: o ser humano à luz da fé e da reflexão cristãs. Já citados.

a alma quanto o corpo, tanto o divino quanto o humano em Jesus Cristo, tanto a oração quanto a ação, tanto o pessoal quanto o social, não conseguem superar uma estrutura mental subjacente marcada pelo dualismo excludente. Nas palavras de Garcia Rubio:

“Deparamos também com um terceiro grupo de católicos que confessam encontrar-se numa situação confusa, acometidos de fortes dúvidas e de acentuado mal-estar, quando se trata de assumir os compromissos que a nova consciência eclesial implica. Não está em jogo fundamentalmente, parece, a má vontade, o egoísmo ou o fechamento em face do apelo que brota da miséria e do sofrimento dos outros (embora, evidentemente, nada disto deve ser descartado aprioristicamente). Estes católicos desejam levar a sério as orientações da Igreja, mas ficam indecisos e como que paralisados na hora de concretizar o compromisso pela justiça e as exigências do amor-serviço solidário, sobretudo quando solicitados a vivê-las numa perspectiva política. Não se trata apenas das dificuldades próprias de um compromisso verdadeiro com a prática da justiça e do amor efetivo, em contextos fortemente conflitivos: incompreensões, calúnias, contradições, perseguições e até a própria morte. Estamos pensando numa dificuldade prévia, a saber, em determinada compreensão do homem subjacente à mentalidade religiosa destes católicos. É uma visão de homem que vem de muito longe, de um passado várias vezes milenar; visão profundamente enraizada na consciência destes católicos e que influencia poderosamente suas atitudes. Trata- se de uma visão de homem que estabelece forte dicotomia entre espírito e matéria (e, consequentemente, entre fé e vida cotidiana, entre fé e política, entre o divino e o humano, entre teoria e práxis etc.), desenvolvendo entre estas realidades uma relação de oposição-exclusão com acentuada tendência reducionista.” 50,

Pode-se, sem dificuldade, constatar na Igreja Batista brasileira a presença dessas três tendências próprias da perspectiva dualista entre os católicos. A semelhança entre o catolicismo e o protestantismo explica-se pelo fato que foi no mesmo substrato antropológico anteriormente descrito – gerador de dificuldades de integração das diferentes dimensões do ser humano, na vivência cristã e na missão evangelizadora –, que se desenvolveu o pensamento, a doutrina e a prática batista no Brasil. O pensamento atual da Igreja Batista brasileira é resultado de um processo histórico. Para entender o desenvolvimento do pensamento teológico e da prática pastoral no protestantismo brasileiro em geral, dos Batistas, em particular, é necessário lembrar do contexto e da estratégia de proselitismo que implicaram a oposição a Igreja Católica. Rubem Alves, em “ O protestantismo como vanguarda

(^50) Ibid. p. 96. (^51) Para uma exposição mais completa sobre o assunto, cf. A.G. Rubio, op. cit., p. 318-359.

da liberdade e da modernidade ”,^52 retrata, de modo um tanto caricaturesco, a estratégia a partir do qual se forma o pensamento e a doutrina no protestantismo:

“O protestantismo se entende como o espírito da liberdade, da democracia, da modernidade e do progresso. O catolicismo, por oposição, é o espírito que teme a liberdade e que, como conseqüência, se inclina sempre para soluções totalitárias e se opõe à modernidade. O protestantismo invoca a História como testemunha. [...] Se perguntarmos à História: “De que lado estás? Qual o teu destino?” Ela responderá: “O catolicismo é o passado de onde venho. “O protestantismo é o futuro para onde caminho.” 53

O modo como essa estratégia se realiza é diversificado. Muitos teólogos e historiadores batistas, em suas obras, têm buscado estabelecer uma linha de continuação dos ensinamentos de Jesus Cristo e do Novo Testamento com as propostas confessionais que defendem. A apologética^54 serve, assim, para descrever e fundamentar o início dos batistas: 55

“ Considerando as Raízes Doutrinárias, os Batistas saem diretamente das páginas do Novo Testamento: dos lábios e ensinos de Jesus e dos apóstolos e tem sua trajetória marcada pela oposição a toda corrupção da doutrina cristã claramente exposta no Novo Testamento. Ao consultar a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira você verá que as nossas doutrinas saem, com clareza límpida, das Sagradas Escrituras.” 56

Na verdade, a situação doutrinária batista tem sido complexa desde o início. Como regra geral, os historiadores concordam que os primeiros batistas vieram de uma infusão de idéias dos anabatistas europeus nas congregações separatistas inglesas, em meio a uma feroz guerra civil. A história e a teologia dos batistas brasileiros, segundo Martin Hewitt,^57 passaram por dois filtros, antes de chegarem ao Brasil. São produto dos dissidentes ingleses, que reuniam em sua tradição heranças dos lolardos, do século

(^52) ALVES, R. Religião e Repressão (São Paulo: Edições Loyola, 2005). (^53) Ibid. p. 48-49. (^54) AZEVEDO, I.B.D. A Celebração do Indivíduo: A formação do pensamento batista brasileiro (Piracicaba - SP: Editora Unimep, 1996). p. 262. 55 Do sítio http://www.batistas.org.br/ Documentos, Nossa História: Considerando as raízes doutrinárias, acesso em 21 mar. 2007. 56 57 Ibid. Acesso em 20. jun. 2007. HEWITT, M.D. Raízes da Tradição Batista , ed. MONOGRAFIAS, E.E. (São Leopoldo - RS: Editora Sinodal, 1995). p. 5.

Após a morte de John Smith, Thomas Helwys e seus seguidores regressaram à Inglaterra. Em 1612, já batizados por imersão, organizaram a Igreja Batista em Spitalfields, nos arredores de Londres. Essa primeira Igreja Batista londrina era arminiana, sendo por isso conhecida como “ batista geral ”. Entre 1633 e 1638 foi formada a primeira Igreja Batista “ particular ” (o que significava calvinista). Esses dois grupos de batistas na Inglaterra (geral e particular), em 1813, se uniram formando a “ General Union ”, posteriormente chamada de “ The Baptist Union of Great Britain and Northern Ireland ”.^62 Também por opiniões separatistas e dissensão com a Igreja Anglicana, em 1631, o inglês Roger Williams migrou para Boston, Massachusetts. Em 1635, estabeleceu a colônia de Rhode Island, e em 1638, com um grupo de amigos, fundou a Primeira Igreja Batista em Providence. John Clark organizou a Igreja Batista de Newport, também em Rhode Island, em 1648. Em terras americanas os batistas cresceram muito, principalmente no sul do País. Devido à distância e à situação entre a Inglaterra e as colônias americanas, as práticas e doutrinas batistas ali começaram a divergir das práticas e doutrinas da Igreja na Inglaterra. Porém, ainda que com características muito diversas, todas elas têm como pontos comuns e de união: a aceitação das Sagradas Escrituras como única regra de fé e conduta; o congregacionalismo adotado como forma de governo da Igreja; a não centralidade de suas práticas em função de um líder hierárquico; o batismo de adultos sob profissão de fé como forma de entrada na Igreja; a separação entre Igreja e Estado; e a liberdade de consciência e responsabilidade individual diante de Deus, baseadas na autonomia da alma em matéria religiosa.^63 Os batistas não centralizam suas práticas em função de um líder hierárquico, mas se associam voluntariamente em Igrejas livres. Seus adeptos são recrutados pela conversão ou aceitação tácita da doutrina do grupo. Dão ênfase à liberdade individual (a partir do princípio de liberdade de consciência) e ao princípio da separação entre Igreja e Estado (idéia de Igrejas

(^62) HEWITT, Raízes da Tradição Batista. p. 11. (^63) A Igreja Batista brasileira enfatiza a necessidade de uma decisão pessoal de aceitar a salvação, de que a conversão é pessoal, de uma ética do indivíduo, e a necessidade de se congregar a um grupo de pessoas de pensamento e doutrina semelhantes para manter um relacionamento pessoal com Cristo e com os outros membros da congregação. A pessoa deve assumir responsabilidades e participar ativamente das decisões administrativas da vida da Igreja, inclusive sobre a questão de aceitar ou excluir outros membros.

livres em sociedades livres, o que serviria também como proposta para a organização política).^64 Devido ao princípio de liberdade de consciência do indivíduo, os batistas questionam a validade de declarações confessionais. Assim, não tiveram, ao longo de sua história, credo ou confissão que tenham sido considerados definitivos pela maioria das igrejas. No entanto, algumas – as primeiras – confissões foram escritas com o objetivo de informar aos críticos acerca de sua natureza e fé. Além disso, grupos que viviam num contexto caracterizado por hostilidade e perseguição adotaram alguma definição confessional. Por meio dessas pode-se ter acesso a fragmentos do pensamento doutrinário batista. A Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira atual é uma versão ampliada e reestruturada da Confissão de New Hampshire. (1833),^65 foi adotada pela Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos ( The Southern Baptist Convention ), com algumas modificações e acréscimos.^66 A Declaração Doutrinária Batista Brasileira inclui também elementos da confissão dos batistas “ landmark ”, grupos fundamentalistas, autodenominados “Igrejas batistas missionárias”, que mobilizaram significativos recursos econômicos e enviaram muitos missionários para o exterior. Nesses grupos a “confissão” se transformou em “declaração doutrinária” e assumiu um papel dogmático na vida da Igreja. Provavelmente muitos missionários do final do século XIX e início do século XX fossem, ao menos parcialmente, landmarkists. Pode-se sugerir que o ponto de divergência dos atuais batistas para com os seus antepassados está na área da hermenêutica bíblica. 67 Para os batistas a Bíblia é a única regra de fé e prática. Não aceitam nenhum registro canônico paralelo ou adicional. Como reação à teologia liberal,^68 eles enfatizam uma hermenêutica muito fundamentalista e sua consideração pela Bíblia é tal que às vezes beira a idolatria, o que é uma distorção dos ideais originais batistas.^69

(^64) AZEVEDO, A Celebração do Indivíduo: A formação do pensamento batista brasileiro. p. 11-21. (^65) HEWITT, Raízes da Tradição Batista. p. 12. (^66) Ibid. p. 16. (^67) É uma confissão calvinista moderada, escrita para combater o rápido crescimento dos “ Free Will Baptists 68 ”, batistas de livre-arbítrio, os batistas arminianos. A teologia liberal procurou incorporar as contribuições das ciências não teológicas dando ênfase a uma análise histórica dos relatos bíblicos. Predominou, então, a visão do Jesus histórico, humano, esvaziado do divino. 69 HEWITT, Raízes da Tradição Batista. p. 13.

tornando a Igreja mais agressiva e criando conflitos sobre a questão da liberdade ”.^74 O conceito de liberdade no pensamento batista tem dois aspectos: o religioso e o político. Do lado religioso, ser batista é crer no livre-arbítrio e na responsabilidade de cada pessoa em tomar a decisão de aceitar a salvação. O aspecto político da liberdade prevê a separação entre os campos temporal e a espiritual. Essa separação é essencial para uma Igreja minoritária, a fim de defender a liberdade de culto,^75 mas a separação entre os campos temporal e espiritual é fortemente marcada pela presença dualismo. Conforme já observado, a liberdade é uma questão fundamental para os batistas desde os seus primórdios. Com a Guerra Civil de 1861-1865, o sul dos Estados Unidos sofreu trágica destruição. Como conseqüência, muitas famílias arruinadas financeiramente migraram para o Brasil, onde estabeleceram duas colônias: uma no Amazonas e outra em Santa Bárbara do Oeste, interior de São Paulo. Esses primeiros imigrantes formaram igrejas com a intenção de reconstruir suas economias, num país que lhes dava condições de continuar sua religião, manter seu estilo de vida e ainda aceitava a escravidão. Não tinham nenhum interesse missionário.^76 Entre os imigrantes, muitos eram metodistas, presbiterianos e batistas, e cada denominação constituiu seus respectivos pastores. A primeira Igreja Batista brasileira foi organizada em 10 de setembro de 1871, em Santa Bárbara,^77 com trinta membros.^78 Em outubro deste mesmo ano solicitaram ajuda da “ Foreign Mission Board ” da Southern Baptist Convention (Junta de Missões Estrangeiras da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos). Nada foi feito até que, em 1879, Richard Ratcliff, 79 que tinha servido como pastor em Santa Bárbara fez um

(^74) HEWITT, Raízes da Tradição Batista. p. 20. (^75) Ibid. p. 8. (^76) PEREIRA, J.D.R. História dos Batistas no Brasil (1882-2001) , 3a. edição ampliada e atualizada ed. (Rio de Janeiro: JUERP, 2001). p. 69. 77 OLIVEIRA, B.A.D. Centelha em restolho seco: uma contribuição para a história dos primórdios do trabalho Batista no Brasil 78 (São Paulo: Vida Nova, 2005). p. 377. VEDDER, H.C. Breve História dos Baptistas no Brasil, trans. HAYES, A. E., Edição nova e ilustrada ed. (Recife: Faculdade Theológica Baptista do Recife, 1934). p. 473. 79 Retirou-se do Brasil a 12.05.1878. OLIVEIRA, Centelha em restolho seco: uma contribuição para a história dos primórdios do trabalho Batista no Brasil. p. 65.

apelo que resultou na adoção da Igreja pela convenção, sem que isso representasse uma obrigação financeira.^80 Diferentemente das primeiras Igrejas batistas que eram típicas de “ protestantismo de migração ”, os missionários que vieram da Junta de Missões Estrangeiras da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos mudaram o futuro dos batistas no Brasil. Aos poucos criaram uma Igreja nacional, porém com forte influência norte-americana. Sua missão era salvar o continente brasileiro, que, segundo eles, era catolicizado, mas não cristianizado.^81 Marli G. Teixeira historia o relacionamento entre o liberalismo do século XIX e o ingresso e estabelecimento da Igreja Batista no Brasil. Em artigo publicado em 1987, a autora identifica quatro elementos que causaram um choque cultural nos primeiros missionários americanos: “ o etnocentrismo dos colonos e missionários; a ilegitimidade familiar brasileira; os hábitos alimentares e higiênicos que os missionários encontraram no país; a religiosidade popular e o sincretismo religioso brasileiro. ”^82 Os missionários foram incapazes de reconhecer os resultados de séculos de exploração colonial e atribuíram simplesmente ao pecado todos os problemas sociais e econômicos do país. Resulta daí uma Igreja a-histórica e acultural, uma Igreja fundamentalista e norte-americana, que defendia o conceito de liberdade, mas, na prática o limitava severamente. 83 Mais uma vez, observam-se vestígios da visão dualista reducionista que dificulta uma perspectiva religiosa integrada e integradora e atua muitas vezes por oposição e exclusão. Os missionários americanos propuseram-se a recriar uma Igreja fiel ao Novo Testamento cujos princípios podem ser assim resumidos: aceitação das Sagradas Escrituras como única regra de fé e conduta; crença de que o homem é justificado diante de Deus pela fé; a Igreja tomada como comunidade local, democrática e autônoma, formada por pessoas regeneradas e biblicamente batizadas (batismo de adultos e por imersão); a absoluta liberdade de consciência e conseqüentemente a responsabilidade individual diante de Deus; a certeza da

(^80) The Baptist Witness: A Concise Baptist History, ed. HISTORY, F.C.C. (Carib Baptist Publications). p. 194. 81 82 Ibid. p. 13. TEIXEIRA, M.G. Valores Morais e Liberalismo no Protestantismo Batista da Bahia no Século XIX 83 , Estudos Teológicos 27(3) (1987). Citado por HEWITT, Raízes da Tradição Batista. p. 9. HEWITT, Raízes da Tradição Batista. p. 9.